• Anarquia ou Barbárie, Manifesto
  • Biblioteca
  • Linha Editorial
  • Sobre
  • Vídeos

Anarquia ou Barbarie

~ A anarquia é a percepção ecológica da sociedade, é o entender a participação livre de cada membro da coletividade como fundamental para a existência, para o exercício da verdadeira cidadania que é viver na coletividade respeitando a diversidade. Anarquia é coletivamente sermos o poder, é todos nós decidirmos em conjunto, de forma horizontal o que fazermos em nossas vidas e em nossos bairros, cidades….

Anarquia ou Barbarie

Arquivos da Tag: milícia curda

Ativistas organizam chamada global pela cidade curda de kobane

10 terça-feira nov 2015

Posted by litatah in abdulah ocalan, curdistão, Curdistão/Kobane, curdos, Internacional anarquista, Revolução Curda, Rojava

≈ Deixe um comentário

Tags

Curda, Curdistão livre, curdos, milícia curda, mulheres curdas, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Revolução Curda

10703563_10152053307717325_5172907232422204094_n

Fonte: FARJ – Federação Anarquista do Rio de Janeiro

Divulgamos um importante comunicado em solidariedade a Kobane e a Revolução de Rojava. A FARJ acha fundamental a divulgação e a reflexão do processo revolucionário curdo.  

30 de Outubro 2015

Originalmente publicado em Telesurtv.net

Um ano depois da cidade ser libertada, ativistas dizem que há muito mais a ser feito para ajudar na sua reconstrução. Diversos grupos, acadêmicos renomados e outras pessoas ao redor do mundo vão se juntar a um dia global de solidariedade em 10 de novembro com a cidade na fronteira Síria-Tuca de Kobane, segundo um comunicado no website Paz no Curdistão, emitido nesta quarta-feira. Ação acontece um ano depois da cidade enfrentar um ataque devastador de extremistas do Estado Islâmico.

No ano passado, na mesma data, centenas de comícios, manifestações e ações ocorreram em dezenas de países para demostrar apoio a Kobane e seu povo num momento em que os principais atores na região, incluindo a Turquia e o Iraque, pouco estavam fazendo para ajudar seu povo a lidar com o cerco do grupo Estado Islâmico.

O comunicado divulgado nest quarta-feira observa que “meses após o pior do cerco, a ajuda humanitária continua a ser impedida de entrar na cidade e as pessoas estão com necessidades urgentes de suprimentos médicos, alimentos e roupa “.

A ação do ano passado em apoio a Kobane contou com a adesão de acadêmicos de renome, como Noam Chomsky e a ativista norte-americana-palestina e acadêmica Reem Kelani.

O principal grupo por trás da ação, “Kobane Reconstruction Board”, disse no comunicado que “este apelo pede um corredor humanitário a ser aberto para a liberdade e a reconstrução da cidade.”

A população de Rojava, a região curda do norte da Síria liberado, liderada pelo grupo armado curdo YPG, tem conseguido manter suas posições contra sucessivas ofensivas do grupo Estado Islâmico, incluindo vários ataques a Kobane.

Os curdos tem sido bem sucedidos em avançar contra o grupo extremista e agora controlam Tal Abyad, uma cidade a cerca de 48 quilômetros da auto-proclamada capital do grupo Estado Islâmico.

Nas últimas semanas, a YPG juntou-se a uma nova coalizão mutliétnica de curdos, árabes e assírios com o objetivo de combater o grupo Estado Islâmico e aspirando uma Síria livre e secular. “Agora é a hora de apoiar Kobane e ao fazer demonstrar a solidariedade com as forças que lutam por uma Síria livre, democrática e pacífica”, ressalta o comunicado que anunciou a formação do grupo.

A chamada para a ação em 01 de novembro coincide com o estalido provocado pelas eleições parlamentares que estão ocorrendo em toda a Turquia em meio a renovada violência entre Ancara e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou PKK, bem como a repressão aos meios de comunicação crítico e ao partido político pró-curdo HDP.

Tradução: Comitê de Solidariedade à Resistência Popular Curda

Compartilhe isso:

  • Twitter
  • Facebook
  • Google
  • Tumblr
  • LinkedIn
  • E-mail

Curtir isso:

Curtir Carregando...

Porque a luta curda é tão importante

06 sexta-feira nov 2015

Posted by litatah in curdistão, Curdistão/Kobane, curdos, Revolução Curda, Rojava

≈ Deixe um comentário

Tags

Curda, Curdistão, Curdistão livre, curdos, feminismo curdo, milícia curda, mulheres curdas, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, PKK, Revolução Curda, ypg, YPJ

Kobane, por Talita Rauber

Fonte: Comitê de Solidariedade à Resistência Popular Curda

Fonte: Kurdish Question

Fonte original: Green Left Weekly

22 de outubro de 2015

O texto abaixo é fruto de um texto editado de um discurso proferido por Dave Holmes no lançamento do panfleto “A luta curda por liberdade hoje” em Melbourne, no dia 29 de setembro. Holmes é co-autor do panfleto, publicado pela Resistance Books. Ele também é membro da Aliança Socialista.

***

Este folheto tem como objetivo fornecer uma breve introdução para a questão curda à leitoras/es não-curdas/os na Austrália. O foco está na Turquia e no Curdistão sírio/Rojava (a maioria da zona liberada curda no norte da Síria), onde a luta está sendo conduzida pela ala democrático-revolucionária do movimento curdo. Isto é, o Partido Democrático do Povo (HDP), o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e o Partido da União Democrática (PYD).

Esta é uma luta de massas, envolvendo centenas de milhares e até milhões de pessoas.

Inevitavelmente, há pouco no panfleto sobre o Iraque e o Irã. Também não trata em detalhes a atual guerra do presidente turco Tayyip Erdogan Recip contra os curdos e como ele planeja obter uma maioria para o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) nas eleições legislativas de primeiro de Novembro.

Os artigos, escritos por mim e Tony Iltis, visam fornecer informações e perspectivas essenciais. Além disso, nós sentimos que era importante deixar as figuras-chaves desse movimento falarem por si mesmas para que os leitores possam captar o sentido dessa luta.

Adiante, temos a eloquente e poderosa mensagem do Newroz de 2013 (Ano Novo curdo) escrita pelo líder preso do PKK, Abdullah Öcalan e o co-líder do HDP Selahattin Demirtas’s com sua luminosa visão de uma nova Turquia.

Depois, há as entrevistas inspiradoras com o co-líder do HDP Figen Yüksekdag e duas comandantes das Unidades de Proteção das Mulheres (YPJ), que mostram muito claramente o tremendo papel que mulheres estão tendo na luta, em ambos os lados da fronteira.

O item final toca no papel secundário, mas vergonhoso da Austrália no conflito – sua criminalização do PKK como um grupo terrorista banido.

A Importância de Rojava

Em todo o mundo, numa miríade de lutas, as pessoas estão lutando contra a opressão e a exploração. Como socialistas, apoiamos todos eles, mas o que faz a luta pela liberdade curda hoje ser tão especial?

A resposta é que a luta pela liberdade curda na Turquia e em Rojava tem um objetivo claro – a criação de uma sociedade secular feminista, inclusiva, radicalmente democrática, ecológica. Ela tem uma liderança revolucionária digna do heroísmo e do sacrifício popular e uma estratégia para atingir os seus objetivos.

Muito do que ouvimos sobre o Oriente Médio envolve violência sectária e inter-comunal. O Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS) é a encarnação disto, com sua intolerância assassina e sua ideologia extremamente atrasada.

O Oriente Médio é um mosaico tremendamente rico de diferentes comunidades étnicas e religiosas. Os fundamentalistas de todos os tipos querem destruir esta bela diversidade através de uma violência implacável.

Isso fica mais claro no caso da Síria e do Iraque, onde os fanáticos do ISIS controlam um amplo território. É também o caso da Turquia, onde o regime de Erdogan – seguindo os passos do Governo turco desde a fundação da república em 1923 – busca aprisionar todo o país na camisa de força de uma mítica “nação Turca” muçulmana e sunita.

Curdos, alevitas, armênios, assírios, Yazedis e uma série de outras etnias e credos tem de suportar a discriminação e a opressão.

Celebrando a diversidade

O progressivo movimento curdo tem rejeitado expressamente tal nacionalismo reacionário. Em sua mensagem para o Newroz, Öcalan avança para uma perspectiva revolucionária, com estas palavras muito comoventes: “Vamos nos unir contra aqueles que querem dividir e fazer-nos a lutar entre nós. Vamos unir-nps contra aqueles que querem nos separar …

“Os povos da região estão testemunhando um novo amanhecer. Os povos do Oriente Médio estão cansados de inimizade, conflito e guerra. Eles querem renascer das suas próprias raízes e caminhar ombro a ombro…

“As verdades nas mensagens de Moisés, Jesus e Maomé estão sendo implementadas em nossas vidas hoje, com novas notícias. As pessoas estão tentando recuperar o que perderam. “

O grande sucesso do HDP nas eleições de 7 de Junho foi se basear nesta abordagem. Ele procurou ser o partido dos oprimidos e explorados em todo o país.

E no Curdistão sírio, a diversidade é inscrita nas próprias bases da revolução. Os curdos são o maior grupo étnico, mas são feitos esforços conscientes para envolver e incorporar árabes, assírios, turcomanos e assim por diante para as estruturas de autogoverno dos cantões.

No cantão de Cizire, por exemplo, onde a população compreende curdos, árabes, assírios, Siríacos e armênios, as línguas oficiais são o curdo, árabe e aramaico. Mas todas as comunidades têm o direito de ensinar e serem ensinadas em sua língua nativa.

Esta é uma questão de vida ou morte para a revolução de Rojava. As forças das trevas estão constantemente tentando jogar as comunidades umas contra as outras. E se a revolução não puder se opor adequadamente a isso, ela irá inevitavelmente falhar.

Os assassinos do ISIS ganharam notoriedade em todo o mundo por seu tratamento bárbaro dado aos prisioneiros – e sua celebração pública do mesmo. Cativos foram decapitados, queimados vivos ou fuzilados em execuções em massa.

As Unidades de Proteção do Povo (YPG) e YPJ em Rojava repudiaram tal comportamento desumano. Os prisioneiros em Rojava são tratados corretamente. Lapsos individuais são sempre possíveis, mas as autoridades de Rojava tem um registro exemplar no tratamento humano dado aos prisioneiros.

O YPG / J também assinou as Convenções de Genebra concordando em não usar soldados com idade inferior a 18 anos e licenciaram muitos combatentes por serem menores de idade.

No entanto, é preciso colocar as coisas em seu contexto: quando um garoto de 15 ou 16 anos de idade, vê seus membros da família serem mortos ou quando o ISIS ataca uma aldeia ameaçando matar a todos, é perfeitamente natural que muitos jovens pegarão uma arma e se somarão à resistência, independentemente da sua idade.

As mulheres na linha de frente

Todas as grandes revoluções têm atraído as mulheres para a luta. Mas eu acho que é verdadeiro afirmar que o papel que as mulheres desempenham na luta pela liberdade curda na Turquia e Rojava é algo sem precedentes na história.

Em Rojava as mulheres têm a sua própria força armada, o YPJ, sendo, pelo menos, um terço dos combatentes. Elas também estão no YPG. As mulheres são combatentes em todos os níveis, incluindo no comando. Eles tem fornecido centenas de mártires à luta.

As mulheres em Rojava estão lutando por uma nova sociedade em que prevaleça a igualdade de gênero real. A Carta de Rojava (constituição), afirma: “As mulheres têm o direito inviolável de participar na vida política, social, econômica e cultural … [a carta] obriga as instituições públicas a trabalhar no sentido da eliminação da discriminação de gênero.”

No cantão de Afrin, em 2013, por exemplo, as mulheres representavam 65% da administração. E o primeiro-ministro é uma mulher, Hevi Ibrahim.

Nós não precisamos idealizar nada. A sociedade de Rojava é patriarcal, mas sob a pressão da guerra, uma revolução e liderança revolucionária, as coisas estão mudando. As mulheres jovens não podem ser impedidas por seus pais ou irmãos de se juntarem à YPJ ou o Asayish, a força de ordem pública.

Embora nem todo mundo esteja ao seu lado e algumas pessoas estejam desencantadas, a revolução tem inspirado e envolvido camadas inteiras da população.

Eu gosto particularmente de uma foto de Yann Renoult na parte de trás do nosso panfleto. Essa foto mostra uma família curda na Rojava revolucionária que olha para o horizonte como se olhasse para a esperança, a determinação e a coragem. Há uma imagem de Ocalan na parede; e todos os filhos e filhas do casal se juntaram às forças de defesa ainda adolescentes.

Um dos filhos tinha perecido em batalha com 18 anos de idade. Seus pais foram atrás deles, especialmente sua mãe, disse o fotógrafo.

Sim, a situação é terrível, mas as pessoas sabem pelo que estão lutando e isto dá a revolução uma força tremenda.

Espero que este panfleto possa ajudar a espalhar a consciência da luta pela liberdade curda, construir o apoio para ela e desempenhar um papel no desenvolvimento de um movimento de solidariedade mais eficazes aqui na Austrália.

Tradução: Rafael V.

Compartilhe isso:

  • Twitter
  • Facebook
  • Google
  • Tumblr
  • LinkedIn
  • E-mail

Curtir isso:

Curtir Carregando...

Epistemologia da Liberdade:Entrevista com um jovem revolucionário curdo

01 quinta-feira out 2015

Posted by litatah in Abdula Ocalan, abdulah ocalan, Anarquia, Análise de Conjuntura, Correntes da Anarquia, Curdistão/Kobane, Eleanor Finley, Experiências anarquistas, História, Instituto de Ecologia Social/Institute for Social Ecology, Internacional anarquista, Municipalismo Libertário, Municipalismo Libertário, Murray Bookchin, Notícias, Entrevistas, Atos, Manifestos, pkk, Prática, Revolução, Revolução Curda, Rojava, Turquia

≈ Deixe um comentário

Tags

Anarco ecologia, anarco-ecologia, anarcoecologia, bookchin, confederalismo democrático, confederalismo libertário, Curda, Curdistãi, Curdistão, Curdistão livre, curdistõ, curdos, ecologia, ecologia social, ecologiasocial, Eleanor Finley, feminismo curdo, Institute for Social Ecology, Instituto de Ecologia Social, milícia curda, mulheres curdas, Municipalismo Libertário, Murray Bookchin, nstitute for Social Ecology, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Revolução Curda

demonstrators-hold-flags-014

Por Eleanor Finley, membro do Instituto de Ecologia Social

Fonte: Institute for Social Ecology

Kobane, agosto de 2015. Em face à guerra devastadora e à violência, a juventude de Rojava procura um novo caminho para o entendimento.

Ano passado, a pequena cidade síria de Kobane e sua revolução libertadora de gênero e anti-estatal chamou a atenção da esquerda do mundo inteiro.A seguinte entrevista foi feita com um jovem revolucionário de Kobane, Sherhad Naaima, que também é um estudioso do pensamento de Ocalan.Esta entrevistra nos dá uma ideia das suas experiências assim como nos convida à uma reflexão sobre a revolução em Rojava,ecologia social e a recente traição da Turquia ao movimento curdo.

P: Como foi pra você crescer na região ocidental do Curdistão?O que sua família faz?

R: Nasci numa família curdas em 1991 numa aldeia nos arredores de Kobane.Kobane faz parte da província de Aleppo na Síria.Meu pai não conseguia encontrar trabalho em Kobane,por isso mudamos para Damasco.Lá estudei literatura inglesa na Universidade e meu irmão mais velho se formou em jornalismo.Assim que a guerra e a violência explodiram,largamos os estudos e voltamos para nossa aldeia.

P: Em Kobane,o PYD tem tentado estabelecer comunidades autônomas através da democracia direta em assembleias.Poderia nos contar sobre isso?

R: Em 2011,o povo se revoltou contra a ditadura de Assad exigindo liberdade.Os curdos participaram da revolução,mas a oposição queria resolver a crise sem contemplar as demandas do povo curdo.O PYD optou por uma 3ª via para a revolução,isto é,não apoiamos nem o governo sírio nem a oposição porque ambos têm a mesma mentalidade:negar direitos ao povo curdo.

Em 2012,nós expulsamos as forças de segurança sírias das áreas curdas.Para preencher o vácuo de poder que as forças deixaram,o PYD propôs um modelo de autogestão.É esse o modelo que vem funcionando agora em todo o Curdistão Ocidental.Nos 3 distritos de Cesire,Kobane e Afrin.Esse tipo de administração pode ser chamado de administração não-estatal,porque ele não governa,apenas administra.O poder de decisão vem de baixo para cima.Todo mundo pode se expressar e tomar decisões em assembleias locais abertas a todas as etnias e partidos.Ecologia e feminismo são pautas importantes.

P: Você já participou de alguma assembleia?Elas são muito difundidas?

R: Em primeiro lugar,as pessoas estabelecem assembleias locais em todos os âmbitos:economia,educação,cultura,segurança e serviços públicos.Essas assembleias são estabelecidas por democracia direta,a política tornou-se parte da vida de todos.Eu participei das assembleias traduzindo artigos do inglês para o árabe quando vivia em Kobane.

É importante notar que uma sociedade sem nenhum sistema de autodefesa perde sua identidade e sua capacidade de tomar decisões democráticas.Pesando nisso, Unidades de proteção ao Povo(YPE) foram estabelecidas.Esse exército popular é como a rosa que se defende com espinhos:é formado por homens e mulheres locais e está sob controle das assembleias.A diferença entre as unidades de proteção e um exército de verdade é que elas não são formadas por um grupo só,mas por pessoas comuns da comunidade.Colocar um exército sob o controle de um só grupo é como por um bife na frente de um gato faminto.

P: Como você aprendeu ecologia social?

R: Em 1999,quando Ocalan foi capturado no Quênia minha vida deu uma guinada.No começo foi uma experiência muito deprimente,mas foi devido a ela que eu comecei a me interessar por política e pela questão curda.

Depois que ocalan foi confinado numa solitária na Ilha de Imrali,ele passou a maior parte de seu tempo lendo livros de política e filosofia no esforço de encontrar uma solução pacífica para a questão curda.Na prisão,ele foi influenciado por grandes filósofos e pensadores como Murray Bookchin,Immanuel Wallerstein,V.Gordon Childe,Fernand Braudel,Friedrich Nietzsche,Michel Foulcault e a escola de Franfurt.Quando li os livros que Ocalan escreveu durante sua prisão,tomei conhecimento das ideias desses pensadores que o influenciaram,especialmente Boochin porque ele oferecia a solução que Ocalan estava procurando.Desse modo,as ideias de Boochin estão ganhando popularidade no Oriente Médio através do PPK na Turquia e do PYD na Síria.Apesar disso,como indivíduo ele não é tão conhecido porque seus livros não foram traduzidos para o árabe.

P: Qual é,do seu ponto de vista,a principal contribuição da ecologia social para o movimento?

R: Nestes últimos dois séculos,o nacionalismo e sua tendência à formação de estados nacionais foi estimulado no Oriente médio.Essa forma de Estado,que busca a monopolização de todos os processos sociais foi imposta ao Oriente Médio pela modernidade capitalista.Uma vez que o Estado nacional busca criar uma única identidade nacional,uma única cultura e uma única religião unificada,a diversidade e a pluralidade têm de ser obliteradas.Esta abordagem tem levado à assimilação e ao genocídio de todo o tradição espiritual,cultural e intelecutal.Ainda assim,essa forma de Estado não poderá nunca resolver as questões do Oriente Médio porque o Oriente Médio é multi-étnico,multi-cultural e multi-religioso.

No passado,o movimento curdo procurou formar um Estado curdo,no entanto,com a leitura das ideias de Bookchin,esta orientação mudou.Os/As curdos(as) tomaram consciência de que o Estado nacional não faz sentido.Eles(as) não querem trocar as velhas correntes por novas nem aumentar a repressão.A ecologia social fez avançar o Comunalismo(aspecto político das ideias de Boochin)como uma alternativa ao Estado nacional.Agora,as/os curdas/as do Curdistão Ocidental estão pondo em prática o Comunalismo.Quanto mais o Comunalismo se fortalece,mais o Estado nacional encolhe e,a menos que o Oriente Médio supere a noção de Estado,nunca vai haver paz na região.

P: Por que a Turquia está traindo o acordo feito com os/as curdos/as?

R: Para entender porque a Turquia,com o apoio dos EUA e da OTAN,está atacando o Movimento Curdo pela Liberdade,temos que voltar ao passado do Estado Turco.Nos anos 1960 e 1970,quando a esquerda se fortaleceu e se espalhou pela Turquia,os EUA e a OTAN estabeleceram e apoiaram um novo modelo na Turquia,o “Verde Turquesa”,que é a união entre o nacionalismo e o autoritarismo islâmico.Mais tarde o Verde Turquesa teve um filho monstro,o AKP(o Partido da Justiça e do Desenvolvimento,do presidente Erdogan da Turquia).Seu principal objetivo é combater e esmagar a esquerda na Turquia e no Oriente Médio.Agora,a Turquia não está apenas atacando a oposição curda,mas também toda a esquerda,especialmente aquela com uma teoria coerente que busca uma alternativa democrática para o Oriente Médio.Esquerda Internacional tem que estar ciente desse fato.

P: Como as diferenças internas entre os/as curdos/as se desenrola no Ocidente?Barzani no Iraque e o PYD(Partido União Democrática) na Síria tem amplo apoio dos EUA e seus aliados,ao passo que o PKK(Partido dos Trabalhadores do Curdistão) na Turquia é demonizado por procurar a mesma autonomia.

R: As dferenças internas entre o povo curdo pode ser entendida em duas partes.Uma delas:o PKK e o PYD estão abos lutando contra o capitalismo e tentando chegar a um modelo democrático desmantelando a mentalidade estatal.Este novo modelo é movido pela herança de livre-pensadores e filosofias ao longo da hstória.A outra parte:Barzani aceita o Estado e busca resposta dentro do quadro de referência do capitalismo.A diferença é ideológica.Entretanto,é importante afirmar que existe ainda traços autoritários dentro do PKK e PYD que devem ser superadas com a leitura cuidadosa dos trabalhos de Ocalan e outros pensadores anarquistas.

P: Por que a esquerda ocidental não oferece maior apoio à luta do povo curdo?

R: Eu acho que a esquerda trabalha e age dentro da epistemologia capitalista(cientificismo,orientalismo,reducionismo,eurocentrismo,positivismo etc).Essa epistemologia é baseada na distinção sujeito-objeto e se reflete em várias dicotomias como corpo-espírito,preto-branco,ocidente-oriente,norte-sul etc.Sob essas distinções,hierarquia e exploração ganham mais poder que em épocas anteriores na história.A esquerda então aborda a questão curda com uma epistemologia capitalista e,por causa disso, falta de um entendimento mais profundo da questão..Outro resultado é que a esquerda é fragmentada,sem uma teoria racional que unifique a luta e que a torne uma alternativa ao sistema capitalista mundial.É muito triste dizer isso,mas a esquerda é esquerda apenjas no coração porque a cabeça está cheia de concepções capitalistas.

P: Você pode dar exemplos?

R: Sim.Americanos e europeus não ficaram surpresos em ver mulheres curdas lutando?Isto é porque em suas mentes o Oriente Médio é “atrasado” e essa dualidade oriente/ocidente é a raiz do orientalismo.Para superá-lo,devemos encarar a sociedade como um processo orgânico de desenvolvimento.A história é um rio,não pode ser barrada.Não temos ocidente e oriente,mas uma só história que se move e carrega toda a cultura humana.

Para romper com a epistemologia capitalista a esquerda precisa mergulhar mais fundo na história e reviver sua própria tradição de liberdade e o ideal de uma utopia de libertária.A partir daí,deve-se construir uma teoria holística dada pela unidade das ciências humanas e naturais.Esta nova teoria pode ser chamada de epistemologia da liberdade e pode servir como um contraponto à epistemologia capitalista.

Eleanor Finley é pesquisadora etnográfica trabalhando em antropologia e ecologia política.Atualmente ela é estudante de graduação na Universidade de Massachusetts,Amherst,além de ser membro do Instituto de Ecologia Social.

Traduzido por Valter Augusto​/ Coletívo Anarquia Ou Barbárie

Compartilhe isso:

  • Twitter
  • Facebook
  • Google
  • Tumblr
  • LinkedIn
  • E-mail

Curtir isso:

Curtir Carregando...

As ruas gritam: Solidariedade à Resistência popular curda!

29 terça-feira set 2015

Posted by litatah in Abdula Ocalan, abdulah ocalan, Anti Capitalismo, Comunicação Libertária, curdistão, Curdistão/Kobane, curdos, Experiências anarquistas, Federação Anarquista do Rio de Janeiro, Internacional anarquista, Mártires da Luta, Municipalismo Libertário, Organizações Anarquistas, pós-capitalismo, pkk, Prática, Repressão, Revolução Curda, Rojava, turquia, Turquia

≈ Deixe um comentário

Tags

Abdullan Ocalan, comunas e conselhos de rojava, Curda, Curdistãi, Curdistão, Curdistão livre, curdistõ, curdos, FARJ, Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), feminismo curdo, Kobane, Kobani, milícia curda, mulheres curdas, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, PKK, Revolução Curda, Revolução de Rojava, rojaba, Rojava, ypg, YPJ

11958167_10155953985685580_4961172051127401237_o

Fonte: FARJ – Federação Anarquista do Rio de Janeiro – Organização Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira

Rojava hoje é o centro de uma revolução popular protagonizada pelas comunidades curdas em luta. O valente exército feminino do YPJ e do exército popular do YPG. Em Rojava, a luta revolucionária autogestiona espaços de produção, forma assembleias populares (que tomam as decisões) e combatem em armas na mão tanto o subimperialismo do estado Turco (aliado à OTAN) quanto a extrema-direita fascista do ISIS (vulgo, Estado Islâmico).

O garotinho sírio, Alan Kurdi, que morreu afogado numa praia da Turquia era curdo e de Kobane, cidade que ficou conhecida pela resistência heróica das mulheres curdas contra a violência patriarcal e de direita do ISIS. Os curdos e curdas são o maior povo sem estado do planeta (50 milhões de pessoas) que hoje se organizam não para construir mais uma fronteira e Estado-nacional, mas implodir esse instrumento dos capitalistas, dando o poder das decisões, de fato, aos trabalhadores e trabalhadoras com armas nas mãos. As curdas e curdos não querem construir um Estado, tampouco gerir o modelo de dominação capitalista.

O internacionalismo é uma prática fundamental do anarquismo e da luta popular. A violência estatal que mata negros e pobres no Brasil faz parte da mesma lógica da violência do capital e do Estado, que fecha as fronteiras e mata ou oprime imigrantes sírios, gregos, haitianos.

Divulgamos a página para apoiar financeiramente a reconstrução de Rojava (parcialmente destruída pelo Estado Islâmico).

https://www.facebook.com/pages/Kobane-Reconstructing-Board/1392691501039799

Toda nossa solidariedade a Kobane e a Rojava! Toda nossa solidariedade aos imigrantes!

Nossa pátria é o mundo inteiro! Viva Rojava! Viva a revolução popular curda!

Compartilhe isso:

  • Twitter
  • Facebook
  • Google
  • Tumblr
  • LinkedIn
  • E-mail

Curtir isso:

Curtir Carregando...

Comunicado dos camaradas da DAF (Ação Anarquista Revolucionária – Turquia)

18 terça-feira ago 2015

Posted by litatah in Análise de Conjuntura, Partidos, Institucionalidade,, Curdistão/Kobane, Internacional anarquista, Manifestos, Notícias, Entrevistas, Atos, Manifestos, Revolução Curda, Rojava

≈ Deixe um comentário

Tags

comunas e conselhos de rojava, Curda, Curdistão, Curdistão livre, curdos, feminismo curdo, Kobane, Kobani, milícia curda, mulheres curdas, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Revolução de Rojava, Rojava

akobane

Fonte: Comitê de Solidariedade à Resistência Popular Curda

 

21 de julho de 2015.

NOSSA TRISTEZA SERÁ NOSSA RAIVA, KOBANÊ SERÁ RECONSTRUÍDA

10703563_10152053307717325_5172907232422204094_nNo dia de ontem, cerca de 300 pessoas procedentes de diferentes cidades, se reuniram no âmbito do chamado da Federação de Associações de Jovens Socialistas para reconstruir Kobanê, cidade que o Estado Islâmico tentou saquear. Hoje, ao chegar a Suruç (Pîrsus em curdo), pouco antes de sair rumo a Kobanê, estas jovens pessoas fizeram um comunicado à imprensa em frente ao Centro Cultural Amara de Suruç (Pîrsus). Ao final do comunicado de imprensa, uma bomba explodiu no meio da multidão, silenciando muitos corações que estavam batendo com a esperança da reconstrução.

Segundo informações coletadas até o dia de hoje, 31 pessoas morreram e centenas foram feridas na explosão.

Após a explosão de hoje, desde os hospitais de Suruç (Pîrsus) ouvimos os nomes dos mortos. Aqueles que saíram procedentes de diferentes cidades, aqueles com grandes esperanças em seus corações, agora estão caídos, como queriam os assassinos. As pessoas que sairam às ruas com o fim de reclamar a morte dos caídos, aqueles que esperam em frente aos hospitais, são ameaçados pelos TOMA (veículos com canhão de água) e pela polícia, que chegou ao Centro Cultural Amara antes das ambulâncias. Em Mersin, em Siirt, em Istambul… as pessoas que saem às ruas são ameaçadas com o massacre do Estado assassino, por meio da colaboração de assassinos.

Aqueles que massacraram muitas vidas, começando desde o primeiro dia da Resistência de Kobanê, estão agora tratando de nos desmoralizar mediante o assassinato de nossos irmãos.

Estamos tratando de reconstruir uma nova vida contra o ISIS (Estado Islâmico), contra o Estado que colabora com o ISIS, contra a política de guerra do Estado que nunca termina. Não importa o que custe, ainda que com nossa dor, assim como nossa raiva, vamos reconstruir Kobanê e recriar a vida nessa geografia saqueada.

(Hoje Alper Sapan da Iniciativa Anarquista de Eskişehir foi assassinado no ataque. E um amigo chamado Evrim Deniz Erol foi gravamente ferido.)

Bijî Berxwedana Kobanê! / Longa vida à resistência em Kobanê!
Bıjî Şoreşa Rojava! / Longa vida à Revolução de Rojava!

Ação Anarquista Revolucionária (DAF)

Tradução: Iruatã

Compartilhe isso:

  • Twitter
  • Facebook
  • Google
  • Tumblr
  • LinkedIn
  • E-mail

Curtir isso:

Curtir Carregando...

YPG / YPJ ASSUME O CONTROLE DE TODAS AS ESTRADAS QUE LEVAM A HASAKAH

20 segunda-feira jul 2015

Posted by litatah in Curdistão/Kobane, História, Internacional anarquista, Notícias, Entrevistas, Atos, Manifestos, Revolução Curda, Rojava

≈ Deixe um comentário

Tags

Curdistãi, Curdistão, Curdistão livre, curdistõ, curdos, daesh, feminismo curdo, ISIS, milícia curda, mulheres curdas, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Peshmergas, PKK, ypg, YPJ

b80ea3ea38e44cb9b41c65c79ffde000_XL

 

Por KurdishQuestion.com

Fonte: Kurdish Question

16 de julho de 2015

ANF ​​- Haseke

Forças do YPG / YPJ ( Unidade Feminina de Defesa do povo) tomaram o controle de todas as estradas que levam a Hesekê (Hasakah). Depois de cercar as unidades do ISIS na cidade, as unidades de defesa também assumiram o controle da prisão juvenil.

As gangues do ISIS tinha avançado sobre alguns bairros e ocupado vários edifícios públicos em Hesekê depois das forças do regime sírio não resistirem aos ataques lançados sobre a cidade em 24 de junho.

Com operações contra ISIS da cidade, as forças YPG / YPJ continuar a reduzir os pontos sob controle das gangues, que o tomaram de forças do regime, sem enfrentar qualquer resistência.

ISIS cercado

Como resultado das operações contra o ISIS, que vem empreendendo esforços de realizar ocupações perto da cidade de Hesekê, combatentes das unidades de defesa efetuaram uma limpeza e assumiram o controle de uma grande área que se estende desde o Monte Evdileziz para Rio Xabur há uma semana.

A Prisão juvenil também foi palco de confrontos ferozes e foi libertada por YPG / YPJ esta manhã.

A Unidades de defesa também cercaram todos os grupos do ISIS nos bairros de Neşwa e Xiwêran e nas Encruzilhadas Panaroma, de importância estratégica na entrada sul da cidade.

Com as operações realizadas ontem à noite, forças YPG / YPJ também tomaram a estrada der Ez-Zor sob seu controle. Todos as gangues ISIS no centro da cidade foram, assim, cercadas.

Ontem, as forças YPG / YPJ liberaram o centro de poder para ao sul da cidade.

Traduzido por Gilson Moura/Coletivo Anarquia ou Barbárie com auxilio do Google Tradutor

Compartilhe isso:

  • Twitter
  • Facebook
  • Google
  • Tumblr
  • LinkedIn
  • E-mail

Curtir isso:

Curtir Carregando...

Direito à Cidade e Municipalismo Libertário

17 sexta-feira jul 2015

Posted by litatah in Abdula Ocalan, Anarquia, Análise de Conjuntura, Partidos, Institucionalidade,, Anti Capitalismo, Anti Fascismo, Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (CAZP), Correntes da Anarquia, Curdistão/Kobane, História, Internacional anarquista, Municipalismo Libertário, Municipalismo Libertário, Murray Bookchin, Revolução Curda, Rojava, Teoria

≈ Deixe um comentário

Tags

Abdullan Ocalan, Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (CAZP), comunas e conselhos de rojava, Curdistãi, Curdistão, Curdistão livre, curdistõ, curdos, feminismo curdo, Kobane, Kobani, milícia curda, mulheres curdas, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, PKK, Revolução de Rojava, Rojava

curdacazp

 

Por Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (CAZP)

Fonte: Anarkismo.net

A cidade que passou ao longo de sua existência a aglutinar o conjunto da população que antes ocupava em maior número o campo, e que buscava uma forma de organização societária de maneira a atender o bem coletivo, foi aos poucos sendo atravessada por uma relação de poder específica, denominada de domínio, que surgiu com a divisão em classes sociais e que implicava que a organização da vida atendia os interesses de uma minoria em detrimento da maioria. Isso permitiu o desenvolvimento do Estado, sendo um instrumento que sempre serviu aos interesses das classes dominantes, disfarçando sua política essencialmente opressora das mais variadas formas.

A construção da vida em sociedade implica em diferentes posições e ideias que serão disputadas por diferentes grupos e indivíduos – as relações de poder. A divergência e a disputa de ideias não é um problema a ser combatido, mas uma realidade do ser humano. Ocorre que em uma sociedade dividida em classes sociais, permeada por relações de domínio (tipo específico de relação de poder), os interesses das classes dominantes prevalecem contra o bem-estar coletivo, ainda que seja em nome deste.

Desde que as relações de domínio passaram a determinar a relação social e a forma de estruturar a cidade em que vivemos como uma das consequências também houve resistência das camadas que sofrem opressão. Mesmo considerando grupos melhor posicionados dentro da escala de acesso à produção material e cultural da humanidade, a maioria não constrói as políticas de gestão da cidade de maneira satisfatória. Quem tem influência decisiva nesse processo é a camada minoritária da sociedade, que confirma seu projeto de dominação com as políticas executadas pelo Estado, gestor das cidades.

Essa resistência, mesmo que não tenha saído do marco da dominação, garantiu alguns direitos dentro da organização da cidade. As necessidades mais imediatas pautaram a luta dos grupos dominados na disputa pela cidade. Se há exclusão da maioria de certos espaços da classe dominante, existem bloqueios de estradas que reivindicam as mais variadas coisas (saneamento básico, lazer, educação etc.), que podem travar toda a cidade.

Essas lutas imediatas constituem a possibilidade de construção de uma força social capaz de reivindicar a cidade para o conjunto de quem mora nela. Cada disputa de espaço na cidade pelos grupos dominados é um caminho trilhado na luta contra o Estado e por uma cidade para os trabalhadores.

No entanto, um desafio que se coloca é fazer o trabalhador – que está imerso no seu dia a dia, tragado pela rotina trabalho-casa-trabalho – pensar criticamente, para que se interrompa esse boom de projetos de exclusão social, que só geram lucros para o empresário.

Quando paramos e procuramos alternativas para ir de encontro aos problemas que todos sofremos no cotidiano, e se fizermos isso de maneira solidária aos outros setores que sofrem dos reverses provocados pela cidade capitalista, podemos ter uma chance de impedir o sucesso da classe dominante. Por mais difícil que seja, temos uma chance. Parar e aceitar é a certeza da derrota. Nós preferimos tentar. Cada derrota no curdprojeto excludente, cada avanço em termos de mobilidade urbana, cada derrota da especulação imobiliária são vitória daqueles que concebem uma nova forma de se construir a cidade.

Não podemos esquecer que nossos espaços de convivência foram forjados numa sociedade profundamente desigual. Para termos êxito definitivo somente se aliarmos a luta do bairro com a luta por uma nova sociedade. Não esperemos uma nova sociedade para lutar pela melhoria de nosso bairro e de nossa cidade, mas não esquecemos que ela só ganha sentido se encararmos como degraus necessários para construção de outro patamar histórico.

Bookchin e o Municipalismo Libertário

O anarquista norte-americano Murray Bookchin defendia uma nova forma de sociedade baseada na reinvenção da construção dos espaços de convívio, de moradia e de construção de nossa sociabilidade. Chamava de Municipalismo Libertário sua proposta. Trata-se de uma proposta de organização política da cidade baseada na democracia direta em oposição à lógica representativa do Estado que tira da coletividade seu poder de decisão, sempre delegando a uma minoria aliada aos interesses capitalistas ou incapaz de ultrapassar estes interesses.

Na compreensão de Boockin, tornar os sujeitos ativos nas decisões, chamando para si a capacidade de planejar e executar as tarefas do dia a dia da cidade é formar sujeitos críticos que passam a ver que a sua vida depende do bem-estar do coletivo, que suas decisões têm que ir para além do egoísmo individualista para ela mesmo ter sentido. Isso não é possível numa sociedade desigual, por isso o municipalismo libertário concebe o fim das classes sociais e a gestão da cidade pelos seus próprios moradores.

Acreditamos que resgatar essas ideias do municipalismo libertário colabora bastante no atual debate das discussões do direito a cidade e colabora muito na tentativa de se aliar as lutas imediatas a luta por uma nova sociedade. Porém uma crítica ao pensamento de Bookchin é extremamente importante. Para ele a categoria do trabalho está ultrapassada. A luta por uma nova sociedade não passaria pela luta construída pelo local de trabalho, senão apenas pelo local de moradia.

Para nós, anarquistas, o anarquismo sempre esteve junto a organizar os trabalhadores a partir das contradições vivenciadas no local de trabalho. Inclusive foi na militância sindical que os anarquistas tiveram mais expressão social. A desigualdade da sociedade se dá, sobretudo, na distribuição desigual da riqueza material e imaterial produzida pela humanidade. Para reformulá-la de maneira a apontar para uma sociedade sem classe, é necessário mudar a maneira como se trabalha, acabando com a divisão de trabalho manual e trabalho intelectual, e mudando a lógica de como os produtos são produzidos e distribuídos. Isso só se dá no local de trabalho.

O mesmo sentido se dá ao trabalho voltado para a prestação de serviços, como saúde e educação. Para reorganizá-los numa perspectiva igualitária e livre, é preciso reformulá-lo dentro do próprio ambiente de trabalho. Tudo sendo planejado e executado pelo conjunto dos/ das trabalhadores/as. Obviamente que a reorganização desse trabalho deve ser feita em sintonia com as demandas do bairro e da cidade.

Bookchin prossegue, afirmando que a fábrica ao destruir o trabalho artesanal acabou a possibilidade de um trabalho mais positivo, mais próximo das ideias comunitárias. Virou uma padronização dos operários, uma nova fórmula de escravidão.

De fato, o ambiente fabril, estruturado numa sociedade de classes, reproduzirá a desigualdade e é extremamente opressor. No entanto, não podemos desprezar que a seria impossível para sociedade se manter hoje, mesmo em outra perspectiva societária, sem uma produção industrial. Se o capitalismo trouxe a degradação ambiental, desperdício de recursos e exclusão social, a produção fabril nos permite produzir para 7 bilhões de pessoas no mundo. Hoje a distribuição do que é produzido é desigual, mas o fato é que existe produção para todos, mesmo que os produtos não cheguem a atender a necessidade do conjunto, mas apenas de alguns. Não seria possível alcançar essa produção em escala artesanal. Tampouco podemos acreditar, como defende Bookchin, que a tecnologia permitiria livrar a humanidade totalmente do trabalho material.

Para nós, a luta por uma nova sociedade será feita no dia a dia do trabalho e da vida cotidiana. Pensamos uma sociedade federada em locais de moradia e de trabalho. Nisso Bookchin erra e deixa a desejar, não anulando sua belíssima contribuição com a discussão da cidade.

Ficamos nesse ponto com Bakunin, que fala que a humanidade se diferencia dos demais animais pela capacidade do trabalho inteligente e da fala. Somos homens e mulheres porque trabalhamos. Nenhuma mudança social será feita se desprezar esse espaço fundante da humanidade.

A Revolução de Rojava e o Municipalismo Libertário

Existe em uma parte do Oriente Médio uma população dispersa entre alguns países: a população curda. Tem seu direito de soberania popular negado há muito tempo. Durante a guerra civil na Síria e o recente avanço do Estado Islâmico, o povo curdo, que já luta por sua liberdade há décadas, se organizou de maneira inusitada na fronteira da Síria com a Turquia, numa região chamada Rojava. Milícias guerreiras da Unidade de Proteção Popular (YPG/YPJ) travaram combates ferrenhos contra a selvageria ignorante do Estado Islâmico e com seus próprios esforços conseguem o que Estados da região tiveram dificuldade de fazer: barraram o avanço do Estado Islâmico na cidade de Kobani.

Momento único na história recente da humanidade, não pela derrota imposta militarmente, mas, principalmente, por como foi feito isso e o que ocorreu depois. É o que queremos destacar. O protagonismo da mulher, nesse processo, tem sido uma força decisiva. Planejando, cuidando da cidade e participando dos combates aos facínoras do Estado Islâmico. Mulheres que sofrem bem mais com o avanço de ideias ultra machistas e totalitárias e que souberam dar a resposta.

Sobre a orientação do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) se vive uma nova forma de vida nessa localidade, com todas as dificuldades que uma realidade de guerra impõe. Incríveis semelhanças com Barcelona da Guerra Civil espanhola de 1936. O PKK deu uma guinada na sua orientação teórica ao adotar o Municipalismo Libertário como uma das suas orientações para reconstruir sua vida em sociedade. Tem conquistado a população de Kobani. Organização de assembleia por bairros, controle da própria população sobre suas vidas no que se é chamado de Confederalismo Democrático.

Auto declarados anti-estatistas e anti-capitalistas esse movimento tem uma dura tarefa pela frente: combater um inimigo feroz por um lado e reconstruir uma vida social sobre novos parâmetros. Suas ideias, obviamente, não agradam as fossas hegemônicas do Oriente Médio e nem ao sistema capitalista internacional. Nossa solidariedade às mulheres e homens curdos em luta. Eles mostram que um novo mundo é possível.

Related Link: https://cazp.wordpress.com

Compartilhe isso:

  • Twitter
  • Facebook
  • Google
  • Tumblr
  • LinkedIn
  • E-mail

Curtir isso:

Curtir Carregando...

Guerra e revolução nas trincheiras de Rojava: Posição dos anarquistas revolucionários

01 quarta-feira jul 2015

Posted by litatah in Abdula Ocalan, Anarquia, Análise de Conjuntura, Anti Capitalismo, Anti Fascismo, Bakunin, Curdistão/Kobane, Experiências anarquistas, História, Internacional anarquista, Janet Biehl, Kropotkin, Malatesta, Mártires da Luta, Municipalismo Libertário, Murray Bookchin, Prática, Teoria

≈ Deixe um comentário

Tags

Abdullan Ocalan, Öcalan, bookchin, comunas e conselhos de rojava, consciência revolucionária, Curdistão, Curdistão livre, curdos, feminismo curdo, milícia curda, mulheres curdas, Municipalismo Libertário, Murray Bookchin, Peshmergas, PKK, revolução, Revolução de Rojava, revolução social, Rojava, turquia, ypg, YPJ

PKK__5

Fonte: União Popular Anarquista 

Comunicado nº 44 da União Popular Anarquista 

Brasil, março de 2015.


A luta pela liberdade do Curdistão não começou hoje. O povo curdo possui uma luta pela autodeterminação que percorre séculos de combate na região da Mesopotâmia. Entre guerras e revoltas, domínio externo ou controle e repressão pelas próprias oligarquias, a história de luta deste povo, especialmente a história recente, começa a criar interesses pelos quatro cantos do mundo. Afinal, quem são esses homens e mulheres que hoje combatem e resistem ao avanço do Estado Islâmico no norte da Síria? A imprensa mundial e os governos não têm interesse em divulgar informações.

Hoje os olhos do mundo se voltam para a resistência heroica e as vitórias das massas populares em Kobane contra o Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIS). Os conflitos recentes nesta região que abarca a Turquia, Iraque e Síria é alvo da intervenção e controle imperialista e de grupos jihadistas que disputam o redesenho geopolítico do norte da África e Oriente Médio.

A resistência armada em Kobane se insere hoje em um teatro de operações político-militares complexo e que impõe para a ordem do dia o debate teórico, estratégico e programático dos revolucionários e anarquistas. A calorosa solidariedade no mundo inteiro e o tremular das bandeiras negras novamente nas trincheiras de Kobane nos mostraram a importância da solidariedade internacional para o avanço da luta e de uma linha anarquista que não fuja às tarefas da revolução.

Porém, mais do que apenas uma defesa simplista (e até estética) ou uma crítica purista e irresponsável (pacifista ou sectária) hoje é fundamental um posicionamento dos anarquistas revolucionários afim de influir nos acontecimentos, para defender e avançar nas conquistas do povo curdo e das massas trabalhadoras do mundo inteiro. É buscando contribuir com uma análise anarquista e revolucionária da situação e com um objetivo militante que nós da UNIPA lançamos esse comunicado.

As guerras no Iraque, Síria e Turquia: O terreno da luta

northern-syria-iraq-isis-map-kobani-raqqa-erbil-september-26-2014

Fonte: Wikimedia. 26 de setembro de 2014.

Devemos situar que o atual conflito em Kobane está intimamente relacionado com a guerra no Iraque, com a guerra civil síria, bem como com a guerra de guerrilhas desenvolvida e dirigida pelo PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e demais organizações curdas atuantes na Síria e Iraque.

Depois do atentando sobre as torres gêmeas nos EUA em 2001, o governo de George W. Bush, dos EUA, e de Tony Blair, da Inglaterra, invadiram o Iraque em 2003 e destruíram o Estado comandando pelo Partido Baath (Nacionalista Árabe, de maioria Sunita – um ramo do islamismo) de Saddam Hussein sob a justificativa, falsa, de eliminar armas de destruição em massa. Em busca de uma ação rápida que atendesse os interesses do imperialismo, de controle de reservas energéticas, petróleo, e de controle político-militar da região, apoiado por Israel e as monarquias do golfo pérsico, os americanos e britânicos destruíram o Estado iraquiano, um dos poucos Estados laicos e não-alinhados com os EUA, dividindo-o.

A partir de então se iniciou uma guerra civil pelo controle do “novo” Estado iraquiano e uma luta de resistência contra as tropas imperialistas. Uma parcela de grupos étnicos-político locais, curdos e xiitas, que estavam fora do poder durante o governo de Saddam Hussein, apoiaram a invasão. Por sua vez, os EUA e a Inglaterra sustentaram a formação de um governo fantoche composto por curdos, xiitas e sunitas. Entretanto, os conflitos se acirraram na medida em que antigos grupos fora do poder (principalmente sunitas) passaram a se vingar. Não houve aliança possível para o controle compartilhado do Estado Neoliberal proposto pelos EUA e aceito pelas classes dirigentes desses grupos étnicos e religiosos.

Assim, a política da OTAN, de Israel e dos EUA para o Iraque passa pelo redesenho e a divisão de todo o Oriente Médio. É uma política claramente neocolonial. O desmantelamento do Iraque aumentou a resistência à ocupação com grupos vinculados à rede Al Qaeda. De origem Sunita, composto por jihadistas de várias partes do mundo, esse grupo criou o Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIS), com leis baseadas em textos religiosos do Islã, formando um novo Califado, também patrocinado pelos EUA. Os rebeldes da Frente Al Nursa (ramificação da Al-Qaeda na Síria) e do ISIS são vinculados às forças paramilitares patrocinadas e treinadas pela aliança militar ocidental para a guerra civil na Síria. Não por acaso, romperam com Al-Qaeda para se concentrar na luta pela formação desse estado que compreende o Nordeste da Síria e quase todas as regiões de maioria árabe sunita do Iraque.

Abu Bakr al-Baghdadi

Abu Bakr al-Baghdadi, autoproclamado Califa do Estado Islâmico.

Portanto, que fique claro, o Estado Islâmico é filhote do imperialismo norte-americano. Por isso está correto quando a organização turca Ação Anarquista Revolucionária (DAF) afirma que: “Estados covardes cuja única expectativa é o lucro, fundariam o ISIS hoje, arrepender-se-iam hoje, e reconheceriam o Estado Islâmico amanhã. Enquanto o povo sempre lutará pelo seu futuro e por sua liberdade, como no passado.” Essa frase define muito a atuação imperialista na região do Oriente Médio nas últimas décadas, apoiando atores contraditórios, oligarquias “do bem” contra oligarquias “do mal”, golpistas contra governos democráticos, e modificando essas definições de acordo com os seus interesses políticos.

A fundação do ISIS, do Califado, está vinculado a agenda dos EUA para retalhar o Iraque e a Síria em mais dois territórios separadas: uma república xiita árabe e a República do Curdistão (de caráter burguês e pró-imperialista). Esse projeto conta com apoio dos israelenses e das ditaduras e monarquias absolutas do Kuwait, Catar, Arábia Saudita e Emirados.

O atual Governo Regional do Curdistão (KRG), também conhecido como Curdistão Iraquiano, atende essa agenda geopolítica e é apoiado pelos EUA e o Estado de Israel. O KRG é controlado, através de eleições, por três partidos da direita curda e mantêm uma política de apoio às multinacionais que exploram esta região com imensas reservas petrolíferas. As forças políticas da burguesia curda que atualmente controlam o Curdistão Iraquiano colaboraram no combate ao PKK e à guerra de guerrilhas, chegando a entrar em conflito durante o início da década de 1990.

A atual guerra civil na Síria, iniciada no primeiro semestre de 2011 sob a forma de grandes manifestações de rua e que em alguns meses ganharam o caráter de conflito armada, ganhou contornos regionais e mundiais com a intervenção das principais potências imperialistas (EUA, França, Alemanha, Inglaterra, Rússia e China) e de países semiperiféricos como a Turquia. Depois de uma ameaça de intervenção direta na Síria pelo presidente estadunidense Barack Obama (Partido Democrata), reprovada a priori pelo próprio parlamento, o governo Russo articulou um acordo de entrega de armas químicas sírias com a ONU. Assim, Putin reforçou a posição do eixo Moscou-Pequim contra a intervenção militar defendida pelos líderes europeus, encabeçados pelo “socialista” François Hollande e Angela Merkel, Obama e o governo Turco de Erdogan.

Iraqi Kurdish leader Massud Barzani (R) shakes hands with Turkish Prime Minister Ahmet Davutoglu during their meeting in Arbil, the capital of the Kurdish autonomous region in northern Iraq, on November 21, 2014.

Massud Barzani (Curdistão Iraquiano) e Ahmet Davutoglu (primeiro ministro da Turquia). 21 de novembro de 2014.

A oposição síria está dividida entre grupos salafistas, jihadistas sunitas (Brigadas Liward al Tawhidi, Ahrar al Cham, Souqour al Cham) que formaram o Conselho Islâmico, os islâmicos moderados (Brigadas Al-Farouk), grupos curdos e o Exército Livre da Síria (sigla FSA, coalização mais pró-ocidental) que formaram o Conselho Nacional Sírio. No início do ano de 2014 foi formado o Comitê Nacional de Coordenação para Mudança Democrática que negocia com as potências ocidentais e com a Liga Árabe.

Ao contrário do que muitos afirmaram, a radicalização da luta de classes no norte da África e no Oriente Médio, através dos levantes populares, não apenas não levaram a “revoluções democráticas” como serviram para piorar as condições de vida, aumentando a miséria e o autoritarismo, abrindo espaço para a atuação de grupos militares fundamentalistas e sucessivos golpes militares e conflitos étnicos. Hoje existem mais de 300 mil refugiados da guerra civil. Além disso, segundo dados do Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), mais de 200 mil pessoas já morreram desde o início dos conflitos em 2011. As mortes aumentaram a cada ano, e em 2014 chegaram a 76.012 pessoas mortas, com alto índice de mortes de crianças e civis em geral. Uma das principais razões para que os levantes do norte da África tenham fracassado é o domínio religioso-conservador na direção das oposições (que reestabeleceram novas oligarquias no domínio do poder do Estado) e a inexistência de organizações revolucionárias de massas capazes de questionar o fundamento desse poder de exploração e opressão sobre o povo.

As disputas em curso tanto no Iraque como na Síria estavam dentro de um jogo de interesses políticos e econômicos dos países centrais e de potências regionais (como Turquia e Irã). Há fortes disputas energéticas em torno do fornecimento de gás para a Europa. Por fim, há as disputas políticas pelo controle político do Norte África, Oriente Médio e Ásia Central.

Com isso, a instabilidade na região com a quedado governo ditatorial de Bashar Al-Assad pode gerar problemas para Israel, devido a ação dos grupos islâmicos fundamentalistas, e mesmo para o Irã, que procura estabelecer novas relações com as potências mundiais. Mas para China, Rússia, EUA e União Europeia surge a necessidade de manutenção do domínio político e econômico da região. O povo trabalhador da Síria estava nas mãos das potências do ocidente, da autocracia do Partido Baas Sírio e de setores islâmicos (como o ISIS), militares e burgueses nacionais, com apoio de movimentos socialistas colaboracionistas que compõem a oposição.

Porém, o controle por parte de organizações revolucionárias curdas do território ao norte da Síria denominado de Rojava, e dos combates militares em Kobane, anunciaram a entrada em cena de um novo sujeito social nos conflitos geopolíticos da região, as massas populares armadas.

A guerra em Kobane contra a invasão jihadista e a defesa da revolução social

YPG

A formação do território de Rojava e seus desafios políticos e estratégicos estão inexoravelmente relacionados a esse contexto regional e mundial. Os ataques à Kobane não começaram há três meses. Aproveitando a oportunidade aberta pela guerra civil síria, uma série de conflitos político-militares se desenvolveram na região, desde julho de 2012, até que as milícias de autodefesa popular curda, YPG – Unidades de Defesa Popular e YPJ – Unidade de Defesa das Mulheres (fração feminina do YPG), libertassem o território reconhecido como a parcela síria do Curdistão e organizassem uma nova política, economia e cultura.

Sobre as razões do início do conflito territorial, o Ministro da Autodefesa do Cantão de Kobane, İsmet Şêx Hesen, em uma entrevista, afirma que:

“(…) a batalha de Kobane está acontecendo há cerca de um ano e seis meses. Antes eram principalmente grupos como a frente Al-Nusra e Ahrar-i farsa e outros que estavam no ataque contra Kobane. Kobane foi cercada por um ano e meio. Kobane fora privada de suas necessidades básicas, como água, eletricidade e comércio. A batalha que hoje está chegando ao seu terceiro mês, é parte desta história. Eu não olho para os ataques ao Cantão de Kobane como uma batalha com o EI. Olhamos para o EI como um agente de uma parceria internacional. Este agente possui parceiros em diversas partes do mundo. Ele tem parceiros no Afeganistão, na China, na Arábia Saudita, no Sudão, na Turquia e em muitos outros lugares. Vários Estados diferentes têm a sua participação neste grupo. Por exemplo, eles receberam muito apoio de regiões como do regime Baath e da Turquia. Foi a partir daí que eles tiveram a coragem de atacar Kobane.” (Fonte:http://www.resistenciacurda.wordpress.com)

Portanto, segundo o ministro da autodefesa, o atual combate contra o Estado Islâmico deve ser entendido dentro de um contexto internacional onde vários grupos e Estados estão intervindo e buscando se beneficiar a partir do conflito.

Um dado importante deste conflito são as batalhas entre a própria oposição síria não jihadista pelo controle territorial do Curdistão sírio. O Exército Livre Sírio (FSA) alinhado ao imperialismo norte-americano, combateu Rojava durante três meses, sendo derrotado pela YPG no final de 2013, levando ao armistício e ao reconhecimento do território curdo pelo FSA. Portanto, além de serem atacados pelos jihadistas da frente Al-Nusra e do Partido Baas (de Assad), as milícias populares curdas tiveram de combater a chamada “oposição democrática” financiada pelos EUA.

A Turquia de Erdogan, com sua política islamista pró-ocidente, tem sido peça chave na estruturação política da região. Aliada do imperialismo norte-americano, o governo turco vem desenvolvendo a anos uma caçada contra o povo curdo e a luta do PKK e do Partido da União Democrática (PYD – Partido curdo atuante em solo sírio, aliado do PKK, e que dirige as milícias YPG-YPJ). A Turquia classifica, junto com os EUA e União Europeia, as organizações pela libertação curda de terroristas.

O papel que cumpre atualmente a Turquia neste conflito é extremamente importante. Rojava é um território que está hoje sendo atacada por um dos lados pelo ISIS e em sua retaguarda possui fronteira com a Turquia. Antes de iniciar este conflito entre as milícias curdas e o Estado Islâmico a fronteira Turquia-Síria já era um importante meio de passagem dos traficantes de armas, equipamentos e pessoal para os jihadistas, tudo isso com o apoio do islamismo “moderado” de Erdogan. Durante o início da guerra civil síria e com as grandes multidões de refugiados que se deslocavam para fugir da guerra, Erdogan tentou a tática da abertura das fronteiras para a pulverização étnica e superpopulação da região do Curdistão sírio. Táticas que fracassaram.

Com o início dos ataques do Estado Islâmico contra Kobane (um dos cantões de Rojava), a política da Turquia foi de fechar as fronteiras para o apoio, proibindo a passagem de pessoas e equipamentos para a resistência em Kobane. Enquanto isso as fronteiras turcas permanecem abertas para os assassinos jihadistas do ISIS. Essa política foi parcialmente burlada quando da passagem de centenas de pessoas entre sindicalistas, comunistas, anarquistas e pessoas solidárias em setembro de 2014. Além disso, por pressões diretas do presidente norte-americano Barack Obama, o primeiro ministro turco Erdogan teve que assumir algumas medidas da coalizão ocidental contrária ao ISIS, sendo que uma delas era permitir a passagem de combatentes do KRG e do FSA para apoiar a resistência em Kobane.

Desde o início do conflito em Kobane, a coalizão das potências imperialistas (Coalizão Internacional) que se propôs a combater o avanço do ISIS, não cumpriu esse papel quando isso significou apoiar diretamente o armamento do povo curdo organizado nas milícias YPG. A política da coalizão imperialista de não atuar por terra, apenas através de bombardeios e ataques aéreos, foi covarde e irrisória frente a tarefa de combater o avanço do exército jihadista fortemente armado e equipado.

Desde meados de outubro Obama pactuou com Erdogan, presidente da Turquia, para uma “mudança de orientação” que consistiria em uma atuação mais enérgica e pesada em apoio aos combatentes curdos de Kobane. No dia 20 de outubro de 2014, aviões dos Estados Unidos lançaram 28 contêineres contendo armamentos em um território controlado pelos curdos, apesar de 2 acabarem caindo em território controlado pelos jihadistas e um destes ter sido destruído pelas milícias curdas.

peshmarga

Exército do Curdistão Iraquiano, apoiado pelo imperialismo

Um dia antes, dia 19 de outubro, havia sido lançado um comunicado pelo Comando Geral do YPG afirmando o acordo político-militar com o Exército Sírio Livre (FSA), o exército aliado dos EUA. Seguindo essa orientação, a Turquia libera a fronteira para a passagem de combatentes peshmergas (forças militares do Governo Regional do Curdistão – KRG, do Curdistão iraquiano). No entanto, como era de se esperar, a política fronteiriça da Turquia em relação a esquerda revolucionária, especialmente o PKK, continuou inalterada.

Portanto, entendamos o cenário da guerra em Kobane. De um lado do front combatem as forças aliadas do YPG, FSA e peshmergas, do outro lado combate o ISIS. Porém, dentro das forças aliadas de Kobane existem interesses em conflito geopolítico latentes. Tanto FSA como peshmergas são representantes regionais e militares da burguesia imperialista. A aliança destes setores na resistência de Kobane é cínica e oportunista, tal como o apoio dos EUA e da Turquia. As milícias populares curdas já se enfrentaram militarmente com todos esses agentes que hoje se dizem aliados contra o ISIS. E para a Turquia está claro: antes a vitória do terrorismo fundamentalista do que a vitória dos “terroristas” de Rojava. Para os EUA a situação não é diferente. Porém, tampouco o ISIS cumpre as demandas do imperialismo para o norte da África e Oriente Médio, especialmente no que tange a hegemonia e aliança com o Estado de Israel.

Nesse contexto o apoio da coalizão internacional e dos destacamentos militares do FSA e de peshmergas possui uma importância estratégica para a burguesia imperialista. Os Estados pretendem disputar a direção da resistência e reforçar suas posições nos territórios de Kobane para, em um curto prazo, acabar com as conquistas políticas e econômicas das massas populares de Rojava. Afinal, no território sírio liberado pelos curdos também existem grandes jazidas petrolíferas.  

Esse debate, sobre a guerra de defesa nacional, sempre esteve presente nas lutas do proletariado. Os trabalhadores se defrontaram com essa situação em diversos momentos, seja na guerra franco-prussiana de 1870-1871 (situação em que emergiu a rebelião operária-popular que construiu a Comuna de Paris), passando pela Revolução Russa de 1917 e a luta contra a invasão de mais de uma dezena de países estrangeiros em meio a I guerra mundial, ou durante a guerra civil espanhola onde a luta contra o fascismo tomou contornos internacionais que exigiu uma política de defesa nacional.

Frente a esses episódios cabe ressaltar aqui a experiência histórica, a política e a teoria dos anarquistas revolucionários: Mikhail Bakunin e a Aliança, a Makhnovitchina e o grupo Dielo Trouda, Jaime Balius e os Amigos de Durruti. Todos estes anarquistas defenderam uma via de independência política do proletariado como peça chave para o triunfo, não apenas da revolução mas também da guerra anti-imperialista, ou seja, defenderam a inseparabilidade das duas esferas (nacional e internacional) do conflito social. Segundo Bakunin em suas Cartas sobre a situação da guerra franco-prussiana:

“Não deve-se contar com a burguesia. (…) Os burgueses não veem, não compreendem nada fora do Estado, fora dos meios regulares do Estado. O máximo do seu ideal, de sua imaginação, de sua abnegação e do seu heroísmo, é a exageração revolucionária da potência e da ação do Estado, em nome da salvação pública. Mas já demonstrei suficientemente que o Estado nessa hora e nas circunstancias atuais – com os bismarckianos no exterior e os bonapartistas no interior -, longe de poder salvar a França, não pode mais do que derrota-la e matá-la.

O que unicamente pode salvar a França, em meio aos terríveis e mortais perigos exteriores e interiores que a ameaçam atualmente, é a sublevação espontânea, formidável, apaixonada, enérgica, anárquica, destrutiva e selvagem das massas populares em todo o território da França. Esteja convencido: fora disso não há salvação para vosso país.” (Bakunin, pág. 112-113)  

A elaboração teórica de Bakunin sobre as consequências da guerra de defesa nacional em um período de decadência e guinada contrarrevolucionária do liberalismo burguês, onde o principal interesse da burguesia é a manutenção do Estado e continuidade da exploração do trabalho, é clara e fundamental. A defesa do país colonizado ou vítima de invasão imperialista exige uma ação autônoma do proletariado. Essa ação autônoma, massificada, organizada em resistência popular armada (seja na forma de milícias ou exército revolucionário), para expressar verdadeiramente sua potencialidade e força social deve ser guiada não pelos ideais políticos do patriotismo e da grandeza do Estado que animaram a burguesia em um passado qualquer, e sim pelos ideais internacionalistas e pela construção prática do socialismo e da liberdade. A guerra anti-imperialista ou antifascista deve se tornar guerra revolucionária socialista. Apenas assim é possível vencer não apenas um fascismo/imperialismo particular, mas avançar resolutamente na luta universal pela emancipação do proletariado.

A partir dessa consideração teórica bakuninista existem algumas conclusões que podemos chegar para entender a guerra em Kobane. O apoio militar vindo das potências imperialistas, por maior que fosse (mas não foi), não possui qualquer relação com os interesses de libertação do povo curdo ou do Oriente Médio do jugo do autoritarismo e da exploração. Muito menos será esse apoio que irá garantir a vitória curda. O que os EUA, ou qualquer Estado capitalista, pretende com o combate ao Estado Islâmico é manejar a guerra civil síria aos seus interesses e remodelar a geopolítica do norte da África e Oriente Médio. Claro que é também um jogo perigoso para o imperialismo armar as milícias populares de Kobane caso não se consiga controlar ou neutralizar politicamente essa força revolucionária. Por isso a importância do FSA e do KRG como meio de disputa interna em defesa dos interesses da burguesia.

A luta de libertação curda: federalismo ou estatismo?

kurds

“Não estando apegada a terra, a burguesia, tal como o capital da qual é hoje a encarnação real e viva, não têm pátria. Sua pátria está onde o capital lhe traga maiores lucros. Sua preocupação principal, para não dizer a única, é a exploração lucrativa do trabalho do proletariado. Desde o seu ponto de vista, quando essa exploração avança tranquila, tudo está perfeito, e, ao contrário, quando ela se interrompe, tudo está péssimo. Portanto, não pode ter outra ideia além de pôr em movimento, por qualquer meio possível, ainda que esse meio seja desonroso, signifique a decadência e a submissão de seu próprio país. E, no entanto, a burguesia possui necessidade da pátria política, do Estado, para garantir seus interesses exclusivos contra a exigências tão legítimas e cada vez mais ameaçadoras do proletariado.”

Mikhail Bakunin, Cartas, pg. 197.

Como dissemos no início deste comunicado, os Curdos experimentaram um longo processo de lutas. Excluídos das negociações e traídos pelo Tratado de Lausanne de 1923, depois de ter sido prometido um Estado próprio pelos aliados da I guerra mundial e com a partilha do Império Otomano. Os curdos ficaram divididos deste então nos Estados da Turquia, Iraque, Síria e Irã, sendo a maior minoria étnica sem-Estado, oprimidos por diversos Estados. Vale ressaltar que outros povos também compartilham com os curdos a opressão étnica e nacional destes Estados.

Segundo Abdullah Ocallan o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) foi fundado em 1978 na Turquia sob a orientação teórico-política do marxismo-leninismo. O PKK é até hoje a principal organização em defesa dos curdos na região. A defesa durante a década de 70 e 80 da URSS e da linha comunista internacional para os países semifeudais e semicoloniais se dava dentro do contexto da guerra fria e da bipolaridade mundial. O início da luta armada, através da guerra de guerrilhas, ocorre em 1984 e tem como objetivo estratégico a defesa da libertação nacional, através da formação de um Estado curdo independente. Posteriormente, com o fim da URSS, o PKK se aproxima do maoísmo internacional.

A formação do PKK se deu em um período de identificação étnica específica durante a década de 70, orientada especialmente por um novo movimento estudantil com ideias esquerdista. Esse jovem movimento foi atacado desde o seu início não apenas pelo Estado Turco mas também pelas aristocracias curdas, que se sentiram ameaçadas pela nova identidade étnica curda de matriz popular que questionava a identidade étnica “tradicional” feudal defendida por essa aristocracia.

freedom_fighters_ypg_pkk_kurdistan_by_doganerol1-d8ek7r8Durante a guerra de 1991 no Iraque, houve uma modificação importante na luta de libertação nacional dos curdos. Os Estados Unidos apoiaram a formação de um governo curdo iraquiano governado por essa aristocracia curda aburguesada e pró-imperialista. Esse apoio dos EUA desde a década de 90 irá resultar no que hoje é o Governo Regional do Curdistão (KRG), localizado ao norte do Iraque. Como já afirmamos, o KRG é governado por três partidos da direita curda, através de eleições parlamentares, e mantêm em seu território imensas jazidas de petróleo sendo exploradas por multinacionais. O Curdistão Iraquiano é divulgado na imprensa ocidental como um “civilizado, moderno e democrático”. O antagonismo com a política do PKK é evidente, chegando a levar a conflitos diretos entre estas forças políticas.

Porém, a alguns anos atrás, uma mudança importante também ocorre no movimento de libertação curda. Com a prisão do fundador e líder do PKK, Abdullah Öcalan, momento em que este foi condenado a morte pelo Estado turco pelo crime de traição (posteriormente modificada para prisão perpétua), este passa a operar um processo de autocrítica em relação às concepções gerais com que vinham desenvolvendo a luta de libertação nacional curda. É nesse processo em que desenvolve sua tese do Confederalismo Democrático.

O Confederalismo Democrático se baseia no autogoverno das massas, através de organismos descentralizados de base e que se unificam de baixo para cima, formando os organismos centrais. A autonomia e a igualdade de direitos entre diferentes povos e coletividades étnico-culturais é complementada com a liberdade religiosa e a igualdade de gênero. Acima de tudo tais igualdades de direitos e de fato (com órgãos e espaços concretos para exercício do poder popular) tem se mostrado muito mais avançados e reais neste rincão do Oriente Médio do que em qualquer carta constitucional, tão bonita quanto inútil e farsante, dos países ocidentais e “liberais”.

Essa nova linha político-estratégica do PKK e do movimento de libertação nacional curda é acima de tudo uma autocrítica da linha estatista e industrialista do marxismo internacional, em que o modelo clássico de lutas de libertação nacional confluem para a formação de um Estado-nação forte e independente, visando o desenvolvimento industrial e econômico em termos capitalistas, como etapa prévia ao socialismo. Ocorre que o destino histórico das “democracias populares” e das revoluções democrático-burguesas ao longo do século XX, apesar de importantes escolas do proletariado internacional, desenvolveram-se para a restauração da exploração das massas trabalhadores por novas classes dominantes e burocracias. O proletariado que participou ativamente, e até mesmo dirigiu essas revoluções no século XX, experimentou êxitos grandiosos (Vietnã, China, Nicarágua, etc.) e, também por isso, derrotas históricas. 

A defesa de um revolução politicamente federalista, culturalmente feminista e multiétnica, deve ser complementada necessariamente por um programa econômico de socialização dos meios de produção-distribuição-consumo sob o controle das massas trabalhadoras. Essa revolução social não possui etapas mecanicamente determinadas pela ação do Estado/partido, de cima para baixo. Muito menos deve cumprir primeiramente uma etapa nacional-estatal e industrial para após isso se tornar internacionalista e socialista. Ai reside toda a importância histórica da experiência de Rojava e o potencial revolucionário desta luta, ou seja, a possibilidade de apontar um norte não para a formação de um Estado-nação curdo, mas para superar o modelo estatista de autodeterminação dos povos e assim se vincular à luta revolucionária internacional.

O “cessar fogo” com o Estado da Turquia, há cerca de dois anos, e a defesa do fortalecimento de territórios autônomos e liberados é fruto desta nova linha política do PKK. Ao que tudo indica, pelos acontecimentos de Rojava, isso não significa a adoção de uma linha pacifista ou democrático-burguesa. Tanto é que esse cessar fogo foi recentemente quebrado pelo governo da Turquia em um ataque a bases do PKK no dia 14 de outubro de 2014. Porém, deve-se analisar o desenvolvimento dos acontecimentos, as políticas de alianças, etc. afinal de contas, tampouco a revolução em Rojava está isenta de contradições e disputas.

É importante observar que esta não foi a primeira ruptura de linha ou revisão do marxismo em direção ao federalismo no contexto de lutas anti-coloniais. No final do século XX, os grupos guevaristas do México fizeram também uma revisão de linha, se adequando às condições de vida e luta dos povos sem-estado do sul do México, e desse processo nasceu o moderno zapatismo, com o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Similarmente aos curdos, os povos indígenas do Sul do México, colonizados e oprimidos por diversos Estados, geraram uma nova prática de luta e liberação territorial. Outro exemplo modelar foi o da Comuna de Paris, em que os republicanos estatistas abdicaram de sua política em favor de uma política federalista, possibilitando assim o surgimento de um novo modelo Anti-Estatista de revolução.

O debate e a luta de tendências no seio da “esquerda” e do anarquismo internacional

resist-kobani2

Desde o início da guerra em Kobane contra o ISIS diversas organizações no mundo inteiro (comunistas, socialdemocratas e anarquistas) tem se posicionado sob diferentes pontos de vista. A omissão também foi um tipo de posicionamento, em geral covarde. Um posicionamento militante, que se desenvolve em solidariedade internacionalista, possui uma grande importância, e isso porque as revoltas e revoluções possuem causas e efeitos que extrapolam as localidades geográficas onde elas acontecem. Devemos entender que a luta pela revolução social em Rojava faz parte da longa marcha de aprendizagens e avanços da classe trabalhadora, sendo dever de uma organização revolucionária atuar decididamente em sua defesa e pela sua vitória.

A omissão e/ou negligência da esquerda internacional frente a guerra revolucionária em Rojava diz respeito especialmente ao posicionamento pró-aliança com as burguesias de stalinistas, trotskistas e socialdemocratas. Eles fazem tal como a imprensa burguesa internacional e os governos, fingem desconhecer o processo e tratam de isolar e menosprezar a luta do povo curdo. Isso ocorre em parte pelo simples fato de não estarem na “direção” ou em qualquer posto de combate da luta popular na região. Incapazes de tomar parte na luta e disputar sua direção (por conta de suas tradições e métodos reformistas que não se aplicam a esta realidade) “acusam” o PKK de ser stalinista e caem no mais puro idealismo, tornam seu julgamento político-moral como mais importante do que a análise do processo real e suas contradições. Porém, essa omissão e secundarização é apenas uma face cínica dessa esquerda burocrática e reformista.

O debate internacional em torno da guerra em Kobane apresentou pelo menos duas vertentes errôneas de interpretação. A primeira delas é o posicionamento de alguns partidos e organizações que há algum tempo vem saudando a chamada “oposição síria” do Conselho Nacional de Transição (CNT) e do Exército Sírio Livre (FSA) e não por acaso passaram a se pronunciar mais decisivamente em defesa da luta em Kobane após a unidade das milícias YPG com o FSA. Segundo o PSTU (seção brasileira da LIT-QI): “(…) a unidade político-militar entre os combatentes curdos e os rebeldes sírios árabes não só é progressista como, em nossa opinião uma condição para a vitória, tanto no terreno da luta para derrubar a ditadura de Al Assad como para avançar rumo a um Estado independente de toda a nação curda.”. Essa posição não é apenas defendida pelo PSTU, mas também por correntes do PSOL e outros partidos reformistas brasileiros e europeus. Apresentando-se sob o rótulo de “progressista” revela-se na prática das disputas geopolíticas um apêndice da política burguesa pró-imperialista.

Além disso, a posição trotskista revela dois elementos que estão em jogo na resistência de Kobane: 1) a formação de um Estado-nação (e o discurso pan-curdo), ou seja, a união de todo o povo curdo sob o poder centralizado do Estado; 2) a submissão à política norte-americana para o Oriente Médio. Isso significaria a submissão do processo revolucionário em Rojava pela aliança com a burguesia curda pró-imperialista, no Curdistão Iraquiano. Essa é a velha política marxista e reformista, e nesse caso entra em perfeita consonância com os interesses imperialistas para a região.

O anarquista russo Bakunin, quando combateu na França contra a invasão prussiana em 1870-1871, já havia se posicionado em relação a política de setores de “esquerda” que apoiaram a direção política da burguesia republicana, tudo isso em nome da unidade e da força nacional. Bakunin fala sobre a esquerda radical republicana:

“E a esquerda contestou? Não fez absolutamente nada. Aclamou estupidamente esse ministério agourento que, no momento mais terrível que França podia ter passado, se apresentou a ela, não como um ministério político, senão como um ministério de defesa nacional. (…) A esquerda radical acreditou ou pareceu acreditar que se podia organizar a defesa do país sem fazer política, que se podia criar uma potência material sem a inspirar por nenhuma ideia, sem a apoiar por nenhuma força moral. (…).

Por patriotismo e por temor a paralisar os esforços sobre-humanos para a salvação da França destes digníssimos homens, a esquerda radical se absteve de toda recriminação e de toda crítica. Gambeta acreditou ser seu dever dirigir comprimentos calorosos e expressar sua plena confiança no general Palikao. Afinal, não tinham que “manter a qualquer preço a união e impedir funestas divisões que apenas beneficiariam os prussianos”? Tais foram a desculpa e o argumento principal da esquerda, que se serviu deles para mascarar todas suas imbecilidades, todas as suas debilidades, todas as suas covardias.” (Bakunin, Cartas, pág. 200)

A segunda forma errônea de linha política para Kobane foi apresentada por grupos anarcossindicalistas no texto “Rojava: uma perspectiva anarcossindicalista”. Após esse texto algumas respostas e réplicas foram feitas, dentre elas destacamos o texto escrito pela organização Ação Anarquista Revolucionária (DAF), da Turquia, chamado “Uma resposta para ‘Rojava: uma perspectiva anarcossindicalista’”.

O texto anarcossindicalista se baseia em informações parciais e uma concepção sectária em relação à luta de libertação curda. As acusações de que o PKK seja patriarcal, centralista, nacionalista, dentre outras, são mais baseadas na história desse partido e em falsificações do que na atualidade e na potencialidade da luta travada em Rojava. Confundem então uma organização com o conjunto diversificado dos grupos sociais em luta, da classe. Afora esse fato, o sectarismo da posição dos anarcossindicalistas, condenando a participação anarquista na luta pela autodeterminação dos povos expressa um desvio estratégico, programático e teórico. O mais contraditório é que muitos desses grupos “apoiaram” o Zapatismo quando este estava na “moda” nos anos 1990, sendo que as mesmas críticas direcionadas à resistência curda poderiam ser direcionadas ao Zapatismo.

Para os revolucionários, não interessa a priori se o partido a frente de um processo de luta é socialdemocrata, maoísta ou nacionalista, ou mesmo que não haja direção orgânica da luta. Para os anarquistas revolucionários, que defendem o materialismo e a dialética como método de análise, o que importa é o caráter concreto da luta que o povo está travando, se é justa ou injusta para os interesses da revolução social. Nunca a organização anarquista deve abdicar seus princípios ideológicos, teóricos e estratégicos. Isso, ao contrário da abstenção “purista”, implica a participação e disputa interna dentro do movimento de massas, compreendendo as particularidades de cada tendência e partido, sua história e sua atualidade.

Os anarquistas participam das lutas das massas trabalhadoras para fortalecer e orientar os aspectos positivos, e combater os desvios e deturpações burocráticas e burguesas, seja combatendo partidos, organizações militares ou setores das próprias massas populares.

DAF-Barikat

Ação Anarquista Revolucionária (DAF), organização da Turquia.

Da mesma forma que uma luta pode ser justa mesmo dirigida por um setor atrasado, também é correto afirmar que essa direção (caso persista) terá implicações diretas para a vitória ou derrota da luta, e que, portanto, é tarefa dos revolucionários a disputa e reorganização para que as massas superem esta direção. Como já dissemos em outros documentos, o papel da organização anarquista é de iniciador-dirigente, ou seja, tornar-se vanguarda das massas em luta, isso significa atuar como amigo do povo, e acima de tudo não se afastar das massas, nem fugir das contradições.

O conceito de minoria ativa surgiu historicamente, para expressar esse posicionamento. Como as forças políticas orientadas pelo princípio de autoridade tendem a ser, a princípio, as direções e hegemônicas nas organizações, os anarquistas devem atuar como minoria ativa dentro do movimento, apontando os erros e contradições desses setores. Isso é válido para diversas situações. Ou seja, atuar junto à classe, suas lutas, como organização autônoma minoritária.

O purismo e o sectarismo são uma grande armadilha. Leva uma organização ou indivíduo a não compreender o terreno no qual se luta, pois este é indiferente para ele e as suas “fórmulas” fechadas e únicas. Existe acima de tudo um sectarismo e purismo reformista, típico das esquerdas parlamentares ocidentais (mas que atinge também os setores revisionistas do anarquismo), que desconhecendo e menosprezando as condições de luta na periferia do capitalismo preferem o caminho mais cômodo da “condenação moral”. Mas devemos observa que os mesmos anarcosindicalistas não fazem nenhuma autocrítica da capitulação do anarcossindicalismo à Frente Popular nacionalista, política que ainda continua em vigor na Europa, com a acomodação de diversas organizações ao capitalismo. O mesmo acontece com relação à ideologia pós-moderna, onde grande parte do anacrosindicalismo capitulou ao eurocentrismo e racismo do feminismo burguês-imperial.

Aos anarquistas revolucionários não cabe a mera contemplação, deve-se compreender as condições da luta de classes em cada realidade (compreendendo também o que há de universal em cada realidade particular) para precisamente tomar parte na luta pela vitória do proletariado, independente das dificuldades a serem enfrentadas.

Tanto a via reformista como a via sectária e purista se completam para derrotar a libertação curda antes mesmo que ela aconteça. Uma reforça o setor burguês e pró-imperialista e a outra reforça a apatia, a indiferença e o sectarismo dos setores revolucionários, os únicos que podem fazer avançar a luta em Rojava.

Para as atuais condições da luta no Curdistão ou em qualquer parte do mundo os anarquistas não devem abdicar de sua organização, seja em prol da direção do PKK ou de qualquer perspectiva nacionalista ou estatal-burguesa. Ainda que se lute conjuntamente com maoístas, nacionalistas e outros setores que estejam apoiando a revolução de Rojava contra a invasão reacionária, é fundamental construir e fortalecer a organização anarquista revolucionária como meio de aprofundar o processo anti-estatista e socialista e combater os setores burocráticos e colaboracionistas.

A libertação da mulher está na ponta do fuzil e ao lado do povo

mujer-revolucion

“A resistência em Kobane está sendo dirigida por mulheres que ao mesmo tempo que combatem o ISIS, destroem valores machistas e favorecem uma atitude libertária para com as mulheres para que possamos ocupar um lugar numa nova sociedade.”

Comandante Meryem Kobane

Um dos fatores que deu grande repercussão à resistência curda em Kobane foi a participação ativa e o papel dirigente e destemido das mulheres em todas as frentes de luta. Apesar de haverem sido divulgadas nas mídias de massa ocidentais quase unicamente um fator superficial e estético (por vezes atendendo ao imaginário machista com a imagem de mulheres armadas), e apesar das acusações de patriarcalismo por parte de setores sectários do anarquismo, apesar disso, um amplo movimento feminino tem se formado e avançado no Curdistão.

O fato é que as mulheres em armas possuem um novo patamar de diálogo na construção da nova sociedade. Assim foi na Comuna de Paris de 1871, assim foi na guerra civil espanhol de 1936, assim foi em outras experiências proletárias em que as mulheres tiveram participação decisiva. A potencialidade de luta das mulheres sempre foi alvo de preconceito, até mesmo nas fileiras socialistas e revolucionárias. Porém, a experiência histórica é uma escola para o povo e a exigência pelos direitos das mulheres nunca esteve longe das necessidades da revolução. Portanto, apesar da importância central da ação feminina em Rojava, não podemos nos esquecer que as mulheres sempre estiveram presentes nas mais diversas lutas, armadas ou não, pelo mundo afora.

ypj

O YPJ, ala feminina da milícias YPG, que reúne hoje mais de 8.000 milicianas, expressa uma questão central em torno da libertação da mulher: a luta pela libertação da mulher não está desvinculada da luta pela emancipação da classe trabalhadora como um todo. Essa questão se expressa de forma muito clara no caso de Kobane, mas não deixa de estar presente como dilema universal da luta das mulheres. Caso os homens e mulheres de Kobane vençam a guerra e a revolução contra a opressão do capitalismo e do jihadismo, as conquistas feministas se garantem e aprofundam; caso contrário a escravidão sexual, o feminicídio e demais formas de repressão brutal contra as mulheres coroarão um retrocesso sem precedentes. Portanto, a revolução social e a libertação das mulheres possuem uma relação de potencialização: sem a vitória de todo o povo, e com isso a transformação das bases sociais, a libertação das mulheres é impossível, sem uma base societária e organizativa feminista é impossível avançar nas tarefas da revolução.

Nas palavras de Agiri Yılmaz, uma combatente do YPG:

“Na mentalidade do Estado Islâmico as mulheres são deficientes. Elas não podem lutar. No entanto, quando se ouvem os gritos e chamadas das mulheres do YPJ, eles deixam suas posições e suas armas e fogem. Eles estão com medo de lutar contra mulheres. Eles dizem a si mesmos ‘deixe-me morrer lutando contra um homem, mas não contra uma mulher.’ Isso é oriundo de sua concepção de que as mulheres não podem fazer nada. Mas a nossa concepção é de que as mulheres organizadas gerenciam a si mesmas e se organizam.” (Fonte: http://www.resistenciacurda.wordpress.com)

A luta das mulheres curdas, porém, não significa apenas um perigo ao fundamentalismo religioso. A luta destas mulheres é um grande perigo para a concepção liberal-burguesa sobre o papel da mulher e da “libertação feminina”. O central para compreender esse conflito é a questão do poder.

A política do “empoderamento” na sociedade capitalista pela chegada seletiva de mulheres a cargos de poder e repressão (empresárias, governantes, policiais, seguranças, etc.) é uma política contrarrevolucionária. Esse “empoderamento” da mulher é falso, tão falso quanto as possibilidades de igualdade pela ascensão social de pessoas pobres, pois está circunscrito a uma estrutura societária desigual. O discurso do empoderamento burguês possui como fim a integração sistêmica das burocracias e personalidades femininas e a paralisação do potencial revolucionário das amplas massas femininas.

O “empoderamento” para o feminismo proletário significa o fortalecimento dos órgãos de poder popular (sindicatos, conselhos/soviets, movimento estudantil, assembleias populares, etc.) e ao mesmo tempo o fortalecimento da participação e direção das mulheres nessas organizações. O poder popular, democrático, federalista e socialista, é o único que pode garantir plenamente os direitos políticos, econômicos e culturais para as mulheres trabalhadoras. Mas esse poder é um novo poder, que só pode florescer e triunfar (tal como demonstra Kobane) sobre os escombros do velho poder burguês ou fundamentalista e dos sonhos mesquinhos do “empoderamento” do feminismo-liberal.

Por uma Tendência Classista e Internacionalista!

kurdish-protest

Existem contradições nos processos revolucionários, no Curdo e no processo revolucionário em geral? Sim. As contradições foram apontadas nesse texto. Mas a solução não está nem no apoio aos projetos estatistas burgueses de independência, nem na fria ausência de solidariedade internacional de um reformismo libertário sectário. Está na organização dos anarquistas revolucionários para atuarem nos processos revolucionários e colocar seu projeto em prática. É por isso que chamamos a construção de uma Tendência Classista e Internacionalista (TCI), que possa conjugar as tarefas de organização popular e resistência local com a solidariedade militante internacionalista. A tarefa no atual momento é atuar no sentido de reorganizar uma alternativa sindicalista revolucionária, apontando novos horizontes de ação e organização para a classe trabalhadora diante da atual crise internacional e radicalização da luta de classes.

Liberdade ao Povo Curdo!

Morte ao Imperialismo e ao Estado Islâmico!

Vitória as milícias de autodefesa popular!

Pelo Socialismo e Autogoverno das massas!

Avante o Anarquismo Revolucionário!

***

Para ler em PDF: Comunicado nº44

Compartilhe isso:

  • Twitter
  • Facebook
  • Google
  • Tumblr
  • LinkedIn
  • E-mail

Curtir isso:

Curtir Carregando...

[Curdistão – Argentina] Entrevista com militante internacionalista

09 segunda-feira mar 2015

Posted by litatah in Anarco Feminismo, Anarcosindicalismo, Anarquia, Anti Capitalismo, Anti Consumismo, Anti Fascismo, Anti Machismo, Anti Misoginia, Antirracismo, Curdistão/Kobane, Entrevistas, Municipalismo Libertário

≈ Deixe um comentário

Tags

Argentina, confederalismo democrático, Curdistão, iraque, irã, Kobane, milícia curda, militante, PKK, Rojava, Síria, turquia

Fontes: RedLatinaSinFonteiras
Original de PERFIL, aqui.
Tradução por Arthur Dantas, do Coletivo Anarquia ou Barbárie.

Por Diego Rojas, 15/02/2015

De volta: María Alvarez viveu sua própria experiência no frente. A sua foi uma experiência que incluiu somar seu conhecimento nos campos de refugiados yazidis.

De volta: María Alvarez viveu sua própria experiência no frente. A sua foi uma experiência que incluiu somar seu conhecimento nos campos de refugiados yazidis.

A experiência da entrevistada em uma das regiões mais conflituosas do planeta. Na luta do Curdistão, não só há questões étnicas e religiosas: também há o papel fundamental das mulheres nessa sociedade.

ISIS (Estado Islâmico) foi derrotado. A notícia percorreu o mundo no final de janeiro deste ano. Os grupos armados do grupo terrorista que querem impor o califado islâmico em todos os lugares – e que tem predileções por degolamentos e execuções de jornalistas e de reféns estrangeiros, além de uma forte opção pela opressão da mulher – tiveram que abandonar Kobanê após dois anos de combate. Os vencedores foram os combatentes organizados nas milícias do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PPK).

Entre as mulheres armadas com Kalashnikovs, combatentes do sexo masculino disparando contra os islamitas, no interior da infra-estrutura de uma cidade destruída pelos bombardeios, uma mulher argentina chegou ali para ajudar com os deveres médicos como uma brigadista.

Nas trincheiras: María Álvarez, profissional da saúde e militante da Convergência Socialista, partiu para o Oriente Médio com a finalidade de chegar à região curda em novembro de 2014.

“Meu plano inicial era entrar pelo Iraque – conta Álvarez ao PERFIL. Viajei à Turquia e me dirigi à fronteira com o Iraque, mas ali negaram meu passaporte porque havia uma situação de guerra. Me informaram que não poderia passar na qualidade de turista ou algo assim. Fiquei, assim, na Turquia ajudando vários campos de refugiados curdos”.
Nos dois anos de combates na região produzidos pelo avanço do ISIS, milhares de refugiados cruzaram a fronteira escapando dos terroristas. ISIS, por seu lado, deixou um total de 20 mil mortos e seqüestrou 3500 mulheres e crianças que foram vendidas em outras regiões sob seu controle.

Médica de guerra: “Em várias cidades colaborei com assistência médica aos refugiados –continua Álvarez. Em Cizre trabalhei em um campo de refugiados yazidis. Nessa cidade havia uma situação de guerra civil em aberto: os curdos consideram que vivem sob ocupação por parte do exército turco e por isso organizaram auto-defesas populares casa por casa, aonde desde as avós até as crianças estão armados e mantém barricadas em todas as quadras. Estavam produzindo um processo similar ao de Rojava, mas na Turquia, um país que é membro da OTAN e por isso não iriam permitir isso tão facilmente”.

— O que é Rojava? – pergunta PERFIL.

— Em 2012, em meio à guerra civil na Síria, o povo curdo declarou sua autonomia através de um levantamento. O exército de Assad retirou-se e assim formaram um governo autônomo baseado em assembléias populares. Isso ocorreu na região de Rojava, que tem três cantões, um chamado Kobane.
O autogoverno também definiu a criação de auto defesas, de homens e mulheres. O papel das mulheres é notável: elas estão na vanguarda não só para defender a revolução com milícias armadas, mas por estarmos à frente de todas as organizações que foram criadas para o auto-governo. Por lei, deve haver duas pessoas para cada posição: se há um presidente tem de ter uma presidenta. Se há um ministro tem que ter uma ministra. Eles estabeleceram uma espécie de Constituição nessas províncias, chamado Contrato Social, onde as mulheres impuseram a criminalização da violência contra as mulheres. É proibido o casamento infantil, a mutilação genital feminina, a poligamia, o dote para a noiva para se casar. Um cargo público não consegue aceder homens acusados de violência contra as mulheres.
Estabeleceram a separação da religião dos organismos de governo. E para defender este processo decidiram resistir ao assédio do ISIS. Os terroristas tinham avançado porque o exército sírio abandonou as regiões sem combatê-los. Retiraram-se deixando os bancos com milhões de dólares. A única resistência armada ao ISIS foi em Kobanê, armado apenas com Kalashnikovs contra esta gente armada pelas monarquias da região, por parte da CIA e Mossad. A mobilização dos curdos na Turquia fez com que iniciassem os bombardeios às posições do ISIS e, assim, avançaram as milícias expulsando-os. Por fim, as milícias curdas derrotaram o ISIS.

— Como continuou sua travessia para chegar a Kobane?

— Dos campos de refugiados na Turquia, onde estava, fui guiada por membros da resistência curda. Uma noite, após planejarmos tudo, subimos em uma van com vários curdos e uma sueca. Andávamos sem luzes por estradas onde não passavam carros. Em um ponto paramos e tivemos que continuar a pé. Nós andamos à noite através de campos abertos e territórios cercados. Também cruzamos uma vala que os turcos fizeram para impedir a chegada de refugiados.
Assim chegamos a Kobane. Lá eu servi como assistente de saúde aos feridos provenientes da frente de combate, nos hospitais que foram armados pelas milícias. O hospital trabalhava com uma equipe de médicos e enfermeiros. Lá se recuperaram vários feridos em combate, de gravidades várias. O médico-chefe do hospital era um jovem com idade inferior a 40 anos que atendia com uma arma na cintura o tempo todo.
Enquanto isso, a luta persistiu e bombas caíam sobre Kobane. Houve momentos dramáticos com os feridos, tive que realizar amputações, de milicianos feridos lutando diretamente com o ISIS. O cenário era dramático. Os terroristas tinham literalmente destruído a cidade. A infra-estrutura de Kobane tinha sido arrasada.

— Qual o rumo político do processo?

— O PKK converteu-se em um verdadeiro partido de massas. Abandonou o marxismo-leninismo e tem uma definição socialista difusa, autonomista, semi-anarquista. São os dirigentes do processo. Conheci comandantes das milícias que vieram de vários lugares do Curdistão.

1k__Cumpa_internacionalista___autodefensa_de_las_mujeres_kurdas– Álvarez faz uma pausa e mostra uma fotografia. Está junto à três mulheres vestidas de fajina. Estas três garotas tinham o grau de comandantes.

– A da esquerda era uma curda de origem turca, a do meio de origem iraniana e a terceira da região da Síria. A comandante que nasceu na Turquia morreu em combate contra o ISIS. As mulheres combateram ombro a ombro com os homens.

O Retorno: Maria Àlvarez retornou ao país em meados de janeiro. Dias depois, os curdos foram às colinas que circundam Kobanê e bandos armados do ISIS fugiram. Kobanê, o bastião em disputa, foi recuperado pelos milicianos curdos e mulheres que haviam derrotado os terroristas mais brutais da era contemporânea. Milhares caíram e a cidade foi destruída, mas mostrou-se que o temido ISIS não era uma entidade invencível. E também enfatizou que a luta das milícias irregulares mistas, impulsionada pela vontade de resistir e, dependendo da continuidade de um projeto político de transformação, podem vencer. Os últimos relatos indicam que os corpos dos membros do ISIS que não eram vítimas dos combates com as forças curdas, indicando divisões e execuções ulterinas. No futuro imediato, ISIS não será um perigo para os curdos, que devem se cuidar em relação às decisões que serão tomadas pelos governos da Turquia e da Síria, que vêem o processo em Rojava como um potencial perigo político.

Para celebrar o triunfo, centenas de bandeiras curdas amarelas, vermelhas e verdes foram hasteadas em toda a região de Kobanê e outras, em Rojava, e mais adiante, em todo o Curdistão.

Há um processo aberto na região curda, uma experiência social e política inédita em marcha e uma moral elevada em todos seus protagonistas devido às virtudes que insuflou nos espíritos dos que sentiram o sabor do triunfo.

 

Notas adicionais à reportagem: “Los problemas étnicos são também ideológicos” –http://www.perfil.com/mobile/?nota=/contenidos/2015/02/15/noticia_0066.html
Por Diego Rojas

Gran Ozcan é membro do Comitê de Solidariedade na América Latina com o Curdistão e conversou com PERFIL sobre o processo político que se desenvolve nessa região do Oriente Médio.

— O PKK é um partido étnico?

— Abdullah Öcalan, o líder do PKK preso na Turquia desde 1999, sempre disse que os problemas étnicos são problemas ideológicos. A questão étnica é um sintoma dos problemas do sistema. Por isso, a luta nacional dos curdos é também uma luta anti-sistema. Öcalan propõe que a questão da independência não pode ser regida por um Estado nacional. A proposta do PKK está centralizada pelo assim chamado confederalismo democrático, que é uma solução antiestatal. Para Öcalan, quando se toma o controle do Estado, o Estado toma controle dele. Por isso tem que desfazer-se do Estado.

— Os marxistas têm como sujeito a classe obreira, O que acha o PKK?

— A centralidade não está colocada na classe trabalhadora, mas [para o PKK] a categoria principal são as mulheres. A mulher é o setor mais explorado. A classe trabalhadora só pode libertar-se uma vez que a mulher tenha se libertado na sociedade. Os curdos em Rojava estão se organizando com essas premissas. As mulheres têm suas próprias milícias. Todo posto político é composto por duas pessoas, por um homem e uma mulher. É uma revolução porque está mudando o sistema econômico e político. O planejamento é uma revolução antiestatal socialista no Oriente Médio e acreditamos que ela se iniciará pelo socialismo no Curdistão.

— Qual é a situação atual em Rojava?

— Quando o ISIS atacava Kobanê, os turcos mantiveram objetivamente o ISIS. Faz alguns dias que chegou a notícia de que deixaram cair armas para o ISIS de aviões na região síria. Turquia está mantendo-os abertamente. São os inimigos do povo curdo e do processo político que protagonizam. Não por acaso Öcalan foi entregue à Turquia pela CIA e o Mossad. O desenvolvimento dos curdos é uma ameaça para seus interesses na região.

http://www.perfil.com/mobile/?nota=/contenidos/2015/02/15/noticia_0065.html
Saiba mais:

Os curdos são uma etnia que vive no território chamado Curdistão, que se encontra no território de quatro nações com maiorias étnicas diferentes da curda: Turquia, Síria, Irã e Iraque.
Após a invasão dos EUA ao Iraque, se destacou uma zona autônoma curda cujo líder é Masud Barzani, de tendência pró-estadounidense. Foi eleito como presidente do Curdistão iraquiano.
O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) é uma organização fundada por Abdullah Ocalan, de grande influência na região curda da Turquia e da Síria. Ocalán cumpre uma pena de prisão perpétua na Turquia.
O confederalismo democrático é a forma política do PKK, que apregoa um socialismo antiestatal. Seu sujeito central são as mulheres. O PKK tem milícias masculinas e femininas e advoga por um sistema de decisões tomadas em assembleias populares. Este projeto abarca a região autônoma curda de Rojava, na região síria, aonde derrotaram o ISIS.

Links relacionados:

https://www.facebook.com/nicolas.rio.37?fref=nf&pnref=story
https://www.facebook.com/marialvarezdelanus?pnref=story
http://www.perfil.com/mobile/?nota=%2Fcontenidos%2F2015%2F02%2F15%2Fnoticia_0067.html

Compartilhe isso:

  • Twitter
  • Facebook
  • Google
  • Tumblr
  • LinkedIn
  • E-mail

Curtir isso:

Curtir Carregando...
Follow Anarquia ou Barbarie on WordPress.com

Categorias

Anarco Ecologia Anarco Feminismo Anarco Primitivismo Anarcosindicalismo Anarquia Anarquia Verde Anti Capitalismo Anti Consumismo Anti Fascismo Anti Homofobia Anti Machismo Anti Misoginia Antirracismo Anti Transfobia Análise de Conjuntura, Partidos, Institucionalidade, Aquecimento global - Mudanças climáticas Comunicação Libertária Curdistão/Kobane Experiências anarquistas Feminismo e Transfeminismo Feminismo intersecional História Internacional anarquista Manifestações Organização de base Presos Políticos Prática Revolução Sem categoria Teoria

Anarcolinks

  • A.N.A – Agência de Notícias Anarquista
  • Anarkismo.net
  • Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)
  • Federação Anarquista do Rio de Janeiro – FARJ
  • Federação Anarquista Gaúcha – FAG
  • Federación Anarquista de Rosário
  • Federación Anarquista Uruguaya – FAU
  • GAIA – Justiça Ecológica
  • Liga Anarquista – RJ
  • Literatura Anarquista
  • Portal Anarquista – Coletivo Libertário Évora
  • Protopia
  • Solidaridad Kurdistán
  • Solidariedade à Resistência Popular Curda
  • Unio Mystica

Curta Nossa Fan Page

Curta Nossa Fan Page

Siga-me no Twitter

Meus tweets

Calendário

fevereiro 2019
D S T Q Q S S
« mar    
 12
3456789
10111213141516
17181920212223
2425262728  

Tags

23 presos a anarquia é a mais alta expressão de ordem anarco anarco-ecologia anarco-sindicalismo anarcoecologia anarcofemin anarcofeminismo anarcoprimitivismo anarquia anarquia e arte anarquia e feminismo Anarquia em Portugal anarquia e ordem Anarquia na América anarquia na América do Sul anarquia na américa Latina anarquia na Espanha anarquia na Europa anarquia no reino unido anarquia nos EUA anarquia no século XXI anarquia ou barbarie anarquia verde anarquismo anarquismo na grécia anarquismo verde anarquistas Anti Fascismo Análise de conjuntura arte arte de luta arte e luta Bakunin bookchin cinema confederalismo democrático Curdistão Curdistão livre curdos ecofeminismo ecologia educação libertária emancipação feminina estado repressor feminismo feminismo curdo grécia História história da anarquia História do Anarquismo História Social indígenas Kobane kurdistan Malatesta manifestantes presos milícia curda mulheres curdas Municipalismo Libertário Murray Bookchin perseguição internacional PKK presos presos político presos políticos PT repressão repressão internacional revolução Rojava Teoria teorias anarquistas ypg YPJ

Anarquivos

Cancelar
loading Cancelar
Post não foi enviado - verifique os seus endereços de e-mail!
Verificação de e-mail falhou, tente novamente
Desculpe, seu blog não pode compartilhar posts por e-mail.
Privacidade e cookies: Esse site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.
Para saber mais, inclusive sobre como controlar os cookies, consulte aqui: Política de cookies
%d blogueiros gostam disto: