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Anarquia ou Barbarie

~ A anarquia é a percepção ecológica da sociedade, é o entender a participação livre de cada membro da coletividade como fundamental para a existência, para o exercício da verdadeira cidadania que é viver na coletividade respeitando a diversidade. Anarquia é coletivamente sermos o poder, é todos nós decidirmos em conjunto, de forma horizontal o que fazermos em nossas vidas e em nossos bairros, cidades….

Anarquia ou Barbarie

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Ilusões revolucionárias

27 sábado fev 2016

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greve, greve de 1918, greve geral, Greve Geral de 1917, História, história da anarquia

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Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Embalados pelo sucesso da Revolução Russa, anarquistas tramaram uma insurreição fracassada no Rio de Janeiro, em 1918, mas com efeitos positivos para a classe operária

Por Carlos Augusto Addor

Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1918. No centro da cidade − profundamente modificada na década anterior pela Reforma Pereira Passos −, a população carioca improvisa uma festa na moderna e imponente Avenida Rio Branco. Comemora-se o armistício assinado na véspera em Rothonde, na França, dando fim à Primeira Guerra Mundial, que desde 1914 vitimara milhões de pessoas, inclusive brasileiros. Um outro forte motivo, mais próximo do cotidiano da população do Rio de Janeiro, também contribui para a formação desse clima festivo ou, pelo menos, para um clima de alívio e esperança por dias melhores: o constante declínio das ocorrências da gripe espanhola, terrível epidemia que nos últimos meses, sobretudo no anterior, ceifara milhares de vidas no Brasil e, principalmente, na sua capital federal. Fim da guerra, fim da peste… Novos tempos pareciam se anunciar.

O Brasil de então era ainda um país essencialmente agrário, um imenso “oceano rural” com algumas “ilhas urbanas” − Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife −, com a grande maioria da população vivendo no campo. Em algumas delas, ia se formando aos poucos um proletariado urbano, uma nova classe no cenário histórico brasileiro. Nas fábricas de tecidos, calçados, chapéus, cervejas, e também em outras atividades urbanas – no porto, nos bondes, em bares, hotéis e restaurantes, no comércio – trabalhavam, ombro a ombro, homens, mulheres e crianças, brancos, negros e mulatos, brasileiros e estrangeiros, entre estes, basicamente portugueses, italianos e espanhóis. Enfrentavam duras e extensas jornadas de trabalho (em média 12, no limite 16 horas por dia, seis dias por semana), muitas vezes em locais insalubres, recebendo salários ínfimos – mulheres e crianças com salários ainda menores que os dos homens adultos, agravando o quadro de superexploração.

Notícias sobre a Revolução Russa de outubro de 1917 − a primeira revolução socialista vitoriosa da história da humanidade − correm o mundo com a rapidez permitida pelos meios de comunicação e transporte da época. Os sistemas de radiodifusão e aviação ainda são precários, mas telégrafos, navios e trens já bastante eficientes transmitem as novidades, que são reproduzidas por uma imprensa vigorosa e diversificada. As notícias circulam pelo planeta, atravessam mares e continentes, e as esperanças crescem. Vai se criando um clima de euforia revolucionária. O capitalismo estaria com os dias contados, a humanidade caminhava rumo ao socialismo, o mundo seria livre e justo, as riquezas, abundantes, as pessoas, felizes e plenas.

As notícias sobre os bolcheviques − e, supunha-se, do proletariado − no poder logo chegam ao Brasil e começam a incendiar a imaginação dos militantes anarquistas e socialistas no ainda incipiente, mas combativo, movimento operário e sindical. No Rio de Janeiro, em São Paulo e em Santos, o “porto vermelho”, as folhas operárias, principalmente aquelas ligadas aos anarquistas, publicavam notícias, artigos e editoriais sobre a revolução russa. Exaltavam seu caráter supostamente libertário, que estaria relacionado ao projeto de se construir o socialismo sem abrir mão do valor fundamental da liberdade, inclusive da autonomia individual. Além disso, o ineditismo da Revolução Russa criou enormes expectativas em torno de sua internacionalização, cada vez mais vista como uma necessidade. Nesse primeiro momento – e até o início dos anos 1920 – a Revolução Russa agradava a “gregos e troianos” e contava com o apoio entusiasmado de diferentes correntes ideológicas. A chama revolucionária começava a se alastrar pelo hemisfério sul…

O Estado brasileiro na Primeira República – oligárquico, excludente, manipulando sistematicamente o processo eleitoral em todas as suas etapas, do coronelismo local ao arranjo de poderes no plano federal –, não abria espaço para o êxito da estratégia gradualista dos socialistas, que privilegiava o voto, os partidos, a participação no processo eleitoral e a obtenção de conquistas graduais. Assim, os vários partidos socialistas então fundados têm vida breve, e o socialismo reformista não chega a se constituir numa alternativa política que conquiste apoio significativo dos trabalhadores urbanos.

Ao contrário dos socialistas reformistas, os anarquistas não pretendem delegar poderes nem transferir responsabilidades. A militância é decorrente de uma opção de soberania individual, a luta operária transcende as fronteiras nacionais e “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Situam a luta exclusivamente nos campos econômico e cultural-ideológico − daí a ênfase na criação de escolas e grupos de teatro, na tentativa de construir uma cultura alternativa à cultura burguesa dominante. E sua proposta é a “ação direta”: greves, comícios, manifestações públicas, boicotes, atos de sabotagem. Acreditam, não sem certa dose de ingenuidade, que uma greve geral revolucionária terá força suficiente para derrubar o capitalismo e que a Revolução Libertária abrirá então caminho – sem ditaduras proletárias transitórias – para a construção da sociedade sem classes e sem Estado. Defendem, numa palavra, a Anarquia, no sentido de “ausência de governo” e não no sentido de “caos e desordem” que a palavra ganharia mais tarde.

Mas o Estado brasileiro, além de excludente e manipulador, possuía duas outras características. Em relação à chamada “questão social”, sua postura era marcada pela não- intervenção sistemática no mercado de trabalho, regulamentando as relações entre capital e trabalho por meio de uma legislação trabalhista – patrões e operários que se entendessem no “livre mercado” para estabelecer as condições de trabalho, salários, jornadas etc. Ótimo para os empresários e péssimo para os trabalhadores. Por outro lado, nos momentos de conflito aberto – principalmente durante as greves –, o Estado não hesitava em usar seu braço policial para reprimir duramente os trabalhadores com cargas de cavalaria, prisões, espancamentos, deportações arbitrárias. Aos olhos dos anarquistas, o Estado brasileiro encarnava com perfeição sua visão teórica do Estado: necessariamente “corrupto e corruptor”. É a partir destas condições que a pregação anarquista pela greve geral e pelo caráter internacionalista da luta por eles proposta acaba se tornando muito mais sedutora e encontrando maior apoio entre os trabalhadores urbanos, parte de uma classe operária também internacional.

É nesse cenário que os trabalhadores urbanos começam a se organizar para lutar coletivamente por melhores condições de vida. Fundam não apenas associações profissionais, sindicatos e jornais operários, mas também − principalmente os anarquistas − grupos de teatro social, escolas “livres, modernas e racionais” e até mesmo uma efêmera Universidade Popular de Ensino Livre no Rio de Janeiro, em 1904. A flâmula de uma associação operária, com uma mão branca e outra negra entrelaçadas, simbolizava o ideal de coesão social, a formação de uma consciência de classe acima das origens e identidades nacionais, étnicas e culturais diversas. A classe operária começa a entrar em cena no Brasil.

Três correntes político-ideológicas procuram organizar os trabalhadores urbanos no Brasil entre 1890 e 1920. Os “amarelos” ou “trabalhistas” − principalmente no Rio de Janeiro, então Distrito Federal − não questionavam o capitalismo, lutando apenas por melhores condições de vida e trabalho para os operários. As duas outras correntes − socialistas reformistas (ou democráticos) e anarquistas (socialistas libertários) − procuram articular a luta imediata por melhores condições de vida a uma crítica filosófica e política ao capitalismo e à tentativa de construção de um projeto alternativo: o socialismo. Anarquistas e comunistas divergem em relação às estratégias de luta, em relação aos meios para chegar ao mesmo fim − construir sociedades sem classes, sem Estado, sem propriedade privada dos meios de produção (terras, máquinas, fábricas etc.), sem exploração ou dominação. Os meios para alcançar esse fim comum, isto é, as estratégias de transformação social, é que eram radicalmente diferentes.  Mas em 1918 as divergências entre eles ainda não estavam na ordem do dia. Essa diferença se explicitaria, se aprofundaria e se agravaria a partir dos anos 1920, e ao longo das décadas seguintes, no mundo inteiro.

Desde 1914, a Primeira Guerra Mundial vinha prejudicando a economia brasileira, aumentando o desemprego, provocando recessão e carestia e agravando a penúria da classe operária. Em julho de 1917 (antes, portanto, da Revolução Russa) eclode em São Paulo aquela que seria a primeira greve geral parcialmente vitoriosa da história do Brasil. Esse movimento será fundamental para a auto-estima da classe operária, na luta pelo reconhecimento da legitimidade de seus sindicatos, ou seja, para sua formação como classe. No mesmo mês, ocorre no Rio de Janeiro uma greve generalizada, também envolvendo dezenas de milhares de trabalhadores. A greve carioca, também decorrente de questões ligadas à carestia, é ao mesmo tempo uma greve em solidariedade aos companheiros paulistas. Ela terá como principais conseqüências a formação de novos sindicatos e o aumento da representatividade dos já existentes. Em janeiro de 1918 é fundada a Aliança Anarquista do Rio de Janeiro e em março, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) do Rio de Janeiro, sucessora da FORJ (Federação Operária do Rio de Janeiro), fechada pela polícia em agosto de 1917. Crescem a organização e a mobilização operárias. Em agosto de 1918, com as notícias da Rússia já correndo nos meios sindicais e políticos, eclode a greve dos trabalhadores da Cantareira, a empresa que operava as barcas de transporte de passageiros entre as cidades de Rio de Janeiro e Niterói. Durante a repressão policial, alguns soldados e cabos do Exército tomam o partido dos grevistas, sendo dois deles mortos por tiros da polícia. Este episódio alimenta, entre os anarquistas, expectativas ilusórias de uma aliança política entre conselhos de operários e de soldados, como na Rússia. Além dessas três greves, ao longo do ano inúmeros movimentos grevistas ocorrem na capital federal – greves de tecelões, de sapateiros, de leiteiros, de trapicheiros, de carvoeiros, de metalúrgicos, de trabalhadores da construção civil –, alguns parcialmente vitoriosos. Por vezes circulam boatos de que uma greve geral estaria sendo preparada.

É nesse ambiente que, no Rio de Janeiro, militantes anarquistas – entre eles José Oiticica, Astrojildo Pereira, Agripino Nazaré, Manuel Campos, Ricardo Perpétua, Carlos Dias, Álvaro Palmeira, José Elias da Silva, João da Costa Pimenta – começam a conspirar, reunindo-se geralmente no escritório de Oiticica, na Rua da Alfândega, visando reproduzir na capital federal da República brasileira a recente experiência russa: a Revolução Social pela via insurrecional. Se os bolcheviques tomaram o Palácio de Inverno, por que não poderiam os anarquistas tomar o Palácio do Catete? Num artigo publicado no jornal anarquista Crônica Subversiva em 29 de junho, criticando a Guerra Mundial, Astrojildo Pereira já propunha “subir as escadas do Catete e pegar pela gola o patife que lá estiver a presidir e arremessá-lo das janelas do segundo andar (…)”.

O plano era simples. A insurreição estaria articulada a uma greve operária, principalmente de trabalhadores têxteis e metalúrgicos. Nesse momento, a União dos Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT), o sindicato têxtil, era dirigida por anarquistas, entre eles, Manuel Castro e Joaquim Moraes. Militantes conquistariam a adesão dos “irmãos de farda”, dos soldados do Exército. Anarquistas e operários grevistas armados, apoiados por militares, tomariam não só o Palácio do Catete, mas também uma delegacia de polícia (que chega a ser invadida) e a Intendência da Guerra (onde se apossariam dos armamentos), em São Cristóvão. A greve realmente foi deflagrada, envolvendo dezenas de milhares de trabalhadores, na maioria têxteis. Mas,… e a insurreição?

Mal preparado, o levante anarquista acabou por ser traído. O tenente do Exército Jorge Elias Ajus, vizinho do militante Ricardo Perpétua e que fora por este chamado a participar do movimento como encarregado do planejamento militar da insurreição, era informante do chefe de polícia do Distrito Federal. Em seu gabinete, o Dr. Aurelino Leal recebia diariamente notícias dos planos dos anarquistas. Assim, não foi difícil para a polícia, na manhã de 18 de novembro, data marcada para a insurreição, prender seus principais líderes.

O movimento acabou se restringindo basicamente a um conflito no Campo de São Cristóvão entre operários precariamente armados e forças legalistas, que obtiveram rápida vitória. Tiros, bombas de dinamite, operários em fuga desabalada pelas ruas do bairro, delação, prisões − a insurreição foi rapidamente sufocada. A greve operária, com alguma autonomia, continuou por alguns dias, sendo depois também derrotada. O governo aproveitou a ocasião para desencadear violenta e mais sofisticada escalada repressiva, fechando sindicatos e jornais operários, prendendo e deportando líderes anarquistas. A legislação vigente permitia ao Estado deportar estrangeiros ou mesmo brasileiros para fora ou para outras partes do território nacional. Em geral, os estrangeiros eram deportados para seus países de origem. José Oiticica, por exemplo, depois de preso e julgado, foi “deportado” para Alagoas, onde vivia sua família. Os líderes do movimento foram presos e enquadrados por crime de atentado. As autoridades, a maior parte da classe patronal e alguns políticos começam a elaborar um discurso em que tentam “separar o joio do trigo”: O trigo – operários brasileiros, laboriosos, honrados e pacíficos e suas legítimas reivindicações. O joio – anarquistas estrangeiros, subversivos profissionais, baderneiros apátridas, sem Deus, sem honra, sem família.

Contudo, para além dos efeitos imediatos, realmente negativos para os trabalhadores, a Insurreição Anarquista de novembro de 1918 no Rio de Janeiro produziu, a médio prazo, efeitos positivos para a classe e o movimento operários. O movimento substituiu por algum tempo a gripe espanhola como principal notícia na primeira página dos órgãos da grande imprensa carioca. Com isso, e juntamente com as greves anteriormente comentadas de julho de 1917 e agosto de 1918, a Insurreição Anarquista contribuiu para tornar impossível a continuada manobra governista de “tapar o sol com a peneira” ao afirmar que no Brasil não existia a “questão social”, que aqui não havia motivos para greves, que os operários viviam bem e eram felizes etc. Mas as reivindicações e demandas manifestadas pela classe e pelo movimento operário não podiam mais ser ignoradas. Lenta mas irreversivelmente, a classe patronal começa a perceber a necessidade, e mesmo a urgência, de atender às reivindicações operárias. Melhor “entregar os anéis e ficar com os dedos”, pensavam, e isso significava reconhecer a legitimidade dos sindicatos como entidades para encaminhar negociações coletivas. O senador Lauro Muller, em discurso aos seus pares imediatamente após os acontecimentos de 18 de novembro, reconhece que “a função precípua do Senado é legislar, [sendo necessário] entrarmos no trabalho das reformas de caráter social (…) [e que] o trabalho seja regulado por leis que lhe dêem garantias necessárias, garantias à sociedade, garantias aos patrões, garantias aos operários” (124a. Sessão do Senado Federal, em 20 de novembro de 1918). Em 1926 é criada a Comissão de Legislação Social da Câmara dos Deputados, rompendo-se a ortodoxia liberal ainda vigente.

A Insurreição Anarquista de 1918 conta um pouco da história das leis sociais no Brasil, que, longe de poderem ser resumidas a uma concessão magnânima de Getúlio Vargas aos trabalhadores, são, ao contrário, fruto de uma longa e árdua luta operária.

Carlos Augusto Addor é professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense e autor de A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro (Achiamé, 2002).

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Anarquismo no currículo

25 quinta-feira fev 2016

Posted by litatah in Educação Libertária, Filosofia da Educação, História, Movimento Operário Anarquista Primeira República, movimentos sociais, Sem categoria

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anarquia, educação libertária, História, história da anarquia, História do Anarquismo

batalha

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Espalhado por sindicatos e organizações de trabalhadores, movimento contestador abriu suas próprias escolas no Brasil, com pedagogia inovadora

Por José Damiro Moraes

Criadores de sindicatos,instigadores de greves, contestadores do capitalismo. A partir do final do século XIX, os anarquistas marcaram presença na cena pública nacional, liderando as primeiras mobilizações operárias do Brasil. E para disseminar sua ideologia revolucionária, lançaram mão de uma arma especial: a educação.

Não poderia ser uma educação qualquer, é claro. Seus princípios contrariavam os valores burgueses e primavam pela solidariedade e pela radical liberdade do indivíduo na gestão de sua própria vida. É o que expressa a origem etimológica da palavra “anarquia” – do grego an (negação) e arquia (governo). “Aquele que botar as mãos sobre mim, para me governar, é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo”, resumiu o filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), um dos fundadores do anarquismo.

Os ideais do movimento político chegaram ao Brasil trazidos principalmente por imigrantes espanhóis e italianos. Organizando-se em sindicatos e federações, sua principal atuação se dava junto à nascente classe dos trabalhadores urbanos. Mas num país com 85% de analfabetos, era difícil fazer circular a propaganda anarquista nos meios populares e operários. Jornais e boletins tinham que ser lidos em voz alta para que os métodos de luta fossem apreendidos. Para ampliar a conscientização e a participação dos trabalhadores, era preciso criar espaços educativos próprios. Nas escolas anarquistas, os operários e suas proles teriam acesso ao conhecimento formal – devidamente temperado pela ideologia do movimento. Com o apoio financeiro de sindicatos e federações, elas se espalharam pelo país.

Entre 1885 e 1925, cerca de quarenta instituições de ensino anarquistas surgiram no Brasil. A primeira de que se tem notícia foi a Escola União Operária, em Porto Alegre (RS). Em Fortaleza (CE) funcionou a Escola Germinal (1906); em Campinas (SP), a Escola Livre (1908); no Rio de Janeiro, a Escola Operária 1° de Maio, e em São Paulo, as Escolas Modernas nº 1 e nº 2 (todas de 1912), entre muitas outras. Em 1904, tentou-se até uma experiência de ensino “superior” (complementar à formação dos trabalhadores), com a criação da Universidade Popular de Ensino (Livre), no Rio. Ela contava com a colaboração de vários militantes e de literatos simpatizantes do movimento, como Elísio de Carvalho, Fábio Luz, Rocha Pombo, Martins Fontes, Felisberto Freire e José Veríssimo. Mas, ao contrário das escolas, durou poucos meses.

Uma resolução do primeiro congresso da Confederação Operária Brasileira (COB), em 1906, determinava que toda associação operária deveria sustentar uma escola laica para os sócios e seus filhos. “Ninguém mais do que o próprio operário tem interesse em formar livremente a consciência dos seus filhos”, justificava o texto. O foco do ensino anarquista era a contestação do capitalismo e o fortalecimento da participação política do operariado. Tudo que, segundo eles, a educação formal impedia. A burguesia era acusada de monopolizar a instrução e o conhecimento científico por meio de “artificiosas concepções que enlouquecem os cérebros dos que freqüentam as suas escolas”, de acordo com nova resolução, no congresso seguinte, em 1913. Argumentavam que “as castas aristocráticas e a Igreja” mantinham o “povo na mais absoluta ignorância, próxima à bestialidade, para melhor explorarem-no e governarem-no”. As escolas estatais e religiosas impediam “a emancipação sentimental, intelectual, econômica e social do proletariado e da humanidade”.

Diante de um quadro educacional tão dramático, a pedagogia anarquista precisava realizar transformações profundas. O ensino científico e racional deveria atender às verdadeiras necessidades humanas e sociais: a razão natural, e não a razão artificial criada pela burguesia. No lugar da memorização que prevalecia nas escolas, propunha-se abrir espaço aos jogos e à iniciativa dos próprios alunos. Exames e concursos deveriam ser extintos, assim como qualquer tipo de prêmio ou castigo.

Eram ideias inspiradas no método racionalista, criado pelo espanhol Francisco Ferrer y Guardia (1859-1909), fundador da Escola Moderna de Barcelona. Para Ferrer, a criança deve ser o centro do processo educacional e o professor tem a tarefa de problematizar a realidade, conjugando teoria e prática – esta identificada com o trabalho manual. Meninos e meninas devem estudar na mesma sala (proposta ousada para a época), assim como ricos e pobres. A educação não pode se eximir de sua responsabilidade política, conscientizando os alunos para os valores humanitários e antiestatais do anarquismo.

Mais do que pôr em xeque a pedagogia tradicional, esses princípios soavam como uma afronta ao poder constituído. As teorias de Francisco Ferrer y Guardia despertaram a ira da Igreja e do governo espanhol. Ele foi preso, e de nada adiantaram os protestos pela sua libertação: acabou fuzilado em 1909.

Os currículos das escolas anarquistas brasileiras estavam em sintonia com a proposta racionalista de Ferrer. Privilegiavam a leitura, a caligrafia, a gramática, a aritmética, a geografia, a geometria, a botânica, a geologia, a mineralogia, a física, a química, a história e o desenho. Também incluíam sessões artísticas e conferências científicas. Para além da sala de aula, os alunos participavam de eventos operários, principalmente em datas consideradas importantes pelos anarquistas, como 18 de março – data da Comuna de Paris, insurreição popular que em 1871 gerou o primeiro governo operário da história –, 1º de maio – em memória da execução dos “mártires de Chicago” (1886), operários que pediam a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias – e 13 de outubro, data do fuzilamento de Ferrer. Assim a escola aproximava alunos, famílias e sindicatos, mantendo viva a memória e a necessidade das lutas proletárias. O esforço educativo desses grupos resultou também na fundação de bibliotecas, centros de estudos, centros de cultura e grande circulação de periódicos.

Mas as greves gerais ocorridas em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1917 e 1919, com marcante liderança anarquista, chamaram a atenção do Estado e da Igreja Católica para as ações do movimento. Os anarquistas passaram a ser vistos como ameaça e tornaram-se alvo de dura repressão: inúmeros militantes estrangeiros foram expulsos do país, suas escolas foram fechadas e os professores foram acusados de difundir a revolução social. Educadores vinculados àquelas escolas foram colocados em listas negras de industriários da época, e não conseguiram se empregar novamente. A classe dominante e os governantes criaram e divulgaram a tese segundo a qual o anarquismo era uma “planta exótica” – vinda da Europa, não teria clima favorável para se desenvolver por aqui. A estratégia era evidente: negar a luta de classes e ressaltar a suposta cordialidade e o apego à ordem do povo brasileiro.

O terceiro congresso do COB, em 1920, realizou-se sob esse clima de tensão. Mas, mesmo em um contexto complicado para o movimento operário brasileiro, a educação anarquista continuava em pauta. “O III Congresso Operário, tratando das escolas proletárias e tomando conhecimento da inominável violência do governo paulista que encerrou arbitrariamente as Escolas Modernas, quando esse mesmo governo tolera e até mesmo protege as escolas reacionárias, associa-se ao movimento de protesto do operariado contra essa opressão”, dizia a moção redigida por Edgard Leuenroth (1881-1968), um dos principais militantes anarquistas da República Velha.

A partir dali, a repressão só iria recrudescer. Expulsões, deportações e prisões no campo de concentração de Clevelândia, no município do Oiapoque (RS), durante o governo de Artur Bernardes (1922-1926), minaram a força do anarquismo. Mais à frente, com o Estado Novo e a implantação do sindicalismo oficial vinculado ao governo, a atuação do movimento acabou restrita a atividades culturais e educativas – como as da Universidade Popular Presidente Roosevelt, criada em 1945 por intelectuais não necessariamente anarquistas, que oferecia cursos gratuitos em várias áreas, como Psicologia, Sociologia, Política e Economia.

Mesmo ocultada das teorias pedagógicas e da história da educação, a influência das propostas libertárias anarquistas foi marcante no século XX. Muitos de seus princípios foram absorvidos pelas principais correntes pedagógicas e reformas educacionais, como as propostas de Celestin Freinet (1896-1966), a Escola Nova de John Dewey (1859-1952), a pedagogia de Paulo Freire (1921-1997) e, atualmente, o movimento das Escolas Democráticas.

E não deixaram de provocar inquietação. Até que ponto, nestes tempos individualistas e competitivos, é possível praticar um ensino baseado na solidariedade e na liberdade?

José Damiro de Moraes é professor na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e autor, com Silvio Gallo, de “Anarquismo e Educação – A educação libertária na Primeira República”. In: História e Memórias da Educação no Brasil, vol. III (org. Maria Sephanou e Maria Helena Câmara Bastos, Vozes, 2005).

Saiba Mais – Bibliografia:

CODELLO, Francesco. A Boa Educação: experiências libertárias e teorias anarquistas na Europa, de Godwin A. Neill. São Paulo: Imaginário/Ícone, 2007.

DEMINICIS, Rafael Borges; AARÃO REIS FILHO, Daniel (org.). História do Anarquismo no Brasil, vol. 1. Niterói/ Rio de Janeiro: EdUFF/MAUAD, 2006.

GALLO, Silvio. Pedagogia Libertária: anarquistas, anarquismos e educação. São Paulo/Manaus: Imaginário/Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2007.

SAFÓN, Ramón. O Racionalismo combatente: Francisco Ferrer y Guardia. São Paulo: Imaginário/ IEL/NU-SOL, 2003.

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[Portugal] O Binóculo e Louise Michel

21 domingo fev 2016

Posted by litatah in Agência de Notícias Anarquistas, Agência de Notícias Anarquistas - A.N.A, História, Louise Michel

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História, história da anarquia, História Social; Louise Michel, Louise Michel

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Fonte: A.N.A.

O Binóculo foi um jornal humorístico de periodicidade primeiro quinzenal e depois semanal que se publicou em Ponta Delgada, tendo a sua redação na rua de São Brás, 98 e 100. Foi um dos projetos dos dois irmãos editores de jornais João Cabral (1853-1916) e Augusto Cabral (1856-1924), que foram proprietários da Litografia Lusitana.

João Cabral, identificado em alguns jornais como professor de desenho, foi segundo Ana C. Moscatel Pereira, a alma do jornal e do seu filho “O Pist”, tendo sido “um artista de mérito que estuda e que progride a olhos vistos […]” e que ia “conquistando logar honroso não só pela firmeza do traço e correção do desenho, mas também pela graça que faz presidir aos seus trabalhos”.

No seu número 47 relativo ao dia 18 de agosto de 1883, o jornal “O Binóculo” tem como assunto principal a vida da revolucionária francesa Louise Michel (1830-1905) que foi professora, poetisa e escritora e uma das participantes da Comuna de Paris.

Como uma das principais militantes da Comuna de Paris, Louise Michel foi um pouco de tudo, desde enfermeira e condutora de ambulâncias até comandante de um batalhão feminino. A propósito da participação das mulheres nos combates escreveu: “Os nossos amigos homens são mais atreitos a desfalecimentos de coragem que nós, as mulheres. Durante a Semana Sangrenta, foram as mulheres que levantaram e defenderam a barricada da Place Blanche- e mantiveram-na até à morte”.

Tendo recebido uma educação inspirada pelos ideais da Revolução Francesa, estudou e tirou o curso de professora primária, mas como se recusou a prestar juramento a Napoleão III foi-lhe vedado o acesso ao ensino público.

Impedida de trabalhar no ensino público, Louise Michel usa a herança que recebeu do avô para abrir escolas na província. Mais tarde regressa a Paris e continua a ensinar durante quinze anos, ao mesmo tempo que publica livros de poesia e romances.

Na sequência da derrota da Comuna, ela que tinha conseguido fugir, acabou por se entregar para que a sua mãe presa em seu lugar fosse libertada.

Condenada a dez anos de deportação, foi enviada para a Nova Caledônia onde manteve atividade política e foi autorizada a trabalhar como professora. Mais tarde, depois de ter sido presa por diversas vezes, exilou-se em Londres, onde dirigiu, durante vários anos, uma escola libertária.

Desconhecemos se João Cabral simpatizava ou não com os ideais de Louise Michel e que fontes terá utilizado para dedicar a capa e um texto àquela revolucionária francesa.

No texto referido, depois de considerar que Louise Michel havia sido condenada a “uma pena severíssima imposta a uma mulher”, “seis anos de prisão, seguidos de 10 anos de vigilância policial” por ter participado numa manifestação em que foram saqueadas três padarias”, “O Binóculo” escreveu que ela não aceitou ser considerada criminosa comum, tendo afirmado “que o seu crime era político, e não devia ser tomada responsável pelo saque dado a algumas padarias, que não promoveu, e seria levado a efeito por alguns garotos, que, coitados, teriam fome”.

Sobre o espírito de sacrifício de Louise Michel, no texto referido podemos ler que ela era dotada de um temperamento capaz de suportar as mais rijas provações do infortúnio, sem murmurar uma queixa ou imprecação”.

Em relação à sua dedicação aos outros e à causa que abraçou, também se pode ler que “ela, no tempo de exílio, se despojava ali das meias que trazia nos pés para dar aos mais necessitados!“ e que “amava a revolução com entusiasmo, como fanatismo cego, não por amor de si, mas dos operários e da paz do universo”.

Teófilo Braga

Fonte: http://www.correiodosacores.info/index.php/opiniao/18682-o-binoculo-e-louise-michel

agência de notícias anarquistas-ana

lua n’água
entre pétalas
alumbra o abismo

Alberto Marsicano

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Aos pintores da União dos Operários em Construcção Civil

11 segunda-feira jan 2016

Posted by litatah in Anarcosindicalismo, Anarquia, História, Marques da Costa, Núcleo de Pesquisa Marques da Costa, syndicalismo revolucionario, União dos Operarios em Construcção Civil

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A BATALHA (anarco-sindicalista, anarco-sindicalismo, “Movimento Operario” de “O Paiz, História, história da anarquia, História do Anarquismo, História Social, jornal A Pátria, Marques da Costa, Núcleo de Pesquisa Marques da Costa, sindicalismo revolucionario, syndicalismo revolucionario, Teoria, teoria anarquista, teorias anarquistas, União dos Operarios em Construcção Civil

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Fonte: Núcleo de Pesquisa Marques da Costa – Memória é Luta!

Néo-Syndicalistas, portadores de formulas velhíssimas, que a pouco e pouco vão sendo universalmente rejeitadas.

Anda mouro na costa!…

Aquelles que se têm esforçado por manter incolumme o syndicalismo revolucionario tantas vezes “aggredido”, quantas tem sido alvo de sordidas mystificações, são concitados pelo presente brado de alerta! , a occupar seu posto de combate e a assestar suas armas contra os que neste momento se preparam para uma nova incursão.

Sim, nova incursão!

Não é a primeira vez que se premedita levar por deante tentativas de deturpação dos principios e finalidades do syndicalismo revolucionario.

A differença só existe nisto: antes essas tentativas de deturpação opportunista provinham do elemento burguez, agora são outros os interessados na “falsificação”,,, do systhema.

Mas vejamos quaes são as poderosas razões do nosso alerta!

No “Movimento Operario” de “O Paiz”, está sendo publicado o seguinte manifesto:

“Organização de syndicatos por officio – Aos Pintores – O estado de estagnação em que se encontram os trabalhadores da Construcção Civil é de tal ordem, no que concerne à organização, que nos obriga a meditar sobre os meios mais practicos a empregar, para obtermos um organismo que corresponda  “in totum” à aspiração dos trabalhadores.

A experiencia nos indica que nesta industria o Syndicato de officios, com a organização da respectiva federação a seguir, dará melhores resultados que até hoje tem dado organizados em União.

Por estarmos convictos de que assim é, e não nos conformando com o estado de desorganização em que nos encntramos nesta industria, é que, nós, antigos militantes nos constituímos em comité para organizarmos o Syndicato dos Pintores e Annexos.

Para organizarmos o syndicato, que está nos moldes syndicalistas-revolucionarios, contamos com a boa vontade dos companheiros e rogamo-lhes para que estejam attentos à convocação que faremos publicar nos jornaes diarios desta cidade, em muito breve tempo e em local que indicaremos.

Assim organizados por officio, crearemos alma nova, seremos o que já fomos!

Sem desfallecimento para a organização do Syndicato dos Pintores e Annexos – O Comité.”

Como se vê, os membros desse comité, que demonstram ser velhos conhecedores dos methodos de organização profissional e industrial, não revelam o seu nome, o que neste caso seria de importancia capital, afim de incutir na classe a que se dirigem a necessaria confiança para o desejado exito da arrojada iniciativa.

Entretanto, está-se a ver donde virão os elementos que pretendem fundar “um organismo que corresponda “in totum” à aspiração dos trabalhadores”.

A União dos Operarios em Construcção Civil, que é, indubitavelmente, uma das poucas associações que têm sabido no Brasil, manter-se fieis interpretes do syndicalismo revolucionario, tem em seu seio a grande maioria dos pintores que já foi possivel organizar no Rio de Janeiro; em embora soffra, como realmente soffre, o effeito da grande crise que neste momento assoberba todas as organizações operarias do paiz, nada provou, até agora, que a organização por industria dê resultados tão insatisfatorios que os pintores sintam necessidade de se organizarem profissionalmente, fora do local da União.

Nós estamos daqui a adivinhar os intuitos dos néo-syndicalistas, que devem ser os mesmos intuitos dos federalistas de Estado…Mas não queremos ir longe, por agora, para que não torçam as nossas previsões.

Desejamos, todavia, prevenir os incautos, e vamos fazel-o de modo que fique patenteado a maneira pela qual os membros desse “comité syncicalista revolucionario” podem dar provas das suas boas intenções, dos seus propositos que nós presumimos serem nada mais nada menos que divisionistas, antilibertarios portanto.

Na U.O.C.C. observa-se a mais rigorosa autonomia de acção. Cada qual pode tomar a iniciativa que lhe aprouver – correndo apenas o risco de ter ou não o apoio dos seus companheiros.

Se o referido comité está sendo composto de syndicalistas revolucionarios, tão estudiosos da questão syndical que até já concluiram haverem de promover a organização por profissões, não é crível que tenham estado até agora alheios ao único organismo que, desde 1917, tem sido o coordenador da acção de todos os “pintores revolucionários”. Se fizerem, em qualquer tempo, parte ativa da União dos O. em Construcção Civil, por força tomaram conhecimento dos reaes principios de liberdade que a orientam e, “ipso facto”, sabem que jamais foi vedado ali o direito de reunião parcial.

Ao contrario. Na U.O.C.C. sempre se admitiu a constituição das secções profissionaes (que a nosso ver estão peremptoriamente constituidas, reunindo-se, ou não, conforme as necessidades circumstanciaes o exijam). Logo, tal comité é suspeito, só pode ser formado por elementos que pretendam fazer da organização operaria o que esta já tem sido nas mãos de certos aventureiros políticos.

E não me dirijo propriamente à classe dos pintores, a quem se pretende ludibriar sob o pretexto de que só por syndicatos profissionaes será possivel conseguir o bem estar almejado por todos os productores da terra. Não. Dirijo-me aos pintores que teem sabido occupar o seu logar na vanguarda dos syndicalistas revolucionarios, certo de que elles saberão impedir a consumação dessa obra de divisionismo que se está tramando nos escuros corredores do politicismo obreiro.

Marques da Costa

Artigo publicado na Secção Trabalhista do jornal A Pátria (Rio de Janeiro), no dia 13 de julhode 1923.

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História do Movimento Anarquista no Brasil

21 segunda-feira dez 2015

Posted by litatah in Anarquia, Greve Geral de 1917, História

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História, história da anarquia, História do Anarquismo

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História do Movimento Anarquista no Brasil

Com 8.511.965 km² e uma população de cerca de 160 milhões de habitantes, “encontrado pelos navegadores portugueses em 1500″, colonizado à força de chicotadas e da decepação de pares de orelhas com as mãos dos capitães do mato”, cresceu pela força do trabalho escravo, como os demais países “descobertos” por espanhóis, italianos, holandeses, franceses, ingleses e outros.

A questão social começou quando uns poucos figurões alugaram e compraram braços humanos para desbravar a terra, abrir estradas, construir pontes, moradias, carruagens e tudo o mais capaz de proporcionar uma vida confortável aos comandantes da miséria e do progresso do Brasil.

Nos quase 500 anos de história aconteceu de tudo um pouco: compra e venda de gente como nós nos leilões em praça pública, uso de escravos novos para reproduzir filhos (mão-de-obra com pouco custo e nenhum risco) com escravas sadias, trabalho pela comida, trapaças para tomar terras férteis aos nativos, prisões, espancamentos a gosto dos patrões e tudo o mais que o cérebro humano é capaz de imaginar para dominar seus semelhantes. E eram todos boas almas tementes a Deus…

A opressão seguiu-se às fugas e à formação dos quilombos, o mais importante foi instalado em Palmares (1602-1695), resistiu quase um século, teve 20 mil habitantes vivendo em comunidade sem leis nem amos. Zumbi e seus companheiros anteciaparam-se a Tiradentes dois séculos tentando formar uma nação dentro do Brasil.

Independente em 1822, no grito do português Pedro I (4º de Portugal), o Brasil foi palco de muitas fugas e revoltas populares: a Setembrada e a Novembrada (1831); Levante de Ouro Preto (1833); a Sabinada (1837); a Balaiada (1838); a Cabanagem (1835-1840); a Guerra dos Farrapos (1835-1845); a Revolução Liberal (1842); a Revolução Praieira e a Proclamação da República em 1889. Pouco antes (13 de maio de 1888) havia sido promulgada a Lei Áurea acabando com a prática de comprar e vender gente.

A rebeldia iniciada na contramão pretendia mudar a prática patronal, surrada, vergonhosa, anti-humana!

Do velho mundo chegavam as idéias revolucionárias de navio, em livros publicados na Europa. Entravam pelos portos do Rio de Janeiro, de Santos, atravessavam as fronteiras invadindo o Brasil um pouco na cabeça de cada imigrante que vinha em busca de liberdade e de terra fértil para semear o anarquismo.

Nas duas últimas décadas do século 19 alguns jovens brasileiros foram estudar na França e em Portugal e lá souberam das idéias libertárias. Outros estudaram no Brasil mesmo e encontraram livros de Kropotkine nas livrarias e na leitura respostas para suas inquietações.

É dessa época Manuel de Mendonça, autor da novela social “Regeneração”. O médico e higienista Fábio Luz encontrou na Bahia Palavras de um Revoltado, de Kropotkine, leu essa revolucionária obra e tornou-se anarquista. Escreveu e publicou Ideólogos e Os Emancipados, duas obras libertárias do início do século 20, sendo desde então considerados os primeiros escritores brasileiros a tratar da questão social no romance.

Aos dois intelectuais anarquistas juntaram-se Elísio de Carvalho, o estudante de medicina J. Martins Fontes, Pedro do Couto, Rocha Pombo, Pausilipode da Fonseca, João Gonçalves da Silva e Maximino Maciel, formando o grupo que publicou, no Rio de Janeiro, mais adiante, a revista Kurtur, e fundaram a Universidade Popular, em 1904, duas iniciativas anarquistas.

Avelino Foscolo, começou em Minas Gerais, Reinaldo Frederico Greyer, no Rio Grande do Sul, Ricardo Gonçalves (tem uma rua com seu nome em São Paulo), Benjamin Mota, Edgard Leuenroth e João Penteado, em São Paulo; Orlando Corrêa Lopes, Francisco Viotti, Domingos Ribeiro Filho, Lima Barreto e José Oiticica, no Rio de Janeiro. De Portugal chegou Neno Vasco, um ilustre advogado, fez escola como anarquista em São Paulo (1901-1911), entre outros responsáveis pela sementeira anarquista no território brasileiro.

Em 1890 chegaram da Itália Giovani Rossi e seus companheiros para fundar a Colônia Cecília no Paraná.

A São Paulo, Guararema, chegou o italiano Artur Campagnoli e aos poucos Gigi Damiani, Alexandre Cherchiai, Oresti Ristori, Frederico Kniestedt, valorosos militantes italianos e de outros países que, depois de dar um salto no escuro para se ajustar ao clima tropical, às formas de trabalho, aos costumes, à alimentação, ainda tiveram que aprender o idioma português. A única coisa que pouco diferenciava o Brasil da Europa era a questão social, a exploração do homem pelo homem.

Lícito é destacar que o motor de propulsão do movimento anarquista no Brasil veio da Itália, foram os imigrantes deste país que sacudiram e agitaram com maior intensidade a questão social, as reivindicações e começaram uma propaganda sistemática do anarquismo e do anarco-sindicalismo. Em idioma italiano ou em português, publicaram dezenas de jornais, fizeram centenas de palestras, realizaram espetáculos teatrais com peças revolucionárias e por isso muitos foram presos, expulsos e outros tiveram de mudar de atividades para se esconder, embora uns poucos também tenham melhorado de vida e abandonado as idéias.

Dessa sementeira que envolveu em primeiro plano os italianos, seguidos e apoiados por portugueses, brasileiros, espanhóis e outros, circularam pelo Brasil mais de uma centena de jornais e revistas (entenda-se títulos) anarquistas e anarco-sindicalistas, sendo quatro diários; fundaram e dirigiram escolas de ensino racionalista, formaram grupos de teatro e representaram mais de uma centena de peças libertárias e anticlericais, fizeram comícios públicos contra a guerra, o serviço militar obrigatório, reduziram a jornada de trabalho (quando chegaram oscilava entre 16 e 10 horas diárias), bateram-se pela higiene e segurança no trabalho, por uma infinidade de melhorias tornando o trabalho menos penoso para o proletariado do Brasil. Mais de um milhar foram expulsos com a roupa do corpo acusados de agitadores estrangeiros, umas dezenas morreram lutando com a polícia. O primeiro anarquista assassinado foi o italiano Polenice Mattei, em São Paulo, no dia 20 de setembro de 1898.

Para se entender a trajetória do anarquismo no Brasil, confundido com o movimento sindicalista revolucionário ou anarco-sindicalista, é preciso definir ainda resumidamente o que os distingue e por que se confundem.

Movimento Anarquista: ação de grupos anarquistas, em conjunto ou separadamente, composto por células orgânicas, comunas, grupos, centros de estudos, uniões e federações.

O movimento anarquista não é exclusivamente uma organização de operários para operários, é ação de indivíduos que se opõem e dão combate ao capitalismo, almejando a derrocada do Estado e a reconstrução de uma Nova Ordem Social, descentralizada horizontalmente, autogestionária. Não é a revolta dos estômagos, é a revolução das consciências! O Movimento Anarquista não se firma na luta de classes ou pretende instalar os governados no lugar dos governantes, seus fins são de acabar com as classes, tornar o homem irmão do homem, independente de cor, idade ou sexo. Não visualiza a igualdade metafísica ou de tamanho, força, necessidades, quer a igualdade de possibilidades, de direito e deveres para todos.

Anarco-Sindicalismo: corrente sindicalista, assim chamada a partir da cisão provocada no 5º Congresso da AIT (Primeira Internacional dos Trabalhadores), em Haia, no ano de 1872, adotada pela maioria dos operários do Brasil até a implantação dos sindicatos fascistas pelo Estado Novo de Vargas, em 1930.

O anarco-sindicalismo é ao mesmo tempo uma doutrina e um método de luta.

Como doutrina, parte do trabalhador, célula componente da sociedade que pretende aperfeiçoar e desenvolver. Como método de luta, pretende a anulação do sistema capitalista pela ação direta, pela greve geral revolucionária e a substituição por uma sociedade gerida por trabalhadores em autogestão. Sua força reside no conjunto de organizações operárias (sindicatos, uniões e federações) voluntárias, livremente associadas.

A diferença entre sindicalismo e anarquismo consiste nos métodos e alcance. O movimento anarquista é de indivíduos, pretende torná-los unidades ativas, independentes, capazes de produzir e gerenciar em autogestão, sem as muletas políticas, religiosas, sem chefes: vai até onde a liberdade e a inteligência o possa levar. O sindicalismo é um movimento de operários (inclusive de ofícios vários), voltado mais para a gerência da produção e do consumo. Seu espaço é limitado, materialista, sem a dimensão e o alcance de filosofia de vida do anarquismo.

Bolchevismo: Variedade de socialismo. Doutrina política dos democratas russos que desejavam a aplicação integral do programa máximo de Lenin e Plekhanov. É empregado também como sinônimo do comunismo e do marxismo. Nasceu em agosto de 1903, durante o 2º Congresso do Partido Social Democrata Russo, iniciado em Bruxelas e terminado em Londres. Chegou ao Brasil depois da Revolução Russa de 1917, ganhando corpo com a formação do PCB em 1922. Disputou com os anarco-sindicalistas a supremacia dos sindicatos, transformando-se desde então num sério opositor aos movimentos anarquista e sindicalista.

Revendo a caminhada histórica do movimento libertário brasileiro, descobre-se que andaram pelo Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo socialistas da escola de Fourier, Garibaldines, Maria Baderna da escola de Mazini; anarquistas adeptos de Proudhon e Bakunin e revolucionários da Comuna de Paris chegados clandestinamente ao Brasil em busca de asilo político.

Para o autor a história do anarquismo em terras brasileiras começou a ser escrita efetivamente em 1888 com a chegada de Artur Campagnoli. Foi este bravo militante italiano, artista joalheiro, falecido em 1944 em São Paulo, quem teve o mérito de fincar o mais visível e incontestável marco anarquista no Brasil. Chegou a São Paulo em 1888, comprou uma área de terra considerada improdutiva e fundou a Colônia Anarquista de Guararema , com ajuda de libertários russos, franceses, espanhóis, italianos (a maioria) e nas décadas de 20 e 30 teve a colaboração de brasileiros. Dois anos mais tarde veio o engenheiro agrônomo Giovani Rossi e cerca de 200 imigrantes da Itália, em duas levas, para fundar a Colônia Cecília no Paraná. Esta experiência ácrata resistiu de 1890 a 1894 às investidas do governo da República, que acabava de implantar-se no Brasil. Asfixiada por cobranças de impostos indevidos, pelas invasões militares, os mais resistentes esperaram a expulsão, radicando-se nas imediações para olhar de longe a palmeira onde por quatro anos tremulou a bandeira preta e vermelha do Anarquismo.

São desta mesma época os periódicos ácratas: Ghi Schiavi Bianchi, São Paulo, 1892, em idioma italiano e tendo como diretor Gallileu Botti; L’Avenire, São Paulo, 1893, em italiano e português; Il Risveglio, São Paulo, 1893, em italiano.

O Libertário, em português, saiu em 1898, em São Paulo, sob a direção de Benjamim Mota; O Despertar, Rio de Janeiro, em 1898, sob a direção de José Sarmento Marques, e em janeiro do mesmo ano de 1898 realizou-se o Primeiro Congresso Operário no Rio Grande do Sul com a participação de dois centros anarquistas. Em 20 de setembro foi assassinado Polenice Mattei, o primeiro mártir do anarquismo, em São Paulo, Brasil.

Em mais de cem anos, o movimento anarquista do Brasil sofreu inúmeros revezes. Chegou a contar com o apoio de quatro diários, dezenas de semanários, mensários, bimensários e periódicos. Atravessou fases dificílimas sem nenhum porta-voz nem poder reunir seus militantes.

Nesse mesmo período foram publicados alguns livros e folhetos, a maioria por iniciativa de grupos libertários que se cotizavam para angariar recursos com os quais custeavam edições. As obras clássicas foram lançadas por editoras comerciais. Somado o esforço dos libertários às iniciativas dos livreiros, o número de títulos de livros publicados em terras brasileiras pouco excede as duas dezenas até 1960.

Em 1964 chegou a ditadura militar e com ela um frutífero período de grande efervescência editorial de obras libertárias. Paralelamente à repressão, escritores e editoras afrontaram a ditadura na década de maior repressão (1970-1980), prosseguiu durante a varrida do entulho autoritário, entrando na “nova-velha república” pesquisando e publicando livros ácratas.

O anarco-sindicalismo e o anarquismo caminharam no Brasil muito entrelaçados enquanto movimento. Sua distinção era notada na imprensa.

Mais preocupados com a ideologia, os anarquistas desenvolviam um trabalho educativo. Viam no elemento humano a “peça” mais importante a preparar, tanto no terreno profissional quanto no cultural, a fim de que cada militante fosse capaz de se autogerir sem muletas religiosas, patronais ou policiais. Colocava sempre os cérebros acima dos estômagos.

Com estes objetivos os anarquistas fundaram escolas livres, universidades populares, grupos de teatro social, desenvolveram intensa propaganda educativa, sociológica, de cultura geral, libertária.

Nas duas primeiras décadas do século 20 promoveram manifestações estrondosas na defesa do fundador da Escola Moderna, Francisco Ferrer y Guardia, e de companheiros presos, torturados e expulsos do Brasil. Apoiaram e ajudaram os trabalhadores russos quando da revolta de 1905, os mexicanos em 1910, os russos em 1917, reverenciavam os Mártires de Chicago, no dia 1º de maio, e não esqueciam as vítimas do capitalismo selvagem no Brasil e no mundo.

Durante a guerra de 1914-1918, os libertários brasileiros atuavam em diversas frentes, em nível de Brasil: contra o desemprego, o aumento do custo de vida, a escassez de alimentos de primeira necessidade, combatiam a burguesia açambarcadora, o clero corruptor das mentes, o Estado “pai de todos”, que garantia inclusive a carnificina humana nos campos de batalha.

Para minimizar a fome, o governo, pressionado pelo proletariado libertário que fazia comícios nas portas das fábricas, autorizou a venda de gêneros diretamente do produtor ao consumidor (processo hoje conhecido como feiras livres, um pouco mudado) sem taxação de impostos.

Em nível internacional realizaram o Congresso Pró Paz, no Rio de Janeiro, e enviaram três delegados ao Congresso realizado no Ateneu Sindicalista do Ferrol, em 1915, dissolvido aos tiros pelo governo espanhol.

O que aconteceu com os representantes do movimento anarquista brasileiro aparece no seguinte texto:

“Realizou-se na quarta-feira à tarde, no largo de S. Francisco, um comício convocado pela Comissão Popular de Agitação Contra a Guerra formado de representantes de várias agremiações operárias daquela cidade.

Abriu o meeting às 5 horas e pouco João Gonçalves da Silva, que explicou os fins do mesmo, que era protestar principalmente contra a proibição feita pelo governo espanhol à reunião do Congresso Internacional Pró Paz de Ferrol.

Seguiram-se com a palavra José Elias da Silva e Dr. Orlando Corrêa Lopes, atacando os governos da Europa e mostrando que o proletariado é o único a sofrer com a conflagração, devendo ele, portanto, rebelar-se contra e esforçar-se por lhe pôr um paradeiro.

Falou depois a operária Juana Buela, companheira de João Castanheira, o operário vítima da sanha da polícia de Espanha. Profundamente emocionada Juana Buela, que leu o seu discurso, proclamou bem alto e bem firme os seus ideais revolucionários, que não esmoreceram com a morte daquele que foi o seu companheiro de vida, antes mais se arraigam e mais se acentuam.”

Por fim, Leal Júnior, usou da palavra encerrando o comício com a seguinte moção de protesto:

“Considerando que o direito de reunião e livre manifestação do pensamento é um direito primordial conquistado, adquirido e reconhecido em todo o mundo civilizado e;

Considerando que o Congresso Internacional Pró Paz convocado pelos elementos proletários e revolucionários de Ferrol, Espanha, e tendo por fim combinar uma ação conjunta dos proletários da Europa e da América no sentido de uma afirmação positiva e concreta contrária à guerra e favorável ao estabelecimento de uma paz real baseada na solidariedade efetiva desse proletariado, colimava um escopo altamente humanitário e de verdadeira defesa da civilização;

A massa popular reunida em comício organizado pela Comissão Popular de Agitação Contra a Guerra e realizado no Largo de S. Francisco de Paula, às 5 horas da tarde de hoje, deixa firmadas nesta moção as expressões de seu indignado protesto contra o ato do governo espanhol, proibindo aquele Congresso, perseguindo e deportando os delegados ao mesmo idos de outros países e assassinando, pelo instrumento da sua política, um dos delegados enviados por associações proletárias e libertárias do Brasil, o operário João Castanheira, como consta dos telegramas publicados pela imprensa desta cidade.

Rio de Janeiro, 12 de maio de 1915″

O comício do Rio de Janeiro terminou com grande passeata na frente da Federação Operária, no antigo Largo do Capim. Sucederam-lhe manifestações dos libertários do Paraná, Rio Grande do Sul e de diversas cidades do Estado de São Paulo. Os jornais operários e anarquistas também atacaram de rijo os beligerantes, inclusive distribuindo postais com alegorias de repulsa à guerra, produzindo grande impacto ao longo dos quatro anos em todo o Brasil.

São Paulo foi palco de greves insurrecionais em 1906 e 1907 pela conquista da jornada de oito horas diárias; em Santos as greves para conseguir as oito horas só terminaram em 1921.

O proletariado de tendência libertária procurava abrir caminho na selva capitalista deflagrando greves que vieram a desembocar na insurrecional de 1917, nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, por solidariedade.

Em 1918, movimento insurrecional explodiu no Rio de Janeiro com um saldo de três operários assassinados pela polícia carioca e cerca de meia centena de presos e deportados. Em 1919, Epitácio Pessoa aproveitou para expulsar do país três dezenas de anarquistas. Contrariando as expectativas do governo, que acreditava que com as expulsões e deportações reduzia a pujança do movimento libertário, ainda em 1919, formou-se o Partido Comunista do Brasil, de que logo se arrependeriam seus organizadores ao saber que o governo soviético prendia, torturava, matava e expulsava anarquistas que haviam ajudado a derrubar a dinastia dos Romanov.

A burguesia vivia apavorada, exigia respostas imediatas aos “desordeiros…”

Uma onda nacionalista começava a formar-se no Brasil em oposição às “esquerdas”. Em 1920 são expulsos do Rio de Janeiro mais de dois mil portugueses, pescadores de Matosinhos e da Póvoa de Varzim, vítimas desse patriotismo brasileiro. Muitos haviam chegado ao Brasil adolescentes, casados e já tinham filhos nascidos no Rio de Janeiro. O único pecado desses trabalhadores do mar era não quererem naturalizar-se brasileiros.

Uma lei vesga proibia-os de exercer suas profissões, acabando por servir ao integralista capitão Frederico Vilar, para mandar de volta gente honrada, com o aval do presidente Epitácio Pessoa.

Neste mesmo ano foram expulsos também anarquistas e anarco-sindicalistas italianos, portugueses, espanhóis, precipitando protestos de operários e intelectuais em todo o país e na Europa.

No sul, alemães e russos anarquistas marcavam suas presenças em oposição aos seus patrícios que pretendiam ficar ricos e aos brasileiros xenófobos exploradores.

Greve na indústria têxtil de Santa Catarina é o pretexto para expulsar dois anarquistas nascidos na Alemanha.

Em Porto Alegre o anarquista alemão Frederico Kniestedt abre espaço com os jornais Der Freie Arbeiter, Aktion, Alarm e o Sindicalista, os três primeiros publicados em seu idioma e o último em português.

Ainda no Sul, mais exatamente em Erebango, (Getúlio Vargas), fixaram residência e formaram uma comunidade várias famílias de russos da Ucrânia. Sua atuação anarquista é-nos contada por um dos seus componentes, Elias Iltchenco que visitamos já muito doente.

“No ano de 1920 os emigrantes de Getúlio Vargas – ex-Erechim – já tinham condições emocionais e de locomoção e começaram a formar grupos coesos, a reunir-se uma vez por mês. Nosso grupo tinha mais de 40 membros espalhados numa área de 40 a 50 km, englobando grupos de Floresta, Erechim, Erebango e outros lugares.

São dessa época:

União dos Trabalhadores Rurais Russos, de Getúlio Vargas (antigo Erechim). Seu presidente chamava-se Sérgio Iltchenco, o secretário Paulo Uchacoff e o tesoureiro Simão Poluboiarinoff;

União dos Trabalhadores Russos, de Porto Alegre. Esta tinha como presidente Niquista Jacobchenco;

União dos Trabalhadores Rurais Russos de Guaraní, Campinas e Santo Ângelo. Componentes: João Tatarchenco, Gregório Tatarchenco e outros.

União dos Trabalhadores Russos de Porto Lucena.

Um dos mais ativos militantes russos no Rio Grande do Sul, distribuidor do jornal Golos Truda, publicado na América do Norte de 1911 a 1963, e de toda a propaganda escrita que chegava da Argentina, chamava-se Demétrio Cirotenco. Durante mais de duas dezenas de anos foi o mais importante elemento de ligação, o aglutinador das Uniões de Trabalhadores em Erechim e Erebango principalmente. Depois sofreu um acidente e morreu, deixando um vazio entre os camponeses russos, que só em 1925 perderam a esperança de ver implantada em seu país uma sociedade de fundo e forma libertária.”

O mais eminente elemento anarquista russo no Brasil, escritor, jornalista, teatrólogo, professor e conferencista carregava uma barba semelhante a de Kropotkine e chamava-se Ossef Stepanovetchi. Era natural da Ucrânia e marcou a sua presença no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba-Paraná, onde faleceu.

Os jornais mais lidos entre os emigrantes chegavam da Argentina, Canadá e dos Estados Unidos (Golos Truda) de 1918-1930; Golos Trujnica, de Detroit, de Nevada, Chicago e Nova Iorque, Dielo Trouda Probuzdenia.

Na segunda e na terceira décadas do século 20 o movimento anarco-sindicalista e anarquista chegou ao seu ponto mais alto. Além, dos jornais libertários, alguns militantes dispunham de espaços diários na imprensa comercial. Um deles nascido em Portugal, José Marques da Costa, tinha uma coluna diária no jornal A Pátria, do Rio de Janeiro, e publicou a seguinte nota: “Camilo Berneri na reunião do grupo Os Emancipados. Sexta-feira próxima, na sua sede à rua Buenos Aires, 265, às 20 horas em ponto, os anarquistas, simpatizantes e trabalhadores em geral terão oportunidade de ouvir uma brilhante Conferência de Camilo Berneri, sobre Giordano Bruno na Philosofia e na Renascença-Vida e Pensamento do grande filósofo da liberdade.

Entrada franca, tribuna livre
Os Emancipados

Da Rússia e da Itália chegavam também ao Brasil e fizeram grandes estragos no movimento libertário duas correntes políticas na época batizadas de Bolchevista e de Integralista.

A primeira orientada pela Terceira Internacional e a Internacional Sindical Vermelha, com sede em Moscou, agia em nome da Ditadura do Proletariado, no seio do Partido Comunista Brasileiro, criado em março de 1922 por 11 egressos do movimento ácrata e um socialista. Começaram disputando a direção dos sindicatos e acabaram por ajudar os governos de Artur Bernardes, Washington Luiz e Getúlio Vargas a reduzir sensivelmente o movimento libertário e os sindicatos livres. Em 1927 assassinaram os anarquistas Antonino Dominguez e Damião da Silva e feriram mais de 10 militantes no Sindicato dos Gráficos, à rua Frei Caneca, 4, sobrado, Rio de Janeiro. Assaltaram e roubaram o acervo do Sindicato dos Trabalhadores em Calçados, à rua José Maurício, 41. Ajudaram assim a encher o Campo de Concentração do Oiapoque e a implantar a ditadura nazi-fascista no Brasil com seus sindicatos verticais, controlados pelo Ministério do Trabalho.

A segunda corrente política veio dos porões do Vaticano com o nome de fascismo. No Brasil, por muitos anos, apelidado de Integralismo O projeto foi elaborado por D. Annunzio, Bertolotti, Papini e outros e tinha como “filosofia”: “Poder tudo, absolutamente tudo! O único amor é o poder; o único fim é o poder; extremo sonho o poder!”

No Brasil, o chefe, Plínio Salgado, e seu alto comando reuniam a fina-flor dos desordeiros dispostos a tudo fazer para derrubar o governo e chegar ao poder: era o candidato a ditador Plínio lutando contra o ditador Getúlio.

Para Plínio, os decretos nº 19.433 de 26 de novembro de 1930; 19.770 de 19 de março de 1931 e 22.969 de 11 de abril de 1933 obrigando os trabalhadores a aderirem às fileiras “sindicais do Ministério do Trabalho, tornando-os eleitores com representantes profissionais na Assembléia Nacional Constituinte, num total de 40 membros, sendo 18 representantes dos empregados, 17 dos empregadores, dois funcionários públicos e três profissionais liberais”. Queriam copiar Mussolini totalmente.

Vargas contava, para convencer os recalcitrantes, com a polícia política de Batista Luzardo, Felinto Müller, Emílio Romano, Serafim Braga e outros profissionais do argumento do cassetete.

No Rio de Janeiro, o jornal O Primeiro de Maio, de 1933, denunciava: “Em um só xadrez da polícia acham-se presos 50 proletários, sem nota de culpa. Muitos deles sofreram castigos corporais por terem protestado com a greve de fome contra a alimentação que nem para os cães prestava.”

Em Porto Alegre, sob a orientação do anarquista Frederico Kniestedt, Aktion, de 1º de maio, fala das pretensões nazistas sobre o Brasil em idioma alemão. E no dia 19 de maio de 1933 um grupo armado invade a Federação Operária de São Paulo, arromba as portas das secretarias do Sindicato dos M. de Pão, Liga Operária da Construção Civil, Trabalhadores em Moinhos e Armazéns, União dos Canteiros e União dos Empregados em Cafés, destrói seus acervos e leva os detidos para a Central de Polícia, onde permanecem 24 horas. Quando chegaram o chefe de polícia e o delegado da “ordem política e social” determinaram que fossem em liberdade, que a ordem de prisão não partiu daquele departamento policial.

Em 1933, os jornais A Lanterna, A Plebe e O Trabalhador, a Federação Operária, o Centro de Cultura Social e as Ligas Anticlericais viviam de prontidão para não serem surpreendidos pelas marchas integralistas.

Em alguns bairros de São Paulo, os mensageiros do “Duce” trabalhavam desesperadamente no recrutamento dos “squadristi”, que deviam envergar a camisa verde oliva e iniciar a matança, o incêndio e a destruição, fazendo reviver, em pleno século 20, a invasão dos bárbaros inimigos da ciência e da civilização.

O alerta vinha do Comitê Antifascista Libertário e tinha a data de agosto de 1933.

Os comandantes do Integralismo Brasileiro formavam pela seguinte ordem nos anos de 1933-1934: “Plínio Salgado (comandante nacional); Gustavo Barroso (vice-comandante e presidente da Academia Brasileira de Letras); Ribeiro Couto; 130 jornalistas do Distrito Federal que “assinaram o manifesto fascista dirigido aos intelectuais do Brasil”. Ei-los: D. João Becker; Oswaldo Aranha (um dos comandantes da revolução getulista de 1930); Oliveira Viana (escritor); Madureira de Freitas, Osvaldo Chateaubriand (diretor do Diário da Noite); Tristão de Atayde (escritor e jornalista); Cláudio Ganns; Lourival Fontes; Hélio Viana; Américo Lacombe; Câmara Cascudo (escritor); os sacerdotes inscritos na Ação Integralista Don Nicolau de Flue Gut, os cônegos Matias Freire, Valfredo Gurgel, Helder Câmara, etc.; os professores da Faculdade de Direito Miguel Reale, Alpinolo Lopes Casali, Damião Neto, Domingos Cantola, Ângelo Simões de Arruda, Loureiro Júnior, Rolando Corbusier, Manuel Ferraz de Campos Salles Neto, Walter Moreira Sales, Homero de Sousa e Silva, Paulo Azevedo Barroso, Manuel Tavares da Silva, Guilherme Luis Riberio, Osvaldo de Sousa Shreiner, Antonio Arruda, Sebastião Martins de Macedo, Ziegler de Paula Bueno, Alcebíades Blanco, Ruiz de Arruda Camargo, Alfredo Buzaid, Ernani Silva Bruno, Epaminondas Albuquerque, Vicente Laporta, Sinval Gonçalves de Oliveira, Antonio Dourado, Alberto Zirondi Neto, Nicolino Amato, José de Barros Bernardes, Carlos Schmidt de Barros Júnior, Milton de Sousa Meireles, Agostinho Lúcio Correa, Arual Antonio dos Santos, Waldemiro Dalboni, Augusto de Oliveira Filho, Ítalo Záccaro, Vitório Nascimento, Cândido de Oliveira Barbosa, Francisco Luis de Almeida Sales, Francisco Gottardi, João José Pimenta de Castro, João Edson de Melo, José de Camargo Rocha, Rio Branco Paranhos, Júnio de Carvalho, José Cândido Silveira Lienert, Antenor Santini, Alceu Cordeiro Fernandes, Antonio Barbosa de Lima, José Vila do Conde e Ranulfo Oliveira Lima.

Com objetivos bem definidos e sem tutores políticos, formava-se no Rio de Janeiro a Aliança Estudantil Pró-Liberdade de Pensamento, cujo manifesto de fundação, A Lanterna, semanário anticlerical e libertário, São Paulo, 9 de novembro de 1933, resume:

“Companheiros.O clero romano que sempre tem vivido aliado aos governantes, embora o artigo 72 da Constituição de 1891 e seus parágrafos estabeleçam em nosso território a liberdade de pensamento, neste instante prepara novos golpes contra o direito de pensar, agir e de orar.”

O A Plebe, quase ao findar do ano de 1933, alertava os antifascistas: “O Integralismo pretende, como o fascismo, escravizar e acorrentar o povo. Para não termos que chorar depois como energúmenos, defendamos agora a nossa liberdade como homens.”

“Já soou o clarim da redenção humana! Unamo-nos contra todas as guerras, contra todas as tiranias, contra todos os paliativos que nos apresentam. A nossa felicidade, a fraternidade, a liberdade, residem em nós mesmos, na força coesa que há-de triunfar.”

Em homenagem aos arruaceiros integralistas, o escritor Menotti del Picchia, candidato a “Duce”, lança as bases do Fáscio Paulista com os Camisas Brancas.

Em Niterói (A Plebe, de 2 de dezembro de 1933), o presidente da Academia Brasileira de Letras, Gustavo Barroso, chefe integralista, atacou às bengaladas e quebrou um braço à jovem operária Nair Coelho, 16 anos, quando esta discursava contra os desordeiros fascistas, em cima de um banco de jardim e em Belo Horizonte; quem precisou fugir do Teatro Municipal foi o professor de línguas Casale. O povo, que assistia ao discurso do arruaceiro integralista, resolveu interrompê-lo, expulsar o vendilhão do palco.

Em São Paulo, depois da derrota que tiveram no Salão Celso Garcia, o “bando de Plínio Salgado marcou para o dia 24 de dezembro uma demonstração de força destinada a depredar os sindicatos e assassinar os sindicalistas mais ativos” (Nossa Voz, de 1º de dezembro de 1933): “Marchariam no centro de São Paulo 18 Centúrias (companhias) dispostas a exterminar canibalescamente os anarquistas e outros esquerdistas que se opusessem à sua passagem.”

O trabalhador anarco-sindicalista resistia às exigências do Ministério do Trabalho. Contra ele tinha os bolchevistas aderentes desde a primeira hora, os patrões, a polícia, os integralistas invasores de sindicatos operários, que segundo substancioso manifesto do Sindicato dos O. em Fábricas de Vidros de São Paulo, fevereiro de 1934, “naquele momento pleiteavam na Assembléia Constituinte a pena de morte para o Brasil!”

Em março de 1934 a Federação Operária de São Paulo, com sede na rua Quintino Bocaiúva, 80, lançava três manifestos de grande significado. Um contra a Lei Monstro, outro contra a guerra e o terceiro em formato de encarte, enfocando as “organizações operárias, a legislação trabalhista, a lei de sindicalização, a caderneta profissional, a nova lei de férias, a nova Constituição e comunica as conferências de Edgard Leuenroth, Germinal Soler e Hermínio Marcos”.

Do Rio de Janeiro, sob o comando do acadêmico Gustavo Barroso, chegavam à Praça da Sé “500 guardas verdes de segurança”, tropas de choque, treinados para imobilizar opositores. A polícia também montou metralhadoras em pontos estratégicos para coibir possíveis ataques aos integralistas, ainda “bem-vistos” pelo governo. Além do grande contigente policial, o coronel Arlindo de Oliveira tinha 400 homens do 1º, 2º e 6º Batalhões de Infantaria, do Corpo de Bombeiros e Regimento de Cavalaria no local.

A parade de integralistas contava com a presença de 10 mil soldados do Sigma dentro de suas camisas verdes novinhas em folha empunhando grandes estandartes com o símbolo do integralismo.

Nas imediações da Sé haviam começado a formar-se grandes agrupamentos de curiosos de todas as ideologias. E mal a coluna alcançou a escadaria da Catedral ouviram-se gritos de “morte ao fascismo”, “Abaixo os Camisas Verdes” e em seguida tiros. Diz-se que foi uma metralhadora da Guarda Civil Montada, em frente à rua Senador, que ao ser movimentada disparou acidentalmente. Outros garantiam que os tiros foram disparados por comunistas que estariam no meio da multidão aguardando o desfile. O certo é que começou o tiroteio antes da hora marcada pelos libertários para atacar os integralistas, desencadeando-se uma correria infernal. Gente fugindo e gritando, outros caindo feridos mortalmente e a parada e o juramento de fidelidade ao comandante integralista, Dr. Plínio Salgado, Fuhrer brasileiro, não aconteceu.

Correndo nas “estradas” abertas pelos integralistas com a colaboração dos “comunistas” do PCB e dos dirigentes do Partido Católico Brasileiro do Cardeal Sebastião Leme, assessorados por “50 juristas”, Getúlio Vargas não teve maiores dificuldades em implantar o Estado Novo, que durou até 1945.

Em síntese, os anarco-sindicalistas e anarquistas do Brasil realizaram:

Primeiro Congresso Operário Brasileiro – Centro Galego, rua da Constituição, 30-32, Rio de Janeiro, de 15 a 20 de abril de 1906. Ao todo 12 sessões. Discutiram 23 temas previamente acertados e um acessório. Compareceram delegados de 23 entidades de cinco estados do Brasil. Esteve presente o engenheiro italiano fundador da Colônia Cecília, Giovani Rossi.

Segundo Congresso Operário Brasileiro – Centro Cosmopolita, rua do Senado, 215, Rio de Janeiro, de 8 a 13 de setembro de 1913. Ao todo os trabalhadores anarquistas e anarco-sindicalistas realizaram 12 sessões, debateram 24 temas com a presença de 117 delegados de 8 estados, sendo dois federações estaduais, cinco federações locais, 52 sindicatos e quatro jornais libertários.

Terceiro Congresso Operário Brasileiro – Sede da União dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, rua do Acre, 19, Rio de Janeiro, de 23 a 30 de abril de 1920. Efetuaram 23 sessões com a presença de 39 organismos de 11 estados do Brasil.

Primeiro Congresso Estadual de São Paulo – Teve lugar no Salão Excelsior, rua Florêncio de Abreu, 29. Ao todo foram discutidos três temas principais, de 6 a 8 de dezembro de 1906. Objetivo: Pôr em prática as resoluções do 1º Congresso Nacional do Rio de Janeiro.

Primeira Conferência Estadual de São Paulo – Realizada em 1907 com o propósito de elaborar e aprovar os temas para o 2º Congresso Estadual. Ao todo discutiram 22 temas.

Segundo Congresso Estadual de São Paulo – Realizado nos dias 7 e 8 de abril de 1908. Dele participaram 22 organizações operárias comprometidas com o anarco-sindicalismo.

Primeiro Congresso Estadual do Rio Grande do Sul – Teve lugar nos dias 1º e 2 de janeiro de 1898 com a presença de delegados de 10 associações, um jornal e um grupo anarquista. Foi o primeiro encontro de trabalhadores com idéias sociais no Brasil.

Segundo Congresso Operário Estadual do Rio Grande do Sul – Na rua Comendador Azevedo, 30, dias 21 a 25 de março de 1920. Estiveram presentes delegados de 30 associações todas comprometidas com o sindicalismo revolucionário.

Terceiro Congresso Operário do Rio Grande do Sul – De 27 de setembro a 2 de outubro de 1925. No total foram 12 sessões com a presença de delegados de 23 entidades operárias e do Comitê Pró-Presos Sociais e de dois jornais. Foi aprovada uma Declaração de Princípios da AIT e criado um Pacto de Solidariedade Internacional Anarquista.

Quarto Congresso Operário do Rio Grande do Sul – clandestino em data que não ficou registrada. Realizaram três sessões durante dois dias com a presença de 16 entidades operárias, dois jornais, sies grupos anarquistas, vários militantes de São Paulo refugiados naquele estado do sul do Brasil (Florentino de Carvalho, Domingos Passos e outros) e delegados do Uruguai, Paraguai e Argentina.

Primeiro Congresso da Federação de Trabalho do Estado de Minas Gerais – Realizou-se em Belo Horizonte em junho de 1912. Ao todo foram debatidos e aprovados sete temas.

Congresso Operário do Paraná – Realizou-se no ano de 1907. Contou com a presença da Federação Operária, fundada por italianos remanescentes da Colônia Cecília, com o Grupo Filo-Dramático, 12 associações operárias e o delegado do jornal O Despertar, fundado e dirigido pelo anarquista italiano, expulso do Brasil em 1919, Gigi Damiani.

Outros Congressos – Os trabalhadores anarco-sindicalistas brasileiros participaram ou marcaram presença no Congresso dos Operários Chapeleiros Sul-Americano, realizado na Argentina e Uruguai, em julho de 1920. As pesquisas deixam perceber que os anarquistas estiveram na linha de frente de todos os congressos anarco-sindicalistas e ainda realizaram os seus.

Conferência Libertária de São Paulo – Rua José Bonifácio, 39-2º andar. Ao todo realizaram sessões nos domingos 14, 21 e 28 de junho, 5, 12 e 26 de julho de 1914. O objetivo principal era preparar e indicar dois delegados para representar o Brasil no congresso anarquista de Londres que não chegou a acontecer por causa da guerra.

Congresso Anarquista Sul-Americano – Realizou-se no Rio de Janeiro de 18 a 20 de outubro de 1915 na sede da Federação Operária, praça Tiradentes, 71, sobrado. Estiveram presentes delegados do Brasil, da Argentina e do Uruguai.

Congresso Internacional da Paz – Realizado de 14 a 16 de outubro de 1915. Seu ponto de debates foi a sede da Federação Operária, na praça Tiradentes, 71, Rio de Janeiro, com a presença de delegados da Federación Obrera Regional Argentina, delegados do Chile e do Uruguai.

Congresso Anarquista do Brasil – Realizado na Nossa Chácara, no bairro de Itaim, São Paulo, de 17 a 19 de dezembro de 1948. Este marca o ressurgimento do movimento anarquista no Brasil após a derrubada da ditadura de Getúlio Vargas. Contou com a presença de anarquistas de vários pontos do Brasil e diversos militantes italianos, espanhóis e portugueses residentes no Brasil ou de passagem.

Encontro Anarquista na Urca – De âmbito nacional. Teve lugar nos dias 9 a 11 de fevereiro de 1953 na rua Osório de Almeida, 67, no Rio de Janeiro, com a presença de mais de três dezenas de anarquistas. Foi um encontro muito proveitoso.

Congresso Anarquista do Brasil – Realizado de 26 a 29 de março de 1959 em Nossa Chácara, no Itaim, São Paulo, com grande presença de militantes de todo o país, exilados espanhóis e alguns italianos. Foi aprovada a reativação dos Centros de Cultura Social e fundada a Editora Mundo Livre, do Rio de Janeiro. Ao todo foram debatidos e aprovados 10 temas.

Encontro dos Libertários Espanhóis Exilados – Foi na sede do Centro de Cultura Social, na rua Rubino de Oliveira, 85, São Paulo, nos dias 7 e 8 de outubro de 1961. Estiveram presentes anarquistas brasileiros e exilados da CNT e da FFLL.

Encontro Anarquista – São Paulo de 20 a 22 de abril de 1962. Reuniram-se em Nossa Chácara 100 militantes anarquistas de todo o Brasil, incluindo alguns companheiros estrangeiros. Foram realizadas cinco sessões muito proveitosas.

Décimo Encontro Anarquista – Realizou-se nos dias 15 a 17 de novembro de 1963. Reuniram-se para tratar do rumo do movimento anarquista no Brasil mais de 100 militantes, Os assuntos foram divididos em seis temas principais.

Maio de 1964 – Em Nosso Sítio. Encontro clandestino de avaliação dos anarquistas do Rio de Janeiro e de São Paulo para acertar os rumos diante da ditadura militar implantada em 1º de abril do mesmo ano. Saíram desse encontro algumas resoluções para resguardar o acervo dos anarquistas.

Encontro em Nosso Sítio – Realizado em 1968, em Mogi das Cruzes, São Paulo. Clandestino.

Encontro dos Grupos Pró COB – Realizado em maio de 1986 na rua Rubino de Oliveira, 85.

O movimento libertário do Brasil participou também do Congresso de Ferrol, Espanha em 1915, com três delegados. Em 1928 com um delegado indireto e depois de 1945 enviou como delegado à França Joseph Tibogue, e mensagens de apoio aos demais congressos.

A trajetória do anarquismo no Brasil teve a participação de uma confederação, várias federações, mais de 100 grupos especificamente libertários, seis editoras, três livrarias, mais de uma dezena de escolas racionalistas, duas universidades populares, uma intensa propaganda através do teatro ácrata, possui uma propriedade comprada pelos anarquistas, desde 1939, com moradias modestas e arquivo em prédio próprio. Foi uma sementeira que germinou, e hoje alimenta pesquisas, teses de doutoramento e sensibiliza várias editoras comerciais para publicá-las.

No Rio de Janeiro, com o falecimento de José Oiticica em 1957, três militantes libertários tiveram a idéia de formar o Centro de Estudos Professor José Oiticica, na sala onde o mestre dava aulas, à Av. Almirante Barroso, 6-sala 1.101. Nos dias seguintes os três realizaram uma reunião na Avenida 13 de Maio, 23, sala 922, e resolveram procurar companheiros afastados do movimento por razões diversas e convidá-los para fazer parte do centro e subscrever sua ata de legalização em 22 de julho de 1960. (O centro começou suas atividades em 1958)

Em 1969, um “punhado” de militares da aeronáutica rebentaram a porta aos coices, carregaram parte do acervo cultural, máquina de escrever, mimiógrafo e outros objetos “subversivos”, depois foram nas moradias dos diretores do centro, “confiscaram livros, etc.”, prenderam-nos e formaram um processo contra 16, impernunciando um. Torturaram alguns detidos e finalmente levaram-nos a um julgamento que durou até 1972.

O Centro de Estudos do Professor José Oiticica, durante sua existência (12 anos), fundou a Editora Mundo Livre por cotas, editou cinco livros, promoveu curso sobre Anarquismo no Teatro Carioca, recebeu anarquistas da América e da Europa, conduziu várias campanhas de protesto e apoio, realizou mais de uma centena de cursos e conferências, e parte de suas atividades foram anunciadas pela imprensa. Acabou por força da ditadura militar.

Não se pode ignorar também os diários: A Plebe, São Paulo, 1919; A Hora Social, Recife, 1919; Voz do Povo, Rio de Janeiro, 1920; Vanguarda, São Paulo, 1921-1923; A Lanterna, São Paulo, 1901-1934. Os semanários: O Amigo do Povo, São Paulo, 1903; A Terra Livre, São Paulo-Rio de Janeiro, 1907-1910; La Bataglia, São Paulo, 1904-1913; Remodelações, Rio de Janeiro, 1945-1947; Ação Direta, Rio de Janeiro, 1946-1959. As revistas: Remodelações, Rio de Janeiro, 1921-1922; Renascença, São Paulo, 1923; A Vida, Rio de Janeiro, 1914-1915; Revista Liberal, Porto Alegre, 1921-1924; e umas centenas de periódicos.

Um grupo de professores estudiosos do anarquismo promoveu curso na ABI (Associação Brasileira de Imprensa). O Grupo Anarquista José Oiticica, formado por novos militantes libertários, realizaram, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, nos dias 9, 16, 23 e 30 de julho de 1987, um curso de anarquismo envolvendo Problemas Atuais do Socialismo; Anarquismo Hoje e Movimentos Alternativos; Movimento Sindical e Anarco-Sindicalismo; e O Estado Hoje. Teve o apoio do Centro de Cultura Social de São Paulo, a Sub-Reitoria 5, a Comissão de Organização Estudantil, Comissão Cultural do IFCS, e mesmo sendo pago, a freqüência foi boa, o salão ficou literalmente cheio.

No Rio Grande do Sul, grupos de libertários e simpatizantes comemoram o Centenário dos Mártires de Chicago e meio século da Revolução Espanhola, os 67 anos do fuzilamento de Francisco Ferrer e outros eventos.

Na capital do Brasil os anarquistas realizaram um Simpósio Libertário e fundaram a Editora Novos Tempos, que já produziu várias obras de real valor literário e cultura anarquista. Em São Paulo as Universidades de Campinas, São Carlos e da Capital formaram valiosas bibliotecas de História Social, predominando publicações anarquistas e anarco-sindicalistas, e periodicamente promovem cursos sobre anarquismo, sempre com a participação de membros do Centro de Cultura Social que têm uma longa experiência militante e mantêm permanentemente em sua sede, na rua Rubino de Oliveira, 85-2º, no Brás, círculos de conferências libertárias. E apoiado pelos núcleos Pró COB (Confederação Operária Brasileira) e pela AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores), com sede na Espanha, o Centro de Cultura Social de São Paulo continua promovendo sessões comemorativas em defesa da natureza, contra a Bomba Atômica (no aniversário da explosão de Hiroshima), pela passagem dos 70 anos da Greve Insurrecional Libertária de 1917, na cidade de São Paulo, e debatendo a autogestão na luta social e as estratégias da luta sindical.

Em seus ciclos de palestras, temas como “Feminismo e a Reapropriação do Corpo”, “Feminismo, Reinventando o Feminino e o Masculino”; “Feminismo, Questões que se Levantam”; “Recuperando a Memória” e “Cavernas do Estado de São Paulo”. E nos cursos de Extensão Universitária tratam “O que é o Anarquismo”; “As Origens: Da Revolução Francesa a Proudhon”; “A Primeira Internacional: Marx, Bakunin e a Comuna de Paris”; “Anarco-Sindicalismo, Kropotkine e Malatesta”; “Anarquismo no Brasil”; e “Anarquismo Hoje, Liberdade e Autogestão”. Estas iniciativas contaram com o apoio da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Em sua produtiva trajetória, o Centro de Cultura Social de São Paulo realizou recentemente um Ciclo de Educação Libertária enfeixando os seguintes temas: “O Movimento Anarquista e o Ensino Racionalista em São Paulo, 1912-1919”; “Escola e Trabalho no Brasil Hoje”; “Educação Popular: da Educação Libertária à Educação Libertadora”; “Organização e Poder: Estado, Escola, Empresa”; “A Educação pelo Trabalho, pela Pedagogia Freinet”; “Lutas Autônomas e Autogestão Pedagógica”; e “Uma Terapia Anarquista”.

Este movimento ideológico vem sendo divulgado pela revista Autogestão, pelo próprio Boletim do Centro de Estudos Sociais, prospectos avulsos, cartazes e pela imprensa comercial que noticia alguns cursos.

Hoje, o anarquismo não assusta mais ninguém no Brasil. Palavra temida, ridicularizada, esta filosofia de vida resiste ao tempo e virou tema de teses de doutoramento, peças de teatro, novelas exibidas na televisão e filmes de curta e longa metragem.

Os anarquistas do Brasil – salvo os que se dizem e não se encontraram ideologicamente – continuam com Kropotkine: “Quem acha que uma instituição de formação histórica pode servir para devolver privilégios que ela mesmo desenvolveu mostra com isso a incapacidade de compreender o que significa a vida de uma sociedade, uma formação histórica.

Deixa de aprender a lei básica de todo o desenvolvimento orgânico, isto é, que novas funções requerem novos órgãos e que estes se devem criar por si mesmos.”

Colaboraram para tornar possível a trajetória anarquista no Brasil: Fábio Luz, João Gonçalves da Silva, Avelino Foscolo, Ricardo Gonçalves, Benjamim Mota, José Martins Fontes, Ricardo Cipola, Rozendo dos Santos, Reinaldo Frederico Greyer, Pedro Augusto Mota, Moacir Caminha, José Ramón, Domingos Passos, João Perdigão Gutierrez, Florentino de Carvalho, Domingos Ribeiro Filho, Lima Barreto, Orlando Corrêa Lopes, Manuel Marques Bastos, José Puicegur, Diamantino Augusto, José Oiticica, José Romero, Edgard Leuenroth, Felipe Gil Sousa Passos, Pedro Catalo, João Penteado, Neno Vasco, Adelino Pinho, Giovani Rossi, Gigi Damiani, Artur Campagnoli, José Marques da Costa, Rodolfo Felipe, Isabel Cerrutti, João Perez, Antonino Dominguez, Manuel Perez, Romualdo de Figueiredo, Juan Puig Elias, Maria Lacerda de Moura, Rafael Fernandes, Angelina Soares, Paula Soares, Elias Iltchenco, Frederico Kniestedt, Jesus Ribas, Cecílio Vilar, Oresti Ristori, Maria Lopes, Manuel Moscoso, Polidoro Santos, Amilcar dos Santos, Pedro Carneiro, Atílio Peçagna, Rudosindo Colmenero, Maria Silva, Maria Rodrigues, Pietro Ferrua, Pedro Ferreira da Silva, Câmara Pires, Ramiro de Nóbrega, Maria Valverde, José Simões, Manuel Lopes, Vitorino Trigo, Mariano Ferrer, Luisi Magrassi, Sofia Garrido, Joaquim Leal Junior, Lírio de Resende, Jaime Cubero e tantos outros intelectuais e operários a quem se homenageia, mesmo ausentes…

In: Universo Ácrata. Florianópolis: Editora Insular, 1999

Edgar Rodrigues

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A greve geral de 1917

11 quarta-feira nov 2015

Posted by litatah in Anarco-Comunismo, Anarcosindicalismo, Anarquia, Greve Geral de 1917, História

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Greve Geral de 1917, História, história da anarquia

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Fonte: Historiando

Por Ligia Lopes Fornazieri

Nas primeiras décadas do século XX, houve um crescimento das cidades brasileiras acompanhado pelo aumento da atividade industrial. Algumas cidades concentravam fábricas e serviços, reunindo centenas de trabalhadores. Como nos centros urbanos havia mais liberdade e uma maior circulação de idéias, a possibilidade de organização e de reivindicação dos trabalhadores crescia em relação àqueles que se concentravam nos meios rurais.

Apesar de ter sido limitado, o movimento dos trabalhadores na Primeira Repúblicateve alguns momentos de grande mobilização e um deles foi a greve geral de 1917, que se tornou um ato simbólico e único nesse período.

Para entender o desenrolar deste episódio, é importante caracterizar a situação da cidade de São Paulo no começo do século.  O impulso na transformação da cidade em grande centro urbano se deu entre 1890 e 1900, sob o influxo da imigração estrangeira e graças, em grande parte, à expansão cafeeira.

Algumas greves foram deflagradas desde o início do século, como a greve dos ferroviários da Companhia Paulista de 1906; a greve ocorrida no Rio de Janeiro em 1907; e em 1912, houve também uma onda de greves na cidade de São Paulo. Todos esses movimentos tiveram em comum um conjunto de reivindicações: estabelecimento da duração da jornada de trabalho em 8 horas diárias, aumento salarial, melhoria nas condições de trabalho, etc. Vale lembrar que até 1930, não havia uma regulamentação sobre as condições de trabalho nas indústrias.

Os protestos realizados pelos trabalhadores em São Paulo e no Rio de Janeiro tinham algumas diferenças, mas compartilhavam características comuns: falta de continuidade dos movimentos e fragilidade de organização. Por conta disso, durante algum tempo, historiadores e sociólogos chegavam mesmo a negar a existência de um movimento operário antes de 1917.

Em São Paulo, o anarco-sindicalismo gozava de um certo prestígio junto à classe operária. O sindicato anarquista representava um esboço da sociedade que pretendia instaurar: sociedade sem Estado, sem desigualdade e organizada em uma federação de trabalhadores. Assim, para os anarquistas, as lutas por reivindicações imediatas eram simples instrumentos da grande ação revolucionária que deveria mudar toda a sociedade. As conquistas dos trabalhadores deveriam ser obtidas sem o auxílio do Estado, qualquer vantagem assegurada em lei seria uma derrota para os trabalhadores.

Nos primeiros meses do ano de 1917 começaram a aumentar as manifestações dos trabalhadores a fim de melhorias na condição do trabalho, especialmente no setor têxtil. Como era nesse setor que se concentravam os maiores capitais, as greves só alcançavam repercussão quando se generalizavam nessa área ou nos serviços dos portos e do transporte ferroviário.

O período entre 1917 e 1921 (quando muitas greves aconteceram no Brasil) foi marcado no mundo todo por crises, por conta do desajuste sócio-econômico causado pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e pelo impacto da Revolução Russa (1917). Por essas razões houve uma onda revolucionária que se estendeu por grande parte da Europa.

É certo que houve um grande aumento do custo de vida no Brasil e, em especial na cidade de São Paulo, o preço dos alimentos e dos serviços básicos cresceu bastante nesse período. Apesar disso, é difícil avaliar qual foi o impacto preciso dessas condições na deflagração das greves que marcaram o período de 1917 a 1921. Ainda que não se duvide da enorme importância da queda do salário real como fator do desencadear da greve de 1917, ele não explica porém, isoladamente, a eclosão do movimento grevista. Entre 1922 e 1925, os trabalhadores também foram atingidos pela inflação, sem que isso significasse um aumento das mobilizações operárias.

Para alguns historiadores, a revolta se iniciou por conta de fatores internos às fábricas. Os trabalhadores, apesar de guiados por um espírito de revolta que tinha como alvos os grandes capitalistas, não pretendiam mudar a sociedade, mas sim melhorar suas condições de vida.

O centro dos atritos foi o Cotonifício Crespi, grande fábrica de fiação e tecelagem de algodão, localizada no bairro da Mooca, contando com mais de 2.000 trabalhadores, sendo a sua grande maioria composta de mulheres. Após algumas resoluções patronais, em junho de 1917, como o prolongamento do trabalho noturno, os trabalhadores passaram a reivindicar melhorias dentro da fábrica. A recusa patronal em negociar causou enorme insatisfação entre os operários, resultando numa greve de mais ou menos 400 trabalhadores, que pediam a abolição das multas, regulamentação do trabalho de menores e mulheres, modificação no regime interno da empresa e abolição da contribuição “pró-pátria” (espécie de imposto cobrado aos trabalhadores italianos a fim de contribuir com seu país de origem durante a guerra).

Alguns dias depois, em outra empresa têxtil, a Estamparia Ipiranga, também foi deflagrada uma greve abrangendo cerca de 1.600 operários e reivindicando praticamente as mesmas exigências dos grevistas das Crespi.

Algumas prisões de grevistas causaram enorme comoção entre os trabalhadores e entre a população e passaram a acontecer passeatas e manifestações pedindo a liberdade dos grevistas presos.

Em 7 de julho, a greve alcançou outra grande empresa fora do setor têxtil: a fábrica de bebidas Antarctica, situada também no bairro da Mooca. Ao mesmo tempo, começaram a acontecer choques entre as forças policiais e os grevistas. Choques que se acirraram quando um grupo de grevistas, no dia 9 de julho, se deslocou para a fábrica têxtil Mariângela, localizada no bairro do Brás. Em frente a essa fábrica iniciou-se um conflito que acabou com um tiroteio do qual saíram feridos dos dois lados, sendo que os operários foram os mais atingidos. Um sapateiro anarquista chamado Antonio Martinez morreu em decorrência desses conflitos.

A morte do sapateiro Antonio Martinez causou grande comoção e seu enterro foi assistido por centenas de grevistas

Nesse momento a greve já atingia 35 empresas contando com cerca de 15.000 trabalhadores parados. Nesse contexto, a morte de Martinez causou uma comoção tão grande que a paralisação de algumas fábricas se tornou uma greve generalizada na cidade de São Paulo. O número de grevistas, entre 12 e 15 de julho (ponto alto da greve) passou de 25.000 para 45.000.

A ação policial também se intensificou e os choques entre a população e a polícia só aumentaram, sendo que o maior centro de manifestações foi o bairro do Braz, onde se concentravam as fábricas e as casas operárias.

Ao mesmo tempo em que acontecia uma extensa mobilização militar, as ações populares pareciam não seguir um rumo determinado. Apesar disso, formou-se umComitê de Defesa Proletária, formado por líderes sindicais e de associações populares, que procurava unificar os trabalhadores em torno de um programa que exigia melhorias de trabalho e de vida. Exigia-se aumento de salário, abolição de trabalho noturno para mulheres e crianças, jornada de 8 horas, respeito ao direito de associação, libertação dos grevistas presos, permanência no emprego dos participantes da greve, medidas para baixar os preços dos gêneros de primeira necessidade, redução dos aluguéis, entre outras reivindicações.

Mas o Comitê encontrou grandes dificuldades de se fazer ouvir. Os trabalhadores se recusavam a tratar diretamente com os patrões ou com o governo. Assim, quem acabou se encarregando de mediar os conflitos foi um Comitê de Jornalistas, formado em 13 de julho. Em 15 de julho, o Comitê operário acabou aceitando a proposta patronal que cobria apenas algumas reivindicações iniciais. Ainda assim, as negociações foram encaminhadas pelos empresários individualmente. Assim, cada empresa definiu os termos de cada acordo.

A volta ao serviço foi gradativa, crescendo a cada dia de acordo com as negociações com cada empresário. Ainda em 22 de julho, há algumas paralisações, mas estas têm rápido encerramento.

Muitos relatos foram escritos dando conta dos acontecimentos desse mês de julho na cidade de São Paulo. A maioria deles afirma um caráter espontâneo na luta dos trabalhadores. Mas as análises posteriores têm procurado encontrar causas para essa grande greve, amenizando a espontaneidade que teria marcado essas mobilizações.

A análise dessa greve ainda é complicada por conta da falta de fontes. Apenas os já citados relatos e os jornais da época constituem documentação para o estudo da greve de 1917. Ainda assim, podem-se perceber indícios de uma tensão que crescia entre a classe trabalhadora desde o início do ano de 1917.

Embora a deflagração da greve tenha sido espontânea, inevitavelmente em seu curso deveria haver um núcleo organizatório, que foi o Comitê de Defesa Proletária. Entre as lideranças anarquistas houve uma certa incapacidade em assumir um verdadeiro papel dirigente e dificuldade em encontrar vias para garantir o cumprimento das pequenas conquistas. Os empresários também se encontravam desorganizados, mas contavam com o Estado oligárquico como um protetor.

Ainda assim, essa greve de 1917 foi um grande marco para a classe trabalhadora na Primeira República. Serviu como um símbolo para as futuras gerações e mostrou, para o governo, a força operária e a necessidade de melhoria nas condições de vida da população pobre.

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“O Estado … está Abolido”

26 segunda-feira out 2015

Posted by litatah in Anarquia, Bakunin, Comuna de Paris, História

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Bakunin, Comuna de Paris, História, história da anarquia, História do Anarquismo, História Social

Affiche_première_Commune_de_Lyon_Archives_municipales_de_Lyon

Fonte: Terra e Liberdade

Bakunin chegou à Lyon em 14 de Setembro, ele buscava preparar um levante Lyon com todos os seus amigos da Internacional. Assim, em 17 de setembro de 1870, durante uma reunião pública, o princípio de um “Comitê Central de Salvação da França” é decidido. Bakunin realizou diversas reuniões secretas em Guillotière, bairro operário onde muitos membros da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) estavam localizados.

O Comité Central de Salvação da França, que conta entre os seus representantes membros de diferentes áreas da cidade, exibe uma grande atividade, publicando manifestos e multiplicando reuniões públicas. A coordenação é assim estabelecida entre os grupos revolucionários, associações operárias e milícias de cidadãos; assim os
planos de uma insurreição em Lyon são postos em prática.

Em 26 de setembro de 1870, se proclama a Federação Revolucionária das Comunas, durante uma reunião realizada perante 6000 pessoas, declara-se que é urgente aprovar um empréstimo forçado , a pena de morte contra os fugitivos ricos, a remoção de todos os oficiais, e em primeiro lugar, era preciso expulsar o prefeito e a Câmara Municipal. Eis o cartaz que apareceu colado peros muros da cidade:


República Francesa
Federação Revolucionária das Comunas

A situação desastrosa em que o país se encontra, a impotência dos poderes oficiais, e a indiferença das classes privilegiadas levaram o país à beira do abismo.

Se as pessoas organizadas não se apressarem para agir o seu futuro está perdido, está tudo perdido. Inspirando-se na imensidão do perigo, e considerando que a ação desesperada do povo não pode ser adiada um único segundo, os delegados dos comitês federados para a salvação da França, reunidos em seu Comitê Central, propõe a adoção imediata das seguintes resoluções:

Artigo 1º – A máquina administrativa e governamental do Estado tendo se tornado impotente, é abolida.
O povo francês permanece em plena posse de si mesmo.

Artigo 2º – Todos os tribunais criminais e civis são suspensos e substituídos pela justiça do povo.

Artigo 3º – O pagamento de impostos e hipotecas está suspenso. Impostos são substituídos por contribuição das comunas federadas levantadas a partir das classes ricas proporcionais às necessidades da salvação da França.

Artigo 4º – O Estado, tendo sido destituído de seu poder, já não pode intervir no pagamento de dívidas privadas.

Artigo 5º – Todas as organizações municipais estão anuladas e substituídas nas comunas federadas pelos Comitês para a Salvação da França, que irão exercer todos os poderes sob o controle imediato das pessoas.

Artigo 6º – Cada comitê na capital de um departamento vai enviar dois delegados, a fim de formar a Convenção Revolucionária para a Salvação da França.

Artigo 7º – A presente Convenção se reunirá imediatamente na Câmara Municipal de Lyon, uma vez que esta é a segunda cidade da França e a que é mais capaz de defender energicamente o país.

Esta Convenção, apoiada por todo o povo, vai salvar a França.

ÀS ARMAS!

E.B. Saignes, Rivière, Deville, Rajon (of Tarare), Francois Favre, Louis Palix, B. Placet, Blanc (G.), Ch. Beauvoir, Albert Richard, F. Bischoff, Doublé, H. Bourron, M. Bakounine, Parraton, A. Guillermet, Coignet the elder, PJ Pulliat, Latour, Guillo, Savigny, J. Germain, F. Charvet, A. Bastelica (of Marseilles), Dupin (of St. Etienne), Narcisse Barret,

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O Anarquismo no Brasil

16 sexta-feira out 2015

Posted by samuelvfm in Anarcosindicalismo, Anarquia, anarquismo no Brasil, História

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anarcossindicalismo, anarquismo no Brasil, história da anarquia, movimento operário

Apresentação

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Angela Roberti (UERJ/UNIGRANRIO) // Edna Santos (UERJ)
Rio de Janeiro, verão de 2012/2013.

Fonte: O Anarquismo no Brasil

         No período compreendido entre o final do século XIX e início do XX, o Brasil foi palco de experiências transformadoras: mudou o sistema político e o regime de trabalho, obras foram executadas, cidades modernizadas, a entrada de imigrantes foi ampliada, a circulação de ideias e mercadorias foi intensificada, o ambiente político foi renovado, a atmosfera intelectual foi potencializada e novas relações, tensões e lutas se impuseram produzindo conflitos e estranhamentos.

Nessa época de transição efervescente, o país começou a viver o lento, porém definitivo, processo de expansão das relações capitalistas, permitindo, de um lado, a formação e a ascensão da burguesia, e de outro, o aumento quantitativo do proletariado, demarcando, em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, os contornos da chamada “questão social”.

Paulatinamente, o estabelecimento desse campo de forças sinalizou a necessidade de organização de formas de ação das crescentes classes trabalhadoras. Tornou-se inevitável a aproximação entre esses grupos e o ideário anarquista, reforçado no país com a presença cada vez mais significativa de imigrantes, muitos dos quais ligados às atividades urbanas, com destaque aos setores comercial e oficinal.

O anarquismo, portanto, foi uma tendência hegemônica no início do movimento operário no país, com atuantes e combativas correntes organizatórias da classe trabalhadora urbana, principalmente, no eixo geográfico Rio de Janeiro-São Paulo, em fins do século XIX e décadas iniciais do século XX.

A história do anarquismo no Brasil encontra-se, portanto, fortemente vinculada à constituição do movimento operário, aparecendo, por sua vez, associada à problemática da industrialização e da urbanização que se acelerou nessas cidades no início do século XX, dando visibilidade ao drama da existência dos trabalhadores diante das péssimas condições de vida e de trabalho a que estavam sujeitos.

As péssimas condições que caracterizavam o mundo do trabalho mantinham correspondência direta com o cotidiano do trabalhador fora do espaço da produção, estendendo-se por sua vida cotidiana. Os níveis salariais baixos contrastavam com o aumento do custo de vida, em especial com a alta constante dos gêneros alimentícios e dos aluguéis. O precário poder de consumo refletia-se no deficiente padrão alimentar e na insalubridade da maior parte das moradias. As deficitárias condições de saúde e higiene, assim como o difícil acesso à educação e até mesmo ao lazer, selavam o drama da existência operária no período de sua constituição social e cultural.

O movimento operário no Brasil, bem como os princípios e as ações libertárias, encontraram nas péssimas condições de vida e de trabalho a que os trabalhadores estavam submetidos um terreno fértil para se disseminar. Esse contexto de dificuldades agitava as cidades brasileiras, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, embalando o movimento operário em geral e fermentando a militância anarquista em particular, de modo a impulsionar os anarquistas a agirem e interagirem enquanto sujeitos históricos, verdadeiros testemunhos de uma época historicamente determinada.

Por intermédio da publicação de jornais, boletins, panfletos e livros, da organização de grupos, conferências, comícios e agitações populares e da participação ativa e permanente no movimento operário, o anarquismo, nas suas diversas orientações, expandiu-se no país, tornando-se, nas duas primeiras décadas do século XX, a corrente mais forte no interior do movimento operário. Muito cedo, portanto, passou a incomodar os poderes estabelecidos, atraindo, por conseguinte, a atenção policial.

Os libertários atuantes no Brasil implementaram, também, um conjunto de atividades culturais como parte de um amplo projeto de mobilização, conscientização e engajamento dos grupos de explorados e oprimidos. Escolas anarquistas foram fundadas, círculos de estudo organizados, conferências proferidas, folhetos e panfletos publicados e lidos, romances e folhetins editados, poemas declamados e musicados, peças teatrais encenadas e charges publicizadas. Enfim, foi incrementado todo um conjunto de práticas sociais e culturais com o intuito de melhor difundir as ideias e ideais dos libertários e sua crença na capacidade de homens e mulheres criarem um mundo novo, diferente, igualitário, solidário, livre, auto-gestionário por excelência e, por isso mesmo, acreditava-se, mais feliz.

Nos últimos anos, pesquisas sobre o mundo do trabalho e investigações acerca das mulheres trabalhadoras contribuíram para fazer o anarquismo sair da sua invisibilidade, outorgando-lhe importância para a história do movimento operário e das lutas sociais e políticas no país. A organização de diversos arquivos e centros de pesquisa sobre o tema abriu possibilidades para a descoberta de múltiplas e ricas experiências libertárias, confirmando essa valorização e tendência. Essa produção, entretanto, não tem seu alcance nas salas de aula de História dos ensinos mais básicos, permanecendo restrita, muitas das vezes, apenas aos pesquisadores interessados no tema.

A proposta para a produção de um material multimídia sobre o Anarquismo no Brasil voltado para a docência do ensino básico público é uma iniciativa do Laboratório de Pesquisa e Práticas de Ensino (LPPE) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas (PPGLCH) da UNIGRANRIO e celebra tais inquietações. Da mesma forma, procura atender às necessidades de um campo pouco abordado no ensino de História nas escolas, que envolve, inclusive, o processo de formação da classe trabalhadora no Brasil e suas lutas sociais e políticas no cenário que caracterizou os anos iniciais da vida republicana do país.

Colocado o desafio, as organizadoras desse material, inicialmente, entraram em contato com especialistas e estudiosos do tema a fim de sensibilizá-los para o projeto, de modo a fazê-los contribuir com artigos voltados à reflexão do anarquismo em diversas perspectivas. Felizmente conseguimos a adesão de diversos colegas e companheiros que têm procedência institucional diversa, áreas de formação e atuação múltiplas e perspectivas teórico-metodológicas diferentes, mas que se mostraram ansiosos por explorar as experiências individuais ou coletivas de homens e mulheres anarquistas, conhecidos ou anônimos, frequentemente ignorados ou mencionados apenas superficialmente.

Nesse sentido, o material ora apresentado reúne algumas experiências de pesquisa sobre o anarquismo no Brasil em variadas dimensões, com o propósito de ampliar os limites do tema no âmbito escolar e estimular novas possibilidades de investigação e diálogo.

Distintos quanto à formulação das questões, os estilos da escrita, a tipologia das fontes, o recorte temporal, a delimitação temática, os artigos traduzem algumas inquietações e indagações presentes entre os profissionais envolvidos com pesquisa e a docência, muitos dos quais inseridos, também, direta ou indiretamente, nos meios libertários.

O material multimídia encontra-se organizado em um movimento triplamente direcionado: [1] um conjunto de sete textos cujo eixo temático é o anarquismo em variadas dimensões; [2] um roteiro histórico-geográfico a partir de pequeno vídeo contemplando alguns dos lugares privilegiados dos encontros coletivos e das trocas, materiais e simbólicas, que se davam entre os militantes anarquistas na cidade do Rio de Janeiro; [3] uma expressiva entrevista que traça um panorama histórico do anarquismo no Brasil das origens aos dias atuais.

Duas partes dividem este material: os textos e os vídeos. Na primeira parte, contamos com sete textos. O cientista político Wallace Moraes, em Significado de Anarquismo, nos contempla com um texto fundamental e introdutório sobre a acepção das palavras anarquia e anarquismo, bem como suas principais ideias-força. Rafael Viana da Silva, Adenildo Daniel da Silva e Alexandre Samis, pesquisadores na área de História, em Sindicalismo e Anarquismo no Brasil, refletem sobre os primeiros tempos da militância, com destaque para as relações entre a luta operária e o movimento anarquista.Sublinham um pouco do jogo político que marcou associações, congressos operários, organizações anarquistas, greves e repressões, ressaltando a crise do sindicalismo e a perda do vetor social do anarquismo nos anos 1930 e suas manifestações nas décadas de 1940 e 1950. No artigo intitulado Anarquismo e Imigração, o historiador Carlo Romani e o pesquisador Milton Lopes, são responsáveis por explorar as experiências dos imigrantes, em especial italianos, portugueses e espanhóis, no movimento anarquista brasileiro, destacando sua contribuição nas lutas sociais do período e suas iniciativas libertárias originárias, como a fundação de colônias (Cecília, Cosmos e Guararema). Mulheres na Militância Anarquista, da historiadora Angela Maria Roberti Martins, nos apresenta algumas das inserções das mulheres no movimento anarquista que marcou a Primeira República no eixo geográfico Rio-São Paulo, destacando a contribuição feminina para a luta política travada e as atividades socioculturais implementadas no período. Enfatiza que as mulheres anarquistas tiveram uma participação ativa nas lutas sociais e políticas da época, projetando-se como testemunhas reveladoras da experiência feminina do anarquismo no Brasil. Com o graduando Antônio Felipe da C. M. Machado, o historiador Rogério C. de Castro e o pedagogo Silvério Augusto M. S. de Souza, responsáveis pelo texto Movimento educacional e pedagógico anarquista, somos conduzidos pelas iniciativas inovadoras dos libertários no âmbito da educação, na base da qual se prima pela autonomia e a emancipação do sujeito. Visitam precursores da educação libertária, mostrando que o projeto educativo libertário está intimamente ligado a um projeto de sociedade anti-autoritário, a partir de práticas baseadas no princípio da horizontalidade e de um clima de solidariedade capazes de fazer despontar a espontaneidade e a criatividade, responsáveis pela emancipação do sujeito e pela transformação social. O historiador Carlos Augusto Addor em Rio de Janeiro, 1918 – Insurreição Anarquista, explora a insurreição planejada por alguns militantes anarquistas que pretendiam reproduzir na capital federal da República brasileira a experiência russa: a Revolução Social pela via insurrecional. Propõe que apesar de traída, sufocada e derrotada essa experiência de insurreição anarquista produziu, em médio prazo, efeitos positivos para os trabalhadores, uma vez que as autoridades não podiam mais ignorar as reivindicações operárias, percebendo mesmo a necessidade e a urgência de atendê-las. A historiadora Mariana Affonso Penna e o pesquisador Renato de Souza Doria arrematam essa primeira parte discutindo o movimento anarquista na contemporaneidade no texto Anarquismo social no Rio de Janeiro Contemporâneo. Conferem visibilidade às manifestações e organizações libertárias na virada desse último milênio, em especial a partir da década de 1990, destacando o ascenso de uma onda global de protestos anticapitalistas, no interior dos quais encontram-se os anarquistas.

Finalmente, a segunda parte exibe dois vídeos: o primeiro, com o pesquisador Renato Ramos, foi filmado no centro histórico da cidade do Rio de Janeiro e, através de um roteiro histórico-geográfico, privilegia alguns dos lugares dos encontros coletivos e das trocas que se davam entre os militantes. Portadores, portanto, de um significado e de uma memória, esses lugares podem ser considerados rastros da experiência libertária entretecida pelos militantes na cidade antiga, lócus privilegiado da diversidade humana e cultural que os diferenciava e identificava. O segundo vídeo consiste em uma entrevista com o pesquisador e militante libertário Alexandre Samis. Filmado na Biblioteca Social Fábio Luz por Gabriel Amorim, o vídeo apresenta um panorama do movimento anarquista no Brasil, dividido em quatro momentos: I) das origens do anarquismo no Brasil, em fins do século XIX, até ± 1930; II) de ± 1930 a ± 1980; III) de ± 1980 a ± 1990; IV) O anarquismo na contemporaneidade, com três dimensões distintas: a inserção em favelas; a atuação junto aos sindicatos e as demais atividades do anarquismo contemporâneo.

Nessa perspectiva, o propósito central desse material multimídia, produzido pelo LPPE, é mostrar algumas das manifestações do movimento anarquista no país. Destacam-se, no conjunto, as principais idéias e experiências libertárias de homens e mulheres que se dedicaram a exprimir a eterna rebeldia humana a respeito da autoridade, da opressão, da exploração, da injustiça e da desigualdade, questões das mais fundamentais ao ser humano, e ainda sem solução, o que faz o tema permanecer instigante e a reflexão necessária. Que essa constatação possa incitar a reflexão e (re)alimentar o sonho da igualdade com liberdade em todas as dimensões, dando à vida seu sentido pleno.

Para terminar, sublinhamos nosso reconhecimento e nossa gratidão a todas e todos que direta e indiretamente contribuíram para a realização intelectual e artística deste material multimídia. Aos integrantes do Núcleo de Investigação Social da Universidade Federal Fluminense (NIS-UFF) e do Núcleo de Pesquisa Marques da Costa (NPMC), agradecemos pelas contribuições. Contrariando a lógica do tempo, ultrapassando as exigências do produtivismo acadêmico e superando as adversidades internas e externas a este trabalho, formamos uma equipe que se responsabilizou pela reunião e organização dos textos, produção dos vídeos, revisão dos originais, pesquisa de imagens e disposição e criação gráfica. Toda essa produção não seria possível sem a estimulante convivência no LPPE (IFCH-UERJ), entre funcionários, pesquisadores e alunos; esses últimos, sempre responsáveis por nos instigar e manter vivo nosso entusiasmo.

Boa leitura!

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[França] Nem velhos, nem traidores. Documentário sobre “Action Directe”

05 segunda-feira out 2015

Posted by litatah in Action Directe, Agência de Notícias Anarquistas - A.N.A, Anarco-Comunismo, Anarcosindicalismo, Anarquia, Anti Capitalismo, Anti Civilização, Anti Consumismo, Anti Fascismo, Anti Homofobia, Anti Machismo, Anti Misoginia, Anti Transfobia, Atos, Bandeiras de Luta, Correntes da Anarquia, Ditadura, Fascismo, França, História, Imaginário e Plano Simbólico, Internacional anarquista, Mártires da Luta, Perseguição política, Perseguição política a anarquistas, Repressão, Revolução, ZAD- Zonas a Defender

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Action Directe, estado repressor, Freança, História, história da anarquia

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Fonte: A.N.A.

Nos anos 70, anarquistas franceses lutaram com seus amigos revolucionários catalães contra a ditadura franquista e o capitalismo. Apoiaram as greves mais radicais e criaram a editora Mayo 37 para difundir textos marxistas, situacionistas, conselhistas, assembleários e anarquistas. Para financiar suas ações subversivas, multiplicaram os assaltos a bancos. Criaram o MIL (Movimento Ibérico de Liberação). Depois das detenções e já auto dissolvidos, uns continuaram sob a sigla GARI para a liberação dos presos de Barcelona e contra a ditadura.

Action Directe é fundada em 1977 por militantes de diversos grupos libertários e comunistas GARI (Grupos de Acción Revolucionarios Intenacionalistas), NAPAP (Noyaux Armés pour l’Autonomie Populaire). Sua luta comum consistia em atacar o Capitalismo selvagem, o neoliberalismo incipiente e o império estadunidense sob sua nova forma globalizada, um sistema de morte, que como as estatísticas nos demonstram hoje, aumentava ano após ano a pobreza no mundo, as desigualdades e as injustiças. Um sistema que provoca milhões de mortes inocentes ao ano e aumenta as desigualdades e o poder das multinacionais, em especial as de armamento.

Action Directe realizou mais de 50 ataques, tais como um assalto com metralhadoras ao edifício da federação de empresários em 1º de maio de 1979, assim como ataques a edifícios governamentais, do exército, companhias em complexos industrial-militares e a símbolos do estado criminoso de Israel. Também realizaram assaltos ou “expropriações” e execuções dos representantes de multinacionais, como a do general René Audran (responsável pelo tráfico de armas e negócios com os Estados Unidos) em 1985 e a Georges Besse, presidente da Renault em 1986.

Em 21 de fevereiro de 1987, os principais membros de Action Directe, Jean-Marc Rouillan, Nathalie Ménigon, Joëlle Aubron e Georges Cipriani foram presos e mais tarde condenados a prisão perpétua. Régis Schleicher havia sido previamente preso em 1984. Joëlle Aubron foi liberada em 2004 por enfermidade terminal e morreu em primeiro de março de 2006 por causa de sua enfermidade.

Título original: Ni Vieux Ni Traitres

Direção: Pierre Carles e Georges Minangoys

Ano: 2005

Duração: 100 minutos

Para ver o documentário (com legendas em castelhano), clique aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=lmWZYXMkjaE

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

na rua deserta
brincadeira de roda
vento se sujando de terra

Alonso Alvarez

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A simbologia de nossa bandeira

30 quarta-feira set 2015

Posted by litatah in AIT, Anarquia, Bandeiras de Luta, Federação Anarquista do Rio de Janeiro, História, Imaginário e Plano Simbólico, Organizações Anarquistas, Prática

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FARJ, Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), História, história da anarquia, História do Anarquismo

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Fonte: FARJ – Federação Anarquista do Rio de Janeiro – Organização Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira

Toda organização, movimento social ou entidade dos trabalhadores tem sua simbologia. Um desses símbolos são as bandeiras. As bandeiras são utilizadas como forma de mobilizar, inspirar e propagandear uma determinada luta, uma determinada proposta política ou demanda social. No anarquismo não poderia ser diferente. As/os anarquistas optaram por usar diferentes simbologias para expressar sua ideologia política rebelde, as mais utilizadas no entanto, foram a bandeira negra e a bandeira vermelha e negra.

A história desses símbolos é geralmente difícil de se rastrear. Segundo Jason Wehling o primeiro caso registrado é reservado a anarquista Louise Michel, famosa participante na Comuna de Paris de 1871. De acordo com o historiador George WoodCock, Louise Michel ergueu a bandeira negra em 9 de Março de 1883, durante uma passeata de desempregados em Paris, na França. A passeata contava com 500 pessoas e Louise Michel à frente do cortejo gritando: “Pão, trabalho ou comando!”. Outro relato, reportado por Paul Avrich afirmou que em 27 de Novembro de 1884, a bandeira negra foi erguida em Chicago, durante uma passeata Anarquista. Provavelmente essa bandeira se difundiu ainda mais com a morte dos “Mártires de Chicago”, mortos pelo governo norte-americano, após uma farsa judicial. O preto era o luto, que representava a negação da nação, mas também a cor de quem não irá se render: é a expressão da determinação da luta. O negro também é a soma de todas as cores, representando a diversidade dos atores sociais mobilizados na luta anarquista que quer pôr fim ao Estado, ao capitalismo e as opressões. É a cor da luta negra, quilombola, rebelde.2uz7y14

O uso de bandeiras vermelhas fez parte de diversas mobilizações operárias. As bandeiras vermelhas nascem em Paris, em 1848. Logo depois das reivindicações das trabalhadoras e trabalhadores serem esmagadas pelo governo reacionário de Paris o uso da bandeira vermelha ficou associado a luta de trabalhadores/as no mundo todo. A união da bandeira negra utilizada no contexto dos mártires de Chicago com a bandeira vermelha, utilizada por trabalhadoras e trabalhadores de todo o mundo fez com que nascesse a bandeira vermelha e negra, que ficou famosa nas barricadas da Espanha em 1936.

Movimentos e militantes da farj com bandeiras vermelhas e negras nas lutas de junho de 2013.

Logo nossa organização optou por usar a bandeira vermelha e negra. Essa bandeira representa o negro da ideologia anarquista, da luta sem tréguas unido ao vermelho, que é a luta da classe trabalhadora e seu sangue.

Onde o Tiê-sangue entra nisso?

Para fechar a simbologia de nossa organização, colocamos em nossa bandeira o pássaro Tiê Sangue, natural da mata atlântica é encontrado na porção oriental do Brasil, da Paraíba até Rio Grande do Sul e é muito encontrado no Rio de Janeiro. Reza a lenda, que quando nossa organização foi fundada, um pássaro vermelho e negro (um tiê-sangue) foi visto voando pelos céus fluminenses. O pássaro em nossa bandeira está sobre um círculo branco. O branco representa o futuro, o foco na luta, a liberdade, o caminho das utopias. Também representa a paz entre nós (mas guerra aos senhores), mas uma paz internacional que só será conquistada no futuro, o futuro do socialismo libertário.

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O tiê-sangue vive em áreas desmatadas ou em campos, capoeiras baixas e restingas. Em torno desse pássaro há também toda uma lenda que merece ser mencionada (e que se recria), uma lenda que encontra a história de resistência dos povos indígenas e originários. Pela lenda, havia uma índia chamada tiê. Uma índia jovem, mas muito guerreira que sonhava com a liberdade de voar, tal como um pássaro. Ferida pelo inimigo, Tiê acabou falecendo, mas logo pela manhã, Tiê se transformou num belo pássaro, um pássaro sonhador e guerreiro, que voa pelos céus do nosso território de luta. Tiê representa então, lutas ancestrais dos povos originários e a realidade do nosso território de luta. Representa também a luta feminina e guerreira, luta contra as opressões. Representa o voo pela liberdade e pelo socialismo, representa o voo em busca da utopia e a revolução social.

Assim, a cor negra e vermelha e o pássaro Tiê-Sangue sobre o círculo branco se unem numa identidade comum.

Assim nasceu a bandeira da FARJ, assim nasceu nossa simbologia de luta.

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Liberdade ou Morte! O grito de Sacco e Vanzetti ao proletariado internacional

17 quinta-feira set 2015

Posted by litatah in Anarcosindicalismo, Anarquia, História, Mártires da Luta, Perseguição política, Perseguição política a anarquistas, Presos Políticos, Presos políticos, Repressão, Sacco e Vanzetti, Todo Apoio aos 23, Violência

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23 presos, História, história da anarquia, História do Anarquismo, História Social, História Social; Louise Michel, manifestantes presos, presos, presos político, presos políticos internacionais, repressão, repressão internacional, repressão política, Sacco & Vanzetti

Sacco-Vanzetti

Fonte: UNIPA

No dia 23 de agosto de 1927, à 87 anos atrás, os anarquistas italianos Nicolás Sacco e Bartolomeu Vanzetti foram assassinados, sentenciados a pena de morte na cadeira elétrica pela justiça do Estado norte-americano. Naquele dia, o proletariado do mundo inteiro derramou lágrimas de sangue e de ódio aos exploradores do povo, sabendo terem perdido gloriosos camaradas da luta revolucionária. Os dois anarquistas foram alvos do maior escândalo jurídico norte-americano, sentenciados sem qualquer prova concreta, com diversas testemunhas falsas (algumas desmascaradas no meio do processo), sob uma forte atmosfera de revanchismo político reacionário e racista.

Tal como outros tantos trabalhadores de sua época, Vanzetti e Sacco começaram o envolvimento com a militância através da solidariedade natural pelo sofrimento dos explorados. O jovem Sacco, filho de camponeses pobres italianos, emigrou para a “América” em 1908, aos 17 anos. Viveu períodos de grandes dificuldades (chegando a passar fome, desemprego e muita miséria), trabalhou em diversas fábricas, sendo que em uma fábrica de sapatos conheceu sua companheira, com quem teve seus dois filhos. Sacco chegou a participar da Federação Socialista Italiana, mas logo se envolveu com a prática sindicalista revolucionária e anarquista. 

Bartolomeu Vanzetti, por sua vez, teve um envolvimento quando jovem com ideias religiosas e humanistas, gostava muito de estudar, e logo se desligou de qualquer instituição religiosa. Emigrou para os Estados Unidos aos 20 anos, fato que levou a uma profunda transformação em sua vida. Segundo Vanzetti, na América viu “todas as brutalidades da vida, todas as injustiças e as depravações em que se debate tragicamente a humanidade”. E decidiu dedicar-se física e intelectualmente, chegando a estudar importantes teóricos de sua época como Bakunin, Marx, Kropotkin, Gorki, Mazzini, Tolstoi, Leopardi, Darwin, dentre outros. Leu grande parte destas obras nas madrugadas, após longas jornadas de trabalho na fábrica, debruçado sobre um livro à luz de velas. Vanzetti se tornou um convicto anarquista e importante liderança no movimento operário.

A conjuntura dos Estado Unidos nesse período era de forte repressão aos imigrantes e movimentos reivindicativos. O contexto internacional de disputas com a União Soviética fortaleciam a política de combate com mãos de ferro contra qualquer tentativa mais ousada do movimento operário. O imperialismo externo era completado com uma forte tirania interna. A atmosfera saturada de ódio era também fomentada e explorada pelo próprio Ministro da Justiça, A. Mitchell Palmer, e estava entranhada nas instituições oficiais. Antes de Sacco e Vanzetti outras lideranças haviam sido assassinadas pela polícia. No dia 4 de maio de 1920 (um dia antes da prisão de Sacco e Vanzetti), um editor do jornal anarquista “Il Domani”, Adrés Salsedo, após ter passado por torturas e interrogatórios, foi jogado pela janela do edifício do Departamento de Justiça de Nova Iorque.

O movimento operário norte-americano tampouco era um antro de burocratas e pelegos que estamos acostumados na atual conjuntura de crise de organização do proletariado. As duas primeiras décadas do século XX foram um momento de auge do sindicalismo revolucionário em diversos países da América e Europa. Vanzetti e Sacco participaram de greves, motins, passeatas e sabotagens em defesa dos direitos do povo. Viviam um período importante de influência da teoria e ideologia anarquista no movimento de massas, onde a ação direta, a expropriação, a autodefesa popular e a estratégia revolucionária eram combinados com um grande número de jornais, forte agitação e propaganda e centros culturais.

No noite de 5 de maio de 1920, Nicolás Sacco e Bartolomeu Vanzetti foram presos no bairro operário de Brockton em uma batida policial que buscava prender outra pessoa. De início não foram acusados de nada, passaram apenas por um interrogatório político. A acusação veio logo após. Vanzetti e Sacco foram acusados de assassinato seguido de roubo. A grande imprensa imediatamente passou a divulgar a prisão dos “bandidos italianos” e a sua filiação anarquista como prova moral de propensão à criminalidade e delinquência. Passaram por um longo processo jurídico, com procedimentos abertamente viciados, manipulados e sem precedentes nos anais judiciais. Muitos estudos jurídico foram feitos posteriormente, e os escritos de Sacco e Vanzetti são também uma denúncia contundente ao processo armado.

Save_Sacco_and_VanzettiA campanha de ódio dos juízes e da imprensa reacionária foi contraposta pela ocupação de praças no mundo inteiro por milhões de pessoas pela liberdade dos anarquistas italianos. Uma das maiores campanhas de solidariedade já vista foi feita: manifestações, motins, atentados à embaixadas norte-americanas, dentre outras formas de pressão sobre os governos e carrascos. Apesar de toda a pressão internacional, Sacco e Vanzetti foram assassinados friamente sob os olhos do mundo. Apenas em 23 de agosto de 1977, há 50 anos de seus assassinatos, o governo de Massachusetts promulgou, cinicamente, um documento os absolvendo.

Na condição de trabalhadores, imigrantes e anarquistas Sacco e Vanzetti tiveram de enfrentar não apenas o ódio dos capitalistas e do Estado, como também a xenofobia presente na sociedade americana. No entanto, encontraram solo fértil de ação e solidariedade na ideologia anarquista e no sindicalismo revolucionário, defensores do classismo e do internacionalismo. O amor pela liberdade, pelo livre desenvolvimento das potencialidade humanas, pela igualdade e o fim das classes sociais, alimentaram as convicções destes dois grandes homens.

Aproveitamos a data para divulgar um texto de Sacco e Vanzetti: “Liberdade ou Morte”. O texto é uma prova das virtudes e potência ideológica desses dois anarquistas, que mesmo após receberem a sentença de morte, não cederam um milímetro em suas convicções, se mantiveram firmes nas fileiras do anarquismo revolucionário até o último segundo de suas vidas, não se arrependeram nem se intimidaram frente aos carrascos do Estado. Em tempos de forte repressão que estamos vivendo, e que anunciam se aprofundar, esse texto é uma importante mensagem de convicção ideológica que ultrapassa o tempo e as fronteiras, é um alimento para a luta revolucionária e para os corações e mentes de cada filho do povo. Sacco e Vanzetti Vivem e Vencerão!

***

Liberdade ou Morte

Nicolás Sacco e Bartolomeu Vanzetti

Aos companheiros, aos amigos e ao proletariado revolucionário

Muitas vezes, durante nossa prisão, lhes dirigimos a palavra através das grades que nos privam da liberdade e dos mais elementares e inalienáveis direitos.

Não para pedir vossa solidariedade – ela veio espontânea, generosa e imediata, e se afirmou cada vez mais a medida que a magistratura e os oficiais de justiça revelavam o propósito de matar-nos por qualquer meio e a todo custo – os temos dirigido a palavra senão por fé, por paixão, por gratidão e por orgulho.

Por fé: e lhes dissemos que só vocês podem nos arrancar do carrasco e nos devolver à vida que é liberdade, ação, amor e ódio; que de vocês e não da lei, esperávamos justiça.

Por paixão: e gritamos para vocês com o ânimo indignado, do sadismo desta perseguição, as mentiras e a duplicidade demonstradas e usadas contra nós pelo juiz Webster Thayer e pelo procurador Katzmann. E denunciamos a trama construída pela polícia – ordenados por aqueles – para criar, com a corrupção, a ameaça e a vingança, todos os falsos testemunhos da acusação, sem os quais teria sido impossível, não apenas nos condenar, mas até nos acusar; e lhes dizemos que os jurados – em menos de 4 horas, depois de um processo que havia durado 8 semanas – encontraram o modo de nos condenar à penas capital.

Depois, quando o veredito de morte lhes foi informado, vocês, companheiros e trabalhadores, souberam rugir a ira e a dor que queimavam em seus peitos, preparando-se para todas as audácias e desafiando as pontas das baionetas dos inconscientes irmãos soldados, e a brutalidade dos juízes mercenários. Vocês que tomaram as ruas e as praças de cada cidade do mundo, gritando na cara dos representantes e servidores de nossos juízes, de nossos carrascos e perseguidores, que vocês não estão dispostos a deixar cumprir impunemente nosso assassinato.

E a explosão da dinamite libertadora se uniu ao vosso imenso grito, titânica voz de dor, de vontade, de perdição e de redenção. E nós dissemos que a esse grito e a essa explosão devemos nossa vida. As feras sentiram a pele queimar e afrouxaram o nó. De outra maneira teriam se apressado em nos entregar ao carrasco que, no silencio de uma noite má, haveria nos amarrado e queimado sobre a fogueira sem chamas do século XX.

Mas vocês que, durante a mais cega reação da história, souberam cumprir um gesto tão belo e tão poderoso de solidariedade, como poucos nos relembram a história do proletariado, vocês não se desarmaram – confiantes e decididos: a arma em punho.

E não por uma vaidosa necessidade, senão por impulso do coração, temos exteriorizado nossa gratidão e orgulho de pertencer a vossas falanges, sacras ao devir humano. Por impulso do coração! … e temos, com conhecimento, repetido mal o que alguns de vocês disseram como mestres, o que vocês todos sabem.

Agora, porém, queremos lhes dizer nosso pensamento sobre nossa presente situação, – situação incerta, obscura, penosa, cheia de incógnitas. E fazendo isso, acreditamos cumprir um dever com nós mesmos, com vocês e com a grande causa comum. Nossa impotência forçada, desviando-nos das responsabilidades próprias de cada militante, nos impõe o rigor do silêncio sobre coisas que nos dizem respeito, seja como homens, seja como revolucionários – mas não como seres vis. Examinemos então, juntos, nossa situação atual e a de todos os prisioneiros de nossa guerra.

Ao fazer isso, nos encontramos obrigados a começar … desde o início e a nos repetir. É uma necessidade, mas não é um mal, porque enquanto a dor e a vingança durem e invadam tudo, convêm repetir…

Vocês sabem: desde quando, devido ao desleixo dos primeiros advogados encarregados de nossa defesa, Katzmann y Thayer tiveram a primeira, fácil e importante vitória no processo Plymouth, em detrimento de um de nós, as coisas mudaram bastante, e mudaram mais depois do processo de Dedham. Sem dúvida mudaram para melhor. A mesma imprensa burguesa que no tempo de nossa detenção fazia contra nós um verdadeiro linchamento moral, agora e desde muito tempo, mudou de ton. Ela, quase unanimemente, declarou injustificável o veredito de Dedham.

A defesa obteve a retratação de duas importantes testemunhas de acusação, e descobriu que um terceiro, Goodridge, não é Goodridge, e que este, antes de ser um mentiroso, foi um ladrão, um trapaceiro e um bígamo. Além disso, a defesa encontrou um novo testemunho na pessoa de Roy E. Gould, o qual se encontrava presente no assalto, viu os autores, e nega nossa presença no lugar. Obtiveram muitas outras evidencias em nosso favor, evidencias que, por brevidade, deixamos de expor, mas de tal valor suficiente para assegurar, em um caso comum, a revisão do processo.

Mas devemos, por isso, esperar justiça?

Absolutamente, não. – Lhes disse com magistral sapiência o próprio juiz Thayer a cerca de um ano. Lembrareis que ele fixou a audiência requerida pela defesa para pedir novo processo, para a véspera do natal. Ele já havia decidido nos recusar o processo, e escolheu com espírito cristão a véspera do natal, para alegar aos nossos e a nós, com seu compreensível não. Recordareis também sua negação. Discurso famoso, digno dele. Duas peças de imposturas, de cólera, de vaidade, e de má fé. Naquele discurso Thayer fez uma citação jurídica de um colega seu mijada fora do penico; Ei-la aqui, senão textualmente, ao menos em seu conteúdo: os jurados podem negar-se a acreditar nos testemunhos de defesa, ainda que sejam mais numerosos que os da acusação; e podem basear seu veredito de culpabilidade acreditando em apenas um entre todos os testemunhos da acusação.

Thayer preparou outro discurso para quando nos rejeitar novamente o processo, porque ele sente a necessidade de cobrir o espírito com a letra, mas se quisesse apressar-se poderia justificar sua nova negação repetindo, simplesmente as palavras já proferidas e que nós transcrevemos.

Então, dirão vocês, porque vocês pediram a defesa legal? Nós a requeremos, e vocês a financiaram, por boas razões.

Presos pela violência, acusados e constrangidos pela violência a um processo, tivemos que recorrer a defesa legal, a qual é a única reconhecida pela lei, para ser tutelados em nossos direitos, e para demonstrar, ao rigor da lei, nossa inocência. Mas não acreditamos jamais que a defesa legal fosse capaz de alcançar a justiça. Não, nós conseguimos demonstrar nossa inocência. Na mais indulgente hipótese, o jurado não poderia nos condenar mais do que usando a dúvida contra nós. E o mencionado discurso do juiz é todo um esforço para justificar a ação do jurado.

Mas é cansativo falar disso. Vocês, companheiros, amigos e trabalhadores, sabem muito bem porque nos declararam culpados.

E o silencio dos jurados, depois do processo disseram que eles haviam jurado um ao outro não falar do que se passou na câmara de deliberações – isso fala por si mesmo.

Para ser liberados devemos abrir outro processo, e devemos sair absolvidos. Por outro lado, o fato de abrir outro processo não é decisivo para nossa liberdade?

E devemos dizer-lhes que a defesa legal, por si só, é impotente? Deveremos falar-lhes de Mooney e de Billings, dos Mártires de Chicago, de Joe Hill, dos prisioneiros políticos, dos recentes processos aos mineiros e das últimas prisões? Devemos dizer-lhes que dos Thayer e os Katzmann, que administram a justiça de classe, não se deve esperar mais do que o mal? Que os homens com imagem de “bom moços” do condado de Dedham, que nos condenaram, e da figura de “bom moço” dos homens dos outros condados, que condenaram aos demais, não desapareceram, absolutamente, da face da terra? E que é absurdo, ridículo, esperar a justiça da lei de classe de nossos mortais inimigos?

Não, companheiros; Se o inimigo que pode ganhar tudo matando-nos, adverte que o pode fazer impunemente, estejam certos, não nos terão mais entre vocês. Nos matarão, ou nos farão morrer, átomo a átomo, entre os muros de suas bastilhas, como já fizeram com os outros.

E farão assim com os demais reféns. E os reféns aumentarão. As prisões transbordarão dos mais fortes campeões do trabalho e da liberdade. E seu martírio será o martírio da própria liberdade. Corrupto, traído, confuso e aterrorizado, o miserável ignorante se corvará à violência e a astúcia do ignorante rico e na ruína geral nós seremos arrastados e nossos filhos serão escravos, escravos miseráveis de outros e de si mesmos.

Companheiros! Trabalhadores! Vocês permitirão isso? Nós somos impotentes agora. Nosso destino e o de vocês, assim como o destino de nossos filhos, está em vossas mãos, e não nas mãos do inimigo.

A nós não resta nada mais do que olhar o cadafalso ou a ainda mais horrenda prisão perpétua, sem desânimo e sem se desesperar.

Quando ainda éramos adolescentes conhecemos a separação dos nossos ente queridos, a cólera dos patrões e a maldade do mundo de bem. Aos vinte anos preferimos o estudo e a luta, aos fáceis amores e a taberna. E na longa experiência que sabe de toda miséria, toda dor, todo insulto e toda humilhação, amadureceu em nós essa fé que desafia e vence todos os inimigos e qualquer adversidade; a fé que a luta e o valor temperam e não abatem. E sabemos a muito tempo, o que a causa necessita e a que o inimigo serve…

Pela defesa da existência e o triunfo do ideal, estávamos decididos ao sacrifício supremo. Mas esperávamos cair em batalha, a peito aberto e com arma ao punho, cara a cara com o inimigo execrado.

Atroz ironia: se sonhava cair como leões e a realidade nos prepara a morte del topo. E, no entanto, nos conforta a certeza de que, ainda assim dessa forma, nosso sacrifício não é vão, senão que amadurece e apressa a invocada hora do grande revide.

Soubemos encontrar a força para resistir à pena cotidiana, e na não-pior das hipóteses, saberemos olhar na face do carrasco que nos amarre e lançar ao mundo dos grandes ladrões e dos grandes assassinos nossa extrema maldição.

A prisão perpétua significa um martírio mais longo e mais atroz que o da execução imediata. Pensem também que essa é a pena mais rentável à burguesia, porque economiza o gasto do carrasco e lhe dá o produto de nosso trabalho.

Quanto a nós, deem-nos Liberdade ou Morte!

A vocês, companheiros e trabalhadores, nossa saudação!

Agora e sempre pela Revolução Social.

Janeiro, 1923.
Nicolas Sacco e Bartolomeu Vanzetti.

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FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES DO RIO DE JANEIRO “VERSUS” FEDERAÇÃO OPERARIA DO RIO DE JANEIRO

13 segunda-feira jul 2015

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História, história da anarquia, História do Anarquismo, História Social, História Social; Louise Michel, Marques da Costa, Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

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Por Marques da Costa

Fonte: Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

Mostra-se como a vontade unificadora dos “disciplinistas syndicaes” não passa de uma “rasteira” mal disfarçada, passada pelos “capoeiras” do “centralismo obreiro” – A Eftêérrejóta extinguir-se-á aos primeiros lampejos da nova Federação.

 

Os elementos que bolschevisaram a F.T.R.J. parece haverem-se arrependido dos passos que deram, no principio desse anno, “pró-unificação” do operariado local.

É isso, pelo menos, o que se deduz dos seus ultimos manifestos, publicados as terças nos jornaes diários.

Há oito ou quinze dias, lemos “que a Federação ainda tem elementos dispostos a trabalhar pelo seu soerguimento”, etc.; agora, no que hontem foi publicado, lemos que “da revanche divisionista cinco associações escaparam illesas e são essas cinco que procuram conduzir a Federação de accordo com as suas bases, esperando que todas as associações queiram commungar com ellas, nessa obra de organização e unificação.”

Antes de mais nada:

A que chamará o Comité Federal da F.T.R J. “revanche divisionista”?

E que comprehederá o tal Comité por “obra de organização e unificação”?

Positivamente, nós vemos estas coisas por prysmas differentes…Mas vamos ao que nós consideramos  arrependimento, deixando para mais tarde o esmiuçar desses “quês”.

Quando a F.T.R.J. se dirigiu as associações operarias que lhe negavam a sua adhesão, fel-o confessando peremptoriamente  que a sua vida era ficticia (como ainda confessa que é), que era nulla a sua acção e declarando “que era preciso por de parte tudo que pudesse impedir um bom entendimento”, do qual deveria resultar, ou a sua propria reorganização ou a constituição dum organismo que correspondesse às necessidades federativas dos trabalhadores organizados.

Mais do que esperava, lá no Comité da F.T.R.J., as associações locaes, abstraiando-se dos justificados ressentimentos que existiam , accorreram ao chamado; e cada qual, pelos seus delegados, expoz com visivel clareza e sinceridade os seus pontos de vista a respeito da organização syndical.

Naturalmente, como sempre acontece, houve logo ma primeira reunião o innevitavel choque de opiniões, como que a demonstração, a impossibilidade do sonhado entendimento…

Mas assim mesmo todos insistiram; uns na esperança vã de ver realizado o seu fantastico sonho de unificação; outros no proposito preconcebido de ir até onde o desejo de fazer triumphar o logro e a capciosidade não fosse contrariado; outros ainda, dispostos a darem todas as provas de que, embora não fazendo concessões de modo a trahir os seus proprios sentimentos, não opporiam obstaculos à vontade daquelles que então pareciam dispostos a “fazer todo o possivel pela concretização da organização operaria”, era todavia isento dos condemnaveis “excessos doutrinarios…”, alheio ao “puritanismo” dos elementos anarchistas que pontificam na organização sindical.

E foi sob a mais incerta e indecisa actuação dos militantes anti libertários que se passaram as primeiras semanas e os primeiros meses, de continuos e reciprocos esforços “pró-unificação”…

Finalmente, já fartos de esperar que os elementos da “Eftêérrejóta” apresentassem qualquer trabalho elucidativo, qualquer plano de reorganização, qualquer iniciativa que demonstrasse, ao menos, o porque das reuniões que convocaram; cançados de esperar e convencidos da incapacidade constructiva desses elementos, os representantes das associações automanas quasi todas de tendencias anarchistas, começaram a fazer suggestões e apresentar propostas.

Surgiu a moção apresentada pelo Syndicato de Officios Varios de Marechal Hermes, onde os defensores da “dictadura proletaria” logo viram uma formidavel e intolerabilissima declaração dos principios anarchicos.

Constituiu-se uma “Commissão Organizadora” com a imcumbencia de elaborar as bases de accôrdo, segundo as quaes se deveria operar a federação das associações locaes.

Foi quando em realidade se defrontaram e mediram as forças adversas!

Os da “Eftêérrejóta”, embora contando com o concurso de sua associações de Nichteroy, convidadas sophismaticamente para coparticiparem de trabalhos estrictamente locaes, constataram a sua situação inferior, tanto do ponto de vista mental como moral…e numerico.

E começaram então a obstruir.

A obstruir todas as iniciativas, elles, que estavam ali antes como alliados de Moscovia do que representantes do seu syndicato; elles que estavam ali para conseguirem a canaliazação dos demais syndicatos para o “fôrno” bolchevisante, centralizando-os, ou para impedir a victoria das tendencias libertarias, – resultando dahi maiores difficuldades para a conclusão do “accordo unificador”, phantasticamente imaginado…

A maioria dos associados que tomaram parte nas reuniões que a “Efetêérrejóta” convocou , mantinha, como mantém ainda, o seu espirito libertario. Não era possivel esperar dessas organizações tão grandes concessões que permittissem aos elementos bolchevisantes ver acceites os seus modernos velhos processos de disciplina e centralização. Mas esses elementos tinham em mente “conquistar a todo transe os syndicatos para o communismo”, influenciados que andam pelas theorias de Radek e Losowsky, dois “vistosos” “leaders” das internacionais de Moscovia, e acharam conveniente, entenderam ser de “boa tactica”, dar um passo atraz.

No seio da Commissão Organizadora, onde se comprometteram a apresentar um projecto de bases de accordo para a federação local, acabaram por declarar – cremos que depois duma reunião com a C.E. do seu partido – “É melhor que as associações só apreciem e discutam as bases que elaborastes”…

Positivamente, innegavelmente, a idea dos communistas (?) “estava premeditada desde o começo de toda aquella indecente comedia “unificadora”! E só não o enxergou quem não queria vêr.

Certos de que formavam uma minoria insignificante, os communistas – bolschevistas resolveram lançar mão dos seus mais predilectos recursos, que são a calumnia, o embuste, a mentira indigna e revoltante.

A sua ultima farça foi concordar que as bases então elaboradas pela “Commissão Organizadora” e acceites pela grande maioria de delegações fossem enviadas para os syndicatos “para que estes “referendassem”, livremente, o trabalho realizado”.

Nem nesse momento foram sinceros! Deviam ter desde logo a franqueza de affirmar que especie de “trabalho” iam fazer nos syndicatos, para impedir a marcha da sua propria iniciativa – que já agora é quasi victoriosa mas em prejuizo dos seus inconfessaveis intentos!

Mas não, preferiram agir na surdina.

Levaram a empatar, levaram a “amornar”, levaram a tecer indecorosas teias, com a acclamação de “commissões relatoras de pareceres”, etc., para ao fim, antes de cumprirem um dever que se impuzeram para com as associações não federadas, virem accintosamente publicando nos jornaes.

– “Tal associação nos communicou haver reccusado a acceitar as bases de accordo da Federação Operaria do Rio de Janeiro. Esta é já a terceira federada que assim procede…”

Em realidade, isso é proprio dos “unificadores”…

¾

O arrependimento era coisa de prever; tudo promethia a esmagadora derrota imposta aos disciplinistas do syndicalismo; e se nos decidimos a escrever tanto sobre coisa de tão pouca monta foi só para que não ficasse ignorado o procedimento dessa gente do “Comité da Eftêérrejóta”, que tão rara “capacidade  directiva” possue que até pretende fazer “ressucitar” um cadaver já putrefeito para o conduzir “vivinho da silva”, pelo “caminho que realmente corresponde aos fins para que foi creado…”

¾

Nós, os anarchistas, neste caso de organização operaria local, devemos pôr de parte os escrupulos que nos têm tolhido, até agora, maiores surtos. Temos de considerar inexistente qualquer obstaculo que se nos depare.

A Federação dos T. do Rio de Janeiro não vive: vegeta.

Das cinco associações que a compõem, nem todas estão decididas a viver continuamente divorciadas das associações que passaram a constituir a Federação Operaria do Rio de Janeiro.

Esse organismo portanto, que só vive na fantasia bolschevista do “Comité Federal”, é coisa nulla, não pode ser considerado estorvo para melhores emprehendimentos.

¾

Ora vejam! Que capacidade possuem os modernos “chefesitos del syndicalismo criollo”!

Quanto esplendido é o seu methodo de organização!…

E todavia “esos chefesitos”, que têm tão bom programma e que são portadores de tão honrosas credenciaes, não organizam um só syndicato; não conseguem desenvolver as suas proprias associações; não conseguem, siquer, para a “Eftêérrejóta”, a adhesão de nenhum desses innumeraveis organismos obreiros que vivem, pujantes, installados nesta maravilhosa Sebastianópolis, alheios à “maluquice e ao utopismo dos anarchistas”, muito extranhos ao “daltonismo doutrinario” dos “divisionistas”…

Porque não organizam?

Porque não têm, esses pretensos detentores dos “mais sãos principios” e dos methodos mais infalliveis”, outro apoio, além do apoio hypothetico de cinco associações?

Simplesmente por isto: porque, sobre serem méros detentores de suppostos titulos, não passam, como bem disse Costa Iscar – e como nós todos sabemos – “de indignos perros lanzados contra el ideal anarchista”.

Rio,  /7/23

 

Matéria publicada na Secção Trabalhista do jornal A Pátria (Rio de Janeiro), no dia 2 de agosto de 1923.

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13 segunda-feira jul 2015

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História, história da anarquia, História do Anarquismo, História Social, História Social; Louise Michel, Marques da Costa, Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

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Os beleguins do PC, não tendo argumentos, respondem aos seus adversários pela agressão física, feita, assim mesmo, de emboscada.

Por: Marques da Costa

Fonte: Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

 

Ontem, cerca de 9 horas da noite, quando deixava a redação d’A Pátria, onde trabalho, fui estúpida e covardemente agredido por um sacripanta que acode pelo nome de Olgier Lacerda, tipo perfeito de “bam-bam-bam”, comumente encontrado pelas esquinas destas redondezas, como que a espera do momento de agir…

Por mais de uma vez o tinha visto nestas vizinhanças mas, embora sabendo-o esbirro do PC, nunca tive a idéia de que o patife aparecesse por aqui com tais intenções.

Desde que A Pátria se recusou a publicar um artigo assinado por alguém que pretende fazer-se passar pelo autor dos Mundos Fragmentários (pelo fato de ter a mesma cara…), mas que não é, por que isso se vê logo, até nos conceitos nacionalistas ali expandidos. Depois que A Pátria resolveu não publicar aquele artigo, dizia, a presença do tal sujeito tornou-se mais freqüente. Mas é caso tão trivial ver-se aqui por perto gente da espécie deste herói, que eu de nada desconfiei. Sai rápido e atravessei a Rua Chile e, ao dobrar a Avenida, sem saber como nem por quem, senti-me ferido na face esquerda, vítima de violenta pancada, talvez vibrada com a coronha de algum revólver.

Atordoado cai. Ao levantar-me, vi o patife preso por um braço, sob a pressão violenta de duas fortes mãos. Queria desprender-se, o tratante, mas não podia. Refeito, já estive para esbofeteá-lo. Não o fiz, entretanto, por que me observaram estar o tipo preso e por entender que isso me rebaixaria.

Veio a polícia. Dois guardas ouviram do cavalheiro que segurava o meu agressor:

– Este indivíduo acaba de atacar covardemente este senhor (A distinção, por certo, não foi feita de propósito, talvez só por motivos de aparências).

O guarda que chegara primeiro manteve a prisão. Eu pedi-lhe que o soltasse.

– Sendo eu quem tenho razões para se queixar, creio que sou eu o único também que poderá mandar prendê-lo. Isto é um caso que nós mesmo liquidaremos.

– Como? O senhor quer tirar a desforra?

– Não é nada disso! Deixe o homenzinho ir-se embora – retorqui.

E voltei-me. Estava já cercado de amigos que me convidavam a voltar a redação. Entrei, mas sai logo. Antônio Leite esperava-me no “Renovação”.

Haverá depois de tudo isso quem pense ainda me aconselhar mais tolerância para com esta corja de patifes?

Que não o faça!

Estou cheio de tanto tolerar vilões dessa marca. Insultos, calúnias, tudo tolerei.

Mas tudo tem um fim. Minha paciência esgotou-se e, se bem que não tenha ódio por essas criaturas repelentes, sinto que são trastes dignos de todo o meu desprezo e de minha mais intransigente impugnação.

De agora em diante combatê-los-ei com mais veemência até sua derrota – não admitindo, é claro, a hipótese de que antes me venham faltar recursos ou tenha de sucumbir ante alguma das muitas infames ciladas que os bolcheviques sabem preparar como mestres de profissão.

Os bolcheviques, pregando o seu “credo” aos trabalhadores, não têm coragem de dizer toda a verdade do seu “programa”. São hipócritas.

Prometem dar-lhes o céu para lhes dar o inferno.

Prometem-lhes a liberdade e dão-lhes ditadura férrea.

Porque temer desmascará-los abertamente?

Acompanhem-me os que estejam de acordo comigo. Fiquem para trás os medrosos.

Quem sabe se ainda me elevarão uma estátua, relembrando o nome do primeiro morto às mãos dos bolchevistas do Brasil?

Olha que a honra para a família não era pequena!…

Rio de Janeiro, 5 de maio de 1923.

 

Matéria publicada na Secção Trabalhista do jornal A Pátria (Rio de Janeiro), no dia  6 de maio de 1923.

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Quem foi Erich Mühsam,poeta anarquista, morto por nazistas em 10 de julho de 1934?

10 sexta-feira jul 2015

Posted by litatah in Anti Fascismo, Bandeiras de Luta, Erich Mühsam, Fascismo, História, Mártires da Luta, Perseguição política, Perseguição política a anarquistas, Repressão, Repressão nazista

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anarquia e arte, Anti Fascismo, anti-fascimo, antifascismo, arte, Arte é Diversão, arte de luta, arte e luta, Erich Mühsam, fascismo, fascistas, História, história da anarquia, História do Anarquismo, História Social, luta, luta e arte, mártires, mártires da luta, nazistas, poesia, teatro

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Fonte: Erich Mühsam – BIOGRAFIA

Erich Mühsam, um dos vultos do expressionismo alemão, mas sobretudo, da poesia anarquista do século XX, nasceu em 1878 em Berlim. O seu pai era farmacêutico, da pequeno burguesia judaica e deu lhe uma educação muito autoritária.
Aos dez anos, o pai pô lo a estudar no Liceu de Lübeck, onde se submeteu ao mesmo autoritarismo que tinha em casa. A sua natureza rebelde valeu lhe numerosas punições.

Um dia, ainda no Liceu Lübeck, enviou um artigo anónimo ao “Lübecker Volksboten”, um Jornal social democrata local, denunciando as práticas ditatoriais dos professores, (que provocou um escândalo) e, assim queErich Mühsam foi identificado como autor desse artigo, foi expulso por “actividades socialistas”. Finalmente, Erich Mühsam obteve o diploma noutro estabelecimento de ensino. Os talentos literários deErich Mühsam são extremamente precoces. Aos 11 anos escrevia fábulas e aos 16, já ganhava dinheiro com os seus versos satíricos.


O pai, sempre austero, contra o qual o jovem Erich não tardou a revoltar se, apesar de tentar fervorosamente que o filho seguisse os estudos de farmácia, teve de aceitar com horror que o filho se transformasse num poeta…
Em 1901, Erich Mühsam  foi para Berlim e começou a movimentar se nos meios literários boémios e anarquistas de Berlim, enquanto trabalhava numa fábrica de produtos químicos. Nesta altura, Heinrich Hart convidou o para fazer parte do grupo “Neue gemeinschaft” (Nova Comunidade) que reagrupava jovens autores vindos de meios burgueses, mas politizados e a favor de uma vida comunitária. Entre estes jovens, encontravam se Peter Hille, Wilhelm Bölsche, Martin Buber e Gustav Landauer.

Este último e Erich Mühsam abandonaram entretanto o grupo por se aperceberem que o “espírito colectivo” não passava de palavras em vez de acções. E foi através de Landauer que Mühsam descobriu o anarquismo, sobretudo depois de ler Bakounine.
Mühsam  viajou pela Europa entre 1904 e 1908 (na Suíça conheceu Fritz Brupbacher, o biógrafo de Bakounone), fixando se depois em Munique.
Em 1911 fundou e dirigiu a revista “Kain. Zeitschrift für Menschlichkeit” (revista de Solidariedade Humana). Organizou em 1914 uma frente de esquerda contra a guerra e em 1918 fazia parte dos activistas da revolução de Novembro. A polícia considerava o um perigoso agitador e vigiava o constantemente.

 Erich Mühsam apelava à luta anti militarista, sugerindo mesmo a desobediência civil e a recusa ao pagamento de impostos para financiar a guerra.


Esteve preso até 1924, tendo sido recebido, aquando da sua libertação, por milhares de operários na gare de Berlim.


Depois, passou a ser o porta voz da “Associação Anarquista” em Berlim e escreveu contra a justiça de classe e o fascismo, fundando, em 1926, uma nova revista anarquista, a “Fanal”, que, em 1931, completava 58 edições. Publicou também numerosas obras sobre o Sistema, o Estado e a cultura alemã. Observador atento do nazismo, tentou criar uma larga frente anti fascista, passando a ser designado pelos nazis como “inimigo prioritário”. Goebbels apelidava o de “o porco judeu vermelho”.

O jornal nazi publicou na primeira página três fotos: de Rosa Luxembourg, de Karl Liebknecht e de Erich Mühsam, com a legenda “o único traidor do grupo que ainda não foi executado”.


Foi novamente preso em 1933 e depois de ter estado em vários campos, foi assassinado no campo de concentração de Oranienburg em 1934.


Tal como a sua vida, a sua poesia era temperamental e, ora escrevia sobre a luta e a revolução, ora escrevia poesia irónica e lúdica.


Erich Mühsam, foi um dos poetas anarquistas menos conhecidos e, ao mesmo tempo, um dos mais controversos, mesmo no meio literário alemão, que apenas evoca as suas ligações com o expressionismo.


Depois da prisão de Mühsam, a sua mulher, Zensl Mühsam foi presa em Moscovo e deportada para a Sibéria. Depois de 5 anos de trabalhos forçados, foi enviada para Novosibirsk. Depois da queda de Estaline, foi autorizada a instalar se em Berlim Este.

“De declarações verbais não surge um mundo novo. Os anarquistas que querem criar um mundo novo de liberdade, igualdade, reciprocidade, justiça, verdade e de associação de todos com todos, têm de revestir suas declarações de factos. Quer dizer, devem levar a sua vida como desejam que a vivam todos numa sociedade sem estado.”
Erich Mühsam

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Despertar feminino – Maria Angelina Soares

09 quinta-feira jul 2015

Posted by litatah in Anarco Feminismo, Anarquia, Anti Fascismo, Anti Machismo, Anti Misoginia, Correntes da Anarquia, Ecofeminismo, Feminismo e Transfeminismo, Feminismo intersecional, História

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Fonte: Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

É com grande satisfação que vejo, por meio da imprensa, o grande vôo que vai tomando o feminismo.

É verdade que a maioria das feministas hoje visam quase essencialmente a conquista do voto – e eu sou contrária ao voto por ser uma coisa inútil e até um obstáculo para a marcha do progresso. Mas, o que mais admiro e aprecio nessa luta empreendida pelas sufragistas é a sua perseverante energia, que faz com que não se detenham ante nenhum obstáculo para conseguir o que desejam.

Bem sabem elas que pacificamente nada conseguirão, e muito acertadamente empregam a ação direta.

Manifestam-se também com vigor, nestes tempos, outras tendências de feminismo além das sufragistas, que certamente virão a despertar no meio feminino um certo grau de atividade e que reverterá em favor da sua completa emancipação.

Como já disse anteriormente, senti imenso prazer ao ver esse despertar tão almejado, mas não sei a que atribuir a indiferença que reina entre as companheiras, tanto do Brasil como do estrangeiro, neste momento propício para a propagação das nossas ideias. O elemento feminino, cansado de viver escravizado, compreendeu que já é hora de conquistar seus direitos usurpados pelo ridículo orgulho masculino, e como em sua obscura existência não pode reflexionar e portanto compreender onde está a vedadeira emancipação, na sua ânsia louca de liberdade seguirá o caminho que primeiro lhe indicarem, julgando ter feito muito bem.

Vemos que se acham na brecha agora as sufragistas.

Pois bem, como não vêem outro caminho trilhado, seguirão forçosamente esse.

Acontecerá da mesma forma que com os socialistas parlamentaristas no meio operário.

Intrometeram-se tanto, conseguiram fazer acreditar nas suas promesas vãs, e temos os resultados funestos, vendo-se hoje muitos trablahadores que ainda crêem que a sua felicidade será completa quando forem governados por socialistas.

Se deixarmos que a política absorva todas as energias da mulher, mais elementos teremos de combater, e portanto mais encarniçada e difícil será a luta para conseguir a emancipação que procuramos.

Portanto, companheiras, apelo para vós, em nome do guturo da Humanidade, para que nunidas nos lancemos na luta, procurando eliminar tudo quanto obstrua o caminho que há de conduzir-nos ao futuro ditoso, que tem sido o sonho mais doce da nossa vida.

Sim, unamo-nos e não deixemos que progriada esse novo morbus que se introduziu entre nós e teremos assim evitado que amanhã sejam nossas inimigas as que hoje são nossas irmãs.

A Lanterna, 08 de Outubro de 1914, p 3.

* A linguagem do texto foi atualizada ao português atual, sem prejuízo para com seu conteúdo.

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PARA ASTROGILDO PEREIRA LER

09 quinta-feira jul 2015

Posted by litatah in Anarco-Comunismo, Anarcosindicalismo, Anarquia, História

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anarco, anarco-comunismo, anarco-comunistas, anarco-sindicalismo, anarquia, História, história da anarquia, História do Anarquismo, História Social, História Social; Louise Michel, Marques da Costa, Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

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Fonte: Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

Por Marques da Costa

 

Distincto adversario!

Venho dar-te uma prova do meu leal reconhecimento pelos modos lhanos de que usaste para commigo na controversia que trata-mos há tempos a respeito de “anarquismo e bolxevismo” – e que, diga-se de passagem, deveria versar, consoante combinamos antes, sobre organização syndical.

Francamente, eu não podia deixar de reconhecer que foste um verdadeiro cavalheiro – ao contrario do que se esperava da banda de cá, onde só se dizia que eu ia defrontar-me com o “maior sophista do seculo”, com o mais cynico de todos os bolxevistas.

Fizeste-me algumas interpelações que logo julguei cavillosas, é certo tive a franqueza e a coragem necessarias para t’o dizer immediatamente, mas os modos como as justificas-te e, sobretudo, os conceitos nobres que expendes-te a respeito das ideas que me orgulho de professar – e que tambem já foram o teu orgulho – tudo sobrelevaram, fazendo com que se arraigasse mais em mim a idea que já tinha de que renegaste o anarquismo “por te haveres convencido da necessidade e da inevitabilidade da dictadura proletaria – e não porque descrêsses da praticabilidade do anarquismo”.

Isso, meu distincto adversario, faz-te respeitavel. Não te illiba de ataques pessoaes, como não te isenta da responsabilidade que de facto te cabe como chefe que és dum partido que, embora rotulado de proletario, foi mais prejudicial aos trabalhadores organizados no primeiro anno de sua existencia, que todos os partidos e grupos politico-burgueses com quem o proletariado brasileiro tem sido obrigado a defrontar-se; mas recommendo-te de algum modo aos nossos olhos, aos meus proprios olhos, que por mais de uma vez teem vislumbrado nos teus actos, nas tuas acções de “politico avançado”, os actos e as acções vulgares de “qualquer politico”…

Tu te houveste bem, portas-te-te como um homem culto, interpelaste-me e respondeste-me como era de esperar de ti. E é para que tu saibas que não passou despercebido semelhante procedimento resolvi escrever-te, para te dizer isto mesmo, para testemunhar-te a minha admiração.

Sei que não se procede sempre assim. Quando longe dos teus adversarios, para te fazeres “de grande” ou para arranjares as coisas a teu geito, mentes, falseias os acontecimentos… Mas desta vez mereces-te palmas e eu bato-as satisfeito.

Dou-te as peralças a que tem direito. Se não t’as desse arrepender-me-hia disso…

Se por um lamentavel descuido é que não te escrevi há mais tempo. Confesso: fui um descuidado. E se não fosse o teu correligionario Octavio, aquelle boticario da General Camara de cujo nome inteiro não me lembro agora, talvez ainda hoje não deixasse saldada esta divida…

Não tens que ficar obrigado. O que aqui faço não é mais que prestar honra ao mérito…

Além disso, eu quero que conste este gesto.

Faço tanta questão disso como faço questão de fazer constar qual foi a tua attitude, quaes os teus modos, as tuas affirmações como bolxevista (desculpa por não te chamar communista), na controversia que tivemos.

Foste um homem! És ainda, creio, um distincto adversario (oxalá não deixes de sê-lo); e eu não quero que de modo algum sejas confundido com um dos mais recentes recipendiarios do P.C., a quem pretendo sovar, pondo ao léo as suas gaifrenas e nigromancias de governalhomaniaco…

Era só o que tinha a dizer-te o adversario sincero.

Matéria publicada na Secção Trabalhista do jornal A Pátria (Rio de Janeiro), no dia 19 de abril de 1923.

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COMMUNISTAS (BOLCHEVISTAS) CONTRA ANARQUISTAS

09 quinta-feira jul 2015

Posted by litatah in Anarco-Comunismo, Anarcosindicalismo, Anarquia, Análise de Conjuntura, Partidos, Institucionalidade,, Correntes da Anarquia, História

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A Pátria, anarco-comunismo, anarco-comunistas, anarcossindicalismo, anarquismo, anarquistas, anarquistas no Rio deJaneiro, autores anarquistas, bolchevista, COMMUNISTAS (BOLCHEVISTAS) CONTRA ANARQUISTAS, criminalização dos anarquistas, História, história da anarquia, História do Anarquismo, História Social, Marques da Costa, Núcleo de Pesquisa Marques da Costa, O Paiz, perseguição política a anarquistas, prisão de anarquistas

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Por Marques da Costa

Fonte: Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

A redacção da “A Patria” está sendo novamente assediada por cartas e recados, contendo ameaças ao “director” (?) desta secção a quem acusam de ser um refinado “anarquista”.

Não estranhamos nada disso. Há muito quem não nos “grame” neste posto e não são poucos os que têm tecido os seus “pausinhos” para conseguirem a minha substituição neste “rendoso” cargo…

O que estranhamos é que do meio de todos os que “estrilam” ninguem apareça a defender os anarquistas dos ataques e das emboscadas de que estão sendo victimas, por parte dos bolchevistas.

Ainda hontem, veio “um operario” (grifado e aspeado) protestando contra duas notas publicadas aqui por elementos bolchevistas. Por que?

E alega que há muitas secções de jornaes capazes de substituir a secção da “A Patria”…Por que alega isso?

Ora, que tolo!…

Já não há quem ligue a essas coisas, parecidas com ameaças!

As secções dos outros jornaes tambem soffrem do mesmo mal. A do “O Paiz”: Quanto ali se atesta contra os anarquistas e os bolchevistas!

Nem pode deixar de ser assim. Esta é que é a verdade!

A “Gazeta”, como “O Rebate”, tambem não nos poupa: casca em vós, bolchevistas, e em nós, anarquistas, sem dó nem piedade!

Por que? Simplesmente por isto: porque o seu redactor nem é uma coisa nem outra coisa.

Não é por isto mesmo?

Pois é! Podemos ter certeza.

Se lá estivesse um bolchevista – claro! – aí do lombo dos anarquistas!

Mas o caso, o mais importante deste caso, é que se me pretende responsabilizar pelo que os outros dizem! Não, isso não é sério!

Protesto!

Basta o que digo e o que faço, para a responsabilidade já não ser pequena.

Deixemo-nos destas intrigas, destas bisbilhotices e cartas anônimas! É feio, é ridículo e só prova que os argumentos reais e plausíveis são verdadeiramente poucos.

Matéria publicada na Secção Trabalhista do jornal A Pátria (Rio de Janeiro), no dia 26 de maio de 1923.

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CINEMA E ANARQUIA

17 quarta-feira jun 2015

Posted by litatah in Anarquia, Arte e Entretenimento, Cinema, História, Teoria

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Émile Cohl, cinema, cinema e anarquia, Georges Méliès, Hans Richter, História, história da anarquia, História Social, Jean Vigo, Man Ray, Meliés

 

photo of an old movie projector

photo of an old movie projector

Por Margarida Maria Adamatti

Fonte: Cine Cachoeira

Cinema-e-anarquiaNo fim de 2009, a Cinemateca Brasileira traduziu e publicou um livro sobre cinema e história, mas o trabalho não repercutiu como devia. Apesar dos deslizes da tradução (as notas de rodapé – mais de 400 – estão fora de ordem), o livro nos ensina muito sobre as dificuldades de quem se aventura a entender a forma cinematográfica em sua historicidade. Um trabalho equivalente a Cinema e Anarquia, feito no Brasil, seria de grande proveito para nossa pobre historiografia.

Georges Méliès, Émile Cohl, Man Ray, Hans Richter, Jean Vigo. Qual a ligação possível entre estes cineastas? O Anarquismo. Esta é a tese de Isabelle Marinone, professora da Université Paris 3, que publica originalmente no Brasil o livro Cinema e Anarquia – uma história “obscura” do cinema na França (1895-1935), com o apoio da Editora Azougue e da Cinemateca Brasileira, através da III Jornada Brasileira do Cinema Silencioso.

Marinone mapeou as influências anarquistas no imaginário e na produção de cineastas de idos de 1895 até 1935. A temática, pouco estudada até então, esclarece uma rede imbricada de relações, que contribuem para um novo olhar de uma história “obscura”, como ela define, do cinema francês. O ponto inicial é a concepção artística do movimento libertário de Pierre-Joseph Proudhon, que defendia a utilização do anarquismo na arte como forma de manutenção de todas as liberdades e para fazer desaparecer o princípio da autoridade ou das instituições.

A partir daí, o livro mapeia as ligações entre os ecos deste pensamento com os estilos cinematográficos ou com os trabalhos pioneiros de cineastas. Mais do que isso, a autora observa uma vontade de ruptura quando o ideário anarquista se misturou com o cinema. Ruptura pela forma, ou pelo conteúdo, ou pelos dois ao mesmo tempo. Não se trata de afirmar que Méliès ou Hans Richter eram anarquistas, mas de entender, a partir de ampla reconstituição de documentos de época, material de arquivo e textos da imprensa, o uso das representações do ideal libertário nos meios artísticos cinematográficos. Dessa maneira, a perspectiva microscópica e macroscópica liga a teoria sobre a arte como forma de incidir sobre a política. Como princípio norteador, a pesquisadora divide os cineastas em dois grandes grupos. O primeiro composto por militantes anarquistas engajados ou por descendentes de militantes, como Armand Guerra, Gustave Cauvin, Jean Vigo. O segundo, contendo os intelectuais com tendências libertárias, tais como Luis Buñuel, Émile Cohl, Man Ray e Georges Méliès.

Assim, Marinone traz à luz uma porção de informações desconhecidas pelo grande público que formalizam uma história do pensamento anarquista no cinema, não só como postura política, mas acima de tudo como postura artística e educadora. Desde a narração sobre a presença do líder sindicalista Paul Delesalle nas etapas da formalização dos testes do cinematógrafo de Lumière, até as informações sobre a decoração do Cabaret Noir, reduto dos Incoerentes. Lá, os garçons serviam os clientes vestidos de diabinhos, tema que pode ter dado inspiração ao frequentador da casa, Georges Méliès. Como, após a leitura do livro, não relacionar os diabinhos dos filmes de Méliès a uma influência do movimento Incoerente e do Cabaret Noir? Uma alusão singela que também pode ser indicativa do imaginário do período, não apenas do imaginário libertário, como bem aborda a autora. É como se Marinone revelasse histórias secretas até então, que readquirem um significado com outra dimensão.

Numa narrativa fragmentada dada à recorrência e intercâmbio de temas e histórias, não temos somente informações sobre anarquistas ligados ao cinema, mas uma possibilidade de renovar o papel do imaginário libertário no cinema. Esse tipo de estudo não é recorrente porque se trata de um trabalho ao mesmo tempo ancorado em ampla pesquisa histórica, mas também no princípio da incerteza e das possibilidades, longe das pretensões objetivas das narrações sobre as histórias do cinema. Trata-se de um tipo de investigação muitas vezes deixado de lado pela dificuldade, e há que se louvar a coragem, originalidade e trabalho de fôlego também pela recusa simples da objetividade mais óbvia. Em nenhum momento, a autora afirma categoricamente a influência em determinado plano de um filme com os ideais libertários, mas apresenta, num grau de complexidade muito maior, os pontos de contato do movimento anarquista com os cineastas a partir de uma nova perspectiva que relaciona política e arte libertária cinematográfica. Ao possibilitar o conhecimento do fazer cinema do movimento libertário, o livro contribui para o debate histórico do cinema de uma cinematografia desconhecida mesmo no seu país de origem.

O primeiro capítulo é dedicado à relação do anarquismo com as vanguardas europeias, duas em especial, o surrealismo e o dadaísmo. O sustentáculo para a comparação é o chamado Movimento dos Incoerentes, os “anarquistas da arte”. Criado em 1882 por Jules Levy, eles contestavam valores estabelecidos, sendo uma espécie de precursores do Surrealismo. Por esta via, Marinone relaciona o trabalho de duas duplas de cineastas. De um lado, Georges Méliès e Émile Cohl, de outro, Man Ray e Hans Richter. Ambos difundiram ideias próximas ao movimento libertário, embora Georges Méliès tenha tido uma relação menos próxima com os Incoerentes do que teve o pai do desenho animado, que participou da fundação do grupo. As similitudes são tomadas como indicativas do grau de conhecimento e influência que o imaginário anarquista possuía entre os intelectuais do período. A relação com o movimento libertário em Émile Cohl não se restringe à inspiração junto ao teatro de sombras do Chat Noir, local onde os Incoerentes se reuniam. Além da utilização de personagens e cenários em branco sobre fundo preto no primeiro desenho animado da história do cinema, Fantasmagoria (1908), característica do teatro de sombras, é possível aludir até a uma certa simpatia ao Bando Bonnot em Pieds-Nickelés (1918), onde se busca gerar a simpatia do público pelo grupo que invade o apartamento de um burguês para se divertir e consegue escapar da polícia fugindo, literalmente, pelo cano.

O tom simpático de Cohl em relação aos bandidos se repete na temática de Méliès em Pick-pocket et policeman (1899), temática onde é recorrente o bem perder para o mal. Sem tentar indicar análises pontuais de cenas para provar a relação com o movimento libertário, a autora relata a participação de Hans Richter no movimento anarquista com sua transferência da militância para a estética pictural e fílmica do dadaísmo. Já a opção de Man Ray passou pela formação numa escola de pintura libertária, e sua posterior definição como artista dadaísta foi acompanhada da adesão às teorias contestatórias e libertárias do movimento. Do lado surrealista, tanto a simpatia declarada de Luis Buñuel pelo anarquismo, quanto a reflexão individualista anarquista de Antonin Artaud são consideradas como formas de ir além das propostas do anarquismo na criação artística porque promoveram uma total inversão de valores.

Desviando-se da trajetória do movimento de vanguarda para o primeiro engajamento coletivo dos militantes anarquistas no cinema, Marinone concentra sua análise no estudo de caso do Cinema do Povo, que existiu na França entre 1913-1914. Tratou-se de uma tentativa pioneira de fazer cinema na forma de cooperativa, como forma de promover objetivos educacionais e humanos. A imagem inicial que os militantes tinham do cinema, como um propagador comercial de ideias capitalistas, se transforma em meio para difundir os ideais libertários e fornecer filmes de qualidade e reivindicatórios voltados aos operários. Fundador do Cinema do Povo, Gustave Cauvin foi pioneiro na formulação de uma teoria sobre o conteúdo social e o uso revolucionário do cinema, mas foi Armand Guerra, anarquista do teatro que deu o tom da produção. O primeiro e segundo filme do Cinema do povo, respectivamente As misérias da agulha (Les miseres de l’aiguille, 1913-14) de Raphäel Clamour, e Vítimas dos exploradores (Victimes des exploiteurs, 1913), abordam a exploração do trabalho feminino. Em ambos, não existe um príncipe encantado que tira as mulheres do ambiente social. Ao contrário, denuncia-se pela primeira vez de forma engajada a exploração feminina.

A Cooperativa Cinema do Povo negava o potencial do melodrama. Com postura inversa, buscava fazer o espectador reagir violentamente diante da situação proposta. Foi a primeira vez que se mostrou e valorizou no cinema a emancipação da mulher e o refúgio no sindicalismo e na organização libertária. A produção se encerra com O velho doqueiro (Le vieux docker) de Armand Guerra, que tem como tema o desemprego de um velho trabalhador após trinta anos de trabalho, mas não sem antes passar pelo filme A Comuna (La Commune,1914) do mesmo diretor. Planejado para ter duas partes, apenas o episódio da Comuna de Paris foi gravado, incluindo o registro documental dos sobreviventes da Insurreição.

Marcados pela falta de recursos e sem tempo suficiente para se firmar como teoria de cinema, a Cooperativa Cinema do Povo encerra suas atividades ainda em 1914 com a chegada da Segunda Guerra Mundial. As razões econômicas que ocasionam seu naufrágio não impediram que este cinema ainda incipiente em forma e conteúdo marcasse o surgimento de um cinema militante de base associativa na França.

A última parte do livro é dedicada a um estudo sucinto do cinema de Jean Vigo e de sua relação com o movimento anarquista por meio de seu pai, Miguel Almereyda, notório militante anarquista. Sem pretender se estender no tema, já abordado por Paulo Emilio Salles Gomes em Jean Vigo, a autora realiza uma leitura de O atalante (1934) como concretização da utopia libertária presente na destruição das instituições em Zero de comportamento (1933), transmutada na forma de indivíduos libertários nômades que são conduzidos apenas pela água e liberdade, numa barcaça sem rumo predeterminado. Partindo da possibilidade de Vigo ter visto o filme Inverno! Prazer dos ricos! Sofrimento dos pobres! (L’Hiver plaisir des riches, soufrances des pauvres), de Armand Guerra, quando acompanhava seu pai nas projeções do Cinema do Povo, ela atenta para um ponto de convergência temática de À Propósito de Nice (1930) com os temas da Cooperativa.

Ao ler o trabalho, fica a questão: qual a diferença da produção cinematográfica do Cinema do Povo com a dos regimes totalitários? A resposta é simples: a emoção e manipulação da realidade. Apesar de não ter tido tempo suficiente para se concretizar enquanto teoria cinematográfica, o Cinema do Povo não pretendeu “manipular”, no primeiro sentido do termo, a realidade na forma mais óbvia, mas tornar os indivíduos mais críticos em relação ao sistema em que viviam. Longe de almejar a aproximação com o público através da emoção melodramática, estes filmes procuravam fazer pensar sobre a sociedade, e de melhorar as condições de vida do proletariado. Antes mesmo do engajamento de alguns cineastas com o cinema social, o Cinema do Povo conseguiu levar a cabo este sonho. Tem-se assim um novo espectro que possibilita pensar numa nova esfera sobre as relações entre política e movimentos artísticos, não apenas sobre a produção dos regimes totalitários, mas também na produção libertária no cinema.

Acima de tudo, o que o livro busca provar é a relação entre alguns importantes avanços do cinema com as influências e pontos de contato do ideário anarquista. A partir da necessidade de liberdade suprema do movimento libertário, a autora demonstra a tentativa dos anarquistas da arte de romper com todas as barreiras, romper com a linguagem e com a forma. Daí a originalidade do estudo e relevância do movimento libertário nas artes, que possibilitou formas de engajamento, que por sua vez permitiram diversos avanços no cinema, avanços estes que partiram primeiro de um movimento político. Deste cinema multifacetado, liberto e admirado por todos pelas rupturas, a autora traz as conexões esquecidas e possíveis com o anarquismo. Deste cinema de vanguarda e educador, ela lembra a opção consciente pelos trabalhadores.

 

Cinema e Anarquia. De Isabelle Marinone. Rio de Janeiro, Azougue Editorial/Cinemateca Brasileira, 2009.

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Alexander Berkman – Algumas Remniscências de Kropotkin

16 terça-feira jun 2015

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Fonte: Literatura Anarquista

Isso foi por volta de 1890, quando o movimento anarquista na América ainda estava em sua infância. Até então contávamos com apenas meia-dúzia de jovens ardendo de entusiasmos por um sublime ideal,  disseminando apaixonadamente a boa nova entre a população de New York Ghetto. Nossas reuniões eram realizadas num obscuro salão na Orchard Street, mas considerávamos aqueles esforços altamente bem-sucedidos . Toda semana compareciam às reuniões um número cada vez maior de pessoas, manifestando um profundo interesse nos ensinamentos revolucionários, e ali eram debatidas noite adentro as questões mais vitais  com profunda convicção e visão jovial. Para muitos de nós, parecia que o capitalismo havia alcançado os limites de suas possibilidades demoníacas e a Revolução Social não poderia estar muito distante. Mas havia também um grande número de questões  e problemas intricados e difíceis de resolver envolvidos no crescimento do movimento, os quais já não conseguíamos resolver satisfatoriamente sozinhos. Desejávamos que nosso grande professor Kropotkin estivesse entre nós, ao menos por uma breve visita, a fim de esclarecer alguns pontos mais complexos e assim tirarmos proveito de sua inspiração e apoio intelectual. E então, quanto estímulo sua presença atrairia para o movimento!

Decidimos reduzir os custos de vida ao mínimo e devotar todos os ganhos para custear as despesas que envolviam o convite  de Kropotkin a uma viagem ao redor da América. O assunto foi debatido entusiasticamente nas reuniões do grupo pelos mais ativos e devotados camaradas; todos eram unânimes no grande plano. Uma longa carta foi enviada, convidando nosso professor a participar de um circuito de conferências na América, enfatizando a necessidade de sua presença.

Sua resposta negativa deu-nos um choque: tão certos que estávamos de sua aceitação, tão convencidos da necessidade de sua visita. Mas a admiração que sentíamos por ele apenas cresceu quando ouvimos as razões de sua recusa. Ele desejaria muito poder nos visitar– escreveu Kropotkin – e apreciava profundamente o espírito de nosso convite. Esperava visitar os Estados Unidos algum dia no futuro e sentiria grande prazer em estar junto à tão bons camaradas. Mas naquele momento, não poderia custear sua vinda por conta própria e não usaria o dinheiro do movimento para tal propósito.

Eu ponderei sobre suas palavras. Seu ponto de vista era justo, eu pensava, mas se aplicava apenas a circunstâncias ordinárias. Seu caso, no entanto, eu considerava excepcional, e lamentava profundamente a sua decisão de não vir. Mas para mim, suas razões simbolizavam a humanidade e a grandeza de sua natureza. Eu o imaginava como o ideal do revolucionário anarquista.

Anos depois, enquanto estava na Western Penitentiary of Pensylvania, a esperança de encontrar nosso Velho e Grande Kropotkin iluminou as trevas de minha cela alguns instantes. Amigos me notificaram que Peter havia chegado ao Estados Unidos pelo Canadá, onde havia participado de certo congresso de cientistas. Fui informado que Peter pretendia me fazer uma visita, e então passei a contar os dias e as horas aguardando  sua tão esperada vinda. Mas, ai!, a sorte concorria contra o encontro com meu professor e camarada. Ao invés de ser chamado para ter com meu querido visitante, fui solicitado pelo gabinete do Guarda*. Suas mãos seguravam uma carta na qual reconheci a nítida e pequena assinatura de Peter. Sobre o envelope, após o meu nome, Kropotkin havia escrito “Prisioneiro Político”.

O Guarda ficou furioso. “Não existem prisioneiros políticos em nosso país livre!”, ele rugiu. E de repente rasgou o envelope em pedaços. Eu enlouqueci com tal profanação. E pronunciei em seguida um caloroso argumento sobre a liberdade americana, no decurso do qual acabei chamando o Guarda de mentiroso. Ele considerou o fato como lesa majestade e exigiu que eu lhe pedisse desculpas. Recusei. O resultado foi que ao invés de encontrar Peter, fui sentenciado a 7 dias de solitária, numa cela de dois por quatro pés, absolutamente escura, 15 pés abaixo da terra, tendo uma mísera fatia de pão como ração diária.

Isso foi por volta do ano de 1895. Nos anos seguintes, Peter Kropotkin visitou a América repetidas vezes, mas nunca tive a oportunidade de vê-lo, sobretudo porque cumpria pena, na qual por dez anos fui privado de visitas e não me sendo permitido ver quem quer que seja. Um quarto de século teve de se passar antes que eu pudesse tomar as mãos da minha companheira entre as minhas. Foi na Rússia, em março de 1920 que me encontrei com Kropotkin pela primeira vez. Ele residia em Dmitrov, uma cidadezinha à 60 verats de Moscou. Eu me encontrava então em Petrogrado (Leningrado), e as condições da ferrovia eram tais que viajar do Norte à Dmitrov estava fora de cogitação. Depois, tive oportunidade de visitar Moscou, onde fiquei sabendo que o Governo havia arranjado uma visita para o editor do London Daily Herald, George Lansbury e um de seus colaboradores à Kropotkin em Dmitrov. Juntamente aos camaradas A. Schapiro e Emma Goldman, tirei proveito da situação.

O encontro com “celebridades” é geralmente desapontador: raramente a realidade bate com a figura de nossa imaginação. Mas no caso de Kropotkin não foi assim; ambos fisicamente e espiritualmente ele correspondia quase  exatamente ao retrato mental que eu possuía dele. Aparentava notoriedade como em sua fotografia, com seu olhar amável, seu sorriso doce e sua barba farta. Cada vez que Kropotkin adentrava a sala, parecia iluminá-la com sua presença. Sua marca de idealista era tão impressionante que a espiritualidade de sua personalidade podia quase ser sentida. Mas chocava-me a visão de seu definhamento e debilitamento.

Kropotkin recebia a merenda acadêmica, consideravelmente superior à ração destinada aos cidadãos comuns. Mas longe do suficiente para manter-se vivo era uma verdadeira batalha para afugentar o lobo da fome porta afora. Questões de gasolina e iluminação também eram matéria de agitação constante. Os invernos eram severos e a madeira muito escassa; querosene difícil de conseguir, e era considerado luxúria queimar mais do que uma lamparina por casa. Esta carência era particularmente sentida por Kropotkin; e gravemente interferiu em seu labor literário.

A família de Kropotkin foi desalojada de sua residência em Moscou diversas vezes, pois as dependências eram requisitadas [sic] a fins governamentais. Foi então que se decidiram mudar para Dmitrov. Ficava apenas à meia centena de verats da capital, se bem que poderia distar mil milhas, tamanho  o isolamento em que vivia Kropotkin. Seus amigos raramente podiam visitá-lo; notícias do mundo Ocidental, trabalhos científicos, ou publicações estrangeiras eram inalcançáveis. Naturalmente, Kropotkin sentia profundamente a falta de companhia intelectual e relaxamento mental.

Eu estava ansioso para me instruir acerca de suas perspectivas sobre a situação da Rússia, mas logo entendi que Peter não se sentia livre para se expressar na presença dos visitantes ingleses. A conversação, portanto, foi de caráter geral. Mas uma de suas observações foi muito significativa e me deu a chave de sua atitude. “Eles mostraram”, disse ele se referindo aos Bolcheviques, “como a Revolução não deve ser feita”. Eu sabia, naturalmente, que enquanto anarquista, Kropotkin não aceitaria nenhuma posição de Governo, mas queria saber o porque dele não participar da reconstrução econômica da Rússia. Apesar de velho e fraco fisicamente, suas sugestões e conselhos poderiam ser muito úteis à Revolução, e sua influência de grande vantagem e encorajamento para o movimento anarquista. Acima de tudo, eu tinha interesse em escutar suas idéias positivas sobre a conduta da Revolução. Pois o que tinha ouvido até então da oposição revolucionária, em sua maioria, eram apenas críticas, carecendo da útil construtividade.

Aquela manhã se passou numa conversa desconexa sobre as atividades no front, sobre o crime do bloco aliado em recusar remédios aos doentes e a disseminação de doenças como resultado das condições insalubres e da escassez de alimentos. Kropotkin aparentava cansaço, parecia exausto pela mera presença dos visitantes. Estava velho e fraco; e eu temia que, sob tais condições, não conseguisse viver por muito mais tempo. Estava claramente subnutrido, embora tenha dito que os anarquistas da Ucrânia tentavam tornar sua vida mais fácil, enviando suprimentos de farinha e outros produtos. Quando Makhno ainda mantinha relação amigável com os Bolcheviques, também se habilitou a enviar provisões. Para Peter não se cansar tanto, o deixamos a sós mais cedo.

Alguns meses depois, tive outra chance de visitar nosso velho camarada. Era verão e Peter parecia ter rejuvenescido com a ressurreição da Natureza. Parecia mais jovem, com boa saúde e cheio de espírito de juventude. Sem a presença de estranhos, como o jornalista inglês, ele se sentia em casa, e conversávamos livremente sobre as condições russas e sobre suas atitudes e perspectivas para o futuro. Era o genial e Velho Peter novamente, com um refinado senso de humor, afiadas observações e a mais generosa humanidade. Em primeiro momento ele repreendeu-me pela postura anti-Guerra, mas rapidamente mudou o assunto para canais menos periculosos. A Rússia era o nosso principal ponto de discussão. As condições eram terríveis, como todos concordavam, e a Ditadura era o maior dos crimes Bolcheviques. Mas não havia razão para perder a fé, ele me assegurava. A Revolução e as massas são maiores do que qualquer Partido político e suas maquinações. Este último poderia triunfar temporariamente, mas o coração das massas russas era incorruptível e chegaria por si mesma ao claro entendimento do mal da Ditadura e da tirania Bolchevique. A atual vida russa, dizia ele, é uma condição artificial forçada pela classe governante. O governo de um pequeno Partido, assentado sobre falsas teorias, métodos violentos, erros medonhos e ineficácia geral. Eles estavam suprimindo a expressão da vontade e iniciativa do povo, que sozinhas bastariam para reconstruir a arruinada vida econômica do país. A estúpida atitude dos Poderes Aliados, o bloqueio e os ataques à Revolução pelos intervencionistas ajudavam a reforçar o poder do regime Comunista. Mas as coisas mudariam quando as massas despertassem para a compreensão de que ninguém, nenhum Partido político ou grupelho governamental, deveria ter a permissão de, no futuro, monopolizar a Revolução, controlá-la, ou dirigi-la, pois tal intento resultaria inevitavelmente na morte da própria revolução.

Naquela ocasião, discutimos várias outras fases da Revolução. Kropotkin enfatizava particularmente o lado construtivo das revoluções, especialmente que a organização da vida econômica deveria ser tratada como a primeira e a maior necessidade de uma revolução, como fundamento de sua existência e de seu desenvolvimento. Este pensamento, ele quis imprimir mais forçosamente nos próprios camaradas, para que servisse de guia nas grandes batalhas vindouras do proletariado internacional.

Minhas visitas a nosso querido Peter foram um  enorme prazer intelectual e espiritual . Eu estava de partida da Ucrânia em direção a uma longa viagem em prol do Museu da Revolução de Petrogrado, mas ainda esperava muitas outras visitas a nosso velho e bravo professor de coração e cérebro tão maravilhosos. Não era para ser. Ele morreu alguns meses depois, em 8 de fevereiro de 1921. Só pude alcançar seu leito de morte a tempo de dizer meu último adeus. Um grande Homem, um grande anarquista havia partido.

Nota do Editor: 

* O Guarda (The Warden) é o governador da prisão e seu ditador absoluto.

This page has been accessed by visitors outside of Pitzer College times since February 12, 2000.
This manuscript is part of the International Institute of Social History’s Alexander Berkman Archive and appears in Anarchy Archives with IISH’s permission.

Atualizado: 03/07/2011

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Emma Goldman & Alexander Berkman – Sacco e Vanzetti

04 quinta-feira jun 2015

Posted by litatah in #desarquivandobr, Alexander Berkman, Anarco-Comunismo, Anarcosindicalismo, Anarquia, Anti Capitalismo, Anti Fascismo, Antirracismo, Ditadura Argentina, Ditadura Franquista, Emma Goldman, Emma Goldman & Alexander Berkman, Experiências anarquistas, Fascismo, História, Internacional anarquista, Manifestações, Mártires da Luta, Organização de base, Perseguição política, Perseguição política a anarquistas, Prática, Presos Políticos, Presos políticos, Repressão, Sacco e Vanzetti, Teoria

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Alexander Berkman, anarquia, Emma Goldman, História, história da anarquia, História Social, manifestantes presos, presos, presos político, presos políticos, Sacco & Vanzetti, Sacco e Vanzetti

alastrosFonte: Literatura Anarquista

Os nomes do “bom sapateiro e do pobre peixeiro” já cessaram de representar meramente dois trabalhadores italianos. Por todo o mundo civilizado, Sacco e Vanzetti se tornaram símbolos, o shibboleth* da Justiça esmagada pela Força. Esse foi o grande significado histórico desta crucificação do século XX, e as palavras de Vanzetti foram verdadeiramente proféticas ao declarar “O último momento pertence a nós – essa agonia é o nosso triunfo”.

Sempre ouvimos as pessoas falarem a respeito de um grande progresso, querendo dizer com isso melhorias de vários tipos, na maior parte das vezes descobertas salva-vidas ou invenções poupa-trabalhos, quando não, reformas na vida política e social. Mas todas estas coisas podem ou não representar um avanço real, pois as reformas não significam necessariamente progresso.

É inteiramente falsa e viciosa a concepção de que a civilização consistiria de mudanças políticas ou mecânicas. Por si mesma, nenhuma melhoria indica progresso real: ela simplesmente simboliza o seu resultado. A verdadeira civilização, o progresso real consiste em humanizar a humanidade, em fazer do mundo um lugar decente para viver. Desse ponto de vista, apesar de todas as reformas e aperfeiçoamentos, ainda estamos muito distantes de sermos civilizados.

O verdadeiro progresso é uma luta contra a inumanidade de nossa existência social, contra a barbaridade das concepções dominantes. Em outras palavras, o progresso é uma luta espiritual, uma luta para libertar o homem de sua herança bestial, de sua condição primitiva de crueldade e medo. Romper os grilhões da superstição e da ignorância; libertar o homem do apego às idéias e práticas escravizantes; extinguir a escuridão de seu espírito e o terror de seu coração; levantando-o de sua postura abjeta à estatura plena do homem – essa é a missão do progresso. Só assim o homem, individual e coletivamente, se tornará verdadeiramente civilizado e nossa vida social mais proveitosa e humana.

Esta luta é a que traça a história real do progresso. Seus heróis não são Napoleões nem Bismarcks, nem generais nem políticos. Seu caminho foi trilhados pelas valas-comuns dos Saccos e Vanzettis da humanidade, por aqueles agraciados com o auto-da-fé, as câmaras de tortura, os cadafalsos e a cadeira elétrica. À estes mártires da liberdade e da justiça são a quem devemos o pouco de civilização e progresso real que temos hoje.

O aniversário da morte de nossos camaradas, portanto, de maneira alguma representa uma ocasião de luto. Pelo contrário, deveríamos nos regozijar, pois neste tempo de degradação e depreciação, de histeria por conquista e ganho a qualquer custo, ainda existem homens que ousam desafiar o espírito dominante e levantar a  sua voz contra a inumanidade e a reação: Que ainda há homens que mantém as chamas da razão e da liberdade acesas, e que possuem a coragem de morrer, e de morrer triunfalmente, pela sua ousadia. Pois Sacco e Vanzetti morreram, como todo mundo sabe hoje, porque eram anarquistas. Isto é, porque pregavam e acreditavam na fraternidade e na liberdade humana. E como tais, não podiam esperar receber nem justiça, nem humanidade. Por elas, os Mestres da Vida perdoariam qualquer crime ou ofensa, mas nunca um intento de minar sua segurança diante das massas. Portanto Sacco e Vanzetti tiveram que morrer, não obstante os protestos ao redor do mundo. Mas Vanzetti estava certo ao declarar que sua execução seria seu maior triunfo, pois por toda a história os mártires do progresso é que triunfaram ultimamente. Onde estão os Césares e Torquemadas de hoje em dia? Quem se lembrará do nome dos juízes que condenaram Giordano Bruno e John Brown? Os Parsons, os Ferrers, os Saccos e Vanzettis vivem eternamente e seus espíritos ainda marcham.

Que nenhum desespero entre em nossos corações diante dos túmulos de Sacco e Vanzetti. O que a eles devemos pelo crime de permitir que sua execução acontecesse é manter sua memória verde e o estandarte do seu ideal anarquista ao alto. E que nenhum míope pessimista confunda e desconcerte os verdadeiros fatos da história do homem, de sua ascensão à maior humanidade e liberdade. Na longa batalha das trevas à luz, na antiga luta por maior liberdade e bem-estar, foram os rebeldes, os mártires que venceram. A escravidão cedeu, o absolutismo foi suplantado, o feudalismo e a servidão passaram, os tronos foram suprimidos para as repúblicas se estabelecerem em seu lugar. Inevitavelmente, foram os mártires e suas idéias que triunfaram, apesar de todos os cadafalsos e cadeiras elétricas. Inevitavelmente, os povos, as massas é que venceram seus mestres, e agora mesmo as tantas fortalezas da Força, do Capital e do Estado, estão sob ameaça. A Rússia nos mostrou a direção do progresso com a sua tentativa de eliminar ambos os mestres, políticos e econômicos. Mas esse experimento inicial fracassou, pois como todas as grandes revalorações sociais demandam repetidos esforços para sua concretização. Mas esse magnificente fracasso histórico é similar ao martírio de Sacco e Vanzetti – é o símbolo e a garantia do triunfo final.

Contudo, para que seja claramente lembrado; nos primeiros intentos nas mudanças sociais fundamentais, o fracasso sempre se deve ao falso método de tentar estabelecer o Novo pelas práticas e meios do Velho. O Novo só pode conquistar por meio de seu próprio espírito novo. Tirania vive pela supressão; Liberdade medra em liberdade. O erro fatal da grande Revolução Russa foi tentar estabelecer novas formas de vida social e econômica sobre o velho fundamento de coerção e força. O pleno desenvolvimento da sociedade humana acontece longe da coerção e do governo, longe da autoridade, e em direção a maior liberdade e independência. Nessa luta, o espírito da liberdade foi vencido. Mas na mesma direção reside o êxito. A história mostra, e a Rússia é a demonstração recente mais convincente disso. Que, então, aprendamos a lição e que estes grandes esforços em prol de um novo mundo de humanidade e liberdade nos inspirem, e que o triunfal martírio de Sacco e Vanzetti possa nos dar grande força e coragem nesta luta estupenda.

França: Julho, 1929

Notas do Tradutor:

* Shibboleth é palavra hebraica, do vocabulário bíblico, significa divisa, racha, para demarcar e separar. N.T.

Disponível em: <http://theanarchistlibrary.org/sacco-and-vanzetti&gt;. Acesso em: 21 nov. 2009, 16:20:01.
Notes: Published in The Road to Freedom (New York), Vol. 5, Aug. 1929. Source: Retrieved on March 15th, 2009 from http://sunsite.berkeley.edu/Goldman/Writings/Essays/sacco.html

Revisado: 07/07/2011

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Makhno e Lênin: um diálogo histórico

31 domingo maio 2015

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anarco-comunismo, anarco-comunistas, anarquia, Bolcheviques, história da anarquia, Lênin, Makhno, Makhnovistas, Revolução Russa

494071Fonte: Nestor Mahkno

Por Nestor Makhno


Introdução de Volin: No verão de 1918, quando a Ucrânia foi invadida pelos exércitos austríaco e alemão, Makhno teve que marchar à Rússia central e aproveitou sua estadia em Moscou para debater e dialogar com algumas das personalidades mais destacadas e conversar sobre a luta e a revolução que se desenvolviam. Entre elas figurava Lênin.

A entrevista foi agendada por Sverdlov, um dos membros mais proeminentes do bolchevismo russo, cujos conselhos Lênin sempre atendia, considerando-o como seu mentor em assuntos referentes aos potenciais aliados políticos internos. Na época do debate, Sverdlov era o presidente do Comitê Executivo Pan-Russo dos Sovietes e, concedendo muita importância à personalidade de Makhno, se ocupou pessoalmente de todo o necessário para que este pudesse encontrar-se com Lênin. A conversa teve lugar no Kremlin, diante de Sverdlov, e durou cerca de duas horas. Aqui está como a descreve o próprio Makhno:

Lênin, que se interessava muito sobre o que acontecia na Ucrânia, ocupada pelos exércitos invasores, me perguntou várias vezes sobre a atitude dos camponeses ucranianos e, sobretudo, queria saber como haviam recebido localmente os camponeses da Ucrânia o lema “Todo Poder aos Sovietes”. Expliquei que os camponeses interpretaram este lema à sua maneira. Segundo eles, “Todo Poder Aos Sovietes” queria dizer que o poder, em todos seus aspectos, devia se exercer diretamente com o consentimento e vontade dos trabalhadores; que os sovietes dos deputados, operários e camponeses, locais e regionais, não eram outra coisa que as unidades coordenadoras das forças revolucionárias e da vida econômica, enquanto durasse a luta que os trabalhadores sustentavam contra a burguesia e seus aliados, os social-revolucionários de direita e seu governo de coalizão.

– Você crê que esta interpretação é adequada? – me perguntou Lênin

– Sim – respondi.

– Neste caso, o campesinato daquela região está infestado pelo anarquismo.

– Isto é mau?

– Não quero dizer isso, ao contrário. Isto me causaria regozijo, pois adiantaria a vitória do comunismo sobre o capitalismo e seu poder.

– Isto é muito lisonjeiro para mim – insinuei.

– Não, não, volto a afirmar seriamente que um fenômeno desta natureza, na vida dos camponeses adiantaria a vitória do comunismo sobre o capitalismo; mas eu creio que este fenômeno, no campesinato, não é natural. Foi introduzido em suas fileiras pelos propagandistas anarquistas e pode ser prontamente esquecido. Até estou predisposto a crer que este espírito, não organizado, ao ver-se sob os golpes da contra-revolução triunfante, já desapareceu.

Adverti a Lênin que um grande líder não podia ser pessimista nem cético, e depois de conversar sobre vários temas, me perguntou que pensava fazer em Moscou, ao que respondi que não tinha intenção de ficar naquela capital, mas de regressar à Ucrânia.

– Você irá à Ucrânia clandestinamente?- me perguntou.

– Sim – respondi.

Lênin, dirigindo-se ao camarada Sverdlov, disse:

– Os anarquistas sempre estão dispostos a toda classe de sacrificios; são abnegados, mas também cegos e fanáticos. Deixam escapar o presente por um futuro distante.

Voltando-se para mim, pediu que não me desse por citado nestas palavras.

– A você, camarada, – afirmou – considero como um homem realista, que está preocupado com os problemas atuais. Se na Rússia tivéssemos pelo menos uma terça parte desta classe de anarquistas, nós, os comunistas, estaríamos dispostos a colaborar com eles, sob certas condições, em prol da livre organização da produção.

Adverti que começava a estimar a Lênin, a quem até fazia pouco tempo havia considerado como o culpado pela destruição de todas as organizações anarquistas de Moscou, o que foi o sinal para destruir as de outras muitas capitais da Rússia. Em meu interior começava a envergonhar-me de mim mesmo e buscava rapidamente uma resposta adequada. Disse o seguinte:

– Todos os anarquistas apreciam muito a Revolução e suas conquistas. Isto demonstra que, neste sentido, todos somos iguais.

– Não me diga isto – retrucou, rindo, Lênin – Nós conhecemos os anarquistas tanto como você mesmo os conhece. A maioria deles, ou não pensam nada sobre o presente, ou pensam bem pouco, apesar da gravidade da situação. E para um revolucionário é vergonhoso não tomar resoluções positivas sobre o presente. A maioria dos anarquistas pensam e escrevem sobre o porvir, sem entender o presente. Isto é o que nos separa a nós, os comunistas, dos anarquistas.

Ao pronunciar esta última frase, Lênin se levantou da cadeira, e passeando pelo salão, acrescentou:

– Sim, sim: os anarquistas são fortes nas idéias sobre o porvir, mas no presente não pisam terreno firme e são deploráveis, já que não tem nada em comum com este presente.

A tudo isto respondi a Lênin que eu era um camponês semi-analfabeto e que sobre aquele abstrato assunto dos anarquistas, tal como ele me expunha, não sabia discutir. Mas disse:

– Suas afirmações, companheiro Lênin, de que os anarquistas não compreendem o presente e que não têm nenhuma relação com ele, são equivocadas. Os anarco-comunistas da Ucrânia (ou do sul da Rússia, como dizem vocês, bolcheviques) têm dado já demasiadas provas que demonstram sua compenetração com o presente. Toda a luta revolucionária do povo ucraniano contra a “Rada” [governo burguês] Central da Ucrânia se tem levado sob a direção das idéias anarco-comunistas e também, em parte, sob a influência dos Social-Revolucionários, os quais – há que dizer a verdade – ao lutar contra a “Rada” Central, tinham finalidades muito distintas das nossas. Nos vilarejos da Ucrânia quase não existem bolcheviques, e ali onde há alguns, sua influência é nula. Quase todas as Comunas Agrícolas tem sido criadas por iniciativa dos anarco-comunistas. A luta armada do povo da Ucrânia contra a reação e, muito especialmente, contra os exércitos expedicionários austríacos, alemães e húngaros, foi iniciada e organizada sob a ideologia e direção dos anarco-comunistas. A verdade é que vocês, tendo em conta os interesses de vosso partido, encontram inconvenientes para reconhecê-lo; mas tudo isto são fatos inegáveis. Vocês sabem muito bem a qualidade e a capacidade combativa de todos os destacamentos revolucionários da Ucrânia. Não em vão sublinharam o valor com que aqueles destacamentos tem defendido nossas conquistas revolucionárias. Pois bem: mais da metade deles vão à luta sob a bandeira anarquista. Os chefes de destacamento como Makrousov, Nikiforoba, Cheredniak, Garen, Chernyak, Luñev (e muitos outros cuja relação seria demasiado prolixo fazer), são anarquistas-comunistas. Não falo de mim pessoalmente, como tampouco do grupo ao qual pertenço, mas daqueles destacamentos e batalhões, voluntários para a defesa da Revolução, os quais tem sido criados por nós e não podem ser desconhecidos por vossos altos comandos do Exército e da Guarda Vermelha. Tudo isto demonstra o quão equivocadas são as suas manifestações, camarada Lênin, de que nós, os anarquistas, somos incorrigíveis e débeis no “presente”; apesar de que nos agrada muito pensar no porvir. O que foi dito demonstra a todos, e também a você, que nós, os anarco-comunistas, estamos compenetrados com o presente, trabalhamos nele, e precisamente na luta buscamos a aproximação do futuro, sobre o qual pensamos muito e seriamente. Sobre ele não pode caber dúvida. Isto é, precisamente, todo o contrário da opinião que têm vocês de nós.

Naquele momento olhei para o presidente do Comitê Central Executivo dos Sovietes, Sverdlov, que havia corado. Lênin, abrindo os braços, me disse:

– Pode ser que eu esteja equivocado.

– Sim, sim! – adverti – Neste caso, você tem estas opiniões sobre os anarquistas porque está muito mal-informado da realidade na Ucrânia, e porque tem, todavia, as piores informações sobre o papel que nós desempenhamos na mesma. Pode ser que gente do seu próprio partido tenha interesse em nos denegrir, para fazer avançar sabe lá que espécie de propósitos inconfessáveis…

– Pode ser. Eu não nego. Todo homem pode equivocar-se, muito especialmente em uma situação como esta, em que nos encontramos nestes momentos – disse Lênin, terminando a conversa sobre o tema.” 

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A Reação na Alemanha (1842)

31 domingo maio 2015

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M.-Bakunin_reference

Por Bakunin

Fonte: Arquivo Bakunin

BAKUNINE, Miguel. A reação na Alemanha.In: Cadernos Peninsulares, Nova Série, Ensaio 17.  Tradução: José Gabriel. Portugal: Editora Assírio & Alvin, 1976. Pags. 105-127


OS ADVERSÁRIOS DA LIBERDADE


Liberdade, realização da liberdade: quem pode negar que estas palavras estão agora à cabeça da ordem do dia da história? Amigos e inimigos reconhecem-no apesar de tudo, e ninguém ousa declarar-se abertamente e audaciosamente adversário da liberdade. Mas falar de alguma coisa e reconhecê-la não lhe dá uma existência real, e isto, o evangelho, sabe-o bem
[1]; na realidade, há infelizmente ainda uma multidão que, verdadeiramente, não acredita do mais profundo do seu coração, na liberdade. Vala a pena, no interesse desta causa, ocuparmo-nos deles. Pertencem a tipos muito diferentes: encontramos, em primeiro lugar, pessoas bem colocadas, carregadas de anos e de experiência que, na sua juventude, eram mesmo diletantes da liberdade política; um homem rico e distinto encontra, na realidade, um certo prazer requintado em falar de liberdade e de igualdade, o que o torna, além do mais, duplamente importante na sociedade. Mas como não mais podem agora gozar a vida como no tempo da sua juventude, procuram dissimular o seu enfraquecimento físico e intelectual sob o véu da “experiência” — uma palavra tanta vez enganadora —: é perder tempo falar com estas pessoas; nunca levaram a liberdade a sério, nunca a liberdade foi para eles a religião que só conduz aos maiores prazeres e à felicidade suprema pela via das mais terríveis contradições, ao preço dos mais cruéis sofrimentos e da abnegação total e sem reservas. Verdadeiramente não há algum interesse em discutir com eles, porque são velhos e, assim, apesar de tudo, morrerão brevemente.

Mas também há infelizmente muitas pessoas jovens que partilham com as pessoas do primeira grupo as mesmas convicções, ou antes, a ausência de toda a convicção. Pertencem na maior parte, a essa aristocracia que pela sua natureza está marcada desde há muito tempo, na Alemanha, pela morte política, seja a classe burguesa e comerciante, seja a dos funcionários. Com eles não há nada a empreender, e menos ainda com as pessoas judiciosas e experimentadas da primeira categoria que têm já um pé no túmulo. Os últimos tinham ao menos uma aparência de vida, enquanto que os outros são de nascença seres inexistentes, homens mortos. Estão todos embaraçados nos seus interesses sórdidos de vaidade ou do dinheiro e unicamente preocupados com os seus quotidianos, ignoram mesmo tudo da vida e o que se passa á volta deles, a ponto que, se não tivessem ouvido falar um pouco na escola da história e da evolução das ideias, acreditariam provavelmente que o mundo nunca teria sido outro do que é agora. São naturezas mortas, sombras que não podem ser nem úteis, nem nocivas; não temos nada a temer delas, porque só o que é vivo é que pode agir e como já passou de moda ter comércio com sombras, não queremos perder o nosso tempo com eles.


Mas há ainda uma terceira categoria de adversários do princípio da Revolução: é o partido reaccionário surgido pouco depois da Restauração em toda Europa e que se chama conservadorismo em política, escola histórica na ciência do direito, e filosofia positiva nas ciências especulativas. Temos a intenção de discutir com este partido, e seria absurdo da nossa parte, ignorar a sua existência e considerá-lo como insignificante; reconhecemos ao contrário, sinceramente que é agora, em todo o lado, o partido dirigente, e, bem mais, estamos prestes a conceder-lhe que a sua força presente não é um jogo do acaso, mas que tem as suas raízes profundas na evolução do espírito moderno. Em geral, não reconheço, ao acaso, uma influência real sobre a história; a história é um desenvolvimento livre, mas também necessário, do pensamento livre, de maneira que se atribuísse, ao acaso, a preponderância actual do partido reaccionário, eu prestaria o pior serviço à profissão de fé democrática que se funda unicamente sobre a liberdade absoluta do pensamento. Isto seria tanto mais perigoso, para nós, de nos adormecer numa quietude nefasta e mentirosa, que infelizmente, até ao presente, estamos ainda muito longe de compreender a nossa situação. Perigo tanto maior que, no desconhecimento, o que não é muito frequente, da verdadeira origem da nossa força e da natureza do nosso inimigo, acabrunhados pelo triste espectáculo da vulgaridade, nós podemos perder toda a nossa coragem, ou — o que é talvez, pior — como o desespero não pode durar num ser cheio de vida, restar atormentado por um temor injustificado, infantil e estéril.


PARTIDO DEMOCRÁTICO

E PARTIDO REACCIONÁRIO


Nada pode ser mais útil ao partido democrático que conhecer a sua fraqueza momentânea e a força relativa dos seus adversários. Este conhecimento fá-lo sair, primeiramente da onda de imaginação e entrar nessa realidade onde deve viver, sofrer e finalmente vencer. Torna o seu entusiasmo reflectido e modesto. Quando, por este doloroso contacto com a realidade, tiver tomado consciência da sua missão sagrada e sacerdotal; quando for atormentado pelas inumeráveis dificuldades que se levantam em toda a parte sobre o seu caminho e que não têm o seu manancial — como frequentemente o partido democrático parece julgá-lo — no obscurantismo dos seus adversários, mas antes na riqueza e na complexidade da natureza humana que resiste às teorias abstractas; logo que estas dificuldades lhe façam conhecer, e em seguida, compreender as imperfeições de toda o sua existência presente e lhe tenham mostrado que o seu inimigo não está somente fora dele, mas também e, sobretudo, nele mesmo e que, depois, deve começar a vencer este inimigo imanente; logo que tenha adquirido a convicção de que a democracia não consiste somente numa oposição aos governantes, não é uma reforma particular constitucional, política ou económica, mas que anuncia uma transformação total da estrutura actual do mundo e uma vida essencialmente nova desconhecida até agora na história; logo que tudo isto o tenha convencido que a democracia é uma religião, logo que esta concepção o tenha tornado a ele mesmo, religioso, quer dizer, não somente convencido do seu principio em pensamento e em raciocínio, mas também fiel a este princípio na vida real, até nas mais pequenas manifestações — então, e só então, o partido democrático abancará sobre o mundo uma vitória efectiva.


Reconhecemos, portanto, sinceramente que a força actual do partido reaccionário não é fato do acaso, mas é uma necessidade histórica. Não tem a sua origem na imperfeição do princípio democrático: este é, na realidade, a igualdade entre os homens realizando-se em liberdade, mas é também esta identidade do espírito, a mais profunda, a mais geral, a mais universal, numa palavra esta identidade única que se manifesta na história. Esta força do partido reaccionário é o efeito da imperfeição do partido democrático que não é ainda bem sucedido na consciência afirmativa do seu princípio e, por consequência, não existe senão como negação da realidade presente. Mas não sendo senão negação, mantém-se, primeiro, necessariamente alheio a esta plenitude da vida, de que não pode ainda compreender o desenvolvimento a partir de um princípio concebido por ele sob uma forma quase unicamente negativa. É porque, até agora, ele é apenas um partido e não ainda essa realidade viva que é o futuro e não o presente. Como os democratas formam somente um partido (e ainda, a julgar pelas manifestações exteriores da sua existência, um fraco partido), como o facto de não ser senão um partido suposto, e oposto a eles, um outro partido potente, isto só devia esclarecer os democratas sobre as suas próprias imperfeições que residem essencialmente neles.


Segundo a sua natureza e o seu princípio, o partido democrático aspira ao geral e ao universal, mas segundo a sua existência, enquanto partido, é somente qualquer coisa de particular — o negativo— opondo-se a qualquer outra coisa de particular — o positivo. Toda a importância e toda a força irresistível do negativo consistindo no aniquilamento do positivo, mas, ao mesmo tempo que o positivo, o negativo breve na sua ruína, devido à sua natureza particular, imperfeito e inadaptado à sua essência. O partido democrático não existe como tal, na plenitude da sua afirmação, mas somente como a negação do positivo: é porque deve, nesta forma imperfeita, desaparecer ao mesmo tempo que o positivo, para renascer espontaneamente sob uma forma regenerada e na plenitude viva do seu ser. Assim, o partido democrático torna-se nele mesmo e esta transformação não é somente quantitativa, não é um simples alargamento da sua existência actual imperfeita: Deus nos guarde! Porque um tal alargamento conduziria e uma humilhação universal e o termo final da história seria um nada absoluto. Esta transformação é, ao contrário, qualitativa, é uma revelação que vive e que anuncia a vida, é um novo céu e uma nova terra, um mundo jovem e magnífico, no qual todas as dissonâncias actuais se transformarão numa unidade harmoniosa.


É impossível corrigir as imperfeições do partido democrático pondo um termo ao carácter exclusivo da sua existência como partido por uma aparente conciliação com o positivo: seriam esforços vãos porque o positivo e o negativo são, uma vez por todas, incompatíveis. O negativo, pelo que se isole da sua oposição ao positivo e que se considere em si, parece ser em substância e sem vida. Esta inconsistência aparente é mesmo a censura capital que os positivos fazem aos democratas; esta censura repousa sobre um mal-entendido, porque o negativo não pode ser tomado isoladamente — não seria absolutamente nada! — mas somente na sua oposição ao positivo; todo o seu ser, o seu conteúdo, a sua vitalidade tendem para a destruição do positivo. “A propaganda revolucionária”, diz o Pentarque
[2], “é pela sua natureza íntima a negação das instituições existentes do Estado, porque o seu carácter mais autêntico não lhe pode determinar outro programa que a destruição de tudo o que existe”. Mas, então, é possível que o negativo, que toda a vida não tem por missão senão destruir, possa aparentemente coexistir com o que a sua natureza íntima o obriga a destruir? Só podem pensá-lo as pessoas sem chama e sem energia que não fazem uma ideia séria do positivo e do negativo.

O PARTIDO DEMOCRÁTICO PERANTE

OS REACCIONÁRIOS PUROS


No seio do partido reaccionário podem-se distinguir actualmente dois grupos principais; num figuram os reaccionários puros e consequentes, no outro os inconsequentes e conciliadores. Os primeiros concebem a oposição em toda sua pureza; sabem bem que não se pode mais conciliar o positivo e o negativo, como a água com o fogo; não vendo no negativo o lado afirmativo da sua natureza, não podem acreditá-lo e deduzem correctamente que o positivo não se pode manter senão pelo esmagamento total do negativo. Ao mesmo tempo, não dão conta que o positivo não é o mesmo positivo defendido por eles senão na medida em que o negativo se opõe ainda a ele; não vêem que, por consequência, se o positivo obtivesse uma vitória total sobre o negativo, seria, daqui para o futuro, fora da oposição, não seria mais o positivo, mas antes o fim do negativo: é preciso perdoar-se-lhes esta incompreensão, porque a cegueira é o carácter essencial de todo o positivo, enquanto que o discernimento é próprio só do negativo. Na nossa triste época sem consciência, numerosos são aqueles que pela covardia tentam esconder a eles mesmos as estritas consequências dos seus próprios princípios e esperam, assim, escapar ao risco de serem alterados no edifício artificial e frágil das suas pretensas convicções. Também é necessário dizer um muito obrigado a estes senhores, aos mais reaccionários. São sinceros, honestos e querem ser homens inteiros. Não se pode falar muito com eles, porque nunca se querem prestar a uma conversa razoável e, agora que o negativo divulgou, por toda a parte, o seu fermento de decomposição, é-lhes bem difícil, senão impossível, manterem-se no puro positivo: a tal ponto que lhes é necessário separarem-se da sua própria razão; é de ter medo deles mesmo e temer o menor ensaio de demonstração das suas convicções, o que ocasionará, com certeza, a sua refutação. Têm perfeita consciência disto: também substituem a palavra pela injúria…  Não são homens menos honestos e inteiros, ou, mais exactamente, querem ser homens honestos e inteiros. Têm como nós o ódio a toda a meia-medida, porque sabem que só um homem inteiro pode ser bom e que as meias-medidas são fonte envenenada de todo o mal.


Estes reaccionários fanáticos acusam-nos de heresia, e, se fosse possível, fariam surgir do arsenal da história a força oculta da Inquisição para a utilizar contra nós; eles negam-nos todo o sentimento bom ou humano e vêem em nós anticristos endurecidos que é permitido combater por todos os meios. Pagamos-lhes na mesma moeda? Não, seria indigno para nós e a grande causa que defendemos. O grande princípio ao serviço do qual nos pusémos dá-nos, entre outras vantagens, o bom privilégio de ser justos e imparciais sem para isso causar dano à nossa causa. Tudo o que repouse sobre um ponto de vista irredutível não pode utilizar como arma a verdade, porque a verdade está em contradição com todo o ponto de vista irredutível. Tudo o que é irredutível é forçosamente nas suas declarações parcial e fanático, porque não pode afirmar-se senão pela supressão brutal de todos os outros pontos de vista irredutíveis que lhe são opostos e que são justificados tanto como ele. Um ponto de vista irredutível, pelo único facto de existir, supõe que existem outros que deva, em razão da sua natureza particular, eliminar para se manter. Esta contradição é a maldição que pesa sobre ele, uma maldição que trás em si e que muda em ódio a expressão de todos os bons sentimentos inatos em todo o homem considerado como tal.


Somos, de certo modo, infinitamente mais felizes; certamente, como partido, opomo-nos aos positivistas, combatemo-los, e esta luta acorda em todos nós as más paixões; o facto de pertencermos, nós mesmos, a um partido torna-nos também frequentemente parciais e injustos. Mas não somos somente este partido negativo oposto ao positivo; a nossa fonte de vida, é o principio universal da liberdade absoluta, um principio que oculta nele tudo o que tem de bom no positivo e que está por cima do positivo, como também por cima de nós, considerados como partido. Enquanto partido fazemos somente política, mas não encontramos a nossa justificação senão no nosso princípio, senão a nossa causa não seria melhor que aquela do positivo, e é-nos necessário, para a nossa própria conservação, ficar fiel ao nosso princípio como inimigos da religião cristã — é só conosco que está dizer, elevarmo-nos continuamente desta existência estreita e somente política até à religião do nosso princípio universal e aberto sobre a vida. Devemos agir não só politicamente, mas também na nossa política religiosamente, o que significa ter a religião da liberdade de que a única expressão autêntica é a justiça e o amor. Sim, é conosco — tratam-nos como inimigos da religião cristã — é só conosco que está reservada esta tarefa de que fazemos dever supremo: praticar efectivamente o amor mesmo nos combates mais obstinados, este amor que é o mais alto poder do Cristo e o princípio único do verdadeiro cristianismo.


Procuramos ser justos mesmo perante os nossos inimigos, e reconhecemos voluntariamente que eles se esforçam de querer realmente o bem, e mais, que a sua natureza os tinha destinado para o bem e para uma vida animada e que só um inconcebível golpe do destino os desviou da sua verdadeira vocação. Não falamos daqueles que só se juntaram ao seu partido para deixar o campo livre às suas más paixões: os tartufos, há infelizmente muitos em todos os partidos! Não falamos senão dos defensores sinceros do positivismo consequente, que se esforça por chegar ao bem sem ter a vontade de o realizar, e aí reside o seu grande infortúnio e a sua consciência é por isso dilacerada. Não vêem no principio da liberdade mais que uma fria e vulgar abstracção, na qual a vulgaridade e a secura de vários defensores deste princípio colaboraram activamente, uma abstracção vazia de toda a vida, de toda a beleza e de toda a santidade. Não compreendem que não se deve confundir este princípio com a sua forma actual, medíocre e totalmente negativa, e que não pode vencer e realizar-se se não for a viva afirmação de si mesmo suprimindo o negativo como também o positivo. A sua opinião, dividida ainda infelizmente por muitos dos aderentes do partido negativo, é que o negativo ensaia de se propapagar enquanto tal, e pensam, exactamente como nós que a difusão do negativo faria soçobrar na vulgaridade toda a sociedade intelectual. Ao mesmo tempo, os seus sentimentos espontâneos fazem-nos aspirar de pleno direito à plenitude de uma vida apaixonada e, não encontrando no negativo mais que a humilhação desta vida, retornam ao passado, ao passado tal como existia antes que surgisse a oposição entre o negativo e o positivo. Têm razão, na medida, em que esse passado era um todo animado de vida própria apresentando-se, como tal, bem mais vivo e mais rico que o presente dilacerado pelas suas contradições. Mas cometem um grande erro quando pensam poder ressuscitar esse passado tão vivo; esquecem que a plenitude do passado só lhes pode surgir sob a forma de uma imagem desunida e quebrada no espelho das contradições actuais que fatalmente engendraram, e que este passado, pertencendo ao positivo, não é mais que um cadáver sem alma abandonado as leis mecânicas e químicas da reflexão. Adeptos do um positivismo cego, não compreendem isto, se bem que os seres vivos, em razão da sua própria natureza, ressintam perfeitamente esta falta de vida; e como eles não sabem que, pelo só facto de serem positivos suportavam deles o negativo, rejeitam para o negativo toda  responsabilidade desta falta de vida; o seu impulso para a vida e a verdade, incapaz de se satisfazer, mudou em ódio e fazem pesei o peso deste fracasso sobre o negativo. Tal é necessariamente, em todo o positivista consequente, o desenrolar interno dos seus sentimentos: isto porque a meu ver são verdadeiramente de lastimar, tendo os seus esforços uma origem quase sempre honesta.

O PARTIDO DEMOCRÁTICO PERANTE OS REACCIONÁRIOS CONCILIADORES


Os positivistas conciliadores têm uma outra posição: distinguem-se dos positivistas consequentes de duas maneiras: mais corrompidos que estes últimos pela falsa visão que têm da nossa época, não somente rejeitam pura e simplesmente o negativo como um mal absoluto, mas acordam-lhe mesmo uma justificação relativa e momentânea; e por outra parte, não possuem a mesma pureza cheia de energia, esta pureza à qual aspiram, ao menos, os positivistas consequentes e intransigentes e que assinalamos como o indício de uma natureza inteira, rica e honesta. Podemos definir o ponto de vista dos conciliadores como o da desonestidade no domínio da teoria; digo bem: da teoria, porque prefiro evitar toda a acusação contra os actos ou pessoas e porque não acredito que, na evolução dos espíritos, uma má vontade pessoal possa intervir para o entravar; contudo, é necessário reconhecer que a desonestidade teórica, em razão da sua própria natureza, leva necessariamente quase sempre à desonestidade prática.


Os positivistas conciliadores têm mais inteligência e penetração que os consequentes; são os inteligentes e os teóricos por excelência e, nesta medida, os principais representantes da época actual. Poderíamos aplicar-lhes o que, no começo da revolução de Julho, dizia um jornal francês o “Juste Milieu”. “O lado esquerdo diz: dois vezes dois, fazem quatro; o lado direito: dois vezes dois, fazem seis… e o justo centro diz: dois vezes dois, fazem cinco.” Mas achariam isto ruim! Vamos também tentar estudar muito seriamente a sua natureza confusa e difícil e com o mais profundo respeito pela sua sabedoria. É muito mais penoso dar razão aos conciliadores que aos consequentes. Estes últimos manifestam nos seus actos a força das suas convicções, sabem o que querem e falam claramente, e odeiam, tal como nós, toda a indecisão, toda a obscuridade porque as suas naturezas enérgicas na acção não podem respirar livremente senão no ar puro e luminoso. Mas com os conciliadores, é outro negócio! São indivíduos maliciosos, oh! são inteligentes e prudentes! Nunca permitem na prática à paixão da verdade destruir o edifício artificial das suas teorias; são muito experimentados, muito inteligentes para dar ouvidos à voz imperativa da simples consciência prática. Seguros dos seus pontos de vista, lançam sobre ela olhares cheios de distinção, e quando dizemos que só o que é simples é verdadeiro e real, porque só ele pode jogar um papel criador, eles pretendem, ao contrário, que só o complexo é verdadeiro: tiveram, na realidade as maiores dificuldades em o remendar e é o único sinal que permite distingui-los, a eles, os indivíduos inteligentes, da plebe imbecil e inculta (e é bem difícil vencer estes indivíduos porque, precisamente, sabem tudo!). Outras razões da sua atitude: sendo hábeis políticos, resistem a uma imperdoável fraqueza de serem tomados de imprevisto por qualquer acontecimento; enfim, ajudados pela reflexão, deslizaram em todos os recantos do mundo da natureza e do espírito e, depois desta longa e penosa viagem intelectual, adquiriram a convicção de que não vale a pena manter contactos ardentes com o mundo real. Com estes indivíduos é difícil tirar alguma coisa a claro, porque, assim como as constituições alemãs, tomam com a mão direita o que dão com a esquerda; nunca respondem com um sim, ou um não, dizem: “Numa certa medida vocês têm razão, mas contudo …”, e quando não têm argumentos dizem então: “Sim, é uma questão delicada.”


E, contudo, desejamos experimentar entrar em relações com o partido dos conciliadores que, apesar da inconsciência da sua doutrina e incapacidade de jogar um papel de direcção, é actualmente um partido forte, mesmo o mais forte, se tivermos em conta, bem entendido, o número e não as ideias. A sua existência é um sinal do tempo, e um dos mais importantes: também não é permitido ignorar este partido ou passá-lo sob silêncio.


DISCUSSÃO DA NATUREZA LÓGICA

DA CONTRADIÇÃO


Toda a sabedoria dos conciliadores consiste em pretender que duas tendências opostas, pelo facto mesmo da sua posição, são exclusivas e, por consequência, falsas, e se os dois termos da contradição, tomados no abstracto, são falsos, é necessário, portanto, que a verdade esteja entre os dois, á necessário conciliar os contrários para chegar à verdade. À primeira vista, este raciocínio parece irrefutável; nós mesmos admitimos o carácter exclusivo do negativo enquanto ele se opuser ao positivo e que nesta oposição relacione tudo consigo. Não resultará daqui que se realize e se complete essencialmente no positivo? E os conciliadores não têm razão de querer conciliar o positivo e o negativo? De acordo, se esta conciliação for possível: mas será verdadeiramente possível? A única razão de ser do negativo não é a destruição do positivo? Logo que os conciliadores fundam o seu ponto de vista sobre a natureza da contradição, quer dizer, sobre o facto que duas exclusividades opostas se supõem, enquanto tais, adversários, é-lhes necessário então permitir e aceitar que esta natureza toma toda a sua extensão; é-lhes necessário também, em razão das consequências que isto arrasta para eles, ficar fiéis ao seu ponto de vista, visto que a face da contradição que lhes é favorável é inseparável daquela que lhes é desfavorável. Ora, o que é desfavorável para eles é que a existência de um termo da contradição supõe a existência do outro: e isto não é qualquer coisa de positivo, mas bem de negativo e de destruição, É necessário chamar a atenção destes senhores sobre a lógica de Hegel onde ele faz um estudo tão notável sobre a categoria da contradição.


A contradição e o seu desenvolvimento imamente formam um dos nós principais de todo o sistema hegeliano, e como esta categoria é a categoria principal, a característica principal da nossa época, Hegel é sem réplica o maior filósofo do nosso tempo, o mais alto cume da nossa cultura moderna considerada unicamente do ponto de vista teórico. E precisamente, porque ele é este cume, porque compreendeu esta categoria e, por consequência a analisou, precisamente ele está na origem de uma necessária auto-decomposição da cultura moderna. Certamente, no princípio, era ainda prisioneiro da teoria, mas porque ele é este cume, evadiu-se, está por cima dela e postula um novo mundo prático; um mundo que não se realizará, em caso algum, pela aplicação formal e a extensão de teorias feitas, mas somente por uma acção espontânea do espírito prático autónomo. A contradição é a essência a mais íntima, não somente de toda a teoria determinada ou particular, mas ainda da teoria em geral; e assim, o momento em que a teoria é compreendida é também, ao mesmo tempo, quando o seu papel acabou. Devido a este contributo a teoria transforma-se num mundo novo prático e espontâneo, na presença real da liberdade. Mas não é aqui o lugar para desenvolver longamente esta questão, e queremos ainda, mais uma vez, debruçarmo-nos sobre a discussão da natureza lógica da contradição.


A própria contradição, enquanto tal, inclui os dois termos exclusivos num e no outro, é total, absoluta, verdadeira; não se lhe pode censurar esta natureza exclusiva à qual está necessariamente ligado um carácter superficial e estreito, porque ela não é somente o negativo, mas é também o positivo e, englobando-o inteiramente, é a plenitude total, absoluta, não deixando nada fora dela. E isto autoriza os conciliadores a exigir que não se retenha abstractamente só um dos dois termos em exclusivo, mas que, respeitando o laço necessário e indissolúvel que os une, se apreendam na sua totalidade: “Só a contradição á verdadeira”, dizem eles: “cada um dos termos opostos, tomados em si, é exclusivo e, portanto, falso; resulta que devemos compreender a contradição na sua totalidade para conhecermos a verdade”. Mas é precisamente aqui que começa a dificuldade: a contradição é bem a verdade, mas não existe como tal, ela não é como a totalidade, é somente uma totalidade em si e escondida, e a sua existência nasce precisamente da oposição e da divisão dos seus dois termos: o positivo e o negativo. A contradição, enquanto que verdade total, é a união indissolúvel da sua simplicidade e da sua própria divisão num princípio único. É essa a sua natureza em si, a sua natureza escondida que, por consequência, o espírito não pode imediatamente apreender, e precisamente porque esta união está escondida, a contradição só existe unicamente sob a forma da divisão dos seus termos e não é mais que a adição do positivo e do negativo; ora, estes termos excluem-se um ao outro tão categoricamente que esta exclusão recíproca constitui toda a sua natureza. Mas então como compreender a contradição na sua totalidade? Restam-nos, parece, duas saídas: ou bem que arbitrariamente é preciso fazer a abstracção da divisão refugiar-se nesta totalidade da contradição, totalidade simples e precedente da divisão — mas isto á impossível, porque o que escapa à compreensão nunca pode ser compreendido pelo espírito e porque a contradição, como tal, não tem existência imediata senão como divisão dos seus termos, e sem estar não existe; ou bem que é preciso procurar conciliar os termos opostos com um cuidado maternal, e é nisto que se esforça a escola conciliadora: vamos ver se tem êxito.


CARACTERES DO POSITIVO E DO NEGATIVO:
PREPONDERÂNCIA DO NEGATIVO


O positivo parece ser, primeiramente, o elemento calmo e imóvel; e mesmo é positivo unicamente porque nele não repousa nenhuma causa de perturbação e não há nada nele que possa ser uma negação, porque, enfim, no interior do positivo não há nenhum movimento, visto que todo o movimento é uma negação. Mas precisamente o positivo é tal que nele a ausência de movimento está estabelecida como tal, e assim, tomado em si, tem por imagem a ausência total do movimento; ora, a imagem que evoca em nós a imobilidade está indissoluvelmente ligada à do movimento, ou antes, elas não são mais que uma só e mesma imagem, e assim o positivo, repouso absoluto, só é positivo em oposição ao negativo, agitação absoluta. A situação do positivo relativamente ao negativo apresenta-se assim sob dois aspectos: de uma parte, traz consigo o repouso, e esta calma apática que o caracteriza não tem qualquer traço do negativo, em si; de outra parte, para conservar este repouso, afasta energicamente dele o negativo, como se tivesse qualquer coisa de oposto ao negativo. Mas a actividade que desenvolve para excluir o negativo é um movimento, e assim o positivo, tomado em si mesmo e precisamente por causa da sua positividade, já não é mais o positivo, mas o negativo; eliminando dele o negativo, elimina-se a ele próprio e corre para a sua própria perda.


O positivo e o negativo não são, em consequência, iguais em direitos como o pensam os conciliadores; a contradição não é um equilíbrio, mas uma preponderância do negativo. O negativo é, portanto, o factor dominante da contradição, determina a existência do positivo e encerra só em si a totalidade da contradição: é também ele o único que está autorizado, por direito, de uma maneira absoluta. Talvez me objectem não termos admitido que o negativo considerado abstractamente é tão exclusivo como o positivo e que o alargamento da sua existência actual imperfeita conduzirá a um achatamento universal? Sim! mas falei somente da existência actual do negativo, falei do negativo que, afastado do positivo, dobra-se pacificamente sobre si mesmo e, assim toma os caracteres do positivo. E como tal, é negado pelo positivo, e os positivistas consequentes, negando a existência do negativo e o seu pacífico comportamento executam ao mesmo tempo uma função lógica e sagrada… sem, aliás, saber o que fazem. Julgam negar o negativo, e ao contrário, negam o negativo unicamente na medida em que se identifica com o positivo; acordam o negativo deste repouso de bom burguês para que não está destinado e reconduzem-no à sua grande vocação: sem descanso e sem reservas, destruir tudo o que tiver uma existência positiva.


Reconheçamos que o positivo e o negativo têm direitos iguais, mas este último dobra-se sobre si próprio pacifica e egoisticamente e, assim, é infiel à sua missão. Mas o negativo não deve ser egoísta, deve-se dar com amor ao positivo para o absorver e, neste acto de destruição religioso, cheio de fé e de vida, revelar a sua natureza íntima inesgotável e cheia de futuro. O positivo é negado pelo negativo e, inversamente, o negativo pelo positivo; portanto, o que é comum a ambos e quem os domina? O facto de negar, de destruir, de absorver apaixonadamente o positivo, mesmo quando este procura com astúcia esconder-se sob os traços do negativo. O negativo encontra a sua justificação nesta negação radical —  e como tal está absolutamente justificado: é, na realidade, por ele que age o espírito prático bem presente como invisível na contradição, o espírito que, por esta tempestade de destruição, exorta ardentemente à penitência das almas pecadoras dos conciliadores e anuncia a sua vinda próxima, a sua Revolução próxima numa Igreja da Liberdade verdadeiramente democrata e aberta à humanidade universal.

Esta auto-decomposição do positivo é a única conciliação possível entre o positivo e o negativo, porque este último é ele mesmo, de maneira imanente e total, o movimento e a energia da contradição. Assim, qualquer outro modo de conciliação é arbitrário, e todos aqueles que tendem para uma conciliação demonstram somente pela mesma que não estão penetrados pelo espírito do tempo e que são estúpidos, ou sem carácter: não se é, na realidade, verdadeiramente inteligente e moral se se abandona por completo este espírito e se se é penetrado por ele. A contradição é total e verdadeira: mesmo os conciliadores o reconhecem. Sendo total é animada por uma vida intensa, e desta vida que abraça extrai precisamente a sua energia, do positivo ardente na chama pura do negativo.


ARGUMENTOS DOS CONCILIADORES E CRÍTICA

DESTES ARGUMENTOS


Que fazem então os conciliadores? Concedem-nos tudo isto, reconhecem, como nós, o carácter total da contradição, com a diferença de que a despojam — ou antes, querem despojá-la — do seu movimento, da sua vitalidade e da sua alma inteiramente: esta vitalidade, na realidade, é uma força prática, incompatível com as suas alminhas impotentes, e por isso mesmo acima de tudo o que possam tentar para a sufocar. Já dissémos e demonstrámos que o positivo, tomado em si mesmo, está privado de todos os direitos: não se justifica senão na medida em que opõe a sua recusa à quietude do negativo e a toda a relação como ele, em que afasta de si o negativo categoricamente e sem reservas e mantém assim a sua actividade, na medida, enfim, em que se transforma num negativo activo. Esta actividade que consigo carrega a negação, à qual os positivistas se elevam graças à potência invencível da contradição e à sua presença invisível em todas as naturezas vivas, esta actividade que constitui a única justificação dos positivistas e o único sinal da sua vitalidade, é ela precisamente que os conciliadores querem proibir. Por uma desgraça singular e incompreensível, ou antes, em razão desta desgraça perfeitamente compreensível que nasce da sua falta de carácter e da sua importância na vida prática, não conhecem nos elementos positivos senão
o que neles há de morto, de apodrecido, e dedicados à destruição recusam o que cria toda a sua vitalidade: a luta viva com o negativo, a presença da contradição.

E vejamos o que dizem aos positivistas: “Senhores, vocês têm razão em conservar os restos apodrecidos e ressecados pela tradição. Como a vida é bela e agradável nas ruínas, neste mundo absurdo da rococó cujo ar, para os nossos espíritos anémicos, é tão saudável como o ar de um estábulo para os corpos anêmicos. No que nos diz respeito, nós ter-nos-íamos estabelecido com a maior alegria no vosso mundo, num mundo onde o Verdadeiro e o Sagrado não se avaliem à escala da razão e das decisões razoáveis da vontade humana, mas àquela da longa duração e da imobilidade, um mundo como, em consequência, é certamente a China com os seus mandarins e os seus bestonados para a Verdade absoluta. Mas, o que é preciso fazer agora, senhores? Vivemos dos tristes tempos, nossos inimigos comuns, os negativos, ganharam muito terreno. Á nossa raiva para com eles é também forte, senão mais forte que a vossa, porque eles se permitem nos seus excessos desprezar-nos. Mas tornaram-se fortes e é-nos necessário — quer queiramos, quer não — levá-los em consideração, sob pena de sermos inteiramente destruídos por eles. Não sejam, portanto, tão fanáticos, senhores, concedam-lhes um lugarzito na vossa sociedade. Que vos importa se, no vosso museu histórico, eles tomam o lugar frequentemente de ruínas, aliás muito veneráveis mas completamente arruinados? Acreditem-nos: contentíssimos da honra que assim lhes testemunhais, conduzir-se-ão na vossa respeitável sociedade com muita calma e discrição. Não são, afinal de contas, senão indivíduos jovens tornados amargos pela necessidade e a falta de uma situação isenta de cuidados: é a única razão dos seus gritos a de todo o barulho que fazem, esperançados por adquirirem uma certa importância e obterem um lugar agradável na sociedade.”


Depois voltam-se para os negativistas e dizem-lhes: “Senhores as vossas aspirações são nobres! Compreendendo o vosso entusiasmo juvenil pelos puros princípios temos por vós a maior simpatia; mas, acreditem-nos, os puros princípios são na sua pureza inaplicáveis á vida; é necessário para viver ter uma certa dose de eclectismo, o mundo não se deixa guiar segundo os vossos desejos e é preciso ceder-lhe sobre certos pontos para poder exercer sobre ele uma acção eficaz: senão a vossa situação no mundo estará completamente perdida”. Os conciliadores parecem-se com os judeus polacos que, diz-se, aquando da última guerra da Polónia, queriam prestar serviços aos dois partidos em luta, aos polacos e aos russos, e foram pendurados por um e por outro; da mesma maneira, estes infelizes atormentem-se com o seu empreendimento impossível de conciliação exterior e, em agradecimento, são desprezados pelos dois partidos. É somente deplorável que na época actual falte tanta força e energia para fazer sua a lei de Sólon!
[3]


”Não passam de frases!” dirão; “os conciliadores são indivíduos, na maior parte, honrosos e tendo uma formação científica há entre eles um grande número de pessoas universalmente consideradas e altamente colocadas, e vocês apresentam-os como indivíduos sem discernimento e sem carácter!” Que posso contra isso, se isso é verdade? Não me quero entregar a qualquer ataque pessoal; os sentimentos íntimos de um indivíduo são para mim uma coisa santa e inviolável, qualquer coisa de incomensurável sobre a qual nunca me permitiria fazer um julgamento; eles podem ter para o indivíduo um valor imenso, mas, na realidade, para o mundo eles existem, na medida em que se manifestam, e o mundo vê-os tal como eles se manifestam. Todo o homem é realmente o que é no mundo real, é-me impossível chamar branco ao que é preto.


Sim, responderão, as aspirações dos conciliadores parecem-nos negras, ou mais exactamente acinzentadas; na realidade, querem somente o progresso, tendem para ele e favorizam-no mais que vós mesmos, metendo-se ao trabalho com prudência e não com a presunção dos democratas que procuram fazer saltar o mundo inteiro. Mas já vimos o que é este pretendido progresso visado pelos conciliadores, já vimos que eles não querem, no fundo nada que não seja abafar o único princípio vivo da nossa época, aliás, tão miserável, o princípio criador e rico de futuro do movimento que desintegra todas as coisas. Vêem tão bem como nós que o nosso tempo é o da contradição; admitem que é uma situação difícil e cheia de tumultos, mas no lugar de a deixarem evoluir, sob o efeito da contradição levada ao seu termo, para uma realidade nova, afirmativa e orgânica, querem manter eternamente esta situação, tão miserável e tão débil na sua existência presente, através duma infinidade de reformas graduais. É isto progresso? Eles dizem aos positivos: “Conservais o que é velho, mas permiti ao mesmo tempo aos negativos desagregá-lo pouco a pouco”. E aos negativos; “Destrui o que é velho, mas não de um só golpe nem totalmente, afim que possais ter sempre qualquer obra a fazer; quer dizer, ficai cada um na vossa exclusividade, enquanto que nós os Eleitos, guardaremos para nós o usufruto da totalidade!” Miserável totalidade que somente pode satisfazer os espíritos miseráveis! Eles despojam a contradição da sua alma prática e sempre em movimento e regozijam-se de poder, em seguida, tratá-la segundo a sua fantasia. A grande contradição actual não é para eles uma força prática do tempo presente, à qual todo o ser vivo deve abandonar-se para conservar a sua vitalidade, mas um simples brinquedo teórico. Não estão penetrados pelo espírito prático do tempo e são, por esta razão, indivíduos sem moralidade; sim, sem moralidade! eles que se vangloriam da tal forma da sua moralidade! Porque fora desta igreja da humanidade livre não haveria possibilidade de haver moralidade, sem a qual não há salvação! É preciso repetir-lhes o que o autor do Apocalipse diz aos conciliadores do seu tempo
[4];

 “Conheço a tua conduta; não és nem trio, nem quente – não és nem uma coisa, nem outra!

 Assim, já que estás tépido, nem quente nem trio, vou vomitar-te da minha boca.

 Tu imaginas-te: eis-me rico, enriqueci-me e nada me falta; mas tu não o vês; és tu que és infeliz, piedoso, pobre, cego e nu.”

“Mas” dir-me-ão, “não irão cair, com a vossa separação absoluta dos extremos, neste ponto de vista abstracto desde há muito tempo superado por Shelling e Hegel? E este mesmo Hegel que tendes em tão alta consideração, não remarcou justamente que na luz pura se vê tão pouco como na obscuridade pura, e que só a união concreta dos dois torna a visão geralmente possível? E o grande mérito de Hegel não é de ter demonstrado que todo o ser vivo não vive se não possuir a sua negação não exteriormente a ele, mas nele como uma condição vital imanente, e que se fosse somente positivo e tivesse a sua negação exteriormente a ele, seria privado de movimento e de vida?”. Sei-o muito bem, senhores! Admito que, por exemplo, um organismo vivo não vive se não traz o germe da sua morte. Mas se querem citar Hegel, é necessário fazê-lo integralmente. Vereis então que o negativo não é condição vital dum determinado organismo senão durante o tempo em que aparece nesse organismo como factor mantido na sua totalidade. Vereis que chega um momento onde a acção gradual do negativo é bruscamente quebrada, transformando-se em principio independente, que este instante significa a morte deste organismo e que a filosofia de Hegel caracteriza este momento como a passagem da natureza a um mundo qualitativamente novo, ao mundo livro do espírito.

CONTRADIÇÃO SEMPRE MAIS AGUDA ENTRE

NÃO-LIBERDADE E LIBERDADE
DECOMPOSIÇÃO DAS IGREJAS E DOS ESTADOS

 Os mesmos factos reproduzem-se na história; por exemplo, o princípio da liberdade teórica despertou no mundo católico do passado desde os primeiros anos da sua existência. Este princípio foi a fonte de todas as heresias tão numerosas no catolicismo. Sem este princípio, o catolicismo teria permanecido congelado; foi, portanto, ao mesmo tempo o princípio da sua vitalidade, mas somente, enquanto foi mantido na sua totalidade como um factor simples. E assim o protestantismo fez, pouco a pouco, a sua aparição; a sua origem remonta mesmo à origem do catolicismo, mas um dia a sua progressão cessou bruscamente de ser gradual e o princípio da liberdade teórica elevou-se até se tornar um princípio autónomo e independente. É somente então que a contradição aparece na sua pureza, e vós bem o sabeis, senhores, vós que vos dizeis protestantes, o que Lutero respondeu aos conciliadores do seu tempo quando lhe vieram propor os seus serviços.


Como vemos, a ideia que faço sobre a natureza da contradição presta-se a uma confirmação não somente lógica, mas também histórica. Sei que nenhuma demonstração tem efeito sobre vós, porque, sendo sem vida, vós tendes como ocupação preferida o domínio da história, e não é sem razão que vos consideraram arrumadores insensibilizados! “Não estamos ainda vencidos” talvez me respondam os conciliadores; “tudo o que dizeis sobre a contradição é verdadeiro; mas há uma coisa com que não podemos estar de acordo, é que a situação actual esteja tão má como a pretendeis. Há contradições na nossa época, mas não são tão perigosas como vós o assegurais. Vejamos, em toda a parte reina a calma, em toda a parte a agitação está sossegada, ninguém pensa na guerra e a maioria da nações e dos homens vivos actualmente empregam todas as suas forças para manter a paz; é que eles sabem que, sem a paz, não podem ser favorecidos os seus interesses materiais, que parece terem-se tornado o principal negócio da política e do mundo civilizado. Que excelentes ocasiões apareceram para fazer a guerra e para destruir o regime existente, desde a revolução de Julho até aos nossos dias! Durante estes doze anos produziram-se tais complicações que nunca se acreditou ser possível a sua solução pacífica, houve tantos momentos em que um conflito geral parecia inevitável e que as mais terríveis tempestades nos ameaçavam: e, entretanto, as dificuldades, pouco a pouco, desapareceram, tudo ficou tranquilo e a paz parece ter-se estabelecido para sempre sobre a terra”!


A paz, dizeis vós: como se se pudesse chamar paz a isto! Sustento, ao contrário, que nunca as contradições estiveram tão acentuadas como no presente; afirmo que a eterna contradição que existe desde sempre, mas que, durante a história, não fez mais que crescer e desenvolver-se esta contradição entre a liberdade e a não-liberdade, tomou o seu impulso no nosso tempo tão análogo aos períodos da decomposição do mundo pagão e atingiu o apogeu! Não leram sobre o frontão do templo da Liberdade erigido pela Revolução estas palavras misteriosas e terríveis: Liberdade, Igualdade, Fraternidade? Não sabeis e não sentis que estas palavras significam a destruição total da presente ordem política e social? Nunca ouviram dizer que Napoleão, esse pretenso vencedor dos princípios democráticos, tem, como filho digno da Revolução, propagado por toda a Europa, pela sua mão vitoriosa, os princípios igualitários? Talvez ignorais tudo sobre Kant, Fichte, Schelling e Hegel, e não sabeis verdadeiramente nada de uma filosofia que, no mundo intelectual, estabeleceu o princípio da autonomia do espírito, idêntico ao princípio igualitário da Revolução? Não compreendeis que este princípio está em contradição absoluta com todas as religiões positivas actuais, com todas as Igrejas existentes?


”Sim”, respondeis, “mas estas contradições são justamente da história antiga; em França, a revolução foi vencida pelo sábio governo de Louis-Philippe, e foi Schelling, ele próprio, que recentemente derrubou a filosofia moderna, quando tinha sido ele um dos seus maiores fundadores. Em toda a parte, e agora em todas as esferas da vida, a contradição será superada!” Acreditais verdadeiramente nesta resolução, nesta vitória sobre o espírito revolucionário? Sois, portanto, cegos ou surdos? Não tendes olhos nem orelhas para perceber o que progride à vossa volta? Não, senhores, o espírito revolucionário não foi vencido; a sua primeira aparição abalou o mundo inteiro até aos seus fundamentos, em seguida apenas se dobrou sobre si próprio, ocultou-se somente em si para pouco depois, de novo, se anunciar como o princípio afirmativo e criador, e escava agora sob a terra como uma toupeira, segundo a expressão de Hegei! Que não trabalha inutilmente, é o que mostram todas estas ruínas que juncam o solo do edifício religioso, político e social. E falais de superação da contradição e de reconciliação! Olhai à vossa volta e dizei-me o que ficou vivo do velho mundo católico e protestante? Falais de vitória sobre o princípio negativo! Não leram nada de Strauss, de Feuerbach e de Bruno Bauer, não sabeis que as suas obras estão em todas as mãos? Não vêem que toda a literatura alemã, todos os livros, jornais e brochuras estão penetrados por este espírito negativo e que mesmo as obras dos positivistas, inconsciente e involuntariamente, o estão também. E é a isto que chamais paz e reconciliação!


Sabemos que a humanidade, em razão da sua nobre missão, não pode encontrar a sua satisfação e o seu apaziguamento senão no princípio prático universal, num princípio que com força abraça a si as mil diversas manifestações da vida espiritual. Mas onde está este princípio, senhores? Entretanto, chegamos por vezes, durante a vossa existência ordinária tão triste, a viver instantes cheios de vida e de humanidade, desses instantes em que rejeitais para longe de vós os móveis mesquinhos que animam a vossa vida quotidiana e aspirais à verdade, a tudo o que é grande e santo; respondam-me então sinceramente, a mão sobre o coração: já encontrásteis em alguma parte qualquer coisa de vivo? Já alguma vez, entre as ruínas que nos rodeiam, descobriram este mundo tão desejado onde poderíeis renascer para uma nova vida num abandono total e numa comunhão perfeita com toda a humanidade? Seria isto, por acaso, o mundo do protestantismo? Mas esse está atormentado pelas mais horríveis desordens, e em quantas seitas diferentes não está ele dividido? “Sem um grande entusiasmo geral”, diz Schelling, “só há seitas, mas não há opinião pública”. E o mundo protestante actual está em mil lugares a ser penetrado por um tal entusiasmo, porque é o mundo mais prosaico que se possa imaginar. Seria isto, por acaso, o catolicismo? Mas onde está o seu antigo esplendor? Ele, que foi o mestre do mundo, não se tornou o instrumento submisso de uma política imoral, estranha aos seus princípios? Ou talvez encontreis a vossa satisfação no Estado tal como é presentemente? Pois bem! isto seria uma bonita satisfação! O Estado consagrou-se, agora, às contradições interiores mais extremas, porque o Estado sem religião e sem princípios sólidos comuns não pode viver. Se vos quereis convencer, olhai somente para a França e Inglaterra: prefiro não falar da Alemanha!

Olhai para vós mesmos, senhores, e digam-me sinceramente se estais contentes convosco e se vos é possível ser? Não vos pareceis todos, sem excepção, com os tristes e miseráveis fantasmas da nossa triste e miserável época? Não estais cheios de contradições? Sois homens inteiros? Acreditais verdadeiramente em alguma coisa? Sabeis o que quereis e, sobretudo, sois capazes de querer alguma coisa? O pensamento moderno, esta epidemia da nossa época, terá deixado viva uma só parte de vós, não vos penetrou até ao recôndito, paralisados e quebrados? Em verdade, senhores, é necessário que reconheçam que a nossa época é uma época miserável e que nós somos as crianças ainda mais miseráveis!

DA DESTRUIÇÃO DO VELHO MUNDO SURGIRÁ

UMA ORDEM NOVA


Mas por outro lado manifestam-se à nossa volto fenómenos precursores: são o sinal de que o Espírito, esta velha toupeira
[5], acabou o seu trabalho subterrâneo e irá
brevemente reaparecer para fazer a sua justiça. Formam-se, por todo o lado, e sobretudo em França e na Inglaterra, associações de tipo, ao mesmo tempo, socialista e religioso, que, inteiramente à parte do mundo político actual, irão buscar a sua vitalidade em fontes novas e desconhecidas, desenvolvendo-se e propagando-se secretamente. O povo, a classe das pessoas pobres que constituem sem dúvida alguma a imensa maioria da humanidade
[6], essa classe de que já se reconheceu os direitos em teoria, mas que o seu aparecimento e a sua situação de condenados, até ao presente, à miséria e à ignorância e, do mesmo modo, a uma escravidão de facto, esta classe que constitui o povo propriamente dito, toma por toda a parte uma atitude ofensiva; começa a enumerar os seus inimigos, cujas forças são inferiores às suas, e a reclamar a efectivação dos seus direitos que todos já lhe reconheceram. Todos os povos e todos os indivíduos estão plenos de um vago pressentimento, e todo o ser normalmente constituído espera ansiosamente este futuro próximo, onde serão pronunciadas as palavras libertadoras. Mesmo na Rússia, esse império imenso de estepes cobertas de neve que conhecemos tão pouco e a quem se abre talvez um grande futuro, mesmo nesta Rússia se amontoam nuvens escuras, precursoras da tempestade. Oh! a atmosfera sufoca o está cheia de tempestades!


[1] Bakunine referia-se, sem dúvida, à passagem do Evangelho segundo S. Mateus “Não é dizendo-me: Senhor! Senhor! que se entra ao reino dos céus, mas é fazendo a vontade de meu Pai que está nos céus” (A Bíblia, editada pela Escola Bíblica do Jerusalém — pág. 1298).

[2] Segundo uma nota de Rainer Beer (Bakounine — “Phllosophie der Tat”, Edições Hegner, em Colónia) este sobrenome, designaria um teórico do Direito, Fréderic Julius Stahl (1820-1861), um dos criadores desta concepção cristã-conservadora que concebe ao Estado e ao Direito uma origem divina

[3] Por volta da 594 a. o. Solon promulgou em Atenas ame isi surpreendente: perda parcial ou total dos direitos políticos (atimie) dos cidadãos culpados de abstenção política em caso de agitação ou da perigo necional Por volta de 454 a. o., depois de Marathon e antes da grande Invasão de Xerxes, esta lei tinha cado em desuso e para combater os sd,,ersár]os do rearmamento de Atenas, Thérmisrode lisa o ostracismo.

[4] As linhas que se seguem são extraídas do Apocalipse; cartas às Igreja da Ásia (Laodicée). O texto referido é reproduzido da Bíblia (Escola Bíblica de Jerusalém), pág. 623. O texto alemão de Bakunine está inteiramente conforme a tradução apresentada.

[5] Alusão e essa passagem de Haqel: -Frequentemente parece que o espirito esquece-se, perde-se; mas no interior está sempre em opoolçâo cora ele mesmo. é progresso interior, como Hemlat diz do eepprilo de seu pai- ‘Bom trabalho, velha toupeiral». até ao momento em que encontre nele mesmo tanta força para levantar a crosta terrestre que o separado sol”. Marx utilizou e mesma imagem: “Logo que a revolução tenha acabado o seu trabalho subterrâneo, a Europa saltará do seu lugar e rejubilará: “Bem escavado, velha toupeira!”

[6] Comparar Proudhon (“Filosofia do Progresso”, 1853): A classe assalariada, a mais numerosa e a mais pobre, tanto mais pobre do que numerosa.”

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1 de Maio – Dia do trabalhador – Dia de Luto e luta

22 quarta-feira abr 2015

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1º de maio, anarco-sindicalismo, anarcos, Federação Nacional dos Trabalhadores Rurais de Portugal, História, história da anarquia, História Social, luta sindical, O TRABALHADOR RURAL, Primeiro de Maio, trabalhadores, trabalhadores rurais

1-de-maio

Fonte: Anarkio.Net

1º de Maio é dia do TRABALHADOR!

“Um dia de rebelião, não de descanso! Um dia não ordenado pelos vozeros arrogantes das instituições que tem aprisionado o mundo do trabalhador! Um dia em que o trabalhador faz suas próprias leis e tem o poder de executá-las! Tudo sem o consentimento nem aprovação dos que oprimem e governam. Um dia em que com tremenda força a unidade do exército dos trabalhadores se mobiliza contra os que hoje dominam o destino dos povos de toda nação. Um dia de protesto contra a opressão e a tirania, contra a ignorância e a guerra de todo tipo. Um dia para começar a desfrutar oito horas de trabalho, oito horas de descanso, oito horas para fazer o que nos dê vontade.”

Essa era a convocatória do 1° de maio de 1886, dia em que 5.000 greves com 340.000 grevistas, se espalharam pelos Estados Unidos. Chicago foi palco de muita luta, repressão, mortes e injustiças. É importante resgatar a memória do 1º de Maio e recuperar a história para entender que o Dia do trabalhador não é dia de festas é o dia de lembrar nossos mortos, dia de luta e resistência!

Trouxemos pⒶra voc’s a história do 1º de Maio, como nasceu este dia e porque(m) ele é comemorado. Este pequeno vídeo relata a verdadeira história do primeiro de Maio e como as lutas dos trabalhadores anarquistas conseguiram a redução da jornada, 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer, 8 horas de repouso.

Ao contrário do que os partidos, os sindicatos pelegos, os burgueses e os Estados tentam nos fazer acreditar com seu revisionismo histórico, o primeiro de maio é um dia de origem anarquista, decorrente das agitações pela jornada de trabalho de 8 horas, à qual 5 anarquistas de Chicago deram suas vidas. Há vasta literatura sobre os fatos reais do primeiro de maio, então reproduzimos abaixo um texto sucinto mas bastante informativo.

Maio já foi um mês diferente de qualquer outro. No primeiro dia desse mês as tropas e as polícias ficavam de prontidão, os patrões se preparavam para enfrentar problemas e os trabalhadores não sabiam se no dia 2 teriam emprego, liberdade ou até a vida.

Hoje, tudo isso foi esquecido. A memória histórica dos povos é pior do que a de um octogenário esclerosado, com raros momentos de lucidez, intercalados por longos períodos de amnésia. Poucos são os trabalhadores, ou até os sindicalistas, que conhecem a origem do 1° de maio. Muitos pensam que é um feriado decretado pelo governo, outros imaginam que é um dia santo em homenagem a S. José; existem até aqueles que pensam que foi o seu patrão que inventou um dia especial para a empresa oferecer um churrasco aos “seus” trabalhadores. Também existem – ou existiam – aqueles, que nos países ditos socialistas, pensavam que o 1° de maio era o dia do exército, já que sempre viam as tropas desfilar nesse dia seus aparatos militares para provar o poder do Estado e das burocracias vermelhas.

As origens do 1° de maio prendem-se com a proposta dos trabalhadores organizados na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) declarar um dia de luta pelas oito horas de trabalho. Mas foram os acontecimentos de Chicago, de 1886, que vieram a dar-lhe o seu definitivo significado de dia internacional de luta dos trabalhadores.

No século XIX era comum (situação que se manteve até aos começos do século XX) o trabalho de crianças, grávidas e trabalhadores ao longo de extenuantes jornadas de trabalho que reproduziam a tradicional jornada de sol-a-sol dos agricultores. Vários reformadores sociais já tinham proposto em várias épocas a ideia de dividir o dia em três períodos: oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de lazer e estudo, proposta que, como sempre, era vista como utópica, pelos realistas no poder.

Com o desenvolvimento do associativismo operário, e particularmente do sindicalismo autônomo, a proposta das 8 horas de jornada máxima, tornou-se um dos objetivos centrais das lutas operárias, marcando o imaginário e a cultura operária durante décadas em que foi importante fator de mobilização, mas, ao mesmo tempo, causa da violenta repressão e das inúmeras prisões e mortes de trabalhadores.

Desde a década de 20 do século passado, irromperam em várias locais greves pelas oitos horas, sendo os operários ingleses dos primeiros a declarar greve com esse objetivo. Aos poucos em França e por toda a Europa continental, depois nos EUA e na Austrália, a luta pelas oitos horas tornou-se uma das reivindicações mais freqüentes que os operários colocavam ao Capital e ao Estado.

Quando milhares de trabalhadores de Chicago, tal como de muitas outras cidades americanas, foram para as ruas no 1° de maio de 1886, seguindo os apelos dos sindicatos, não esperavam a tragédia que marcaria para sempre esta data. No dia 4 de maio, durante novas manifestações na Praça Haymarket, uma explosão no meio da manifestação serviu como justificativa para a repressão brutal que seguiu, que provocou mais de 100 mortos e a prisão de dezenas de militantes operários e anarquistas.

Alberto Parsons um dos oradores do comício de Haymarket, conhecido militante anarquista, tipógrafo de 39 anos, que não tinha sido preso durante os acontecimentos, apresentou-se voluntariamente à polícia tendo declarado: “Se é necessário subir também ao cadafalso pelos direitos dos trabalhadores, pela causa da liberdade e para melhorar a sorte dos oprimidos, aqui estou”. Junto com August Spies, tipógrafo de 32 anos, Adolf Fischer tipógrafo de 31 anos, George Engel tipógrafo de 51 anos, Ludwig Lingg, carpinteiro de 23 anos, Michael Schwab, encadernador de 34 anos, Samuel Fielden, operário têxtil de 39 anos e Oscar Neeb seriam julgados e condenados. Tendo os quatro primeiros sido condenados à forca, Parsons, Fischer, Spies e Engel executados em 11 de novembro de 1887, enquanto Lingg se suicidou na cela. Augusto Spies declarou profeticamente, antes de morrer: “Virá o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso que as vozes que nos estrangulais hoje”.

Este episódio marcante do sindicalismo, conhecido como os “Mártires de Chicago”, tornou-se o símbolo e marco para uma luta que a partir daí se generalizaria por todo o mundo.

O crime do Estado americano, idêntico ao de muitos outros Estados, que continuaram durante muitas décadas a reprimir as lutas operárias, inclusive as manifestações de 1° de maio, era produto de sociedades onde os interesses dominantes não necessitavam sequer ser dissimulados. Na época, o Chicago Times afirmava: “A prisão e os trabalhos forçados são a única solução adequada para a questão social”, mas outros jornais eram ainda mais explícitos como o New York Tribune: “Estes brutos [os operários] só compreendem a força, uma força que possam recordar durante várias gerações…”

Seis anos mais tarde, em 1893, a condenação seria anulada e reconhecido o caráter político e persecutório do julgamento, sendo então libertados os réus ainda presos, numa manifestação comum do reconhecimento tardio do terror de Estado, que se viria a repetir no também célebre episódio de Sacco e Vanzetti.

A partir da década de 90, com a decisão do Congresso de 1888 da Federação do Trabalho Americana e do Congresso Socialista de Paris, de 1889, declararem o primeiro de maio como dia internacional de luta dos trabalhadores, o sindicalismo em todo o mundo adotou essa data simbólica, mesmo se mantendo até ao nosso século como um feriado ilegal, que sempre gerava conflitos e repressão.

Segundo o historiador do movimento operário, Edgar Rodrigues, a primeira tentativa de comemorar o 1 de maio no Brasil foi em 1894, em São Paulo, por iniciativa do anarquista italiano Artur Campagnoli, iniciativa frustrada pelas prisões desencadeadas pela polícia. No entanto, na década seguinte, iniciaram-se as comemorações do 1 de maio em várias cidades, sendo publicados vários jornais especiais dedicados ao dia dos trabalhadores e números especiais da imprensa operária comemorando a data. São Paulo, Santos, Porto Alegre, Pelotas, Curitiba e Rio de Janeiro foram alguns dos centros urbanos onde o nascente sindicalismo brasileiro todos os anos comemorava esse dia à margem da legalidade dominante.

Foram décadas de luta dos trabalhadores para consolidar a liberdade de organização e expressão, que a Revolução Francesa havia prometido aos cidadãos, mas que só havia concedido na prática à burguesia, que pretendia guardar para si os privilégios do velho regime.

Um após outro, os países, tiveram de reconhecer aos novos descamisados seus direitos. O 1° de maio tornou-se então um dia a mais do calendário civil, sob o inócuo título de feriado nacional, como se décadas de lutas, prisões e mortes se tornassem então um detalhe secundário de uma data concedida de forma benevolente, pelo Capital e pelo Estado em nome de S. José ou do dia, não dos trabalhadores, mas numa curiosa contradição, como dia do trabalho. Hoje, olhando os manuais de história e os discursos políticos, parece que os direitos sociais dos trabalhadores foram uma concessão generosa do Estado do Bem-Estar Social ou, pior ainda, de autoritários “pais dos pobres” do tipo de Vargas ou Perón.

Quanto às oitos horas de trabalho, essa reivindicação que daria origem ao 1º de maio, adquiriu status de lei, oficializando o que o movimento social tinha já proclamado contra a lei. Mas passado mais de um século, num mundo totalmente diferente, com todos os progressos tecnológicos e da automação, que permitiram ampliar a produtividade do trabalho a níveis inimagináveis, as oitos horas persistem ainda como jornada de trabalho de largos setores de assalariados! Sem que o objetivo das seis ou quatro horas de trabalho se tornem um ponto central do sindicalismo, também ele vítima de uma decadência irrecuperável, numa sociedade onde cada vez menos trabalhadores terão trabalho e onde a mutação para uma sociedade pós-salarial se irá impor como dilema de futuro. Exigindo a distribuição do trabalho e da riqueza segundo critérios de eqüidade social que o movimento operário e social apontou ao longo de mais de um século de lutas.
*Membro do Centro de Estudos Cultura e Cidadania – Florianópolis (CECCA)

1ª de maio por Eduardo Galeano.

“A desmemoria/4

Chicago está cheia de fábricas. Existem fábricas até no centro da cidade, ao redor do edifício mais alto do mundo. Chicago está cheia de fábricas, Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Haymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro de maio.
– Deve ser por aqui – me dizem. Mas ninguém sabe. Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago na cidade Chicago. Nem estátua, nem monólito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados Unidos, o primeiro de maio é um dia como qualquer outro. Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Haymarket, meus amigos me levam para conhecer a melhor livraria da cidade. E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro um velho cartaz que está como que esperando por mim, metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador.”
Página 115/116, “O livro dos Abraços”.

DIA DE MAIO – DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO – A HISTÓRIA

1 de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, comemora a luta histórica da classe trabalhadora em todo o mundo, e é reconhecido na maioria dos países. Os Estados Unidos da América e Canadá estão entre as exceções. Isso apesar do fato de que o feriado começou na década de 1880 nos EUA, ligadas a batalha pela jornada de oito horas , e os anarquistas de Chicago .

A luta pela jornada de oito horas começou na década de 1860. Em 1884, a Federação de Negócios organizada e Sindicatos dos Estados Unidos e do Canadá , organizado em 1881 (e mudando seu nome em 1886 para Federação Americana do Trabalho ) aprovou uma resolução que afirmava que “oito horas constituirão um dia de trabalho legal de partir e após 1 de Maio de 1886, e que nós recomendamos para organizações de trabalho em todo este distrito que eles assim direcionar suas leis como se conformar com esta resolução ” . No ano seguinte, a Federação repetiu a declaração de que um sistema de oito horas era para entrar em vigor em 1 de Maio de 1886. Com trabalhadores sendo forçados a trabalhar dez, doze e quatorze horas por dia, apoio ao movimento de oito horas cresceu rapidamente . Nos meses anteriores a 1 de Maio de 1886, milhares de trabalhadores, organizados e não organizados, os membros da organização Cavaleiros do Trabalho e da federação, foram atraídos para a luta. Chicago foi o principal centro da agitação por um dia mais curto. Os anarquistas estavam na vanguarda do Sindicato Central de Chicago, que consistia de 22 sindicatos em 1886, entre eles os sete maiores da cidade.

Durante as greves da estrada de ferro de 1877, os trabalhadores haviam sido violentamente atacada pela polícia e exército dos Estados Unidos. Uma tática semelhante de terrorismo de Estado foi preparado pela burocracia para combater o movimento de oito horas. A polícia e da Guarda Nacional foram aumentados em tamanho e recebeu armas novas e poderosas financiados por empresários locais. Do Clube Comercial de Chicago comprou uma metralhadora $ 2000 para a Guarda Nacional de Illinois para ser usado contra os grevistas. No entanto, até 1 º de maio, o movimento já havia vencido os ganhos para muitos trabalhadores de Chicago. Mas em 3 de maio de 1886, a polícia disparou contra uma multidão de grevistas no McCormick Harvester Machine Company, matando pelo menos um atacante, ferindo gravemente cinco ou seis outros, e ferindo um número indeterminado. Anarquistas convocaram uma reunião em massa no dia seguinte em Haymarket Square para protestar contra a brutalidade.

A reunião transcorreu sem incidentes, e pelo tempo que o último orador estava na plataforma, a reunião das chuvas já estava terminando, com apenas cerca de duas centenas de pessoas restantes. Foi então uma coluna policial de 180 homens marcharam para a praça e ordenou a reunião a se dispersar. Ao final da reunião, uma bomba foi atirada na polícia, matando um instantaneamente, outras seis pessoas morreram depois. Cerca de setenta policiais foram feridos. A polícia respondeu disparando contra a multidão. Quantos civis foram feridos ou mortos desde bullits polícia nunca foi apurado exatamente. Embora nunca foi determinado que jogou a bomba, o incidente foi usado como uma desculpa para atacar os anarquistas e do movimento dos trabalhadores em geral. Polícia saquearam as casas e escritórios dos suspeitos radicais, e centenas foram presos sem acusação. Um reinado de terror da polícia varreu Chicago. Encenação “raids” nos bairros operários, a polícia arredondado para cima todos os anarquistas conhecidos e outros socialistas. “Faça as incursões em primeiro lugar e olhar para cima a lei depois!” aconselhou publicamente o advogado do Estado.

Os anarquistas, em especial, foram perseguidos, e oito de Chicago de mais ativos foram acusados ​​de conspiração para assassinato em conexão com o bombardeio de Haymarket. Um tribunal canguru encontrados todos os oito culpados, apesar da falta de evidência de ligar qualquer um deles para a bomba-chamas, e eles foram condenados a morrer. Em 09 de outubro de 1886, a revista semanal Cavaleiros do Trabalho publicado em Chicago, realizada na página 1 o seguinte anúncio: “Na próxima semana vamos começar a publicação das vidas dos anarquistas anunciados em outra coluna.”

O anúncio, realizado na página 14, leia-se: ” A história de anarquistas , contadas por eles próprios; Parsons, Spies, Fielden, Schwab, Fischer, Lingg, Engle, Neebe A única verdadeira história dos homens que afirmam que eles são. condenado a sofrer a morte para o exercício do direito de liberdade de expressão : a sua associação com o trabalho, socialista e anarquista Sociedades, seus pontos de vista quanto aos objetivos e objetos dessas organizações, e como eles esperam para realizá-los, também a sua ligação com o Chicago Haymarket caso . Cada homem é o autor de sua própria história, que aparecerá apenas nos “Cavaleiros do Trabalho” , durante os próximos três meses, – o grande papel de trabalho dos Estados Unidos, um de 16 páginas semanário, que contém todas as últimas estrangeira e notícias de trabalho doméstico do dia, histórias, dicas domésticas, etc Um papel cooperativo possuído e controlado por membros dos Cavaleiros do Trabalho , e mobilado para a pequena quantia de US $ 1,00 por ano . Adress todas as comunicações para Cavaleiros do Trabalho Publishing Company , 163 Washington St., Chicago, Illinois ” Ainda este jornal e do papel de alarme publicou as autobiografias dos homens Haymarket.

Albert Parsons, August Spies, Adolf Fischer e George Engel foram enforcados em 11 de Novembro de 1887. Louis Lingg se suicidou na prisão. As autoridades entregue os corpos para os amigos para o enterro, e um dos maiores cortejos fúnebres da história do Chicago foi realizada. Estima-se que entre 150.000 a 500.000 pessoas alinharam a rota seguida pelo cortejo fúnebre dos mártires de Haymarket. Um monumento aos homens executados foi revelado 25 de junho de 1893 no cemitério Waldheim em Chicago. Os três restantes, Samuel Fielden, Oscar Neebe e Michael Schwab, foram finalmente perdoados em 1893.

Em 26 de junho de 1893, o governador de Illinois, John Peter Altgeld, emitiu a mensagem perdão em que ele deixou claro que ele não estava concedendo o perdão, porque ele acreditava que os homens tinham sofrido o suficiente, mas porque eles eram inocentes do crime para o qual havia sido julgado, e que eles e os homens enforcados haviam sido vítimas de histeria, os júris embalados e um juiz preconceituoso. Ele observou que os réus não foram provados culpados, porque o Estado “nunca descobriu quem foi que jogou a bomba que matou o policial, e as evidências não mostram qualquer ligação entre os réus eo homem que atirou nele.”

Dia Internacional dos Trabalhadores é a comemoração do evento Revolta de Haymarket , em Chicago , em 1886. Em 1889, o primeiro congresso da Segunda Internacional, reunião em Paris para o centenário da Revolução Francesa e da Exposição Universal (1889) , na sequência de uma iniciativa do Federação Americana do Trabalho , convocaram protestos internacionais em 1890 aniversário dos protestos de Chicago. Estes foram tão bem sucedidos que May Day foi formalmente reconhecida como um evento anual no segundo congresso da Internacional em 1891.

Não é de surpreender que o Estado, líderes empresariais, dirigentes sindicais mainstream, e os meios de comunicação querem esconder a verdadeira história do Primeiro de Maio. Na sua tentativa de apagar a história eo significado do Dia de maio, o governo dos Estados Unidos declarou 01 de maio como “Lei Day”, e deu os trabalhadores em vez do Dia do Trabalho, a primeira segunda-feira de Setembro – um feriado desprovido de qualquer significado histórico.

No entanto, em vez de suprimir os movimentos operários e anarquistas, os acontecimentos de 1886 ea execução dos anarquistas de Chicago, os porta-vozes do movimento para a jornada de oito horas, mobilizou muitas gerações de radicais. Emma Goldman, um jovem imigrante na época, depois apontou para o caso de Haymarket como o seu nascimento político. Em vez de desaparecer, o movimento anarquista apenas cresceu na esteira de Haymarket.

Como trabalhadores, devemos reconhecer e comemorar o Dia de maio, não só pela sua importância histórica, mas também como um tempo para organizar em torno de questões de importância vital de hoje para a classe trabalhadora em sentido lato, ou seja, as bases – as pessoas vistas como uma classe em contraste com os superiores de renda e / ou classificação – economicamente e / ou políticos / administrativos.

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As Origens Trágicas e Esquecidas do Primeiro de Maio

22 quarta-feira abr 2015

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Por Jorge E. Silva – Membro do Centro de Estudos Cultura e Cidadania – Florianópolis (CECCA)

Fonte: Insurgentes

Maio já foi um mês diferente de qualquer outro. No primeiro dia desse mês as tropas e as polícias ficavam de prontidão, os patrões se preparavam para enfrentar problemas e os trabalhadores não sabiam se no dia 2 teriam emprego, liberdade ou até a vida.

Hoje, tudo isso foi esquecido. A memória histórica dos povos é pior do que a de um octogenário esclerosado, com raros momentos de lucidez, intercalados por longos períodos de amnésia. Poucos são os trabalhadores, ou até os sindicalistas, que conhecem a origem do 1° de maio. Muitos pensam que é um feriado decretado pelo governo, outros imaginam que é um dia santo em homenagem a S. José; existem até aqueles que pensam que foi o seu patrão que inventou um dia especial para a empresa oferecer um churrasco aos “seus” trabalhadores. Também existem – ou existiam – aqueles, que nos países ditos socialistas, pensavam que o 1° de maio era o dia do exército, já que sempre viam as tropas desfilar nesse dia seus aparatos militares para provar o poder do Estado e das burocracias vermelhas.

As origens do 1° de maio prendem-se com a proposta dos trabalhadores organizados na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) declarar um dia de luta pelas oito horas de trabalho. Mas foram os acontecimentos de Chicago, de 1886, que vieram a dar-lhe o seu definitivo significado de dia internacional de luta dos trabalhadores.

No século XIX era comum (situação que se manteve até aos começos do século XX) o trabalho de crianças, grávidas e trabalhadores ao longo de extenuantes jornadas de trabalho que reproduziam a tradicional jornada de sol-a-sol dos agricultores. Vários reformadores sociais já tinham proposto em várias épocas a idéia de dividir o dia em três períodos: oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de lazer e estudo, proposta que, como sempre, era vista como utópica, pelos realistas no poder.

Com o desenvolvimento do associativismo operário, e particularmente do sindicalismo autônomo, a proposta das 8 horas de jornada máxima, tornou-se um dos objetivos centrais das lutas operárias, marcando o imaginário e a cultura operária durante décadas em que foi importante fator de mobilização, mas, ao mesmo tempo, causa da violenta repressão e das inúmeras prisões e mortes de trabalhadores.

Desde a década de 20 do século passado, irromperam em várias locais greves pelas oitos horas, sendo os operários ingleses dos primeiros a declarar greve com esse objetivo. Aos poucos em França e por toda a Europa continental, depois nos EUA e na Austrália, a luta pelas oitos horas tornou-se uma das reivindicações mais freqüentes que os operários colocavam ao Capital e ao Estado.

Quando milhares de trabalhadores de Chicago, tal como de muitas outras cidades americanas, foram para as ruas no 1° de maio de 1886, seguindo os apelos dos sindicatos, não esperavam a tragédia que marcaria para sempre esta data. No dia 4 de maio, durante novas manifestações na Praça Haymarket, uma explosão no meio da manifestação serviu como justificativa para a repressão brutal que seguiu, que provocou mais de 100 mortos e a prisão de dezenas de militantes operários e anarquistas.

Alberto Parsons um dos oradores do comício de Haymarket, conhecido militante anarquista, tipógrafo de 39 anos, que não tinha sido preso durante os acontecimentos, apresentou-se voluntariamente à polícia tendo declarado: “Se é necessário subir também ao cadafalso pelos direitos dos trabalhadores, pela causa da liberdade e para melhorar a sorte dos oprimidos, aqui estou”. Junto com August Spies, tipógrafo de 32 anos, Adolf Fischer tipógrafo de 31 anos, George Engel tipógrafo de 51 anos, Ludwig Lingg, carpinteiro de 23 anos, Michael Schwab, encadernador de 34 anos, Samuel Fielden, operário têxtil de 39 anos e Oscar Neeb seriam julgados e condenados. Tendo os quatro primeiros sido condenados à forca, Parsons, Fischer, Spies e Engel executados em 11 de novembro de 1887, enquanto Lingg se suicidou na cela. Augusto Spies declarou profeticamente, antes de morrer: “Virá o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso que as vozes que nos estrangulais hoje”.

Este episódio marcante do sindicalismo, conhecido como os “Mártires de Chicago”, tornou-se o símbolo e marco para uma luta que a partir daí se generalizaria por todo o mundo.

O crime do Estado americano, idêntico ao de muitos outros Estados, que continuaram durante muitas décadas a reprimir as lutas operárias, inclusive as manifestações de 1° de maio, era produto de sociedades onde os interesses dominantes não necessitavam sequer ser dissimulados. Na época, o Chicago Times afirmava: “A prisão e os trabalhos forçados são a única solução adequada para a questão social”, mas outros jornais eram ainda mais explícitos como o New York Tribune: “Estes brutos [os operários] só compreendem a força, uma força que possam recordar durante várias gerações…”

Seis anos mais tarde, em 1893, a condenação seria anulada e reconhecido o caráter político e persecutório do julgamento, sendo então libertados os réus ainda presos, numa manifestação comum do reconhecimento tardio do terror de Estado, que se viria a repetir no também célebre episódio de Sacco e Vanzetti.

A partir da década de 90, com a decisão do Congresso de 1888 da Federação do Trabalho Americana e do Congresso Socialista de Paris, de 1889, declararem o primeiro de maio como dia internacional de luta dos trabalhadores, o sindicalismo em todo o mundo adotou essa data simbólica, mesmo se mantendo até ao nosso século como um feriado ilegal, que sempre gerava conflitos e repressão.

Segundo o historiador do movimento operário, Edgar Rodrigues, a primeira tentativa de comemorar o 1 de maio no Brasil foi em 1894, em São Paulo, por iniciativa do anarquista italiano Artur Campagnoli, iniciativa frustrada pelas prisões desencadeadas pela polícia. No entanto, na década seguinte, iniciaram-se as comemorações do 1 de maio em várias cidades, sendo publicados vários jornais especiais dedicados ao dia dos trabalhadores e números especiais da imprensa operária comemorando a data. São Paulo, Santos, Porto Alegre, Pelotas, Curitiba e Rio de Janeiro foram alguns dos centros urbanos onde o nascente sindicalismo brasileiro todos os anos comemorava esse dia à margem da legalidade dominante.

Foram décadas de luta dos trabalhadores para consolidar a liberdade de organização e expressão, que a Revolução Francesa havia prometido aos cidadãos, mas que só havia concedido na prática à burguesia, que pretendia guardar para si os privilégios do velho regime.

Um após outro, os países, tiveram de reconhecer aos novos descamisados seus direitos. O 1° de maio tornou-se então um dia a mais do calendário civil, sob o inócuo título de feriado nacional, como se décadas de lutas, prisões e mortes se tornassem então um detalhe secundário de uma data concedida de forma benevolente, pelo Capital e pelo Estado em nome de S. José ou do dia, não dos trabalhadores, mas numa curiosa contradição, como dia do trabalho. Hoje, olhando os manuais de história e os discursos políticos, parece que os direitos sociais dos trabalhadores foram uma concessão generosa do Estado do Bem-Estar Social ou, pior ainda, de autoritários “pais dos pobres” do tipo de Vargas ou Perón.

Quanto às oitos horas de trabalho, essa reivindicação que daria origem ao 1º de maio, adquiriu status de lei, oficializando o que o movimento social tinha já proclamado contra a lei. Mas passado mais de um século, num mundo totalmente diferente, com todos os progressos tecnológicos e da automação, que permitiram ampliar a produtividade do trabalho a níveis inimagináveis, as oitos horas persistem ainda como jornada de trabalho de largos setores de assalariados! Sem que o objetivo das seis ou quatro horas de trabalho se tornem um ponto central do sindicalismo, também ele vítima de uma decadência irrecuperável, numa sociedade onde cada vez menos trabalhadores terão trabalho e onde a mutação para uma sociedade pós-salarial se irá impor como dilema de futuro. Exigindo a distribuição do trabalho e da riqueza segundo critérios de eqüidade social que o movimento operário e social apontou ao longo de mais de um século de lutas.

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Alexandre Samis. “A Associação Internacional dos Trabalhadores e a Conformação da Tradição Libertária”

22 quarta-feira abr 2015

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Fonte: Instituto de Teoria e História Anarquista

Nesse texto, Samis analisa a formação e consolidação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), chamada posteriormente de Primeira Internacional, e da matriz libertária do socialismo. Com uma análise minuciosa das atas e minutas congressuais da AIT, sempre relacionado-as ao contexto de seu tempo, ele elucida a composição de forças, estratégias e tendências políticas dessa associação. Num trabalho de reconstituição dos fios históricos que conformaram a tradição libertária, o autor discute as principais polêmicas congressuais abordando, além dos primeiros congressos, as resoluções e conflitos internos do Congresso da Basiléia (1869), da Conferência de Londres (1871) e por fim, a formação em Saint-Imier da Internacional Anti-autoritária (1872), que pode ser vista, do ponto de vista simbólico, como o ponto o marco definitivo da conformação da tradição libertária. Longe de reduzir a formação da tendência libertária e da própria Internacional, tratando-os como produto de uma doutrina sem relação com as questões da classe trabalhadora, o autor evidencia que as posições ideológicas e políticas dessa associação ligam-se diretamente a uma experiência de classe.

* Baixe o artigo completo aqui: Alexandre Samis – A Associação Internacional dos Trabalhadores e a Conformação da Tradição Libertária

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Um sindicalista rural eborense: José Sebastião Cebola (memória libertária)

16 segunda-feira fev 2015

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Fonte: Coletivo Libertário Évora

Há uns anos atrás, como forma de homenagear a memória deste anarquista que ainda perdurava na freguesia, foi dado o nome de José Sebastião Cebola a uma rua dos Canaviais (Évora). Mas a “discrição” ou a má-fé dos autarcas de então foi tal que nem uma pequena inscrição, com a data do nascimento e morte (1877-1920) ou em que qualidade José Sebastião se distinguiu, a placa mereceu. Bastava terem posto anarcosindicalista, sindicalista revolucionário, anarquista, sindicalista rural, militante da CGT ou o que se lembrassem para que quem mora naquela rua ou quem por ali passa tivesse a mínima ideia de quem se trata. Numa cidade onde qualquer militante  comunista, por mais modesto que seja, tem essa qualidade inscrita na placa de rua, José Sebastião Cebola ali continua anónimo, como se por esse facto se conseguisse apagar a memória das causas pelas quais lutou. (Portal Anarquista)
*
Jofre Alves (*)

capturar8O alentejano José Sebastião Cebola nasceu a 27 de Outubro de 1877, filho de José Maria Cebola, natural da freguesia de Nossa Senhora de Machede, e de Joana Augusta da Silva, natural da Sé, freguesia da cidade de Évora, sendo o primogénito dos quinze filhos deste casal pobríssimo. Depois da instrução primária, com os rudimentos de ler, escrever e contar, entrou de imediato na dura labuta pela existência, como assalariado rural, aos 14 anos de idade, assentando, contudo, praça de soldado do Regimento de Cavalaria 5 a 10 de Dezembro de 1897, passa à reserva e à condição civil dois anos volvidos.
Neste período da sua vida, em contacto próximo com outras vivências e experiências, José Cebola aderiu ao ideal confesso dos republicanos, ideologia que perfilhou durante algum tempo, para abraçar definitivamente a fé na causa anarquista, a medrar desde 1900, onde se manteve como fervoroso e diligente sindicalista revolucionário até à morte, sem dar mostras de desvanecimento.
Passou a lutar em Évora pela causa sindical, constituindo os primeiros embriões da organização operária local, e, mais tarde, empenhado nas ideias associativas da classe dos trabalhadores rurais, das quais foi pioneiro e propagandista inexcedível. Era dotado de viva inteligência e duma vontade de ferro, que fizeram dele o mais tenaz defensor do sindicalismo rural, mesmo quando os ventos sopravam contrários. Em finais de 1910, com outros camaradas sindicalistas e anarquistas, fundaria a Associação dos Trabalhadores Rurais de Évora, uma das primeiras associações de classe do proletariado rural do País, demonstrando grande capacidade de militância e de trabalho político em prole dos demais.
Fez, por isso mesmo, parte de diversas direcções e das comissões de propaganda encarregadas de levar os ideais associativos à restante região do Alentejo, cuja província percorre de lés-a-lés em penosas condições, um dia, outra semana em redobrada energia, vigiado pelos esbirros de biqueiras mosqueadas, a espreitar das luras.
Elemento destacadíssimo das lutas laborais do proletariado rural desencadeadas durante a fase inicial da I República, organiza as greves de 1 de Junho de 1911, 24 de Janeiro de 1912, 30 de Janeiro de 1916 e 18 de Novembro de 1918. Conheceu, desde cedo, as garras aduncas e cavernosas da repressão ao ser detido em inúmeras ocasiões, ao rufo de tambores, logo em 1911 e a 26 de Janeiro de 1912, altura em que foi deportado para Lisboa sob escolta militar, antes do sol-nado, encarcerado no Limoeiro e depois nos porões de um navio surto no Tejo, no seguimento da greve dos assalariados rurais de Évora. Não sossega nem esmorece, insubmisso e afoito no sonho de melhorar o governo da vidinha dos pobres e míseros, sem dar ouvidos às almas penadas. Seria, igualmente, fundador da Federação Nacional dos Trabalhadores Rurais de Portugal, participando activamente no congresso instituidor de 25 e 26 Agosto de 1912, onde foi eleito membro da Comissão de Propaganda da novel organização, com a missão de percorrer o Alentejo e Ribatejo a fim de lançar a semente da associação de classe.
Devido a essa hercúlea tarefa organizativa foi detido, sovado e processado por diversas vezes, forçado a andar a monte, em finais de 1912 e princípio de 1913, para fugir da bala que lhe ameaça rasgar o fígado. Neste ano foi eleito secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores Rurais de Portugal, reconhecimento cabal da sua imensa aptidão organizativa e combativa.
Fundou em 1912 o mensário O TRABALHADOR RURAL, publicado em Évora como órgão da Federação Nacional dos Trabalhadores Rurais de Portugal e que era claramente anarco-sindicalista. Participa activamente no 3.º Congresso Nacional Operário, realizado em Tomar a 14 de Março de 1914, cujo ponto alto foi a fundação da União Operária Nacional como órgão unitário do sindicalismo e dos trabalhadores. Forma em 1915, conjuntamente com Álvaro Dinis, o Grupo Rebelião Anarquista de Évora. Destaca-se como divulgador da imprensa social, sindical e operária, com especial realce para difusão de A AURORA (anarquista, 1910), A TERRA LIVRE (anarquista, 1913), O PROLETÁRIO (sindicalista, 1918), O HOMEM LIVRE (anarco-sindicalista, 1918), A BATALHA (anarco-sindicalista, 1919), AVANTE (anarquista, 1919), O REBELDE (sindicalista, 1920).
Com imenso custo pessoal, criou e impulsionou o Grupo de Propaganda Livre de Évora, fundado a 3 de Janeiro de 1912, o qual manteve uma escola particular de instrução primária nos arredores da cidade (Canaviais, nota do portal anarquista) , inspirado na dedicação à ciência infusa da alfabetização e ensino dos filhos dos operários e dos assalariados rurais, quite com o escrúpulo da sua elevada consciência. Foi um dos organizadores do comício operário em Évora, a 3 de Março de 1919, contra a fome, a carestia de vida e o desemprego, e do comício e manifestação de 18 de Maio de 1919 dos trabalhadores rurais, reunidos em Évora, para exigir a aplicação do decreto das oitos horas de trabalho, causa próxima de nova prisão. Organiza e preside ao 4.º Congresso Nacional do Trabalhadores Rurais, realizado em Beja a 15 de Março de 1920, que lhe causará o cativeiro. Em 14 de Junho de 1919 foi detido a ferros, comprimido nos calabouços e barbaramente espancado pelos agentes da ordem policial, duras sevícias aplicadas, acusado com labéu e ofensa de pertencer a uma «associação de malfeitores», pérfidas ferroadas. Dessa penosa tortura, que o deixou em mísero estado, nunca mais recuperaria.
Para tornar mais precária a débil situação de saúde, seria novamente preso a 21 de Maio de 1920 por um forte aparato da GNR, como verdadeiros dragões, levado de rojo ao tribunal de 1.ª instância de Évora, conjuntamente com 20 trabalhadores. Ei-lo condenado a dois anos de prisão maior, ácida sentença do vitríolo político proferida a 31 de Maio, cuspinhada por juiz afivelado de ar severo, raciocínio reticente e escorregadio. Tudo em pé, aos vivas e morras! Faleceu a 20 de Dezembro de 1920, tinha 43 anos de idade, vitimado pelos estragos duma perniciosa repressão, mas também devido às colossais canseiras do seu combate revolucionário, durante o qual pôs em risco a sua vida, a sua liberdade e a subsistência da sua família, sempre movido pela chama de melhorar as condições de vida e económicas dos «escravizados dos campos», como dizia. O sol percorria largo naquela faina.
Vítima, porém, duma república de mentalidade fossilizada que não hesita um instante nem tinha pejo em chegar a palha para chamuscar e oprimir os suspeitos de reclamar o direito à dignidade, ao trabalho e ao pão como se fosse crime de traição à Pátria, numa altura em que a fome crescia e agravava-se todos os dias como o cume dos Himalaias. José Cebola sabia que as pessoas não têm boquinha de cera, nem todos têm cataratas nos olhos e rapavam as côdeas como as pitas rapam o quinteiro! Pagou com a vida, por isso!
(*) in http://abril-de-novo.blogspot.com/
também em: “registo” nº 123, Évora, 7/19/2010

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Os operários empregados na reconstrução dos Paços de Concelho de Évora, numa foto tirada por ocasião do 1º de Maio de 1911, primeira vez que o Dia do Trabalho foi celebrado em regime republicano. Imagem de Ricardo Santos, um precursor da fotografia em Évora, com atelier na Rua de Aviz. Arquivo Fotográfico CME (aqui: jornal “registo” nº 123, Évora, 7/19/2010)

Anexo:

A greve dos trabalhadores rurais de 1912

Foi breve o “namoro” entre os operários e a República

O movimento operário em Évora já tinha alguma força na altura da implantação da República. Os tipógrafos eram uma classe profissional reivindicativa.

Em Évora, alguns operários seduzidos pela música, na sua maioria de inspiração anarquista ou ligados à carbonária, já tinham criado, entre outras associações, em 1900, o Grupo Operário Joaquim António de Aguiar (ex-primeiro- ministro da monarquia constitucional e chefe do partido regenerador, anticlerical assumido e responsável, enquanto ministro, pelo decreto-lei que extinguiu todos os conventos, mosteiros,
colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares, sendo os seus bens secularizados e incorporados na Fazenda Nacional. Essa lei, pelo seu espírito anti-eclesiástico, valeu- lhe a alcunha de o Mata- Frades).

O primeiro de Maio de 1911 foi logo comemorado em Évora, mas o primeiro grande momento revolucionário – que significou também logo um “corte” profundo entre o movimento operário e a República –, deu-se em Janeiro de 1912, quando os trabalhadores rurais da zona de Évora entram em greve, devido ao desrespeito de um acordo salarial por parte dos proprietários. O Governador Civil resolve encerrar a Associação dos Trabalhadores Rurais e prender os sindicalistas mais activos. Esta atitude provoca uma paralisação de todas as classes dos trabalhadores eborenses. O poder responde com o encerramento de todas as associações operárias e cargas da Guarda, já Republicana, contra as manifestações sindicalistas, levando à morte de um trabalhador. Face a esta situação, é proclamada, em Lisboa, a greve geral de solidariedade com os trabalhadores de Évora, a 29 de Janeiro. A greve teve muita adesão em Lisboa, com vários incidentes na baixa e na margem sul do Tejo. Na Moita, o Administrador do Concelho foi morto pela multidão em revolta.

C.J

(jornal “registo” nº 123, Évora, 7/19/2010)

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[Chile] O passado é nossa ofensiva: 1920 e uma sabotagem estatal contra os anarquistas

06 sexta-feira fev 2015

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Fonte: Portal Libertário OACA

É difícil de acreditar, para quem não é afim às idéias anarquistas, que o estado sabota estes e outros protestos. Existe, além disso, uma tendência majoritária a assimilar tudo o que é dito na imprensa de massa; imprensa que, advertimos nós, na maioria das vezes ou ignoram os fatos ou bem discreto e mansamente os distorcem. Em último caso, a farsa policial e a tergiversação das notícias são questões do passado, da ditadura de Pinochet.

Mas sabotagens existem. É uma ingenuidade acreditar que olhar para o passado tirará da prisão nossos companheiros, mas nós opinamos que fatos extraídos dele podem ser ferramentas para enfrentar os desafios do hoje. E é como dizem por aí: a história não se repete, mas rima. Viajaremos brevemente ao ano 1920 e nos deteremos em uma das sabotagens feitas contra os anarquistas. Os atores e o contexto mudaram bastante, mas não a confrontação que motivou esses episódios e as farsas levantadas pelo Estado e pela imprensa de massas para acabar com os antiautoritários. Conste que não se trata de limpar a barra dos anarquistas e tratá-los como pombinhas brancas, mas as ações se assumem, as mentiras não.

Os anos 20

1920 foi um ano agitado na região chilena. Antes de tudo, se achava em seu ápice o período que se identifica comumente como o de “a questão social”, uma época de transição de economias tradicionais a economias de mercado, cujos traços mais visíveis e recorrentes na hora de falar daquele tempo são os conventozinhos, as mortes prematuras, o desemprego, a falta de proteção laboral, as jornadas de trabalho excessivas (até 16 horas), o salário em fichas em vez de dinheiro etc. Entre 1917 e 1921 se deu um contexto de manifesta agitação social, particularmente por causa de um novo ciclo de crise salitreira, assim como também pelo encarecimento dos bens de primeira necessidade. Pelo segundo houve manifestações de dimensões desconhecidas até então, posto que não só os setores “ideologizados” se somaram aos protesto, mas também pessoas sem inclinação política e parte da classe média emergente.

Por outro lado, em julho de 1920 se elegeu presidente o burguês Arturo Alessandri, o primeiro candidato que fez campanha nas praças e estações, entusiasmando as multidões e sobretudo os setores populares. Era a esperança para os que o seguiram, uma ameaça para a oligarquia explícita no poder, e uma farsa para comunistas e anarquistas, embora não tenham faltado alguns indivíduos desses setores que pegaram carona na carruagem da vitória.

Por último, a princípios desse ano se reanimaram os ressentimentos nacionalistas contra o Peru (e vice-versa) por Tacna e Arica, províncias originalmente peruanas, mas que depois da Guerra de 79 ficaram sob controle chileno. E de fato, em julho desse ano se mobilizaram 15 mil reservistas à fronteira norte para fazer frente a um suposto complô de Bolívia e Peru contra Chile.

Estes três elementos constituem, a nosso ver, os traços mínimos para conseguir entender o contexto no qual se desenvolveram os fatos que referiremos.

Os anarquistas

Os anarquistas, então, marcavam presença em quase todos os grêmios, sendo particularmente influentes entre os zapatistas, trabalhadores de tipografias, carpinteiros, padeiros, e nos trabalhos de porto como estivardores (carregadores) e lancheiros. Em dezembro de 1919 tinham constituído a seção chilena dos Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo – IWW). Esta central, que na região chilena se identificou com o anarcossindicalismo, aglutinou a vários grêmios (embora não todos aqueles com preponderância anarquista); além disso, teve uniões locais em várias localidades, desde Iquique até Corral. Paralelo a isso os ácratas possuíam diversas formas de expressão cultural, se destacando sua produtividade em meios de propaganda escrita. Havia jornais em quase todo o território e cada um estava conectado com a maioria dos meios ligados a outros pontos e ao estrangeiro. O Surco em Iquique, Mar y Tierra e La Batalla em Valparaíso, Acción Directa e Verba Roja em Santiago, eram os mais conhecidos.

O processo contra os subversivos e a sabotagem dos anos 20.

Em julho de 1920 se decretou a mobilização dos reservistas à fronteira norte, como já indicamos mais acima, para enfrentar um suposto complô por parte de Peru e Bolívia. Várias organizações sindicais revolucionárias, assim como os estudantes da FECH, não se responderam ao chamado belicista apelando ao internacionalismo. Eram inimigos da guerra. Por causa disso o local dos estudantes foi atacado em plena luz do dia por uma turba de nacionalistas (“mauricinhos e maltrapilhos”) no dia 20 de Julho; por sua vez, o local da Federação Operária de Magallanes em Punta Arenas foi queimado com gente dentro pelas ligas patrióticas e pelas autoridades locais. Estes e outros similares episódios se aglutinam no que se conhece como “A Guerra de Don Ladislao”, nome que faz referência ao ministro de Guerra do momento, Ladislao Errazuriz.

No dia 21 de julho começou a perseguição aos libertários abarcando vários locais da IWW. Nas operações levadas à frente em Valparaíso, a polícia “encontrou” cartuchos de dinamite na seção local da organização. No outro dia e em Santiago se estabeleceu um processo contra a IWW por associação ilícita e terrorista, investigação que se fez extensiva para os demais anarquistas crioulos. Era o processo contra os subversivos (1). Os sindicalistas foram presos.

Imediatamente a imprensa de massas deu a voz de alarme, apontando que a IWW era uma organização terrorista paga pelo ouro peruano para semear o caos no Chile. Tinha que se castigar os anti-patriotas. Os prisioneiros foram tratados de forma brutal, exemplifica aquilo o fato de que dois ficaram loucos em suas celas, o operário Isidro Vidal e o poeta José Domingo Gómez Rojas. Este último morreria em pleno processo no dia 29 de setembro. Com seus companheiros presos, os que ficaram livres se deram à tarefa de construir a resistência. Clandestinamente saíram à luz Mar y Tierra e Acción Directa. Outros reorganizaram os “comitês pró presos por questões sociais”, coletivos que coordenavam atividades para reunir ajuda para os encarcerados. Também houve greves solidárias em Chile e gestos similares no estrangeiro. Em Valparaíso, por exemplo, se decretou greve geral no dia 17 de janeiro de 1921 para tirar da prisão Juan Onofre Chamorro, secretário da IWW no porto. E nos Estados Unidos, wobblies (integrantes dos IWW) empregados de hotéis, se negaram a atender a qualquer “burguês chileno”. A repressão repercutiu na proliferação de expressões de solidariedade. A imprensa de massas explorou o patriotismo chileno e durante meses assegurou abertamente as inclinações terroristas e “peruanas” dos IWW.

Mas todo o processo contra os subversivos se reduziu a nada quando se “descobriu” que tudo havia sido uma sabotagem. A dinamite de Valparaíso tinha sido posta por dois deliquentes a mandos de Enrique Caballero, capitão da polícia daquele porto. Como acontece nesses casos, não houve condenação para esse funcionário do Estado e a imprensa não retificou suas difamações infundadas. E como se “descobriu” além disso que tampouco trabalhavam para o Governo peruano, os anarquistas foram absolvidos por completo. A vida de Gómez Rojas, a saúde de Vidal, os meses de prisão para dezenas de sindicalistas, as imprensas destruídas, as famílias sem sustento, os gastos de defesa, tudo isso e mais, ninguém o devolveria. Era, talvez, o preço de serem coerentemente anarquistas.

Continuidades, mudanças e urgências abertas

Há continuidades e diferenças que é preciso remarcar para que esta história se torne útil hoje. Entre as primeiras temos a repressão estatal, o cerco midiático com as mentiras elaboradas pela imprensa de massas, a sabotagem policial mediante a qual se põe em locais anarquistas explosivos para depois processá-los. Há continuidade também na prisão e incomunicação dos companheiros, e afortunadamente, no desejo de criar instâncias de denúncia e solidariedade para com os presos.

Mas onde mais devemos pensar é nas diferenças. A mais visível e importante, talvez, está na capacidade de pressão com a qual contamos para liberar os presos. Hoje os mesmos não contam com o respaldo de organizações trabalhistas que com o uso da greve possam acelerar sua liberdade, como outrora ocorreu em não poucas ocasiões. Embora, em todo caso, o sindicalismo atual – burocrático – só faz greves econômicas para beneficiar seus grêmios, o qual em si não é mau se se trata de arrebatar migalhas das riquezas patronais, mas já não se mobilizam por causas que não lhes afetem diretamente.

Que fazer, como encurtar o tempo atrás das grades dos presos políticos em geral? É verdade, contamos com a imaginação, com os braços de vários companheiros, com páginas web e jornais, com cartazes, faixas, com assessores legais afins, com atividades para arrecadar fundos; mas não temos capacidade de pressão na rua, não temos convocatória, somos poucos. Apesar de que ser maioria não garante nada, nem sequer a liberdade, creio que devemos ter em conta esta transcendente realidade, este problema, na hora de brigar por nossos presos. Enérgica arma usam as pessoas que decidiram acudir à greve de fome, nossa tarefa é quebrar o cerco midiático para dá-la a conhecer. Mas devemos tentar imaginar novas e melhores formas para libertar os companheiros e sobretudo para constituirmos uma ameaça de verdade e não só o fantasma da mesma. Porque sabemos que somos muito mais do que vende a imprensa, e muito menos do que ela faz crer que há. O Estado e a imprensa seguirão sabotando, e a cada dia se aperfeiçoarão mais ainda. Nós não podemos continuar na defensiva e apenas “denunciando”, sabemos como agem, suicídio seria esperar e sempre aplicar as mesmas ações. É preciso imaginar, criar, é preciso experimentar.

*Citações

(1). Em dezembro de 1918 foi aprovada no Chile a Lei da Residência, que dava poder às autoridades para expulsar do país qualquer estrangeiro que sustentasse publicamente valores contrários à nação. Os anarquistas, com certeza, estavam nessa categoria.

Referências

•Mario Araya, Los wobblies criollos. Fundación e ideología en la Región chilena de la Industrial Workers of the World
– IWW (1917-1927), Tesis de Historia, Arcis, 2008

•Peter De Shazo, Trabajadores urbanos y sindicatos en Chile, 1902-1927, DIBAM, 2008

•Julio Pinto, Desgarros y utopías en la pampa salitrera, Lom, 2007

•René Millar, La elección presidencial de 1920, Universitaria, 1981

•Víctor Muñoz, Armando Triviño: wobblie. Hombres, problemas e ideas del anarquismo en los años veinte, Quimantú, 2009

Escrito por Manuel de la Tierra | Análisis – Histórico.
Publicado en El Surco, nº19, Septiembre 2010

Fuente: https://periodicoelamanecer.wordpress.com/2012/11/25/el-pasado-es-nuestra-ofensiva-1920-y-un-montaje-estatal-contra-los-anarquistas/

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Declaração dos direitos da mulher e a cidadania, 1791 – Olympe de Gouges

26 sexta-feira dez 2014

Posted by litatah in Aborto, Anarquia, Anti Homofobia, Anti Machismo, Anti Misoginia, Feminismo e Transfeminismo, História

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1791, anarcofeminismo, anarquia, Declaração dos direitos da mulher e a cidadania, feminismo, História, história da anarquia, Olympe de Gouges, Revolução Francesa

olympe

Fonte: Patagônia Libertária

Tradução: José roberto Luna – Coletivo Anarquia ou Barbárie

A luta de Olympe de Gouges, autora da ‘Declaração de direitos da Mulher e a Cidadã’ em 1791, é importante para entender a origem do feminismo moderno. Gouges nasceu em Montauban, uma localidade do sudoeste da França, no dia 7 de maio de 1748 e morreu na guilhotina no dia 3 de novembro de 1793. Em 1791, escreve sua ‘Declaração de Direitos da Mulher e a Cidadã’ e consegue que a igualdade se discuta n’Assembleia, embora suas propostas não sejam reconhecidas. É um escrito praticamente contemporâneo da ‘Reivindicação dos direitos da mulher’, da inglesa Mary Wollstonecraft. Durante toda a sua vida, teve que aguentar todo tipo de ataques misóginos, inclusive dentro dos girondinos (seu próprio partido) e, após a subida ao poder em 1793 da ala radical dos revolucionários, os jacobinos fecharam os clubes femininos e Olympe foi perseguida, encarcerada e executada.

Para ler a Declaração de Direitos da Mulher e Cidadã:

Declaração dos direitos da Mulher e Cidadania, 1791

Olympe Rouges

I – A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direitos. As distinções sociais só podem estar fundamentadas na utilidade comum.

II – O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis da Mulher e do Homem; estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.

III – O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação que não é mais que a reunião da Mulher e o Homem: nenhum corpo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não emane deles.

IV – A liberdade e a justiça consistem em devolver tudo o que pertence aos outros; assim, o exercício dos direitos naturais da mulher só tem por limites a tirania perpétua que o homem lhe opõe; estes limites devem ser corrigidos pelas leis da natureza e da razão.

V – As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações prejudiciais para a Sociedade: tudo o que não esteja proibido por estas leis, prudentes e divinas, não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que elas não ordenam.

VI – A lei deve ser a expressão da vontade geral; todas as Cidadãs e Cidadãos devem participar em sua formação pessoalmente ou por meio de seus representantes. Deve ser a mesma para todos; todas as cidadãs e todos os cidadãos, por serem iguais a seus olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas os cargos honoríficos, postos e

empregos públicos, conforme suas capacidades e sem mais distinção que a de suas virtudes e seus talentos.

VII – Nenhuma mulher se encontra isenta de ser acusada, detida e encarcerada nos casos determinados pela Lei. As mulheres obedecem como os homens a esta Lei rigorosa.

VIII – A Lei só deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém pode ser castigado mais que em virtude de uma Lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres.

IX – Sobre toda mulher que haja sido declarada culpada cairá todo o rigor da Lei.

X – Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões inclusive fundamentais; se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, deve ter também igualmente o de subir à Tribuna contanto que suas manifestações não alterem a ordem pública estabelecida pela Lei.

XII – A garantia dos direitos da mulher e da cidadã implica uma utilidade maior; esta garantia deve ser instituída para a vantagem de todos e não para utilidade particular daquelas às quais é confiada.

XIII – Para o mantimento da força pública e para os gastos da administração, as contribuições da mulher e do homem são as mesmas; ela participa em todas as prestações pessoais, em todas as tarefas penosas, portanto, deve participar na distribuição dos postos, empregos, cargos honoríficos, e outras atividades.

XIV – As Cidadãs e Cidadãos têm o direito de comprovar, por si mesmos ou por meio de seus representantes, a necessidade da contribuição pública. As Cidadãs apenas podem aprová-la se se admite uma repartição igual, não só na fortuna mas também na administração pública, e se determinam a cota, a base tributária, a arrecadação e a duração do imposto.

XV – A massa das mulheres, agrupada com a dos homens para a contribuição, tem o direito de pedir contas de sua administração a todo agente público.

XVI – Toda sociedade na que a garantia dos direitos não estiver assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição; a constituição é nula se a maioria dos indivíduos que compõem a Nação não cooperou em sua redação.

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Domingos Passos: O “Bakunin Brasileiro”

12 sexta-feira dez 2014

Posted by litatah in História, Teoria

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anarquia, Domingos Passos, História, história da anarquia

Domingos%20Passos

RENATO RAMOS & ALEXANDRE SAMIS

(Federação Anarquista do Rio de Janeiro-FARJ)

Fonte: FARJ

“Eram 5 horas quando me levantei. O Passos, acordado não sei desde que horas, estava sentado na cama, lendo o “Determinismo e Responsabilidade”, de Hamon. Tomei a toalha e desci, para banhar o rosto. Quando voltava do pateo, enxugando-me, vi dois individuos, que logo tomei pelo que realmente eram, de revolver em punho, dirigirem-se para mim, perguntando asperamente.

 – Onde está o Domingos Passos?

Prevendo uma dessas violencias de que o nosso querido companheiro tem sido tantas vezes victima, senti forte desejo de escondel-o e neguei sua presença, dizendo:

– Domingos Passos não mora aqui!”

Esse pequeno trecho do depoimento do operário Orlando Simoneck ao jornal A Pátria[1], tomado em 16 de março de 1923, expressa claramente alguns aspectos da situação então vivida por aquele rapaz mestiço, neto de avós índios[2], carpinteiro de profissão, anarquista e ativo sindicalista do ramo da construção civil: o “camarada Passos” era, já naquele ano, o alvo preferido da Polícia carioca e, se não o mais, um dos mais queridos e respeitados militantes operários do então Districto Federal. Outra característica notável de Domingos Passos, destacada no depoimento de Simoneck, era seu incansável autodidatismo, sua sede pela instrução e pela cultura, que o fazia varar as madrugadas devorando os livros da pequena biblioteca de Florentino de Carvalho, que morava naquela mesma casa da Rua Barão de São Félix, muito próxima da sede do seu sindicato.

Domingos Passos era natural do Rio de Janeiro, tendo nascido, provavelmente, na última década do século XIX[3]. Sua trajetória militante está em grande parte ligada à sua organização de classe, a União dos Operários em Construcção Civil (UOCC), fundada como União Geral da Construcção Civil (UGCC) em abril de 1917 (a UGCC havia sido, na verdade fundada em 1915, mas teve existência breve). Apenas 2 meses após a sua fundação, a UGCC já com mais de 500 filiados, conseguiu mobilizar mais de 20.000 trabalhadores para o sepultamento dos 13 operários mortos no desabamento do New York Hotel, que se transformou em uma grande manifestação contra a ganância patronal.

No rastro da greve geral iniciada em São Paulo após o assassinato do jovem sapateiro Martinez, a UGCC e outras associações de resistência declararam, em 22 de julho de 1917, a extensão do movimento para o Rio de Janeiro, tendo como conseqüência imediata o fechamento de várias sedes sindicais pela Polícia até o início de setembro e a prisão de vários militantes[4]. Outra conseqüência nefasta para a luta dos trabalhadores, foi o banimento da Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), que só veio a ser substituída em 18 de janeiro de 1918 pela União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Em 26 de junho de 1918, a UGCC mudou sua denominação para UOCC. Em outubro desse ano, a epidemia de gripe espanhola causou a morte de mais de 12.000 pessoas no Rio de Janeiro e a fome assolou a população trabalhadora, principalmente nos cortiços do Centro e nos subúrbios. Criou-se então, a partir da UOCC, o Comitê de Combate a Fome, que a despeito de sua intenção e da tragédia vigente, teve várias de suas reuniões interrompidas pela polícia e quase todos os seus integrantes presos[5].

Em 18 de novembro de 1918, a UOCC participou ativamente da tentativa de greve insurrecional, tendo sua sede novamente fechada durante a onda repressiva que se seguiu, desta vez por mais de 70 dias. Centenas de operários foram encarcerados e a UGT, com apenas 9 meses de vida, foi fechada por decreto federal.

Em abril de 1919, após um ano e meio de disputas internas entre os sindicalista revolucionários (anarquistas) e a “facção conservadora” da UOCC[6], os primeiros elegeram uma nova comissão executiva e conseguiram que a organização voltasse a ser regida pelas Bases de Acordo originais (em dezembro de 1917, um manobra dos conservadores havia “legalizado” um estatuto que previa os cargos de presidente e vice, e que nunca havia sido reconhecido pelos libertários).

Em maio de 1919, a UOCC conquistou finalmente às 8 horas de trabalho diário para a categoria e, em julho, vários de seus membros participaram da fundação do novo organismo federativo, a Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (FTRJ).

Nos meses de setembro e outubro de 1919, uma feroz repressão foi desencadeada contra as associações de resistência do Rio de Janeiro. No dia 10 de setembro, a sede da UOCC e de várias outras entidades de classe foram atacadas pela Polícia, tendo sido efetuadas dezenas de prisões. No dia seguinte, a FTRJ convocou uma manifestação de protesto contra a violência policial, que degenerou em um conflito com a Força Pública, resultando feridos em ambos os lados.

Foi durante esse duro período que registramos a primeira aparição “oficial” de Domingos Passos, quando este foi eleito, em 16 de outubro de 1919, o 2o Secretário da UOCC e, em dezembro desse mesmo ano, 1o Secretário para o período de janeiro a julho de 1920[7]. Destacamos, no entanto, que o fato de Domingos Passos ter passado a ocupar tais cargos na organização em um momento tão difícil, indica que sua trajetória na UOCC vinha, no mínimo, de alguns meses antes.

Domingos Passos foi indicado, junto com José Teixeira[8], delegado da UOCC no 30 Congresso Operário Brasileiro (1920), quando foi eleito Secretário Excursionista da Confederação Operária Brasileira (COB)[9]. Ao ser escolhido para tal cargo, Passos certamente já se destacava no campo do proletariado organizado por sua inteligência e oratória, cultivada no cotidiano de lutas de sua categoria. Segundo Pedro Catallo[10], Passos era “dono de uma oratória suave, envolvente e agressiva o mesmo tempo, multiplicava a afluência aos comícios, desejosa de ouvi-lo falar. Depois, raramente chegava ao seu domicílio porque a polícia cercava-o no caminho e levava-o para o xadrez, onde repousava de quinze a trinta dias por vez”.

A repressão durante todo o governo Epitácio Pessoa foi brutal, com um sem número de deportações de militantes anarquistas, prisões, torturas e assassinatos, fechamentos de sindicatos e empastelamentos de jornais operários. Em outubro de 1920, a polícia dissolveu à bala uma passeata de trabalhadores na Avenida Rio Branco e, não satisfeita, novamente assaltou a sede da UOCC, ferindo 5 trabalhadores, prendendo 28 e, posteriormente, deportando 8 destes[11].

O movimento operário sentiu os golpes, e declinou a partir de 1921. Os sindicatos “amarelos” e “cooperativistas” se fortaleceram rapidamente, e passaram a disputar a hegemonia de diversas categorias com os sindicatos revolucionários. Entre os anarquistas, desmoronaram as esperanças na Revolução Russa, com a chegada das notícias sobre a repressão bolchevique, notadamente o massacre de Kronstadt, em março de 1921.

Em 16 março de 1922, nove dias antes da fundação do Partido Comunista, a UOCC publicou o documento Refutando as afirmações mentirozas do Grupo Comunista, declarando sua incompatibilidade com os “comunistas de estado”[12]. Este importante manifesto certamente teve a participação de Domingos Passos. Este, como outros militantes da Construção Civil foram, por toda a década de 1920, os oponentes mais ferrenhos e intransigentes da doutrina bolchevista, encarnando a consciência crítica e, em determinados aspectos, punitiva, dos quadros comunistas.

“Na Rússia, onde alguns membros do partido Communista, entronizados no poder, exercem a ditadura em nome do proletariado, estão sendo perseguidos, encarcerados e mortos todos os revolucionários da esquerda, mormente os combatentes anarquistas. Se é a obra de tal partido que os do Grupo Communista propagam e pretendem realizar, outra não pode ser a atitude da Construcção Civil, senão a de opozição à ditadura, e aos seus ditadores”.[13]

Em julho de 1922, no rastro do esmagamento da revolta dos tenentes do Forte Copacabana, a repressão fechou o jornal O Trabalho, órgão da UOCC, do qual Passos foi assíduo colaborador. Um novo bastião dos anarquistas na imprensa ficou a cargo de outro militante da Construção Civil, o carpinteiro e jornalista português José Marques da Costa, redator da Secção Trabalhista do jornal A Pátria.

Em 1923, continuamente perseguido pela polícia, Domingos Passos afastou-se da Comissão Executiva da UOCC e passou a se dedicar à propaganda e à organização federativa, tendo viajado duas vezes ao Estado do Paraná[14] para colaborar com sindicatos de resistência locais. Durante todo o primeiro semestre deste ano foi um dos principais articuladores da refundação da Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), já que a FTRJ, sob o controle dos bolchevistas, agonizava e, cada vez mais, aproximava-se taticamente da Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira (CSCB), entidade que congregava desde sindicatos colaboracionistas até instituições reacionárias como a Liga de Defesa Nacional e o Centro Industrial do Brasil[15]. Quando a FORJ reapareceu, em 19 de agosto de 1923, Passos foi eleito para o Comitê Federal[16].

Assim como José Oiticica, Carlos Dias e Fábio Luz, Domingos Passos era freqüentemente convidado para conferências nas sedes sindicais. Também participava ativamente dos festivais operários, atuando nas peças teatrais organizadas pelo Grupo Renovação, declamando e palestrando sobre temas sociais. Certamente, foram esses festivais alguns dos poucos momentos de lazer que Passos usufruiu em sua vida de rapaz trabalhador e ativista sindical.

A FORJ, refundada por seis associações de classe (Construção Civil, Sapateiros, Tanoeiros, Carpinteiros Navais, Gastronômicos e o Sindicato de Ofícios Vários de Marechal Hermes), até meados de 1924 teve a adesão de mais cinco categorias importantes: Fundidores, Ladrilheiros, Ferradores, Metalúrgicos e Operários em Pedreiras. O sindicalismo revolucionário, a despeito da repressão estatal e das manobras bolchevistas, se fortalecia sob a orientação da FORJ, que organizava uma conferência intersindical e planejava para aquele ano o 4o Congresso Operário Brasileiro.

E é por isso, simplesmente por isso que dia a dia os trabalhadores vão abandonando os embusteiros, enveredando pelo caminho da organização operaria, não para fortalecer nenhum partido “socialista” ou burguez, e sim para fortalecerem a si mesmos, nos seus organismos de resistencia e de combate as explorações da sociedade actual.

Quando a organização operaria tiver attingido ao apogeu almejado, uma das suas principaes preocupações é a de atirar por terra não só o partido “socialista” (dito Communista) como todos os partidos.

Não é de partidos que precizamos. Os partidos são cacos e os cacos só tem uma utilidade: a de encher as “garys” e ir aterrar a Sapucaia[17].

Precizamos é de “inteiros” e estes só se conseguem com a “organização syndicalista revolucionaria”, que une, que eleva, que constroe.”[18]

Em julho de 1924, todo esse afã organizacional foi ceifado pela repressão que se seguiu à nova revolta dos tenentes, agora em São Paulo. As sedes sindicais foram invadidas e fechadas, centenas de anarquistas encarcerados e muitos deles deportados, entre estes Marques da Costa e Antônio Vaz. Domingos Passos foi um dos primeiros a serem presos e, após 20 dias de sofrimentos na Polícia Central[19], foi recolhido ao navio-prisão Campos, fundeado na Baía de Guanabara. Sua permanência por 3 meses na embarcação caracterizou-se por momentos de profunda privação e constrangimento. Transferido para o navio Comandante Vasconcellos[20], enfrentou mais 22 dias de suplícios junto a outras centenas de cativos (anarquistas, soldados e sub-oficiais sediciosos, ladrões, malandros, cáftens, imigrantes pobres e mendigos), inaugurando em dezembro de 1924[21] a fase prisional da Colônia Agrícola de Clevelândia, o “Inferno Verde” do Oiapoque, no atual Estado do Amapá.

Após alguns meses nessa “Sibéria Tropical”, onde os maus tratos e as doenças dizimaram centenas de homens, Domingos Passos conseguiu fugir para Saint George, na Guiana Francesa. Entretanto, as febres adquiridas na selva o obrigaram à buscar medicamentos em Caiena, tendo sido acolhido fraternalmente por um créole, que o ajudou a recuperar as forças[22]. Da Guiana, seguiu para Belém do Pará, onde permaneceu por algum tempo amparado pela solidariedade ativa do proletariado organizado daquela capital.

Domingos Passos estava entre os que retornaram ao Distrito Federal após o estado de sítio imposto por quase todos os quatro anos do governo de Arthur Bernardes (1923/1926). Ao chegar ao Rio de Janeiro, no início de 1927, retornou ao ativismo sindical, mesmo sofrendo das seqüelas do impaludismo, contraído no Oiapoque. Nesse mesmo ano, mudou-se para São Paulo, onde atuou na reorganização da Federação Operária local (FOSP) e na articulação do Comitê de Agitação Pró-Liberdade de Sacco e Vanzetti[23] ,criado no início de 1926, tendo ainda participado do 4o Congresso Operário do Rio Grande do Sul, realizado em Porto Alegre.

Em agosto de 1927 foi preso durante um meeting pró-Sacco e Vanzetti no Largo do Brás, e levado à temida “Bastilha do Cambucí”, onde permaneceu por 40 dias sujeito à toda sorte de maus tratos. Solto, saiu de São Paulo em direção ao Sul do país, perseguido em todos os cantos, conseguindo chegar a Pelotas, onde foi preso e embarcado à força em um navio para Santos[24]. Ao chegar nessa cidade, conseguiu fugir e voltar a São Paulo, vivendo oculto por algum tempo até que, em fevereiro de 1928, foi preso juntamente com o operário sapateiro Affonso Festa[25].

Segundo Pedro Catallo[26], por ordem do delegado Hibraim Nobre, Passos foi deixado incomunicável por mais de três meses em um cubículo de 2 m2 da “Bastilha do Cambuci”, escuro e sem janelas, recebendo alimentação apenas uma vez por dia. Ao ser retirado da cela imunda, tinha o corpo coberto de feridas e vestia apenas trapos. Foi embarcado em um trem e enviado para morrer nas matas da região de Sengés, no interior ainda selvagem do Estado do Paraná. Algum tempo depois, conseguiu abrigo neste povoado e pôde escrever para os camaradas de São Paulo solicitando dinheiro, que foi-lhe levado em mãos por um emissário.

Aí terminou a trajetória conhecida deste que foi um dos mais influentes e respeitados ativistas do anarquismo e do sindicalismo revolucionário de seu tempo. Nunca mais se teve qualquer notícia dele, apenas boatos esporádicos e nunca confirmados.

Não foi à toa que Domingos Passos ganhou de seus contemporâneos a alcunha de “Bakunin Brasileiro”. Poucos como ele se entregaram de tal forma ao Ideal e sofreram tanto as conseqüências dessa dedicação à luta pela emancipação dos homens e mulheres. Durante apenas uma década, em grande parte passada nas prisões e nas selvas tropicais, Passos tornou-se a grande referência de militância libertária e social de seu tempo…e do nosso também!

Nossos passos seguirão os seus, Passos!

Referências

1 A Pátria, Secção Trabalhista, 16/03/1923 (Seção de Periódicos, Biblioteca Nacional).

2 “Memórias” manuscritas de Pedro Catallo in Edgar Rodrigues. Os Companheiros 2. VJR Editores Associados Ltda. Rio de Janeiro, 1995.

3 Ibidem.

4 Leal, Juvenal. Histórico da União dos Operários em Construcção Civil (18 de março de 1917 a 31 de dezembro de 1919). Edição da União dos Operários em Construcção Civil, 1920. pgs. 10-12 (Acervo da Biblioteca Social Fábio Luz, também disponível no site http://www.insurgentes.nodo50.org).

5 Ibidem. pg.. 16

6 Ibidem. pg. 24.

7 Ibidem. pg. 28.

8 Rodrigues, Edgar. Nacionalismo & Cultura Social (1913-1922). Laemmert, 1972, p.307.

9 Ibidem. p. 314.

10 Rodrigues, Edgar. Os Companheiros 2, p. 26.

11 Rodrigues, Edgar. Nacionalismo & Cultura Social (1913-1922). p. 335-336.

12 UOCC .Refutando as afirmações mentirozas do Grupo Comunista. Edição da União dos Operários em Construcção Civil, 1922. (disponível no site http://www.insurgentes.nodo50.org).

13 Ibidem.

14 A Pátria, Secção Trabalhista, 08/07/1923.

15 Castro Gomes, Ângela. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988, p. 160.

16 A Pátria, Secção Trabalhista, 18/10/1923.

17 A Sapucaia era o depósito de lixo da cidade, situado no bairro do Caju, às margens da Baía de Guanabara, hoje cortado pela Linha Vermelha.

18 Passos, Domingos. Em frente – Ao Partido Communista. A Pátria, Secção Trabalhista, 04/05/1924. (disponível no site http://www.insurgentes.nodo50.org).

19 A Plebe, 26/02/1927.

20 Samis, Alexandre. Clevelândia: Anarquismo, Sindicalismo e Repressão Política no Brasil. São Paulo: Ed. Imaginário; Rio de Janeiro: Achiamé, 2002, p. 194.

21 A Plebe, 12/03/1927.

22 A Plebe, 26/02/1927.

23 Rodrigues, Edgar. Novos Rumos (História do Movimento Operário e das Lutas Sociais no Brasil, 1922-1946). Rio de Janeiro, Edições Mundo Livre, 1978.

24 Panfleto “Trabalhadores Conscientes, Procurae saber o paradeiro de Domingos Passos” (1928). Arquivo Biblioteca Social Fábio Luz.

25 Rodrigues, Edgar. Novos Rumos. op. cit. p. 278.

26 Ibidem, p. 279.

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Comuna de Paris – Entrevista com Alexandre Samis – Tv Petroleira/Sindipetro

01 segunda-feira dez 2014

Posted by litatah in Comuna de Paris, Experiências anarquistas, História, Prática, Vídeos

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