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Anarquia ou Barbarie

~ A anarquia é a percepção ecológica da sociedade, é o entender a participação livre de cada membro da coletividade como fundamental para a existência, para o exercício da verdadeira cidadania que é viver na coletividade respeitando a diversidade. Anarquia é coletivamente sermos o poder, é todos nós decidirmos em conjunto, de forma horizontal o que fazermos em nossas vidas e em nossos bairros, cidades….

Anarquia ou Barbarie

Arquivos de Categoria: Aborto

Mulheres, anarquismo e luta de classe: Rememorando à história.

03 quinta-feira mar 2016

Posted by litatah in Aborto, Anarco Feminismo, Anarquia, Anti Homofobia, Anti Machismo, Anti Misoginia, Ecofeminismo, Feminismo e Transfeminismo, Feminismo intersecional, História, Marques da Costa, Núcleo de Pesquisa Marques da Costa, Sem categoria

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anarcofeminismo, ecofeminismo, emancipação feminina, feminismo, feminismo curdo, feminismo interseccional, feminismo intersecional, Marques da Costa, mulheres, Transfeminismo

Por Phmagón & Julio Fontes

Fonte: Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

Mujeres Libres Pintura

“A condição da mulher, neste século, varia segundo sua categoria social; porém, apesar da dulcificação dos costumes, apesar dos progressos da filosofia, a mulher continua subordinada ao homem pela tradição e pela Lei” (Ricardo Flores Magón).

A luta de trabalhadores e trabalhadoras por igualdade de gêneros, tanto no campo social, quanto no econômico e político, são reivindicações históricas realizadas pelos anarquistas. Recordarmos personagens que promoveram esse fato em prol da igualdade, liberdade e solidariedade entre homens e mulheres das classes operárias é uma maneira de renovarmos esforços para mantermos firmes na luta. Num momento importante para o anarquismo e, especificamente, para as mulheres trabalhadoras, a data 8 de março nos presenteia com uma viagem ao passado para relembrarmos o alvoroço anarquista em favor da emancipação da mulher e figuras importantes que protagonizaram essa história.

“A luta de classes já é uma dura realidade de hoje, para o princípio de um grande fim…

Se, até aqui, a burguesia das castas e do poder governou o mundo, tiranizou os oprimidos e explorou os trabalhadores, de agora em diante, mulheres brasileiras, atentai bem, não haverá nenhuma consideração ao sexo, à idade, à fragilidade feminina, à riqueza ou à posição social”(Maria Lacerda de Moura[i]).

Esse trecho da Maria Lacerda de Moura, uma libertária que se comprometeu com a luta das classes populares e da mulher, é bem explicativo quanto as intenções do anarquismo ao posicionamento da mulher na sociedade: Igualdade entre os sexos significa a superação de toda a forma de dominação e exploração dos trabalhadores e das trabalhadoras; de toda a sociedade de classe e burocrática; de toda a desigualdade econômica, política e social. Se atualmente as mulheres podem usufruir de algumas conquistas sociais, inclusive no campo trabalhista, isso fora construído historicamente, por lutas incessantes realizadas por inúmeras mulheres.

Exemplo disso temos a participação das mulheres em eventos populares históricos: Louise Michel, educadora, anarquista que teve protagonismo na construção da Comuna de Paris,  “criadora do grupo ‘O direito da mulher’, formado por socialistas e feministas, e das milícias, onde comandou batalhões de mulheres à frente das barricadas na Comuna”. Em uma de suas memórias, ao abordar o tema sobre o direito da mulher, Louise Michel afirma: “Eu admito que o homem também sofra nesta sociedade maldita, mas nenhuma tristeza pode ser comparada com a da mulher. Na rua ela é mercadoria. Na rua ela é mercadoria. Nos conventos, onde se oculta como em uma tumba, a ignorância a ata, e as regras ascendem em sua máquina como engrenagens e pulverizam seu coração e seu cérebro. No mundo se dobre sobre a mortificação. Em sua casa, suas tarefas a esmagam[ii]”.

Michel destaca a presença da mulher na sociedade como objeto, um adorno que sofria com a sociedade de classes já consolidada na França nesse período. Outro exemplo que podemos elucidar é a anarquista Lucy Parson. Essa sindicalista americana, filha de uma mexicana com um índio, auxilia na fundação da International Working People’s Association (IWPA) que teve participação efetiva na greve geral no 1º de Maio que ocorreu na Praça de Haymarket e ocasionou o famoso processo dos “Mártires de Chicago[iii]”.

Ainda temos a experiência das Mujeres Libres na Guerra Civil Espanhola em 1936, que pegaram em armas para lutar pelos direitos dos operariados, demonstrando que a participação revolucionária da mulher não se resume a educação das crianças ou dos cuidados a família, como alguns ditos socialistas pensavam. Aqui no Brasil também teremos o protagonismo de mulheres no movimento sindical e anarquista. Como temos diversas personagens para recordarmos, manteremos a transcrição da história de apenas uma militante que se destacou, na então Capital do país, o Rio de Janeiro: Elvira Boni de Lacerda.

Elvira Boni

 Elvira Boni

Nascida em 1899, na cidade de Pinhal no Espírito Santo, Elvira Boni convive com o anarquismo e o sindicalismo desde crianças. Filha de operários italianos, Ângelo Boni e Tercila Aciratti Boni, seu pai inicia contato com socialismo por influência de amigos socialistas de tendências libertárias, vindo a frequentar o “Círculo Socialista Dante Alighieri”. Em 1911, já na Capital Federal, com 12 anos de idade, Elvira começa a trabalhar como costureira, acompanhando seus irmãos mais velhos na frequência às reuniões da Liga Anticlerical do Rio de Janeiro, fundada a 21 de fevereiro daquele ano. No ano seguinte estreia como atriz no teatro social em uma representação da peça de Neno Vasco “O Pecado de Simonia”. De 1919 a 1922 atuou em diversas peças de cunho social, tendo integrado o Grupo Dramático 1º de Maio que iniciou suas atividades em 1917/1918. Além de atuante no grupo dramático libertário, que teve grande participação nos eventos sindicais, em 1919 na esteira das comemorações do 1º de maio que levaram grande multidão as ruas do Rio de Janeiro, Elvira e mais 50 colegas fundam o sindicato de sua categoria, a União das Costureiras e Classes Anexas, de que foi tesoureira até 1922. Ainda em 1919 teve destacada participação na greve das costureiras pelas 8 horas de trabalho, deflagrada a 18 daquele mês e que teve saldos positivos. No mês seguinte Elvira participa da grande festa proletária ocorrida na Quinta da Boa Vista com vista à fundação do jornal Voz do Povo, diário da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro e que circularia a partir dos primeiros meses de 1920.

Em abril do mesmo ano, Elvira Boni, com sua colega Noêmia Lopes representou a União das Costureiras no 3º Congresso Operário Brasileiro, tendo chegado a presidir uma de suas sessões. Em 1921, por indicação de José Oiticica integrou o Comitê Pró-Flagelados Russos, que visava a auxiliar populações vítimas da seca naquele país, ocorrida após a Guerra Civil[iv]. No período 1921 – 1922, Elvira constou como encarregada de correspondência da revista anarquistaRenovação que circulou naquele período, tendo ali publicado artigo sobre A Festa da Penha[v]na edição número 2, de outubro de 1921, em que mostra a alienação das mulheres do povo ao comparecerem àquele evento religioso. A revista era dirigida pelo anarquista português Marques da Costa.

A história de mulheres como Elvira Boni nos reafirma que a luta de classes faz parte, integral, da luta das mulheres trabalhadoras, pois essas, sim, são as que mais afligem com a desigualdade causada pelo capitalismo e a sociedade hierárquica. Sejamos todos nós essas mulheres que durante todo o percurso da história do anarquismo, se comprometeram com a emancipação social das classes proletárias, com o apoio mútuo e igualdade de gêneros, com a luta ao acesso à cultura e à educação dos trabalhadores e trabalhadoras, etc. Que esse 8 de Março tentemos ser um pouco dessas mulheres aguerridas e que protagonizaram tantas conquistas no cenário operário e do anarquismo.

Phmagón e Julio Fontes, 8 de Março de 2014.


[i] RODRIGUES, Edgar. Mulheres e Anarquia. Achiamé. Rio de Janeiro, 2007.

[ii] CALC. 142 anos da Comuna de Paris: Louise Michel e o protagonismo feminino na luta pela liberdade. http://coletivoanarquistalutadeclasse.wordpress.com/2013/03/19/142-anos-da-comuna-de-paris-louise-michel-e-o-protagonismo-feminino-na-luta-pela-liberdade/ – acessado em: 06/03/2014.

[iii] Arquivo de História Social Edgar Rodrigues. Pensadores Anarquistas e Militantes Libertários. http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/pensadoresanarquistas.html – acessado em: 06/03/2014.

[iv] GOMES, Angela de Castro; FLAKSMAN, Dora Rocha; STOTZ, Eduardo. Velhos Militantes: Depoimentos de Elvira Boni, João Lopes, Eduardo Xavier, Hilcar Leita. Jorge Zahar Editora. Rio de Janeiro, 1988.

[v] RODRIGUES, Edgar. Mulheres e Anarquia. Achiamé. Rio de Janeiro, 2007.

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A PARTIR DE AGORA – As jornadas de junho no Brasil

15 quarta-feira jul 2015

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A partir de agora - as jornadas de junho

Fonte: Adital

O Documentário “A partir de agora – as jornadas de junho no Brasil”, dirigido pelo diretor argentino Carlos Pronzato, desenvolve-se a partir de entrevistas de cinco ativistas de cinco capitais brasileiras, além de alguns manifestantes que abordam as manifestações ocorridas no Brasil a partir de junho de 2013.

O documentário mostra que os protestos populares deram resultado no país. As manifestações que iniciaram em março e abril de 2013, em Porto Alegre, Estado Rio Grande do Sul, conseguiram suspender o aumento da tarifa de ônibus na cidade. As manifestações que ocorreram em junho de mesmo ano nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro tiveram maior proporção, com pautas diferentes, e serviram de estopim para novos protestos pelo resto do Brasil.

O documentário foi lançado em fevereiro de 2014 e, além de relatar com maestria as manifestações ocorridas no Brasil, pode ser utilizado como material de debate a respeito do papel da participação popular nas decisões políticas e sociais do país.

Carlos Pronzato é um renomado cineasta, diretor de vários documentários, entre eles “Carlos Marighella- Quem samba fica, quem não samba vai embora” e ”Mães da praça de maio- memória, verdade e justiça”.

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Black Block (2011)

15 quarta-feira jul 2015

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black-capa

(Itália, 2011, 77 min. – Direção: Carloo Bachschmidt)
Fonte: DocVerdade
Selecionado para o Festival de Veneza de 2011, o documentário Black Block é um conjunto de relatos de ativistas que foram espancados e torturados na Escola Diaz pela polícia em Gênova, durante o encontro do G8 em 2001.
O Filme mostra o que ocorre quando há interesse que o Estado Republicano seja temporariamente substituído pela repressão simples e pura. A ação inconstitucional da polícia italiana, serviria como um recado para os 300 mil manifestantes que ousaram enfrentar o poder dos 8 países mais poderosos do mundo. Mas o tiro saiu pela culatra. Diferentemente do que ocorre no Brasil, houve um julgamento sobre a ação policial que culminou na condenação de policiais e indenização milionária  para os ativistas. (docverdade)

Torrent

Legendas pt-br

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PEDAGOGIAS DA SEXUALIDADE – GUACIRA LOPES LOURO

06 segunda-feira jul 2015

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Pedagogias da Sexualidade.

Guacira Lopes Louro.*

Como jovem mulher, eu sabia que a sexualidade era um assunto privado, alguma coisa da qual deveria falar apenas com alguém muito íntimo e, preferentemente, de forma reservada. A sexualidade — o sexo, como se dizia — parecia não ter nenhuma dimensão social; era um assunto pessoal e particular que, eventualmente, se confidenciava a uma amiga próxima. “Viver” plenamente a sexualidade era, em princípio, uma prerrogativa da vida adulta, a ser partilhada com um parceiro do sexo oposto. Mas, até chegar esse momento, o que se fazia? Experimentava-se, de algum modo, a sexualidade? Supunha-se uma “preparação” para vivê-la mais tarde? Em que instâncias se “aprendia” sobre sexo? O que se sabia? Que sentimentos se associavam a tudo isso?

Certamente as respostas a essas questões dependiam (e dependem) de inúmeros fatores. Geração, raça, nacionalidade, religião, classe, etnia seriam algumas das marcas que poderiam ajudar a ensaiar uma resposta. De modo especial, as profundas transformações que, nas últimas décadas, vêm afetando múltiplas dimensões da vida de mulheres e de homens e alterando concepções, as práticas e as identidades sexuais teriam de ser levadas em consideração. Jovens ocidentais de grandes cidades do final do século XX terão, sem dúvida, outras respostas ( seguramente, outras perguntas) se comparados com a jovem que eu fui e com jovens de outras épocas, outras regiões…

As muitas formas de fazer-se mulher ou homem, as várias possibilidades de viver prazeres e desejos corporais são sempre sugeridas, anunciadas, promovidas socialmente (e hoje possivelmente de formas mais explícitas do que antes). Elas são também, renovadamente, reguladas, condenadas ou negadas. Na verdade, desde os anos sessenta, o debate sobre as identidades e as práticas sexuais e de gênero vem se tornando cada vez mais acalorado, especialmente provocado pelo movimento feminista, pelos movimentos de gays e de lésbicas e sustentado, também, por todos aqueles e aquelas que se sentem ameaçados por essas manifestações. Novas identidades sociais tornaram-se visíveis, provocando, em seu processo de afirmação e diferenciação, novas divisões sociais e o nascimento do que passou a ser conhecido como “política de identidades” (Stuart Hall, 1997).

Se as transformações sociais que construíam novas formas de relacionamento e estilos de vida já se mostravam, nos anos 60, profundas e perturbadoras, elas se acelerariam ainda mais, nas décadas seguintes, passando a intervir em setores que haviam sido, por muito tempo, considerados imutáveis, trans-históricos e universais. As novas tecnologias reprodutivas, as possibilidades de transgredir categorias e fronteiras sexuais, as articulações corpo-máquina a cada dia desestabilizam antigas certezas; implodem noções tradicionais de tempo, de espaço, de “realidade”; subvertem as formas de gerar, de nascer, de crescer, de amar ou de morrer. Jornais e revistas informam, agora, que um jovem casal decidiu congelar o embrião que havia gerado, no intuito de adiar o nascimento de seu filho para um momento em que disponha de melhores condições para criá-lo; contam que mulheres estão dispostas a abrigar o sêmen congelado de um artista famoso já morto; revelam a batalha judicial de indivíduos que, submetidos a um conjunto complexo de intervenções médicas e psicológicas, reclamam uma identidade civil feminina para completar o processo de transexualidade que empreenderam. Conectados pela Internet, sujeitos estabelecem relações amorosas que desprezam dimensões de espaço, de tempo, de gênero, de sexualidade e estabelecem jogos de identidade múltipla nos quais o anonimato e a troca de identidade são freqüentemente utilizados (Kenway, 1998). Embaladas pela ameaça da AIDS e pelas possibilidades cibernéticas, práticas sexuais virtuais substituem ou complementam as práticas face-a-face. Por outro lado, adolescentes experimentam, mais cedo, a maternidade e a paternidade; uniões afetivas e sexuais estáveis entre sujeitos do mesmo sexo se tornam crescentemente visíveis e rotineiras; arranjos familiares se multiplicam e se modificam…

Todas essas transformações afetam, sem dúvida, as formas de se viver e de se construir identidades de gênero e sexuais. Na verdade, tais transformações constituem novas formas de existência para todos, mesmo para aqueles que, aparentemente, não as experimentam de modo direto. Elas permitem novas soluções para as indagações que sugeri e, obviamente, provocam novas e desafiantes perguntas. Talvez seja possível, contudo, traçar alguns pontos comuns para sustentação das respostas. O primeiro deles remete-se à compreensão de que a sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas é social e política. o segundo, ao fato de que a sexualidade é “aprendida”, ou melhor, é construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos.

Compondo identidades

 Muitos consideram que a sexualidade é algo que todos nós, mulheres e homens, possuímos “naturalmente”. Aceitando essa idéia, fica sem sentido argumentar a respeito de sua dimensão social e política ou a respeito de seu caráter construído. A sexualidade seria algo “dado” pela natureza, inerente ao ser humano. Tal concepção usualmente se ancora no corpo e na suposição de que todos vivemos nossos corpos, universalmente, da mesma forma. No entanto, podemos entender que a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções… Processos profundamente culturais e plurais. Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente “natural” nesse terreno, a começar pela própria concepção de corpo, ou mesmo de natureza. Através de processos culturais, definimos o que é — ou não — natural; produzimos e transformamos a natureza e a biologia e, conseqüentemente, as tornamos históricas. Os corpos ganham sentido socialmente. A inscrição dos gêneros — feminino ou masculino — nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura. As possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os desejos e prazeres — também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade.

A sexualidade, afirma Foucault, é um “dispositivo histórico” (1988). Em outras palavras, ela é uma invenção social, uma vez que se constitui, historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo: discursos que regulam, que normatizam, que instauram saberes, que produzem “verdades”. Sua definição de dispositivo sugere a direção e a abrangência de nosso olhar:

um    conjunto    decididamente   heterogêneo   que   engloba   discursos,   instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas (…) o dito e o não-dito são elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos (Foucault, 1993, p.244).

É, então, no âmbito da cultura e da história que se definem as identidades sociais (todas elas e não apenas as identidades sexuais e de gênero, mas também as identidades de raça, de nacionalidade, de classe, etc). Essas múltiplas e distintas identidades constituem os sujeitos, na medida em que esses são interpelados a partir de diferentes situações, instituições ou agrupamentos sociais. Reconhecer-se numa identidade supõe, pois, responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência. Nada há de simples ou de estável nisso tudo, pois essas múltiplas identidades podem cobrar, ao mesmo tempo, lealdades distintas, divergentes ou até contraditórias. Somos sujeitos de muitas identidades. Essas múltiplas identidades sociais podem ser, também, provisoriamente atraentes e, depois, nos parecerem descartáveis; elas podem ser, então, rejeitadas e abandonadas. Somos sujeitos de identidades transitórias e contingentes. Portanto, as identidades sexuais e de gênero (como todas as identidades sociais) têm o caráter fragmentado, instável, histórico e plural, afirmado pelos teóricos e teóricas culturais.

Admite-se (embora com algumas resistências) que um operário venha a se transformar num patrão ou que uma camponesa se torne empresária. Representados de formas novas, ele ou ela provavelmente também passam a se perceber como outros sujeitos, com outros interesses e estilos de vida. Aceita-se a transitoriedade ou a contingência de identidades de classe. A situação torna-se mais complicada, no entanto, se um processo semelhante ocorre com relação às identidades de gênero e sexuais. Uma notícia de jornal [1] pode servir de exemplo: numa pequena cidade da Alemanha, o prefeito, algum tempo depois de eleito, assume publicamente uma nova identidade de gênero. Ele agora apresenta-se como mulher e comunica sua intenção de completar essa transformação através de processos médicos, especialmente cirúrgicos. A cidade inicia um movimento para destitui-lo pois, na opinião de grande parte da população, ele é agora “outra” pessoa. Seus eleitores sentem-se enganados e com o direito de anular sua escolha, pois ele transgrediu uma fronteira considerada intransponível e proibida. Uma mudança que, aparentemente, estaria mais ligada à sua vida pessoal é questionada de modo radical, supondo-se que ela afetará sua atividade de governante. Curiosamente, no entanto, não se pensa em destituir um homem ou uma mulher públicos que abandonem as idéias ou as proposições que defenderam e pelas quais foram eleitos e se vinculem a partidos ou grupos diametralmente opostos. Ainda que, nesse caso, as mudanças possam ter um efeito muito mais direto e imediato na função pública, a questão é banalizada. Quando uma figura de destaque assume, publicamente, sua condição de gay ou de lésbica também é freqüente que seja vista como protagonizando uma fraude; como se esse sujeito tivesse induzido os demais a um erro, a um engano. A admissão de uma nova identidade sexual ou de uma nova identidade de gênero é considerada uma alteração essencial, uma alteração que atinge a “essência” do sujeito.

Pela centralidade que a sexualidade adquiriu nas modernas sociedades ocidentais, parece ser difícil entendê-la como tendo as propriedades de fluidez e inconstância. Freqüentemente nos apresentamos (ou nos representamos) a partir de nossa identidade de gênero e de nossa identidade sexual. Essa parece ser, usualmente, a referência mais “segura” sobre os indivíduos. Conforme diz Jeffrey Weeks (1995, p.89), podemos reconhecer, teoricamente, que nossos desejos e interesses individuais e nossos múltiplos pertencimentos sociais possam nos “empurrar” em várias direções; no entanto, nós “tememos a incerteza, o desconhecido, a ameaça de dissolução que implica não ter uma identidade fixa”; por isso, tentamos fixar uma identidade, afirmando que o que somos agora é o que, na verdade, sempre fomos. Precisamos de algo que dê um fundamento para nossas ações e, então, construímos nossas “narrativas pessoais”, nossas biografias de uma forma que lhes garanta coerência. Para Weeks é aqui, justamente, que o corpo se torna a referência central:

Num mundo de fluxo aparentemente constante, onde os pontos fixos estão se movendo ou se dissolvendo, seguramos o que nos parece mais tangível, a verdade de nossas necessidades e desejos corporais. (…) O corpo é visto como a corte de julgamento final sobre o que somos ou o que podemos nos tornar. Por que outra razão estamos tão preocupados em saber se os desejos sexuais, sejam hetero ou homossexuais, são inatos ou adquiridos? Por que outra razão estamos tão preocupados em saber se o comportamento generificado corresponde aos atributos físicos? Apenas porque tudo o mais é tão incerto que precisamos do julgamento que, aparentemente, nossos corpos pronunciam (Weeks, 1995, p.90-91).

Nossos corpos constituem-se na referência que ancora, por força, a identidade. E, aparentemente, o corpo é inequívoco, evidente por si; em conseqüência, esperamos que o corpo dite a identidade, sem ambigüidades nem inconstância. Aparentemente se deduz uma identidade de gênero, sexual ou étnica de “marcas” biológicas; o processo é, no entanto, muito mais complexo e essa dedução pode ser (e muitas vezes é) equivocada. Os corpos são significados pela cultura e, continuamente, por ela alterados. Talvez devêssemos nos perguntar, antes de tudo, como determinada característica passou a ser reconhecida (passou a ser significada) como uma “marca” definidora da identidade; perguntar, também, quais os significados que, nesse momento e nessa cultura, estão sendo atribuídos a tal marca ou a tal aparência. Pode ocorrer, além disso, que os desejos e as necessidades que alguém experimenta estejam em discordância com a aparência de seu corpo. Weeks (1995) lembra que o corpo é inconstante, que suas necessidades e desejos mudam. O corpo se altera com a passagem do tempo, com a doença, com mudanças de hábitos alimentares e de vida, com possibilidades distintas de prazer ou com novas formas de intervenção médica e tecnológica. Num tempo de AIDS, por exemplo, a preocupação com o exercício do “sexo seguro” vem sugerindo novos modos de encontrar prazer corporal, alterando práticas sexuais ou produzindo outras formas de relacionamento entre os sujeitos. Nesse final de milênio, usando a metáfora do ciborgue cunhada por Donna Harraway (1991), teríamos de admitir que muitas fronteiras foram transgredidas: há agora “potentes fusões e perigosas possibilidades” que tornam problemáticos os dualismos de mente e corpo, animal e máquina, humano e animal. Os corpos não são, pois, tão evidentes como usualmente pensamos. Nem as identidades são uma decorrência direta das “evidências” dos corpos.

De qualquer forma, investimos muito nos corpos. De acordo com as mais diversas imposições culturais, nós os construímos de modo a adequá-los aos critérios estéticos, higiênicos, morais, dos grupos a que pertencemos. As imposições de saúde, vigor, vitalidade, juventude, beleza, força são distintamente significadas, nas mais variadas culturas e são também, nas distintas culturas, diferentemente atribuídas aos corpos de homens ou de mulheres. Através de muitos processos, de cuidados físicos, exercícios, roupas, aromas, adornos, inscrevemos nos corpos marcas de identidades e, conseqüentemente, de diferenciação. Treinamos nossos sentidos para perceber e decodificar essas marcas e aprendemos a classificar os sujeitos pelas formas como eles se apresentam corporalmente, pelos comportamentos e gestos que empregam e pelas várias formas com que se expressam.

É fácil concluir que nesses processos de reconhecimento de identidades inscreve-se, ao mesmo tempo, a atribuição de diferenças. Tudo isso implica a instituição de desigualdades, de ordenamentos, de hierarquias, e está, sem dúvida, estreitamente imbricado com as redes de poder que circulam numa sociedade. O reconhecimento do “outro”, daquele ou daquela que não partilha dos atributos que possuímos, é feito a partir do lugar social que ocupamos. De modo mais amplo, as sociedades realizam esses processos e, então, constroem os contornos demarcadores das fronteiras entre aqueles que representam a norma (que estão em consonância com seus padrões culturais e aqueles que ficam fora dela, às suas margens. Em nossa sociedade, a norma que se estabelece, historicamente, remete ao homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão e essa passa a ser a referência que não precisa mais ser nomeada. Serão os “outros” sujeitos sociais que se tornarão “marcados”, que se definirão e serão denominados a partir dessa referência. Desta forma, a mulher é representada como “o segundo sexo” e gays e lésbicas são descritos como desviantes da norma heterossexual.

Ao classificar os sujeitos, toda sociedade estabelece divisões e atribui rótulos que  pretendem fixar as identidades. Ela define, separa e, de formas sutis ou violentas, também distingue e discrimina. Tomaz Tadeu da Silva (1998) afirma:

Os diferentes grupos sociais utilizam a representação para forjar a sua identidade e as identidades dos outros grupos sociais. Ela não é, entretanto, um campo equilibrado de jogo. Através da representação se travam batalhas decisivas de criação e imposição de significados particulares: esse é um campo atravessado por relações de poder. (…) o poder define a forma como se processa a representação; a representação, por sua vez, tem efeitos específicos, ligados, sobretudo, à produção de identidades culturais e sociais, reforçando, assim, as relações de poder.

Distintas e divergentes representações podem, pois, circular e produzir efeitos sociais. Algumas delas, contudo, ganham uma visibilidade e uma força tão grandes que deixam de ser percebidas como representações e são tomadas como sendo a realidade. Os grupos sociais que ocupam as posições centrais, “normais” (de gênero, de sexualidade, de raça, de classe, de religião etc.) têm possibilidade não apenas de representar a si mesmos, mas também de representar os outros. Eles falam por si e também falam pelos “outros” (e sobre os outros); apresentam como padrão sua própria estética, sua ética ou sua ciência e arrogam-se o direito de representar (pela negação ou pela subordinação) as manifestações dos demais grupos. Por tudo isso, podemos afirmar que as identidades sociais e culturais são políticas. As formas como elas se representam ou são representadas, os significados que atribuem às suas experiências e práticas é, sempre, atravessado e marcado por relações de poder. A “política de identidade”, antes referida, ganha sentido nesse contexto, pois, como diz Tomaz T. Silva (1998), é através dela que “os grupos subordinados contestam precisamente a normalidade e a hegemonia” das identidades tidas como “normais”.

Esses mecanismos operam, fortemente, no campo da sexualidade. Aqui, uma forma de sexualidade é generalizada e naturalizada e funciona como referência para todo o campo e para todos os sujeitos. A heterossexualidade é concebida como “natural” e também como universal e normal. Aparentemente supõe-se que todos os sujeitos tenham uma inclinação inata para eleger como objeto de seu desejo, como parceiro de seus afetos e de seus jogos sexuais alguém do sexo oposto. Conseqüentemente, as outras formas de sexualidade são constituídas como antinaturais, peculiares e anormais. É curioso observar, no entanto, o quanto essa inclinação, tida como inata e natural, é alvo da mais meticulosa, continuada e intensa vigilância, bem como do mais diligente investimento.

Educando corpos, produzindo a sexualidade “normal”

Philip R. D. Corrigan conta sobre suas experiências escolares num artigo intitulado The making of the boy. meditations on what grammar school did with, to, and for my body (1991) Através de algumas lembranças dolorosas, curiosas e profundamente particulares, ele descreve um processo de escolarização do corpo e a produção de uma masculinidade, demonstrando como a escola pratica a pedagogia da sexualidade, o disciplinamento dos corpos. Tal pedagogia é muitas vezes sutil, discreta, contínua mas, quase sempre, eficiente e duradoura. O artigo provocou minhas próprias lembranças escolares. Elas são, sob muitos aspectos, extremamente distintas das dele, mas também apresentam alguns pontos em comum.

Corrigan (1991, p.200) destaca sua entrada numa grande escola particular inglesa: “O primeiro dia ficou impresso com horror para o resto de minha vida”, diz ele, “as regras de Aske (o nome da escola) permitiam — para bem produzir o menino — formas legitimadas de violência exercidas por alguns garotos (sênior ou maiores sob alguns aspectos) sobre os “novos”. Conforme ele conta, a “produção do menino” era um projeto amplo, integral, que se desdobrava em inúmeras situações e que tinha como alvo uma determinada forma de masculinidade. Era uma masculinidade dura, forjada no esporte, na competição e numa violência consentida. Na percepção de Corrigan, todos os investimentos eram feitos no corpo e sobre o corpo. Nas escolas, segundo ele (p.210), os corpos “são ensinados, disciplinados, medidos, avaliados, examinados, aprovados (ou não), categorizados, magoados, coagidos, consentidos…” A passagem pela adolescência, numa rígida escola inglesa, deixaria para sempre marcas no seu corpo.

Minhas lembranças escolares parecem menos duras. Mas hoje tenho consciência de que a escola também deixou marcas expressivas em meu corpo e me ensinou a usá-lo de uma determinada forma. Numa escola pública brasileira predominantemente feminina, os métodos foram outros, os resultados pretendidos eram diversos. Ali nos ensinavam a sermos dóceis, discretas, gentis, a obedecer, a pedir licença, a pedir desculpas. Certamente também nos ensinaram, como a Corrigan, as ciências, as letras, as artes que deveríamos manejar para sobreviver socialmente. Mas essas informações e habilidades foram transmitidas e atravessadas por sutis e profundas imposições físicas. Jovens escolarizados, aprendemos, tanto ele quanto eu, a suportar o cansaço e a prestar atenção ao que professores e professoras diziam; a utilizar códigos para debater, persuadir, vencer; a empregar os gestos e os comportamentos adequados e distintivos daquelas instituições. Os propósitos desses investimentos escolares eram a produção de um homem e de uma mulher “civilizados”, capazes de viver em coerência e adequação nas sociedades inglesa e brasileira, respectivamente.

A ação pedagógica mais explícita, aquela que encheria as páginas dos planejamentos e dos relatórios educacionais, voltava-se, muito provavelmente, para a descrição, em detalhes, das características que constituíam a qualificação “civilizado”, ou seja, voltava-se de forma manifesta para os atributos lógicos e intelectuais que, supostamente, seriam adquiridos na escola, através de práticas de ensino específicas. O investimento mais profundo, contudo, o investimento de base da escolarização se dirigia para o que era substantivo: para a formação de homens e mulheres “de verdade”. Em que consistia isso? Existiam (e, sem dúvida, existem) algumas referências e critérios para discernir e decidir o quanto cada menino ou menina, cada adolescente e jovem estava se aproximando ou se afastando da “norma” desejada. Por isso, possivelmente, as marcas permanentes que atribuímos às escolas não se refletem nos conteúdos programáticos que elas possam nos ter apresentado mas sim se referem a situações do dia-a-dia, a experiências comuns ou extraordinárias que vivemos no seu interior, com colegas, com professoras e professores. As marcas que nos fazem lembrar, ainda hoje, dessas instituições têm a ver com as formas como construímos nossas identidades sociais, especialmente nossa identidade de gênero e sexual.

Uma de minhas lembranças mais fortes e recorrentes a respeito de minha vida escolar está ligada à importância que era atribuída àquela escola como “escola padrão”. Fazia parte dessa representação uma engenhosa combinação de tradição e modernidade, na qual o peso da tradição prevalecia, seguramente. De algum modo parecia que cabia a nós, estudantes, carregar o peso daquela instituição. Talvez se esperasse que nós fôssemos, também, uma espécie de estudante “padrão”. Lembro-me de ouvir, sempre, a mensagem de que, vestidas com o uniforme da escola, nós “éramos a escola”! Isso implicava a obrigação de manter um comportamento “adequado”, respeitoso e apropriado, em qualquer lugar, a qualquer momento. O uniforme — saia azul pregueada e blusa branca com um laço azul-marinho — era, ao mesmo tempo, cobiçado por ser distintivo da instituição e desvirtuado por pequenas transgressões. A saia, mantida num comprimento “decente” no interior da escola, era suspendida ao sair dali, enrolada na cintura de forma a conseguir um estilo “mini”, mais condizente com a moda; o laço descia (do botão mais alto da blusa rente à gola onde deveria estar) alguns centímetros, de forma a proporcionar um decote mais atraente (o número de botões dependia da ousadia de cada uma). Essas subversões, quando descobertas por alguma funcionária ou professora da escola, em qualquer lugar da cidade, eram alvo de repreensões individuais ou coletivas, particulares ou comunicadas aos pais e mães etc. (O olhar panóptico ia muito além das fronteiras do prédio escolar!) A preocupação com o uniforme, defendida pela escola como uma forma de democratizar os trajes de suas estudantes e poupar gastos com roupas, era reiterada cotidianamente, com implicações que transitavam pelos terrenos da higiene, da estética e da moral. Apesar de submetidas a seu uso obrigatório, a maioria de nós tentava introduzir alguma marca pessoal que pudesse afirmar “esta sou eu”. Adolescentes, estávamos cada vez mais conscientes de que podíamos inscrever em nossos corpos indicações do tipo de mulher que éramos ou que desejávamos ser. O cinema, a televisão, as revistas e a publicidade (que também exerciam sua pedagogia) nos pareciam guias mais confiáveis para dizer como era uma mulher desejável e tentávamos, o quanto era possível, nos aproximar dessa representação. A escola, por seu lado, pretendia desviar nosso interesse para outros assuntos, adiando, a todo preço, a atenção sobre a sexualidade.

Essa dessexualização do espaço escolar atingia também nossas professoras e professores. Ao ler o livro de Debbie Epstein e Richard Johnson, Schooling sexualities (1998), deparei-me com uma situação muito semelhante à que existia em minha antiga escola. Relatando uma pesquisa numa instituição inglesa atual, eles assim descrevem uma assembléia escolar:

Os professores e professoras chegam com seus formulários e tomam seus lugares ao longo das paredes do hall (diversamente das meninas, eles/as não têm de se sentar de pernas cruzadas no chão) observam as estudantes com um olhar disciplinar. Eles e elas também vestem uma espécie de uniforme. Os poucos homens trajam calças cinza de flanela e camisas de cores lisas com uma gravata e uma jaqueta (mas não um paletó). As mulheres se vestem de cores variadas, mas de estilos semelhantes. Estão vestidas de modo a parecerem “respeitáveis”. Calçam sapatos práticos, mas nada muito feminino. Não há saltos altos nem botas aqui. Ao invés disso, sapatos baixos ou de saltos moderados. Não há nenhuma “última moda”, nenhum indicativo de estilo heterossexual, gay ou lésbico entre os professores e as professoras(Epstein e Johnson, 1998, p.111).

As mulheres que habitam minhas memórias escolares também se assemelham a esse quadro, com um agravante para o meu (o nosso) olhar juvenil: um número expressivo delas era “solteirona”! A palavra tinha um peso muito forte, nos anos sessenta. Representava não apenas uma mulher que não era casada, mas uma mulher virgem, que não havia sido tocada. A atmosfera religiosa que cercava a vida escolar acentuava sua apresentação discreta e austera e vários outros indícios nos sinalizavam que essas eram mulheres sós. Sobre algumas delas circulavam histórias de noivos que haviam morrido antes do casamento e isso explicava por que essas se vestiam constantemente de luto, sem qualquer traço de maquiagem. Lembro que eram um tema recorrente de nossas conversas: imaginávamos como viviam e criávamos apelidos e códigos que nos permitiam falar delas de forma cifrada, só compreensível para quem pertencia ao grupo. Mas quem desejaria se parecer com elas? A figura era, certamente, muito pouco atraente para nós, reforçada, ainda, pela representação social da professora-solteirona. Como tornar, então, o magistério uma opção sedutora, numa escola que, afinal, pretendia formar professoras? Em que medida decidir por essa profissão nos obrigaria a carregar alguns desses traços? Como subverter tudo isso? As poucas professoras mais jovens ou casadas (preferentemente as que detinham os dois atributos) ganhavam, geralmente, nossa admiração. Elas acenavam para uma outra representação de magistério (e, principalmente, de mulher) que nos parecia mais “moderna”.

Não pretendo atribuir à escola nem o poder nem a responsabilidade de explicar as identidades sociais, muito menos de determiná-las de forma definitiva. É preciso reconhecer, contudo, que suas proposições,, suas imposições e proibições fazem sentido, têm “eleitos de verdade”, constituem parte significativa das histórias pessoais. É verdade que muitos indivíduos não passam pela instituição escolar e que essa instituição, resguardadas algumas características comuns, é diferenciada internamente. As sociedades urbanas, no entanto, ainda apostam muito na escola, criando mecanismos legais e morais para obrigar que todos enviem seus filhos e filhas à instituição e que esses ali permaneçam alguns anos. Essas imposições, mesmo quando irrealizadas, têm conseqüências. Afinal, passar ou não pela escola, muito ou pouco tempo, é uma das distinções sociais. Os corpos dos indivíduos devem, pois, apresentar marcas visíveis desse processo; marcas que, ao serem valorizadas por essas sociedades, tornam-se referência para todos.

Um corpo escolarizado é capaz de ficar sentado por muitas horas e tem, provavelmente, a habilidade para expressar gestos ou comportamentos indicativos de interesse e de atenção, mesmo que falsos. Um corpo disciplinado pela escola é treinado no silêncio e num determinado modelo de fala; concebe e usa o tempo e o espaço de uma forma particular. Mãos, olhos e ouvidos estão adestrados para tarefas intelectuais, mas possivelmente desatentos ou desajeitados para outras tantas.

Na investigação de uma escola religiosa masculina (Louro, 1995), ouvi as lembranças de um homem sobre seu passado escolar:

… uma coisa que foi impresso em mim, lá, foi primeiro pensar e depois falar. O controle, o autocontrole emocional… controlar-se para não explodir era uma coisa em que eles insistiam muito, porque os nossos modelos eram sempre os santos… Eles liam muito para gente vidas de santos. Então, lembro de uma coisa que eu treinava e que foi uma coisa que eles imprimiram em mim… Como é que tu podes ter o autocontrole? É aquela história: tu contas até 10 antes de explodir, não é? (…) então, se eu chegasse em casa louco para contar alguma coisa, eu devia, primeiro, me “segurar” um pouco. (Conta até 10 antes de contar o que tu queres contar!) Eu me segurava, me segurava, segurava, segurava e aí, depois, eu contava. Eu treinava isso, era um exercício! Aquilo foi uma coisa que calou em mim e acho que ficou impressa em mim até hoje… Eu sou uma pessoa assim, muito controlada… Claro que eu também tenho as minhas explosões como todo mundo, mas, de um modo geral, eu aprendi a me controlar e aprendi a primeiro ouvir e depois falar… (A., depoimento, 1995).

As tecnologias utilizadas pela escola alcançam, aqui, o resultado pretendido: o auto- disciplinamento, o investimento continuado e autônomo do sujeito sobre si mesmo. Com a cautela que deve cercar todas as afirmações pretensamente gerais, é possível dizer que a masculinidade forjada nessa instituição particular almejava um homem controlado, capaz de evitar “explosões” ou manifestações impulsivas e arrebatadas. O homem “de verdade”, nesse caso, deveria ser ponderado, provavelmente contido na expressão de seus sentimentos. Conseqüentemente, podemos supor que a expressão de emoções e o arrebatamento seriam considerados, em contraponto, características femininas.

Alguns estudiosos afirmam que são comuns, entre rapazes e homens, em muitas sociedades, os tabus sobre a expressão de sentimentos, o culto a uma espécie de “insensibilidade” ou dureza.

Nas suas relações de amizade, podem ser acentuadas a camaradagem e a lealdade; no entanto, são mais ou menos freqüentes os obstáculos culturais à intimidade e à troca de confidências entre eles (Kimmei e Messner, 1992). Certamente esses não devem ser considerados “atributos” masculinos (o que seria próprio de uma argumentação essencialista) e, na verdade, inúmeras situações atestam laços muito estreitos de amizade entre meninos, rapazes e homens adultos (Morrei, 1994). A competição, no entanto, que é freqüentemente enfatizada na formação masculina, parece dificultar que meninos e jovens “se abram” com seus colegas, expondo suas dificuldades e fraquezas. Para um garoto (mais do que para uma garota) tornar-se um adulto bem- sucedido implica vencer, ser o melhor ou, pelo menos, ser “muito bom” em alguma área. O caminho mais óbvio, para muitos, é o esporte (no caso brasileiro, o futebol), usualmente também agregado como um interesse masculino “obrigatório”.

Para construir um corpo vitorioso no esporte, colocam-se em ação técnicas, exercícios, adestramentos, disputas, enfrentamentos. Talvez por isso o mesmo homem que me contou suas memórias escolares responsabilize seu corpo por sua vocação intelectual. No decorrer da longa entrevista que tivemos, ele repetiu, várias vezes, que “era miúdo”, que tinha um corpo “frágil”, pouco adequado para o esporte. Sua escola, como grande parte das escolas masculinas, enfatizava o esporte e, neste terreno, suas chances de sucesso pareciam pequenas. Ele “escolheu”, então, investir no campo intelectual. Ali estava sua oportunidade de vencer e de tornar-se o melhor. Por ser “miúdo”, ele também usou “calças curtas” por muito tempo (“afinal era mais barato, pois gastava menos pano e mesmo que ralasse os joelhos não rasgava a calça”). A situação, que persistiu mesmo quando ele já estava mais “adiantado”, deixava-o “louco de vergonha”, pois, arremata: “todos usavam calça comprida, menos eu!” O corpo parecia mantê-lo criança quando já era um adolescente, prejudicando seu embate com os parceiros de sua idade.

Para Foucault (1993, p.146), “o domínio e a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo”. Historicamente, os sujeitos tornam-se conscientes de seus corpos na medida em que há um investimento disciplinar sobre eles. Quando o poder é exercido sobre nosso corpo, “emerge inevitavelmente a reivindicação do próprio corpo contra o poder”(Foucault, 1993, p.146). Buscamos, todos, formas de resposta, de resistência, de transformação ou de subversão para as imposições e os investimentos disciplinares feitos sobre nossos corpos.

Num corpo de menina, é um evento marcante a chegada da primeira menstruação. A primeira menstruação está carregada de sentidos, que (mais uma vez) são distintos segundo as culturas e a história. Joan Brumberg (1998) escreveu uma “história íntima das garotas americanas”, onde demonstra as profundas transformações que foram vividas pelas adolescentes, no trato e na produção de seu corpo, nos últimos séculos. A primeira menstruação passou, neste período, de tema privado para público (tornando-se um interesse do mercado); o momento, antes tratado fundamentalmente como um marco de “passagem” da infância para a vida adulta, era vinculado, estreita e diretamente, à sexualidade e à capacidade reprodutiva das mulheres; mais tarde, no entanto, com o advento dos absorventes e de outros produtos industrializados e com a medicalização da menstruação, de certa forma essas questões ficaram secundarizadas e ganharam maior destaque a higiene e a proteção do corpo, a limpeza e a aparência. A expectativa e a ansiedade pela primeira menstruação, a comparação com as colegas de escola estão entre as lembranças significativas de muitas de nós. Como desejávamos participar das rodas de conversa sobre as minúcias desses períodos! Elas serviam, de certo modo, para fazer uma separação entre quem ainda era menina e aquelas que já eram “moças”. Essas conversas representavam, quase sempre, a porta de entrada para muitas outras confidências e discussões sobre a sexualidade e se constituíam num espaço privilegiado para construção de saberes sobre nossos corpos e desejos. Na leitura de diários de jovens das mais distintas gerações (conforme a pesquisa de Joan Brumberg), são notáveis as mudanças na forma de registro desse momento, no tipo de linguagem utilizada para fazer referências ao corpo e à sexualidade. Difere também o apelo à mãe, a outras mulheres, a amigas ou, mais recentemente, a busca do supermercado mais próximo para adquirir o absorvente. A reclusão e a imobilidade de tempos antigos são substituídas pelo estímulo à atividade e à higiene dos tempos atuais. A extensa ladainha de cólicas, dores de cabeça e cuidados parece pouco adequada para o modelo de mulher dinâmica vendido pela publicidade. No entanto, em nossa cultura, para muitas mulheres hoje adultas, não é possível esquecer as antigas recomendações; recomendações que chegavam até mesmo a impedir de “lavar a cabeça” ou “tomar banho frio” durante o período menstrual. Nas escolas, essa era uma justificativa aceita para dispensa das aulas de educação física e muitas garotas faziam uso desse expediente todos os meses, pois, afinal, nesses dias estavam “doentes”. As professoras também tinham direito à falta mensal justificada, supostamente devido ao fato de que suas condições para dar aulas “naqueles dias” poderiam não ser adequadas.

Todas essas práticas e linguagens constituíam e constituem sujeitos femininos e masculinos; foram — e são — produtoras de “marcas”. Homens e mulheres adultos contam como determinados comportamentos ou modos de ser parecem ter sido “gravados” em suas histórias pessoais. Para que se efetivem essas marcas, um investimento significativo é posto em ação: família, escola, mídia, igreja, lei participam dessa produção. Todas essas instâncias realizam uma pedagogia, fazem um investimento que, freqüentemente, aparece de forma articulada, reiterando identidades e práticas hegemônicas enquanto subordina, nega ou recusa outras identidades e práticas; outras vezes, contudo, essas instâncias disponibilizam representações divergentes, alternativas, contraditórias. A produção dos sujeitos é um processo plural e também permanente. Esse não é, no entanto, um processo do qual os sujeitos participem como meros receptores, atingidos por instâncias externas e manipulados por estratégias alheias. Ao invés disso, os sujeitos estão implicados, e são participantes ativos na construção de suas identidades. Se múltiplas instâncias sociais, entre elas a escola, exercitam uma pedagogia da sexualidade e do gênero e colocam em ação várias tecnologias de governo, esses processos prosseguem e se completam através de tecnologias de autodisciplinamento e autogoverno que os sujeitos exercem sobre si mesmos. Na constituição de mulheres e homens, ainda que nem sempre de forma evidente e consciente, há um investimento continuado e produtivo dos próprios sujeitos na determinação de suas formas de ser ou “jeitos de viver” sua sexualidade e seu gênero.

A despeito de todas as oscilações, contradições e fragilidades que marcam esse investimento cultural, a sociedade busca, intencionalmente, através de múltiplas estratégias e táticas, “fixar” uma identidade masculina ou feminina “normal” e duradoura. Esse intento articula, então, as identidades de gênero “normais” a um único modelo de identidade sexual: a identidade heterossexual (Louro, 1997, 1998). Nesse processo, a escola tem uma tarefa bastante importante e difícil. Ela precisa se equilibrar sobre um fio muito tênue: de um lado, incentivar a sexualidade “normal” e, de outro, simultaneamente, contê-la. Um homem ou uma mulher “de verdade” deverão ser, necessariamente, heterossexuais e serão estimulados para isso. Mas a sexualidade deverá ser adiada para mais tarde, para depois da escola, para a vida adulta. É preciso manter a “inocência” e a “pureza” das crianças (e, se possível, dos adolescentes), ainda que isso implique no silenciamento e na negação da curiosidade e dos saberes infantis e juvenis sobre as identidades, as fantasias e as práticas sexuais. Aqueles e aquelas que se atrevem a expressar, de forma mais evidente, sua sexualidade são alvo imediato de redobrada vigilância, ficam “marcados” como figuras que se desviam do esperado, por adotarem atitudes ou comportamentos que não são condizentes com o espaço escolar. De algum modo são indivíduos “corrompidos” que fazem o contraponto da criança inocente e pura. Debbie Epstein e Richard Johnson (1998, p.119) referem-se a uma situação dessas, não por acaso tendo como alvo uma garota, cuja aparência é considerada precocemente sensual no contexto da instituição pesquisada. Segundo os pesquisadores, ela é “sexualizada como parte do processo de dessexualização da escola”. Alguns indivíduos, especialmente garotas, dizem eles, tornam-se “indivíduos míticos” e podem “carregar a sexualidade negada (ou mesmo reprimida) que está presente/”ausente” por toda parte na escola”. Essa garota é, então, vista como um “caso triste” e, curiosamente, ao mesmo tempo em que a instituição a considera “uma vítima”, a trata como “culpada”. Ao ser estigmatizada, ela exerce, sobre todos, uma espécie de fascinação. “Constituindo-a como o “outro”, eles (professores, professoras, direção) também a constróem como um objeto de desejo” (Epstein e Johnson, 1998, p.120).

A evidência da sexualidade na mídia, nas roupas, nos shopping-centers, nas músicas, nos programas de TV e em outras múltiplas situações experimentadas pelas crianças e adolescentes vem alimentando o que alguns chamam de “pânico moral”. No centro das preocupações estão os pequenos. Paradoxalmente, as crianças são ameaçadas por tudo isso e, ao mesmo tempo, consideradas muito “sabidas” e, então, “perigosas”, pois passam a conhecer e a fazer, muito cedo, coisas demais. Para muitos, elas não são, do ponto de vista sexual, “suficientemente infantis” (Epstein e Johnson, 1998, p.120).

Redobra-se ou renova-se a vigilância sobre a sexualidade, mas essa vigilância não sufoca a curiosidade e o interesse, conseguindo, apenas, limitar sua manifestação desembaraçada e sua expressão franca. As perguntas, as fantasias, as dúvidas e a experimentação do prazer são remetidas ao segredo e ao privado. Através de múltiplas estratégias de disciplinamento, aprendemos a vergonha e a culpa; experimentamos a censura e o controle. Acreditando que as questões da sexualidade são assuntos privados, deixamos de perceber sua dimensão social e política.

As coisas se complicam ainda mais para aqueles e aquelas que se percebem com interesses ou desejos distintos da norma heterossexual. A esses restam poucas alternativas: o silêncio, a dissimulação ou a segregação. A produção da heterossexualidade é acompanhada pela rejeição da homossexualidade. Uma rejeição que se expressa, muitas vezes, por declarada homofobia.

Esse sentimento, experimentado por mulheres e homens, parece ser mais fortemente incutido na produção da identidade masculina. Em nossa cultura, a manifestação de afetividade entre meninos e homens é alvo de uma vigilância muito mais intensa do que entre as meninas e mulheres. De modo especial, as expressões físicas de amizade e de afeto entre homens são controladas, quase impedidas, em muitas situações sociais. Evidentemente elas são claramente codificadas e, como qualquer outra prática social, estão em contínua transformação.

Máirtín Mac an Ghaill (1994, p.1) conta uma experiência que teve quando era professor de uma escola secundária inglesa. Um aluno, logo após saber que havia passado nos exames, entregou a Máirtín, no pátio da escola, um buquê de flores. Rapidamente o fato se espalhou e professores e estudantes passaram a se referir à situação através de piadas heterossexistas. Em conseqüência, o estudante acabou se envolvendo numa briga para se “defender” e o diretor chamou o professor à sua sala. Ali, conta Máirtín,

… ele me informou que eu tinha ido longe demais dessa vez. Quando comecei a me defender, dizendo que não poderia ser responsabilizado pela briga, o diretor me interrompeu, perguntando sobre o que eu estava falando. Imediatamente me dei conta da significação simbólica do que acontecera no pátio: a troca de flores entre dois homens era institucionalmente muito mais ameaçadora do que a violência física de uma luta masculina.

A homofobia funciona como mais um importante obstáculo à expressão de intimidade entre homens. É preciso ser cauteloso e manter a camaradagem dentro de seus limites, empregando apenas gestos e comportamentos autorizados para o “macho”. No caso relatado por Máirtín Mac an Ghaill adicionava-se, ainda, uma dimensão racial ao episódio: nesta escola, onde os professores eram predominantemente brancos, os rapazes e homens muçulmanos eram percebidos como sendo “intrinsecamente mais sexistas” e, assim, os professores ficaram “confusos”, conforme diz o autor, quando viram um jovem muçulmano entregar flores ao seu professor.

Embora a homofobia seja muitas vezes evidente em nossa sociedade, isso não impede que, em inúmeras situações e em distintas idades, meninos e homens constituam grupos extremamente “fechados” e os vivam de forma muito intensa. Equipes de futebol; parcerias de acampamentos, caçadas e pescarias; rodas de chope ou de jogos de carta e bilhar se constituem, freqüentemente, em redutos exclusivamente masculinos nos quais a presença de mulheres não é admitida. Nessas fraternidades são vividas, muitas vezes, situações em que os corpos podem ser comparados, admirados e tocados, de formas “justificadas” e “legítimas”. Nos banheiros e vestiários escolares, os garotos aprendem, desde cedo, a conviver com a nudez coletiva. O mesmo não acontece com as garotas, em situações semelhantes. Mesmo que, atualmente, sejam notáveis as transformações no comportamento de meninas e jovens mulheres. Ainda que a nudez entre elas seja mais visível e comum), a arquitetura de escolas e clubes usualmente ainda prevê, nos setores femininos, cabines ou biombos para garantir a privacidade.

Meninos e meninas aprendem, também desde muito cedo, piadas e gozações, apelidos e gestos para dirigirem àqueles e àquelas que não se ajustam aos padrões de gênero e de sexualidade admitidos na cultura em que vivem.

Em seu livro Praticamente normal. Uma discussão sobre o homossexualismo, Andrew Sullivan (1996) fala da história de seu “segredo”, das inúmeras situações que lhe ensinaram a necessidade de esconder, desde criança, seus desejos e interesses. Ele conta como aprendeu, também, a fazer piadas sobre homossexuais, “a mover as alavancas sociais da hostilidade contra o homossexualismo antes mesmo de ter a mais vaga noção quanto ao que elas se referiam“( Sullivan, 1996, p. 15).

Consentida e ensinada na escola, a homofobia expressa-se pelo desprezo, pelo afastamento, pela imposição do ridículo. Como se a homossexualidade fosse “contagiosa”, cria-se uma grande resistência em demonstrar simpatia para com sujeitos homossexuais: a aproximação pode ser interpretada como uma adesão a tal prática ou identidade. O resultado é, muitas vezes, o que Peter McLaren (1995) chamou de um apartheid sexual, isto é, uma segregação que é promovida tanto por aqueles que querem se afastar dos/das homossexuais como pelos/as próprios/as.

A maior visibilidade de gays e lésbicas, bem como a expressão pública dos movimentos sexuais, coloca, hoje, essas questões em bases novas: por um lado, em determinados círculos, são abandonadas as formas de desprezo e de rejeição e incorporados alguns traços de comportamento, estilo de vida, moda, roupas ou adornos característicos dos grupos homossexuais; por outro lado, essa mesma visibilidade tem acirrado as manifestações antigays e antilésbicas, estimulado a organização de grupos hiper-masculinos (geralmente violentos) e provocado um revigoramento de campanhas conservadoras de toda ordem.

De um modo geral, salvo raras exceções, o/a homossexual admitido/a é aquele ou aquela que disfarça sua condição, “o/a enrustido/a”. De acordo com a concepção liberal de que a sexualidade é uma questão absolutamente privada, alguns se permitem aceitar “outras” identidades ou práticas sexuais desde que permaneçam no segredo e sejam vividas apenas na intimidade. O que efetivamente incomoda é a manifestação aberta e pública de sujeitos e práticas não-heterossexuais. Revistas, moda, bares, filmes, música, literatura, enfim todas as formas de expressão social que tornam visíveis as sexualidades não-legitimadas são alvo de críticas, mais ou menos intensas, ou são motivo de escândalo. Na política de identidade que atualmente vivemos serão, pois, precisamente essas formas e espaços de expressão que passarão a ser utilizados como sinalizadores evidentes e públicos dos grupos sexuais subordinados. Aí se trava uma luta para expressar uma estética, uma ética, um modo de vida que não se quer “alternativo” (no sentido de ser “o outro”), mas que pretende, simplesmente, existir pública e abertamente, como os demais.

Richard Johnson (1996, p.176), seguindo Eve Sedgwick, fala do closet (essa forma escondida e “enrustida” de viver a sexualidade não hegemônica) entendendo-o como “uma epistemologia”, ou seja, como um “modo de organizar o conhecimento/ignorância”. Analisando como essa epistemologia tem marcado nossas concepções de sexualidade, ele se refere ao conjunto de oposições binárias com que operamos, especialmente nas escolas, e cita os seguintes pares: homossexual/heterossexual; feminino/masculino; privado/público; segredo/revelação; ignorância/conhecimento; e inocência/iniciação”. Sua argumentação agrega mais uma dicotomia: closeting/educação (o que talvez pudesse ser traduzido por ocultamento ou segredo/educação), para discutir o quanto as escolas — que, supostamente, devem ser um local para o conhecimento — são, no tocante à sexualidade, um local de ocultamento. A escola é, sem dúvida, um dos espaços mais difíceis para que alguém “assuma” sua condição de homossexual ou bissexual. Com a suposição de que só pode haver um tipo de desejo sexual e que esse tipo — inato a todos — deve ter como alvo um indivíduo do sexo oposto, a escola nega e ignora a homossexualidade (provavelmente nega porque ignora) e, desta forma, oferece muito poucas oportunidades para que adolescentes ou adultos assumam, sem culpa ou vergonha, seus desejos. O lugar do conhecimento, mantém-se, com relação à sexualidade, como o lugar do desconhecimento e da ignorância. As memórias e as práticas atuais podem contar da produção dos corpos e da construção de uma linguagem da sexualidade; elas nos apontam as estratégias e as táticas hoje institucionalizadas das “Identidades sexuais e de gênero. Na escola, pela afirmação ou pelo silenciamento, nos espaços reconhecidos e públicos ou nos cantos escondidos e privados, é exercida uma pedagogia da sexualidade, legitimando determinadas identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginalizando outras. Muitas outras instâncias sociais, como a mídia, a igreja, a justiça etc. também praticam tal pedagogia, seja coincidindo na legitimação e denegação de sujeitos, seja produzindo discursos distantes e contraditórios.

Gradativamente, vai se tornando visível e perceptível a afirmação das identidades historicamente subjugadas em nossa sociedade. Mas essa visibilidade não se exerce sem dificuldades. Para aqueles e aquelas que se reconhecem nesse lugar, “assumir” a condição de homossexual ou de bissexual é um ato político e, nas atuais condições, um ato que ainda pode cobrar o alto preço da estigmatização.

Curiosamente, no entanto, as instituições e os indivíduos precisam desse “outro”. Precisam da identidade “subjugada” para se afirmar e para se definir, pois sua afirmação se dá na medida em que a contrariam e a rejeitam. Assim, podemos compreender por que as identidades sexuais “alternativas”, mesmo quando excluídas ou negadas, permanecem ativas (e necessárias): elas se constituem numa referência para a identidade heterossexual; diante delas e em contraposição a elas a identidade hegemônica se declara e se sustenta.

Por outro lado, na medida em que várias identidades — gays, lésbicas, queers, bissexuais, transexuais, travestis — emergem publicamente, elas também acabam por evidenciar, de forma muito concreta, a instabilidade e a fluidez das identidades sexuais. E isso é percebido como muito desestabilizador e “perigoso”. A sexualidade “é tecida na rede de todos os pertencimentos sociais que abraçamos”, como lembra Weeks (1995, p.88), ela não pode ser compreendida de forma isolada. Nossas identidades de raça, gênero, classe, geração ou nacionalidade estão imbricadas com nossa identidade sexual e esses vários marcadores sociais interferem na forma de viver a identidade sexual; eles são, portanto, perturbados ou atingidos, também, pelas transformações e subversões da sexualidade. Temos, pois, que concordar com a afirmação de Weeks de que a emergência dessas “identidades sexuais de oposição” (como ele as denomina), “coloca em questão a fixidez das identidades herdadas de todos os tipos, não apenas sexual”. Para os grupos conservadores tudo isso parece muito subversivo e ameaça atingir e perverter, também, conceitos, valores e “modos de vida” ligados às identidades nacionais, étnicas, religiosas, de classe. Para os grupos que estão comprometidos com a mudança sexual também são colocados desafios, como lembra Weeks, na medida em que essas identidades de oposição acenam para o movimento constante. Como articular, então, as lutas? Como “fixar” os pontos comuns? Os sujeitos deslizam e escapam das classificações em que ansiámos por localizá-los. Multiplicam-se categorias sexuais, borram-se fronteiras e, para aqueles que operam com dicotomias e demarcações bem definidas, essa pluralização e ambigüidade abre um leque demasiadamente amplo de arranjos sociais.

Os discursos sobre sexualidade evidentemente continuam se modificando e se multiplicando. Outras respostas e resistências, novos tipos de intervenção social e política são inventados. Atualmente, renovam-se os apelos conservadores, buscando formas novas, sedutoras e eficientes de interpelar os sujeitos (especialmente a juventude) e engajá-los ativamente na recuperação de valores e de práticas tradicionais. Esses discursos não são, obviamente, absolutos nem únicos; muito pelo contrário, agora, mais do que antes, outros discursos emergem e buscam se impor; estabelecem-se controvérsias e contestações, afirmam-se, política e publicamente, identidades silenciadas e sexualmente marginalizadas. Aprendemos, todos, em meio a (e com) essas disputas.

Questionado sobre sua História da sexualidade, Foucault respondeu, certa vez, que não pretendia escrever uma arqueologia das fantasias sexuais, mas sim uma arqueologia do discurso sobre a sexualidade e que esse discurso era “uma relação entre o que fazemos, o que estamos obrigados a fazer, o que nos está permitido fazer, o que nos está proibido fazer no campo da sexualidade; e o que está proibido, permitido, ou é obrigatório dizer sobre nosso comportamento sexual” (FOUCAULT, 1996, p.96). Acho que foi disso que procurei tratar aqui: das formas e das instâncias onde aprendemos esse discurso, de nossa apropriação de uma linguagem da sexualidade que nos diz, aqui, agora, sobre o que falar e sobre o que silenciar, o que mostrar e o que esconder, quem pode falar e quem deve ser silenciado. Procurei mostrar, também, que podemos (e devemos) duvidar dessas verdades e certezas sobre os corpos e a sexualidade, que vale a pena pôr em questão as formas como eles costumam ser pensados e as formas como identidades e práticas têm sido consagradas ou marginalizadas. Ao fazer a história ou as histórias dessa pedagogia, talvez nos tornemos mais capazes de desarranjá-la, reinventá-la e torná-la plural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 BRUMBERG, Joan J. The body project. An intimate history of American girls Nova York: Vintage Books, 1998.

CORRIGAN, Philip. ”Making the boy: meditations on what grammar school did with, to and for my body”. In Henri Giroux (org.), Postmodernism, feminism and cultural politics. Nova York: State University of New York Press, 1991. p.196-216.

EPSTEIN, Debbie e JOHNSON, Richard. Schooling sexualities. Buckingham: Open University Press, 1998.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade, V.1: A vontade de saber. Graal ed. Rio de Janeiro: 1988.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 11ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1993. FOUCAULT, Michel. ”Diálogo com Stephen Riggins”. In Gregorio Kaminski (org.). El yo minimalista. Conversaciones con Michel Foucault. Buenos Aires: La marca, 1996.

HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. HARAWAY, Donna. Simians, ciborgs and women. Londres: Routledge, 1991.

JOHNSON, Richard. “Sexual dissonances: or the ‘impossibility’ of sexuality education”. Curriculum studies. v. 4 (2), 1996. p.163-189.

KENWAY, Jane. “Educando cybercidadãos que sejam “ligados” e críticos”. In Luiz Heron Silva (org.), A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998. p.99-120.

KIMMEL, Michael e MESSNER, Michael. Men’s lives. 2a ed. Nova York: Macmillan. Publishing Co., 1992.

LOURO, Guacira. “Produzindo sujeitos masculinos e cristãos”. In Alfredo Veiga-Neto (org.), Críticapós-estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995. -p.83-107.

LOURO, Guacira. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

LOURO, Guacira. “Segredos e mentiras do currículo. Sexualidade e gênero nas práticas escolares”. In Luiz Heron Silva (org.), A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998. p.33-47.

Mac An GHAILL, Máirtín. The making of men. Masculinities, sexualities and schooling. Buckingham: Open University Press, 1994.

McLAREN, Peter. “Moral panic, schooling, and gay identity. Critical Pedagogy and the politics of resistance”. In Gerald Unks (ed.), The gay teen. Educational practice and theory for lesbian, gay and bisexual adolescents. Nova York e Londres: Routledge, 1995. p.105-123.

MORREL, Robert. “Boys, gangs and the making of masculinity in the white secondary schools of Natal (1880-1930)”. Masculinities. v.2 (2), verão de 1994. p.56-82.

SILVA, Tomaz Tadeu. “A poética e a política do currículo como representação.” Trabalho apresentado no GT Currículo na 21ª Reunião Anual da ANPED, 1998.

SULLFVAN, Andrew. Praticamente normal. Uma discussão sobre o homossexualismo. Trad. Isa Lando. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

WEEKS, Jeffrey. Invented moralities: sexual values in an age ofuncertainty. Nova York: Columbia University Press, 1995.

Notas.

  1. A notícia, divulgada através da Associated Press, refere-se ao prefeito Norbert Michael Lindner, da cidade de Quellendorf, na Alemanha, que comunicou sua decisão de mudar de gênero, tornando-se mulher, em setembro de 98.

*Originalmente publicado em: LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias das Sexualidades. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O Corpo Educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

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Nossos sonhos não cabem em suas Urbes

11 quinta-feira jun 2015

Posted by litatah in #contratarifa, #desarquivandobr, Aborto, AIT, Anarco Ecologia, Anarco Feminismo, Anarco Primitivismo, Anarco Punk, Anarco-Comunismo, Anarcosindicalismo, Anarquia, Anarquia Verde, Análise de Conjuntura, Anti Capitalismo, Anti Consumismo, Anti Fascismo, Anti Homofobia, Anti Machismo, Anti Misoginia, Anti Transfobia, Antirracismo, Aquecimento global - Mudanças climáticas, Bakunin, Black Block, Chomsky, Comuna de Paris, Curdistão/Kobane, David Graeber, Elisée Reclus, Murray Bookchin, Teoria

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Por Agropunk e AltDelCtrl

«A cidade se apresenta
centro das ambições
para mendigos ou ricos
e outras armações.
Coletivos, automóveis,
motos e metrôs,
trabalhadores, patrões,
policiais, camelôs.»

(Chico Science & Nação Zumbi, A Cidade.)

Fonte: Protopia


Nos dias de hoje, a maior parte da humanidade faz das cidades, especialmente as grandes metrópoles, o centro “natural” de suas vidas,[1] da mesma forma que considera “naturais” as sociedades divididas em classes e toma por “natural” a divisão do mundo entre espaços urbanos e rurais. Muitas pessoas acreditam que as urbes são por excelência espaços da cultura, da técnica e da política, enquanto o meio rural representa atraso, a ausência de civilidade; como um celeiro, um lugar pleno de recursos e minimamente povoado. Nessa lógica, viver em áreas ruais é considerado falta de oportunidades de vida e, portanto, alcançar uma vida melhor passa necessariamente por ir para a cidade.

Hegemônico, tal entendimento não se dá apenas entre os habitantes das cidades, mas também entre as populações dos próprios espaços rurais. Não é raro que estes últimos assumam para si a posição de inferioridade em relação àqueles que vivem nos meios urbanos, menosprezando a sabedoria ligada a conhecimentos tradicionais. Fundamental ao modo de ser das atuais sociedades de classe, esta visão de mundo pode ser chamada “urbanocentrismo”.


Origens

Ainda que a vida nas cidades se mostre tão antiga quanto as primeiras “civilizações”, a divisão dos espaços entre áreas urbanas e rurais não fez parte do entendimento dos povos por incontáveis gerações. Profundamente relacionados com as mais diversas paisagens e territórios, possuindo amplo conhecimento em relação a eles, muitos povos surgiram e desapareceram alheios a esta classificação e ordenamento do espaço que para todos efeitos é recente, datado da era moderna, de origem européia.

Mesmo o significado do termo “cidade” vem sendo tomado enquanto generalização para todos os tipos de aglomerados humanos mais ou menos permanentes, de extensão ampla e densamente povoado, se comparados com o contexto em que se encontram. As mais antigas cidades conhecidas foram fundadas na chamada “idade do ferro pré-histórica”. Grandes ruínas e resquícios em pedra e argila, assim como textos da antiguidade, comprovam a existência destas sociedades citadinas em locais hojes cobertos por desertos e selvas.[2]

As cidades surgiram em muitos contextos históricos, apoiadas em duas formas de opressão correlacionadas: a escravidão pela guerra e a posse exclusiva e permanente da terra. Os primeiros povoados sedentários, muito anteriores às cidades, surgiram como uma provável vantagem estratégica, uma inovação que uns poucos povos recorreram com a meta de garantir o monopólio sobre locais. Surgiram em locais onde potencialmente existiam recursos alimentícios e matérias primas para ferramentas, ou ainda vias importantes entre pontos de estadia e espaços considerados sagrados.[3]

Como consequência lógica destes pequenos monopólios, outros grupos, geralmente não-sedentários, que antes partilhavam do mesmo território e se utilizavam dos mesmos recursos, foram permanentemente privados destes recursos. Esta privação provavelmente intensificou a ocorrência de guerras por territórios, com fortificações sendo construídas e aperfeiçoadas para os povos em guerra e seus povoados permanentes pudessem existir e prevalecer.

Via de regra, escravos de guerra tornaram-se a mão de obra explorada na construção das antigas civilizações, e em menor medida somaram-se a eles os escravos por dívida.[4] Esta correlação de sujeição entre povos diferentes é uma das mais prováveis origens da desigualdade entre castas e estamentos, e um importante precedente deste processo que nos últimos séculos deu forma às sociedades divididas em classes. E esta divisão é inerente ao processo de construção da vida em cidades.

O que genericamente denominamos “cidade” na antiguidade e entre sociedades não-ocidentais foi chamado de formas distintas, conforme sua organização sociopolítica. Na contemporaneidade, o termo “cidade” abrange tanto o que os gregos antigos chamavam de “pólis”, quanto o que etruscos e romanos denominavam “urbe” e “civitas”. No entanto, estes termos se referem a contruções distintas, o que evidencia a transformação e a manipulação dos termos de acordo a certos interesses históricos. Enquanto a “pólis” grega, ainda que baseada na premissa do trabalho escravo, era o espaço de existência e exercício de autonomia de uma coletividade, a “civitas” etrusca fazia menção à liga de fratrias e estruturas familiares que possuíam em comum o culto a antepassados e ao lar. Para os etruscos “urbe” era o nome dado aos espaços físicos rituais em que se realizavam conciliábulos e importantes reuniões, e onde se mantinha o fogo sagrado de um “civitas”.

Os romanos não apenas herdaram esta terminologia etrusca, como também lhe conferiram novos significados. No entendimento romano “urbe” inicialmente foi o nome dado ao espaço intermuros da cidade de Roma. Posteriormente “urbe” passou a designar todo aglomerado humano e seu suporte material, construído ou dominado pelos romanos. “Civitas” entre os romanos era um conjunto heterogêneo de civis (romanos e romanizados) com posses e escravos reunidos e estabelecidos em determinado espaço. As palavras “civilização”, “civil”, “cidade”, “cidadão”, “urbe” e “urbano” são evidências linguísticas da amplitude do legado romano nas atuais sociedades européias e ocidentais.

Os romanos possuíam ainda um outro termo em sua classificação socioespacial: “Ager” é geralmente traduzido como “terra” ou “rural”. Mas diferente do termo “rural” da atualidade, ao “ager” não se contrapõe a “urbes” e “civitas”, mas as contém. “Ager públicus” era o nome dado à totalidade das terras tomadas das populações dominadas por Roma e possuída pelos patrícios, e muitas vezes se confundia com os próprios domínios imperiais. Era familiar aos romanos, não só a noção de posse e utilitarismo em relação à terra, como também a supremacia da “urbe” em relação à “ager” na qual estava contida. Estes são importantes precedentes da dicotomia entre urbano e rural que na atualidade encontra-se consolidada e naturalizada.

Inicialmente baseado no sentimento de superioridade que as sociedades industriais têm de si próprias em comparação com outras sociedades, o conceito de “civilização” foi extendido para toda sociedade que tenha seu modo de vida baseado em hierarquizações – social, técnica, religiosa e científica -, e cujas instituições se concentrem majoritariamente em cidades. A ideia de superioridade entre os civilizados tem origem no sentimento de superioridade das elites européias em relação as populações das classes baixas. Generalizado através de propaganda patriota no âmbito de uma região, servindo para o surgimento dos estados nacionais modernos. Desde então, este mesmo sentimento de superioridade tem sido a base ideária para dominação de povos geografica e culturalmente distantes dos europeus modernos, legitimando desta forma seus ímpetos de colonização.[5]

“Bárbaros” foi a expressão pejorativa que os “civilizados” impuseram a diferentes povos que se contraporam violentamente à intenção de submissão característica das civilizações, conseguindo mesmo em alguns casos, derrubá-las. No que tange a violência, a principal diferença entre barbárie e civilização está na capacidade dos civilizados em organizar o exercício da violência de forma calculada, torná-lo mais cirúrgico e estratégico.

Via de regra as civilizações são muito mais violentas que os povos que as cercam, uma vez que se preocupam constantemente em encontrar e manter em seu poder os meios para dominar povos que lhes são vizinhos.[6] E não seria a barbárie, para além da diferença de costumes, uma reação característica dos povos à violência das civilizações que sobre eles desejam se sobrepor para enfim dominá-los? Não seria a barbárie também um esforço incondicional de libertação e contraposição a esta opressão?

«Anarquismo não é uma fábula romântica mas a realização consciente, baseada em cinco mil anos de experiência, de que não podemos confiar o gerenciamento de nossas vidas a reis, padres, políticos, generais e executivos”»

(Edward Abbey, A Voice Crying in the Wilderness, 1989)

Di-visões

O urbanocentrismo se dá em certa compreensão de mundo na qual a dimensão do “humano” (chamada de “sociedade” ou “cultura”) encontra-se apartada de tudo mais que existe independente das ações e vontades humanas (a este “tudo mais” chamou-se “natureza”). Esta visão de mundo fundada na separação foi fundamental para que uns poucos grupos humanos, que por muitas eras foram uma parte insignificante da humanidade, pudessem expandir o domínio de sua perspectiva, se apropriar e modificar os elementos das paisagens, para sua própria comodidade e conveniência.

Cada vez mais indiferentes aos processos e ciclos “naturais”, as únicas restrições para a propagação desta perspectiva exploratória residiam nos limites impostos pelas limitações da técnica. No entanto, após a ascensão da burguesia no ocidente que através de sua revolução industrial – que colocou a serviço do capital não só as ciências modernas, mas os saberes acumulados por milhares de anos – estas restrições foram gradativamente diminuindo. O avanço das técnicas permitiu a estes “humanos” colocarem suas vontades e ambições sobre o “natural”, impondo também esta perspectiva a tantas outras formas de ser “humanos”. Desta forma o urbanismo e a dicotomia urbano/rural consolidaram-se enquanto projeto político de formatação espacial dos poderes da contemporaneidade.

«As metrópoles contemporâneas formam os pontos de concentração máximos das técnicas políticas do capitalismo (…) Um meio no qual tudo é feito para que o humano apenas interaja consigo próprio, cresça separadamente das outras formas de existência, que as frequente e as utilize sem nunca as encontrar.»

(A Chamada)


Defender que nossos sonhos não cabem em suas urbes não implica numa apologia à vida no meio rural, seja em sua forma positivada – idílica e romantizada – ou na forma “realista” – por efeito das forças políticas dominantes que definem o que é o “real”. O que chamamos de “rural” é apenas o resultado da formatação, da redução das paisagens, relevos e biomas pela política espacial urbanocentrica capitalista, em áreas de extração de recursos e alimentos. O ruralismo é uma política que serve à urbanicidade. Esta política se coloca de forma que tudo (e todos) que não é urbano seja reduzido a simples reserva de matéria prima (e mão de obra) a ser (constante e eternamente) explorada em favor da vida nas cidades.

Se posicionar contra o urbanocentrismo não implica também em uma refutação a tudo quanto exista no meio urbano. Mas passa por entender que as cidades se tornaram invólucros luminosos para relações e práticas, que apenas pela arbitrariedade da tradição se definem sumamente “urbanas”. Este entendimento implica em reconhecer o caráter de aprisionamento destas mesmas práticas e relações consideradas dependentes dos espaços urbanos.

Com a divisão urbano/rural sendo incontestável, a ideologia da cidade alcançou a pretensão de englobar (e se sobrepor a) todas as diferenças. É justamente no meio urbano guiado pelo princípio dogmático do crescimento econômico infinito, o contexto em que o capitalismo se mostra mais “desenvolvido”.

A naturalização da urbe é constantemente produzida e reforçada pela máquina capitalista de administração de desejos. Seu poder é tão grande que, atualmente, poucos homens e mulheres conseguem perceber as formas mais ostensivas de controle e dependência a que estão submetidos nas grandes cidades. Obrigados a consumir bens, serviços e comodidades produzidas por corporações, submetidos a instituições estatais que sobretaxam cada aspecto de suas vidas, muitos estão condenados a uma vida de dependência do trabalho assalariado. Positivado e cultuado (e não apenas entre os “burgueses”) o trabalho assalariado nada mais é do que uma forma sofisticada de escravidão por dívida. A maior parte das funções assalariadas são tediosas e desgastantes. Boa parte se dá em ambientes quase totalitários, uma vez que no capitalismo a ilusão democrática jamais deu o ar de sua graça na organização dos grandes meios de produção.

«O desenvolvimento do meio urbano é a modelação capitalista do espaço. Representa a escolha de uma certa materialização do possível, com exclusão de outras… é imposto através da chantagem da utilidade (…) este modo de habitação, não é criado pelas pessoas, mas sem elas e contra elas.»

(Attila Kotanyi e Raul Vaneigem – Programa elementar da oficina de urbanismo unitário)


Os processos de produção são extremamente poluentes e comprometem extensões de água, ar e solo cada vez maiores. Para tornar os produtos mais duráveis e atraentes, industriais fazem uso de um sem número de substâncias tóxicas, submetendo bilhões de pessoas a epidemias de câncer e outras doenças degenerativas. As causas das doenças não são questionadas pela medicina, sequestrada pelo capital, e epidemias tornam-se sinônimo de lucro irrestrito das grandes farmacêuticas corporativas.

A conformação dos espaços só pôde se dar através da administração dos desejos. Através das mídias de massa a população global se submete a uma espetacular vitrine brilhante – filmes românticos em Nova York, promessas de felicidade em Paris, cartões postais do Rio de Janeiro – grandes carga de propaganda e ilusão que oculta os grandes horrores dos nossos dias: o emaranhado de ganância, técnica e inconsequência que não só compromete a qualidade de vida desta geração, como também torna mais e mais difícil a expectativa de vida das gerações futuras!


Colaboracionismo

O urbanocentrismo não se sustenta por uma vontade consciente, mas por restrições imaginativas, essencialização das fragilidades e fechamentos para outras possibilidades – elementos que se encontram presentes em todas populações nas cidades. Mesmo entre aquela parte da população que se mostra descontente com o atual estado das coisas, mesmo entre os poucos que se dizem “revolucionários”, são poucos os que reconhecem e questionam as arbitrariedades capitalistas na formatação socioespacial por trás da divisão urbano/rural.

O reformismo não é de exclusividade dos reformistas, e há mesmo aqueles que se dizendo “revolucionários”, e acreditando atuar pelo surgimento de movimentos massivos, limitam suas lutas a demandas frente às autoridades estatais e capitalistas, apelam para direitos constitucionais, a pleitos por acesso a serviços estatais, demandas de amenizações nas formas de exploração entre classes, e abrandamentos da repressão estatal.

Esta forma de “ação revolucionária” tem levado não poucos militantes a constante frustração. Frente ao poder de indução da máquina capitalista de administração de desejos, suas estratégias (baseadas em pressupostos do século XIX) têm se mostrado por décadas ineficazes. E as “massas” que buscavam, tanto as populações urbanas quanto rurais, não enxergam nestes grupos, mesmo que contrários ao capitalismo, soluções concretas para as demandas mais simples de suas vidas cotidianas.

Entre a maior parcela destes “revolucionários” a formatação socioespacial imposta por este sistema quase nunca é questionada. Para além da militância – assembleias, encontros, manifestações, e ações de propaganda – grande parte deles também vive nas cidades e está submetida à máquina capitalista de administração dos desejos, aprisionada através das comodidades e convenções da vida urbana. A dependência imbricada na urbanidade gera zonas de conforto onde muitas fragilidades são cultivadas. Vira-se a cara para as consequências escondidas das facilidades e confortos urbanos, e no cotidiano assume-se as mesmas escolhas colaboracionistas. Estes opositores do capitalismo encontram-se presos aos ciclos de trabalho assalariado, aos pagamentos de impostos para o estado, e ao consumo de bens produzidos pelo capital. Nesse processo, abre-se mão da (incômoda) crítica à escravidão do salário, e é adiada – quando não ignorada – a busca coletiva pela autonomia.

O que são políticas de inclusão numa sociedade essencialmente excludente, senão uma forma arrojada de sadismo institucional e domesticação disfarçada? (Para não falarmos do que está por de trás de derrotas) o que está implicado nas vitórias que estes grupos opositores alcançam? São elas meios para a transformação social, para a instituição de uma sociedade igualitária e livre em que as formas de autoritarismos para além do estado e do capital sejam abolidas? Não seriam estas vitórias mecanismos de legitimação do capital e do estado, que baseando-se em reformas ínfimas garantem a continuidade e o avanço de uma sociedade cada vez mais opressiva e desigual?

«…para livrar-se dos estados (…) (e dos capitais) é preciso unicamente não participar em nada, basta não sustentá-los e então cairão aniquilados. (…) E para não participar em nada dos estados nem sustentá-los é preciso estar livre da fragilidade que arrasta os homens ao laço dos estados (e dos capitais) que lhes fazem seus escravos ou seus cúmplices.»

(Liev Tolstoi)

Não-colaboração e autonomia

«Piratas
plantados
na carne da aventura
desertaremos as cidades
ilhas de destroços»

(Roberto Piva)

Revolucionário é efetivamente não colaborar em nada com o capital ou com o estado, não se submeter às ciladas de sua política de formatação espacial. É desta forma que tudo é reduzido a recursos disponíveis e conforma o mundo em espaços rurais ou urbano. No atual contexto, nos encontramos em uma situação de grande dependência sistêmica, a não-colaboração dificilmente poderia ser assumida como premissa. No entanto, se buscada como um objetivo coletivo, a não-colaboração não só pode ser possível, mas está ao alcance de muitos de nós.

A não-colaboração decorre principalmente da efetivação de potencialidades criativas, da constituição de meios de produção próprios (independentes dos meios capitalistas), da criação de organizações de ajuda mútua capazes de tornar obsoletos e desnecessários os serviços prestados pelo estado. Só assim será possível que cada vez mais pessoas não precisem se submeter a trabalhos assalariados para benefício do capital ou do estado, não mais necessitarem de seus produtos e serviços, e se fazerem fortes o bastante para não se render ao pagamento de impostos.

«Eu vim para a cidade no tempo da desordem, quando a fome reinava. Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta e me revoltei ao lado deles.»

(Bertold Brecht, Aos que virão depois de nós)


De fato, para além dos holofotes e das vitrines do ativismo urbano convencional, na última década têm surgido discretamente um número considerável de iniciativas coletivas e pessoais, se organizado e agido na busca por autonomia, indo contra as convenções (políticas e espaciais) impostas pelo estado e capital. Não compartilham de um programa ou de uma via única, ainda que possuam pontos em comum: se organizam em redes de mutualidade, são adeptos da ação direta e da propaganda pela ação, estão engajados na constituição de espaços comunais, e buscam coletivamente alcançar formas de autonomia em diversos contextos, se preparando da forma como podem para resistir e levar ao colapso a sociedade de classe.

Parte destes grupos tem sua origem nos espaços libertários urbanos: okupas, centros sociais e espaços culturais libertários. Outra parte vem do movimento de ecovilas, da ecologia social[7] Há ainda os grupos surgidos da junção do anarquismo com o sobrevivencialismo.

«A única alternativa é a utopia ou o caos. (…) os sintomas do desmoronar da civilização podem ser vistos por todas as partes e são bem mais agudos que aqueles percebidos nos últimos anos do império romano. No entanto, nem todos estes sintomas são necessariamente patológicos. O mundo contemporâneo se vê afetado por duas tendências opostas: uma que tende a sua destruição social, a outra que anuncia o nascimento de uma nova sociedade.»

(Kenneth Rexroth)


É a partir deste universo de importantes experiências coletivas que cada qual, conforme a sua trajetória, vem refletindo e agindo sobre limites impostos pela urbanicidade. A esta tendência criativa e às questões – táticas e técnicas – em torno de sua concretização, uma pequena parte destes grupos denomina “protopia”. Muitos compartilham a intenção de romper com o modo de vida das cidades, o desejo de reterritorialização, a busca pelo melhor dos mundos futuros possíveis, sem deixar de se prepararem para a possibilidade de que o pior dos mundos se realize.

Referências

  1. ↑ Segundo dados da Organização das Nações Unidas, desde 2008 as populações urbanas em escala global, pela primeira vez na história, superaram as populações rurais, se constituindo pela primeira vez na história. Deve-se notar também que um terço das populações urbanas vivem atualmente em favelas.

  2. ↑ É muito provável que tenham existido cidades ainda mais antigas que essas, porém não deixaram maiores vestígios por serem construídas, em sua quase totalidade, em madeira ou bambu. A existência prévia de algumas destas cidades se insinua apenas por alterações sutis nas paisagens.

  3. ↑ Temos como obra de referência as reflexões de Élie Reclus sobre o surgimento da sociedades estamentais e origem dos estados através da força trazidos em sua obra Os Primitivos. Irmão mais do famoso geógrafo Elisee Reclus, Élie Reclus foi provavelmente o primeiro antropólogo declaradamente anarquista, no entanto, sua contribuição até hoje permanece esquecida ou ignorada, tanto pela maior parte dos anarquistas quanto pelo campo da Antropologia e demais Ciências Sociais.

  4. ↑ Ver Debt: The First 5.000 Years de David Graeber.

  5. ↑ A definição de civilização aqui apresentada tem base nas ideias de Norbert Elias em “O Processo Civilizador”.

  6. ↑ Consequentemente, uma boa definição de colonialismo seria o processo pelo qual civilizações impõem sistemas de dominação, exploração e valores a povos que lhes são geografica e culturalmente distantes.

  7. ↑ Ecologia social é um conceito criado pelo geógrafo libertário Elisée Reclus em fins do século XIX, apropriado como base de reflexão pelo filósofo Murray Bookchin na década de 1960. Afirma que problemas ambientais atuais são causados fundamentalmente pelos problemas sociais decorrentes de sistemas políticos e sociais hierarquizados, em particular pela aceitação cega do dogma do desenvolvimento econômico e da hipercompetitividade naturalizada.

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“Não volto a ir a um encontro feminista em um hotel de cinco estrelas”

24 terça-feira fev 2015

Posted by litatah in Aborto, Anarco Feminismo, Anarquia, Anti Capitalismo, Anti Consumismo, Anti Fascismo, Anti Homofobia, Anti Machismo, Anti Misoginia, Anti Transfobia, Antirracismo, Entrevistas, Feminismo e Transfeminismo, Feminismo intersecional

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anarcofemin, anarcofeminismo, antimisoginia, emancipação feminina, feminismo, feminismo intersecional, gênero, misoginia, transgênero

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By A.N.A.

Fonte: Notícias Anarquistas

[Nasceu em La Paz (1964). É uma anarcofeminista, psicóloga, locutora de rádio e apresentadora de televisão boliviana. Fundou Mujeres Creando, uma associação de mulheres bolivianas que combate o machismo e a homofobia.]

Em suas próprias palavras, ela é María Galindo, fundadora, junto com outras, de Mujeres Creando, feminista, boliviana, louca, alguém que faz rádio, televisão e luta na rua com direção própria. Lésbica, gorda, teimosa, escritora, agitadora, terror da polícia e grafiteira, esteve faz pouco tempo em Madri, apresentando seu livro, ¡A despatriarcar! (Lavaca, Buenos Aires) em Vaciador 34, rodeada de dezenas de mulheres, sobretudo jovens e entre elas muitíssimas latino-americanas, compartilhando as bandeiras de seu ‘feminismo urgente’. Galindo propõe a despatriarcalização como motor da descolonização e a transformação social na Bolívia de Evo Morales. “Há que abandonar a ideia mitificadora de uma cultura indígena de núcleo horizontal e não patriarcal. Em um contexto em que o homem indígena aparece como o único interlocutor do Estado, reclamamos o direito das mulheres à desobediência cultural e o desacato de mandatos de costume”, diz. Junto com outras anarcofeministas militantes como ela, Galindo converteu Mujeres Creando “em uma fábrica de justiça” para as bolivianas.

Pergunta > Na Bolívia existe uma Unidade de Despatriarcalização que depende do Vice-ministério de Descolonização e que não serve para nada?

Resposta < Assim é. Não tem pressuposto, nem poder, nem conteúdo, nem funções. Fomos Mujeres Creando as que lançamos esta proposta da que eles se apropriaram para minorar nosso impacto. É parte de uma política governamental não deixar que nada se mova fora do governo, nem sequer o debate nem o pensamento, querem comê-lo todo. O grande ato organizado por esta instância foi um matrimônio indígena massivo à maneira judaico cristã, mas com detalhes folclóricos, comandados pelo próprio Evo Morales. Eu estive ali com minha rádio e fui violentamente reprimida pela polícia.

Pergunta > Por quê em teu livro falas de uma Bolívia travesti?

Resposta < Há uma disputa de identidades. Bolívia travestida de indígena, com chola transformer, com Mis Cholita e Mis Ñusta universitária. O máximo representante da Bolívia travesti é o Presidente que se traveste de poncho em poncho, buscando nesse exercício levantar à construção de uma identidade que, tragicamente, se fragmenta em muitas pequenas identidades, com todas suas contradições. A Bolívia bastarda é incapaz de olhar-se no espelho.

Pergunta > Hoje a melhor opção na Bolívia é declarar-se indígena?

Resposta < Estamos na Bolívia dos originários. Após haver escondido o retrato da mãe chola no desvão, hoje o desenterram. Neste momento declarar-se indígena é politicamente muito vantajoso. Eu creio que a autoidentificação e autodenominação é claramente um ato de liberdade e tem toda a liberdade de fazê-lo. Mas se antes a Bolívia racista e branca relegou a intelectualidade indígena, agora a intelectualidade indígena “oportunista”, cheia de privilégios, volta a relegar a quem têm décadas nesta luta.

Pergunta > Crês que fora da Bolívia se tem uma ideia equivocada de Evo Morales?

Resposta < Definitivamente sim. Fora do país se tem idealizado o governo de um indígena e não se quer conhecer a realidade mais em detalhes, por exemplo, de sua política econômica real. Nos dois governos de Evo os que mais ganharam foram os bancos.

Pergunta > Por quê Evo queria realizar o Miss Universo na Bolívia?

Resposta < Enquanto as mulheres indígenas são base de apoio social, sem nome, nem corpo, as mulheres brancas são objeto de desejo. Aceder a elas é um exercício de poder. A obsessão de Evo é seguir fazendo alianças com seus antigos inimigos, a oligarquia que está detrás das centenas de concursos de beleza que há no país, uma verdadeira indústria da coisificação das bolivianas. As misses estão presentes em todos os atos oficiais e inclusive tem dois assentos no parlamento. Ademais de dar giros na economia, o governo boliviano pensou em seduzir este setor organizando o Miss Universo, mas não o conseguiu. Agora Evo Morales vai organizar o Dakar, mais do mesmo.

Pergunta > Tens entrevistado a muita gente. Quê aconteceu com Rigoberta Menchú?

Resposta < Rigoberta se levantou de sua poltrona e me deixou com a palavra na boca. Disse que a havia ofendido e discriminado. Só porque falei da não fetichização de nossas identidades: não por ser mulher, ser lésbica ou ser indígena sou intocável ou perfeita. Eu creio que aí está um novo fundamentalismo que na Bolívia vivemos todos os dias. Não estamos falando da indígena subalternizada, senão dessa outra indígena que é Rigoberta, uma com poder.

Pergunta > Por quê já não vais a encontros feministas latino-americanos?

Resposta < Olha, o último que fui aconteceu em um hotel de 5 estrelas na República Dominicana, com praia privada e polícia que vigiava a praia. O custo de inscrição rondava os 200 dólares. Recordo que seis companheiras ficamos em um só apartamento, já havíamos gasto 800 dólares pela passagem. Não havia nem um só debate sobre prostituição, quando na rua ela era generalizada. Os encontros feministas latino-americanos deixam tacitamente fora os setores populares. Isto já afeta completamente os sentidos e conteúdos. Não se organizam em lugares acessíveis, porque não há uma vontade política de fazê-lo. Basicamente são encontros que reúnem funcionárias de ongs que tem um excedente econômico para ir ali e se divertir.

Pergunta > Qual foi vossa conclusão?

Resposta < Na volta, resolvemos que nunca mais iríamos a um encontro para o qual é preciso investir somas altíssimas de dinheiro. Decidimos organizar, em troca, dois encontros feministas anuais em nosso país. Fazemos um na zona andina de La Paz e um na zona tropical de Santa Cruz. Oferecemos mais de dez oficinas de discussão, o almoço e toda a participação por um montante de três dólares e o fazemos em recintos públicos para baixar os custos. O impacto destes encontros é incrível.

Fonte: larepublica.pe

Tradução > Sol de Abril

Conteúdo relacionado:

http://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2014/10/17/mujeres-creando-estao-sendo-censuradas-na-bienal-de-arte-de-sao-paulo/

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Declaração dos direitos da mulher e a cidadania, 1791 – Olympe de Gouges

26 sexta-feira dez 2014

Posted by litatah in Aborto, Anarquia, Anti Homofobia, Anti Machismo, Anti Misoginia, Feminismo e Transfeminismo, História

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1791, anarcofeminismo, anarquia, Declaração dos direitos da mulher e a cidadania, feminismo, História, história da anarquia, Olympe de Gouges, Revolução Francesa

olympe

Fonte: Patagônia Libertária

Tradução: José roberto Luna – Coletivo Anarquia ou Barbárie

A luta de Olympe de Gouges, autora da ‘Declaração de direitos da Mulher e a Cidadã’ em 1791, é importante para entender a origem do feminismo moderno. Gouges nasceu em Montauban, uma localidade do sudoeste da França, no dia 7 de maio de 1748 e morreu na guilhotina no dia 3 de novembro de 1793. Em 1791, escreve sua ‘Declaração de Direitos da Mulher e a Cidadã’ e consegue que a igualdade se discuta n’Assembleia, embora suas propostas não sejam reconhecidas. É um escrito praticamente contemporâneo da ‘Reivindicação dos direitos da mulher’, da inglesa Mary Wollstonecraft. Durante toda a sua vida, teve que aguentar todo tipo de ataques misóginos, inclusive dentro dos girondinos (seu próprio partido) e, após a subida ao poder em 1793 da ala radical dos revolucionários, os jacobinos fecharam os clubes femininos e Olympe foi perseguida, encarcerada e executada.

Para ler a Declaração de Direitos da Mulher e Cidadã:

Declaração dos direitos da Mulher e Cidadania, 1791

Olympe Rouges

I – A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direitos. As distinções sociais só podem estar fundamentadas na utilidade comum.

II – O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis da Mulher e do Homem; estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.

III – O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação que não é mais que a reunião da Mulher e o Homem: nenhum corpo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não emane deles.

IV – A liberdade e a justiça consistem em devolver tudo o que pertence aos outros; assim, o exercício dos direitos naturais da mulher só tem por limites a tirania perpétua que o homem lhe opõe; estes limites devem ser corrigidos pelas leis da natureza e da razão.

V – As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações prejudiciais para a Sociedade: tudo o que não esteja proibido por estas leis, prudentes e divinas, não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que elas não ordenam.

VI – A lei deve ser a expressão da vontade geral; todas as Cidadãs e Cidadãos devem participar em sua formação pessoalmente ou por meio de seus representantes. Deve ser a mesma para todos; todas as cidadãs e todos os cidadãos, por serem iguais a seus olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas os cargos honoríficos, postos e

empregos públicos, conforme suas capacidades e sem mais distinção que a de suas virtudes e seus talentos.

VII – Nenhuma mulher se encontra isenta de ser acusada, detida e encarcerada nos casos determinados pela Lei. As mulheres obedecem como os homens a esta Lei rigorosa.

VIII – A Lei só deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém pode ser castigado mais que em virtude de uma Lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres.

IX – Sobre toda mulher que haja sido declarada culpada cairá todo o rigor da Lei.

X – Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões inclusive fundamentais; se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, deve ter também igualmente o de subir à Tribuna contanto que suas manifestações não alterem a ordem pública estabelecida pela Lei.

XII – A garantia dos direitos da mulher e da cidadã implica uma utilidade maior; esta garantia deve ser instituída para a vantagem de todos e não para utilidade particular daquelas às quais é confiada.

XIII – Para o mantimento da força pública e para os gastos da administração, as contribuições da mulher e do homem são as mesmas; ela participa em todas as prestações pessoais, em todas as tarefas penosas, portanto, deve participar na distribuição dos postos, empregos, cargos honoríficos, e outras atividades.

XIV – As Cidadãs e Cidadãos têm o direito de comprovar, por si mesmos ou por meio de seus representantes, a necessidade da contribuição pública. As Cidadãs apenas podem aprová-la se se admite uma repartição igual, não só na fortuna mas também na administração pública, e se determinam a cota, a base tributária, a arrecadação e a duração do imposto.

XV – A massa das mulheres, agrupada com a dos homens para a contribuição, tem o direito de pedir contas de sua administração a todo agente público.

XVI – Toda sociedade na que a garantia dos direitos não estiver assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição; a constituição é nula se a maioria dos indivíduos que compõem a Nação não cooperou em sua redação.

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Ibu Lucas – Fui Abortado

27 quinta-feira nov 2014

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Aborto, anarcofeminismo, anarquismo, anticapitalismo, antifacismo, antimachismo, antimisoginia, antirracismo, favela, feminismo, racismo

Captura de tela de 2014-11-27 15:29:35

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