[Rusga Libertária] Quem é Lucy Parsons? A Mitologização e a re-apropriação de uma heroína radical (Casey Williams)

Coletivo Anarquista Luta de Classe

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Neste 8 de março, Dia Internacional de Luta da Mulher, compartilhamos o excelente trabalho feito pelo pessoal do Rusga Libertária, organização anarquista integrante da Coordenação Anarquista Brasileira do Mato Grosso, de tradução de uma cartilha sobre Lucy Parsons, militante anarquista negra estado-unidense.

Leia em: https://rusgalibertaria.wordpress.com/2015/02/23/quem-e-lucy-parsons-a-mitologizacao-e-a-re-apropriacao-de-uma-heroina-radical-casey-williams/


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[CAB] Nota pública da Coordenação Anarquista Brasileira: 8 de Março, Dia Internacional da Mulher

Coletivo Anarquista Luta de Classe

“Somos escravas dos escravos. Exploram-nos mais impiedosamente que aos homens.” Lucy Parsons.

Resgate histórico sobre 8 de Março, Dia Internacional da Mulher:

Possuímos uma cultura do esquecimento, de apagamento de nossa memória, somos fruto de uma história que gerações antepassadas construíram. Por isso é de suma importância que nós, enquanto anarquistas feministas organizadas, façamos o resgate e a preservação cultural da história da luta da classe oprimida, das lutas empregadas por grandes mulheres que não se submeteram ao regime patriarcal dominador de sua época.

Datas importantes e que foram históricas na luta de classes, como o 8 de Março e o 1° de Maio, são “comemoradas” sem que haja o conhecimento suas origens. Sabemos que a classe dominante tem sua própria versão da história, versão essa que apaga deliberadamente as lutas sociais contra a dominação e exploração. Ainda mais por isso é que devemos nos apropriar da história de nossa…

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“Se ficarmos parados seremos engolidos”, afirma cacique Kaingang

Debate no interior do Paraná criticou atual cenário de ameaças aos direitos dos povos tradicionais e apresentou a comunicação popular como ferramenta de apoio à luta indígena na região.

Por Julio Carignano,

De Nova Laranjeiras

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Original: http://www.brasildefato.com.br/node/34167

A questão indígena e atual conjuntura de ataques a direitos das comunidades, o Levante Zapatista no México, a autodeterminação destes povos e a utilização de ferramentas de comunicação popular em apoio à luta dos povos originários pautaram um debate no último sábado (13/2) na Terra Indígena Rio das Cobras, uma das maiores reservas do sul do país, localizada nos municípios de Nova Laranjeiras e Espigão Alto do Iguaçu, Centro Sul do Paraná.

A roda de conversa reuniu lideranças e juventude da Terra Indígena, militantes de movimentos sociais, comunicadores populares e professores e estudantes da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e foi organizada pelo Coletivo Anarquista Luta de Classe (CALC), coletivos da Rádio…

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Nosso feminismo será classista e de base, ou não será!

Opinião das mulheres anarquistas da FAG lido na ocasião do Ato Político Anarquista celebrativo ao 8 de março, dia Internacional da mulher trabalhadora.

12745681_1155973071080916_3155340972329807896_nPor ocasião do 8 de Março, data importante para as mulheres de todos os povos do mundo, nós, mulheres da Federação Anarquista Gaúcha, convidamos a todas e todos, no dia de hoje, a se somar nesta modesta, porém convicta opinião de luta contra as mais diversas opressões, especialmente contra as violências que decorrem das ideias machistas e patriarcais. Nossa presente contribuição não pretende ser totalizante nem abarcar toda a diversidade de opressões que sofrem os diferentes grupos dentro do que definimos por “mulher”, porém, uma coisa queremos demarcar: nossa luta e nossa vida se dedica às mulheres do povo, às mulheres oprimidas, pois delas nascemos, delas somos parte e por elas estamos dispostas a viver e morrer. Assim, conscientes de nossa insuficiência, queremos apresentar alguns debates e construções que temos feito…

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Encontrei um Amarildo

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Entre interpretação e realidade, filme apresenta caso do desaparecimento de homem simples da Rocinha para colocar outras questões em pauta

Por Angélica Fontella

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

O Estopim

Dir. Rodrigo Mac Niven, Brasil, 2014

“A polícia informou…”, “o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro divulgou…”, “o secretário de segurança pública da capital fluminense declarou…” Frases como essas são usadas diariamente pela imprensa e, para o bem ou para o mal, muitas vezes representando uma ideia de verdade. Nas manifestações de 2013, múltiplas vozes tentaram se fazer ouvir e uma das 368 pessoas desaparecidas no estado do Rio de Janeiro em julho do mesmo ano (dados do ISP) se tornou símbolo: Amarildo de Souza. O morador da Rocinha – comunidade da zona sul carioca – desapareceu no dia 14 de julho de 2013, após ser abordado por policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e conduzido “para averiguação” à sede da UPP. Nunca mais apareceu. Com intuito de abrir o debate sobre violência e projetos de militarização, foi produzido o documentário O Estopim, que estreou no Festival do Rio 2014, mas que ainda está sem previsão de lançamento.

Cena do cotidiano de Amarildo (Brunno Rodrigues) /DivulgaçãoCena do cotidiano de Amarildo (Brunno Rodrigues) /Divulgação

Escutas que reproduzem diálogos da rádio da Polícia Militar do Rio, no dia do desaparecimento de Amarildo (14 de julho), abrem o longa-metragem do cineasta Rodrigo Mac Niven, que já dirigiu Cortina de Fumaça (2010) e Armados(2012). O filme mescla ficção e documentário, contendo depoimentos de conhecidos de Amarildo e pessoas envolvidas no caso; além de cenas que reconstroem situações que teriam sido vividas por Amarildo, interpretado pelo ator Brunno Rodrigues, no filme, como cenas de trabalho e pesca. Segundo a esposa do pedreiro, pescar era seu único vício.

Quem guia o espectador durante os 82 minutos de exibição é o líder comunitário da Rocinha, Carlos Eduardo Barbosa, o Duda, quem motivou o diretor Rodrigo Mac Niven a realizar a produção. “Fui contagiado pela coragem de pessoas como Duda, amigo da família e um dos primeiros a fazer denúncias sobre o caso, além de instigar que outros também denunciassem abusos cometidos [pela polícia]”, declarou o diretor na sessão de lançamento, no último dia 29.

Duda, com toda simplicidade, um pouco atordoado com a atenção dedicada a ele no festival, assume nas telas a postura de narrador-personagem. Ele conta como Amarildo prestava pequenos serviços à sua lanchonete na Rocinha e como era prestativo com os demais moradores da comunidade. Duda conta que a ideia do filme é “abrir esse debate e conscientizar o poder público. E se for preciso, visitaremos todas as comunidades, para reunir lideranças e fazer com que as pessoas se sintam à vontade para buscarem os seus direitos, cortando o medo. Nosso maior inimigo dentro das comunidades é o medo da polícia”.

O lançamento do longa contou com a presença de políticos, atores e ativistas. André Ramiro, que interpretou o policial militar André Matias em Tropa de Elite (2007), comentou sobre a oportunidade de unir denúncia à profissão de ator: “acredito que teatro, cinema, dramaturgia também servem para informar, desenvolver intelecto, reivindicar e contestar, caso contrário, não seria arte”.

Brunno Rodrigues se sentiu honrado em participar da produção, “não somente por se tratar de um estopim para que a sociedade desperte para a politica pública equivocada que está sendo aplicada nas comunidades cariocas, mas também por ter sido trabalho profissional entre amigos”.

O filme aborda temas como segurança pública, desmilitarização da polícia e instalação de UPP’s de forma indireta, a partir de um mosaico de depoimentos. Entre as falas, são reconstruídas cenas que teriam feito parte do cotidiano de Amarildo, além de uma sequência marcante de tortura. “Foi angustiante, mas tudo foi feito com total segurança, e enquanto artista foi um prazer dar vida a uma situação como aquela que fomentará ainda mais a pergunta ‘o que aconteceu com Amarildo?’”, conta Brunno.

Embora dê margem para a elevação do personagem ao status de homem perfeito, a produção revela lado pouco falado nos grandes meios de comunicação, ao ouvir vozes dissonantes do discurso institucional sobre o caso. O Estopim foi realizado de forma independente e colaborativa, Mac Niven conversou individualmente com profissionais que conhecia e conseguiu recrutar equipe para produzir o trabalho. Mariana Genescá, produtora executiva do filme pela TVa2 Produções, lembra que o “caso Amarildo” foi, na verdade, pano de fundo para ilustrar uma realidade muito mais ampla, que vivemos todos os dias, o que explica a urgência do projeto. “Nem sequer buscamos patrocínio, até por acharmos que não conseguiríamos e queríamos ter liberdade pra falar e mostrar o outro lado. Cadê os moradores contando o que está acontecendo com eles mesmos?” explica. O longa ainda não tem contrato de distribuição.

Assista ao trailler:

A trégua natalina

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No primeiro natal da Grande Guerra, soldados de exércitos rivais deixaram as trincheiras para confraternizar. Inspirado em fatos reais, filme europeu retrata a vida de alguns combatentes neste momento da batalha

Por Marcello Scarrone

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Publicado em: 19/12/2013  

No próximo ano comemoraremos o centenário do início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), como passou a ser definida pela historiografia, ou a Grande Guerra, como foi apelidada na linguagem popular, devido ao cenário de devastação e morte que trouxe consigo e ao abismo de desespero e desatino provocado por um conflito que penetrava como uma faca no coração da civilização europeia, a da Belle Epoque, que se acreditava finalmente isenta de violência e ódios nacionais. Um conflito, com efeito, que mobilizou milhões de pessoas, tanto moradores de cidades quanto simples camponeses, de França, Reino Unido, Alemanha, Áustria, Rússia, mas também Itália e estados balcânicos, entre outros. E que se caracterizou, desde seu começo, como uma longa, extenuante e alucinante guerra de posição, tendo as trincheiras como cenário principal.

O inimigo presente a poucas centenas ou dezenas de metros, vigilante como você, prendendo a respiração como você, lutando contra fome, frio e ratos, como você, entre uma rachada de metralhadora, um cigarro e uma carta para casa. A vida de trincheira, de um lado e do outro, apresenta os mesmos dramas e os mesmos ritos de sobrevivência.

Homens, afinal, iguais em seus desejos últimos e em suas esperanças, mesmo que trajando uniformes diferentes ou falando idiomas diversos.

É disso, deste fundamental e universal sentimento de humanidade e de seu componente religioso, o reconhecimento de valores que ultrapassam qualquer divisão e inimizade, que trata o filme Feliz Natal (2005), produzido por vários países europeus e dirigido pelo francês Christian Carion. A inspiração do longa lhe vem de fatos realmente ocorridos no front ocidental, em ocasião do Natal de 1914, o primeiro Natal de guerra. Na véspera e ao longo do dia 25 de dezembro daquele ano, com efeito, soldados de ambas as partes em luta saíram das opostas trincheiras do front ocidental, entre França e Alemanha, em vários pontos de seu traçado,  para confraternizar. Trocas de pequenos objetos, cigarros e chocolate, conversas e celebrações religiosas, cantos natalinos e até partidas de futebol disputadas na terra de ninguém, como é chamado o espaço entre as trincheiras inimigas, caracterizaram aquela que recebeu o nome de trégua de Natal.  Simples soldados e oficiais participaram dos eventos, que não foram programados mas que se produziram espontaneamente em vários pontos da linha de fogo, apesar de não ter recebido aprovação sucessiva pelos altos comandos militares.

O filme traz inspiração da história para acompanhar os percursos de alguns militares (alemães, franceses, escoceses) e de um casal de cantores líricos enviados ao front para enaltecer o ânimo das tropas. As notas de “Noite Feliz”, cantadas por estes em alemão, às quais responde uma cornamusa escocesa, desencadeia a confraternização coletiva entre inimigos. É Natal para todos.

Realmente foi uma noite mais feliz. E a mensagem do longa, apesar de certa retórica presente, mostra como, ao menos no começo da guerra, naqueles primeiros meses, o sentimento e a consciência presentes em boa parte dos combatentes das linhas de frente fossem de repúdio por um conflito percebido como absurdo e tragicamente inútil.

As tréguas não se repetiram nos anos seguintes. A guerra de trincheira deu espaço a batalhas que foram autênticas carnificinas. Outros Natais passaram, a razão de Estado vencera. Mas provavelmente no próximo ano, no dia de Natal, junto à cruz dedicada à trégua de Natal de 1914, em Ypres, Bélgica, alguém se encontrará  para lembrar de um fato inusitado e singular.

Quem acredita na humanidade?

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Comédia mostra personagem que vive em descompasso com os valores capitalistas, tem problemas com a família e é passado para trás pelas pessoas que o enxergam como um “idiota”

Por Carolina Ferro

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Our idiot brother

Dir. Jesse Peretz, 2011, EUA 

Ned , vivido por Paul Rudd, é um cara bacana. Ele vivia numa fazenda com a namorada, produzindo alimentos orgânicos que vendia na feira. O dinheiro era necessário para a sobrevivência, não uma obrigação ou um fim. Talvez por isso, Ned não via ganância nem maldade nas pessoas. Certo dia, um policial pediu-lhe um pouco de maconha, dizendo ter tido um dia difícil. Na inocência de ajudar uma pessoa, Ned deu um pacote da erva e foi preso no mesmo instante. Isso mudaria as vidas dele e da sua família.

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Devido ao seu bom comportamento, Ned teve direito à liberdade condicional. Mas ao sair da prisão, a namorada já estava com outro. O que mais doía em Ned era a ausência de seu cachorro, um golden retriever chamado Willie Nelson (homenagem a um cantor de música country), que ficou de posse de sua ex-companheira.

Ned teve que ir morar com sua família, mas todos o achavam um perdedor. Afinal, ele não tinha emprego, havia sido preso, não tinha perspectivas, nem dinheiro. Sua mãe aproveitava para pedir favores e suas três irmãs – Miranda (Elizabeth Banks), Natalie (Zooey Deschanel) e Liz (Emily Mortimer) – disputavam quem não ficaria com o único homem da família.

Primeiro, Ned viveu com Liz, a irmã cujo sonho era ser uma mãe exemplar, numa família perfeita. O marido trabalhava com documentários e dizia fazer ações humanitárias. O casal tinha dois filhos, um bebê recém-nascido e um menino de cerca de oito anos.  Apesar de Ned ser um tio incrível, presente e atento aos sobrinhos, o marido de Liz se incomodava com ele. Tudo piorou quando Ned o viu fazendo sexo com uma das bailarinas do documentário, o que fez com que o esposo de Liz a pressionasse para despejá-lo. Ned jamais contou o que havia visto. Na realidade, para ele tudo não passava de uma cena do filme.

DivulgaçãoDivulgação

Ned só descobriu a traição quando se mudou para a casa de Miranda, a irmã jornalista que deu a notícia à Liz. Miranda notou que Ned sabia de muitas histórias, pois as pessoas confiavam nele e lhe contavam seus problemas e angústias. Certo dia, ele contou uma história mirabolante de uma pessoa conhecida, que Miranda logo transformou em artigo. Sua carreira daria uma guinada com o texto, mas seu irmão teria que assinar um termo frente aos advogados do jornal, confirmando a história. Ned optou por não assinar e preservar a intimidade da famosa. Miranda ficou furiosa com o irmão e o expulsou de casa.

Mais uma vez, Ned precisou se mudar, agora para o apartamento de Natalie, uma comediante lésbica que morava com a namorada. Sua companheira adorava Ned e até chegou a ajuda-lo a tentar sequestrar seu cachorro. Tudo seria perfeito se sua irmã não tivesse traído a namorada com um rapaz e não tivesse engravidado. Ned aconselhou a irmã a falar a verdade, pois, segundo ele, “o amor sempre vence”. Natalie mentiu ao irmão que havia conversado com sua companheira e Ned foi dar parabéns à namorada da irmã por ter compreendido e aceito a criança que estava por vir. Ao descobrir a traição, as duas brigaram, Natalie ficou sozinha e culpou Ned por ter se metido em sua vida.

Num mundo cada vez mais individualista, onde os seres humanos pensam apenas em si mesmos, Ned é apenas um “bode expiatório”. É comum que as pessoas, ao invés de realizarem uma autocrítica, culpem outras, o governo, a política, “a sociedade”. Não que essas críticas não sejam necessárias, mas, afinal, nós estamos separados do mundo? Somos apáticos e não temos responsabilidade por nada que acontece?

Essa comédia – meio drama – leve e descontraída favorece reflexões importantes. Será que vale a pena manter uma família desestruturada apenas pela aparência? Pela necessidade de mostrar à sociedade que não falhou? Falhar não faz parte da natureza humana? – Para conseguirmos uma promoção, um emprego melhor, mais dinheiro, prestígio, pode-se fazer qualquer coisa? Passar por cima de pessoas, acabar com a reputação ou a carreira de alguém faz você ser melhor? – Devemos ser sinceros com as pessoas que amamos ou é possível começar uma vida com alguém escondendo fatos primordiais para nós?

Como é uma comédia, tudo acaba bem para Ned. Suas irmãs percebem a injustiça que fizeram com ele e a família acaba mais unida do que nunca, com cada uma refazendo suas vidas, dessa vez, com os conselhos do irmão antes considerado “idiota”.

A obra faz – de forma sutil e leve – uma crítica à sociedade capitalista vigente. Em especial nos Estados Unidos, onde o ideal americano é prosperar financeiramente, quem se opõe a isso é visto de forma pejorativa, como “idiota”. Ned é o oposto do “american way of life”. Isto assustou suas irmãs durante a maior parte do tempo até que elas perceberam a “utopia da felicidade estadunidense”. O dinheiro não traz felicidade. A felicidade plena não existe, mas nada melhor que viver com tranquilidade, algo que Ned tinha de sobra e suas irmãs desconheciam.

Ser “idiota” na sociedade em que se passa o filme é ser honesto, verdadeiro, gentil, carinhoso, acreditar no ser-humano acima de tudo, não ser guiado por sentimentos como ganância ou ódio. Talvez não haja mais, naquele sentido, “idiotas completos”. Mas cada um de nós podemos ser pouco “idiota” – e é bom que sejamos, para que não percamos totalmente a nossa humanidade.

Mulheres, anarquismo e luta de classe: Rememorando à história.

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Por Phmagón & Julio Fontes

Fonte: Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

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“A condição da mulher, neste século, varia segundo sua categoria social; porém, apesar da dulcificação dos costumes, apesar dos progressos da filosofia, a mulher continua subordinada ao homem pela tradição e pela Lei” (Ricardo Flores Magón).

A luta de trabalhadores e trabalhadoras por igualdade de gêneros, tanto no campo social, quanto no econômico e político, são reivindicações históricas realizadas pelos anarquistas. Recordarmos personagens que promoveram esse fato em prol da igualdade, liberdade e solidariedade entre homens e mulheres das classes operárias é uma maneira de renovarmos esforços para mantermos firmes na luta. Num momento importante para o anarquismo e, especificamente, para as mulheres trabalhadoras, a data 8 de março nos presenteia com uma viagem ao passado para relembrarmos o alvoroço anarquista em favor da emancipação da mulher e figuras importantes que protagonizaram essa história.

“A luta de classes já é uma dura realidade de hoje, para o princípio de um grande fim…

Se, até aqui, a burguesia das castas e do poder governou o mundo, tiranizou os oprimidos e explorou os trabalhadores, de agora em diante, mulheres brasileiras, atentai bem, não haverá nenhuma consideração ao sexo, à idade, à fragilidade feminina, à riqueza ou à posição social”(Maria Lacerda de Moura[i]).

Esse trecho da Maria Lacerda de Moura, uma libertária que se comprometeu com a luta das classes populares e da mulher, é bem explicativo quanto as intenções do anarquismo ao posicionamento da mulher na sociedade: Igualdade entre os sexos significa a superação de toda a forma de dominação e exploração dos trabalhadores e das trabalhadoras; de toda a sociedade de classe e burocrática; de toda a desigualdade econômica, política e social. Se atualmente as mulheres podem usufruir de algumas conquistas sociais, inclusive no campo trabalhista, isso fora construído historicamente, por lutas incessantes realizadas por inúmeras mulheres.

Exemplo disso temos a participação das mulheres em eventos populares históricos: Louise Michel, educadora, anarquista que teve protagonismo na construção da Comuna de Paris,  “criadora do grupo ‘O direito da mulher’, formado por socialistas e feministas, e das milícias, onde comandou batalhões de mulheres à frente das barricadas na Comuna”. Em uma de suas memórias, ao abordar o tema sobre o direito da mulher, Louise Michel afirma: “Eu admito que o homem também sofra nesta sociedade maldita, mas nenhuma tristeza pode ser comparada com a da mulher. Na rua ela é mercadoria. Na rua ela é mercadoria. Nos conventos, onde se oculta como em uma tumba, a ignorância a ata, e as regras ascendem em sua máquina como engrenagens e pulverizam seu coração e seu cérebro. No mundo se dobre sobre a mortificação. Em sua casa, suas tarefas a esmagam[ii]”.

Michel destaca a presença da mulher na sociedade como objeto, um adorno que sofria com a sociedade de classes já consolidada na França nesse período. Outro exemplo que podemos elucidar é a anarquista Lucy Parson. Essa sindicalista americana, filha de uma mexicana com um índio, auxilia na fundação da International Working People’s Association (IWPA) que teve participação efetiva na greve geral no 1º de Maio que ocorreu na Praça de Haymarket e ocasionou o famoso processo dos “Mártires de Chicago[iii]”.

Ainda temos a experiência das Mujeres Libres na Guerra Civil Espanhola em 1936, que pegaram em armas para lutar pelos direitos dos operariados, demonstrando que a participação revolucionária da mulher não se resume a educação das crianças ou dos cuidados a família, como alguns ditos socialistas pensavam. Aqui no Brasil também teremos o protagonismo de mulheres no movimento sindical e anarquista. Como temos diversas personagens para recordarmos, manteremos a transcrição da história de apenas uma militante que se destacou, na então Capital do país, o Rio de Janeiro: Elvira Boni de Lacerda.

Elvira Boni

 Elvira Boni

Nascida em 1899, na cidade de Pinhal no Espírito Santo, Elvira Boni convive com o anarquismo e o sindicalismo desde crianças. Filha de operários italianos, Ângelo Boni e Tercila Aciratti Boni, seu pai inicia contato com socialismo por influência de amigos socialistas de tendências libertárias, vindo a frequentar o “Círculo Socialista Dante Alighieri”. Em 1911, já na Capital Federal, com 12 anos de idade, Elvira começa a trabalhar como costureira, acompanhando seus irmãos mais velhos na frequência às reuniões da Liga Anticlerical do Rio de Janeiro, fundada a 21 de fevereiro daquele ano. No ano seguinte estreia como atriz no teatro social em uma representação da peça de Neno Vasco “O Pecado de Simonia”. De 1919 a 1922 atuou em diversas peças de cunho social, tendo integrado o Grupo Dramático 1º de Maio que iniciou suas atividades em 1917/1918. Além de atuante no grupo dramático libertário, que teve grande participação nos eventos sindicais, em 1919 na esteira das comemorações do 1º de maio que levaram grande multidão as ruas do Rio de Janeiro, Elvira e mais 50 colegas fundam o sindicato de sua categoria, a União das Costureiras e Classes Anexas, de que foi tesoureira até 1922. Ainda em 1919 teve destacada participação na greve das costureiras pelas 8 horas de trabalho, deflagrada a 18 daquele mês e que teve saldos positivos. No mês seguinte Elvira participa da grande festa proletária ocorrida na Quinta da Boa Vista com vista à fundação do jornal Voz do Povo, diário da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro e que circularia a partir dos primeiros meses de 1920.

Em abril do mesmo ano, Elvira Boni, com sua colega Noêmia Lopes representou a União das Costureiras no 3º Congresso Operário Brasileiro, tendo chegado a presidir uma de suas sessões. Em 1921, por indicação de José Oiticica integrou o Comitê Pró-Flagelados Russos, que visava a auxiliar populações vítimas da seca naquele país, ocorrida após a Guerra Civil[iv]. No período 1921 – 1922, Elvira constou como encarregada de correspondência da revista anarquistaRenovação que circulou naquele período, tendo ali publicado artigo sobre A Festa da Penha[v]na edição número 2, de outubro de 1921, em que mostra a alienação das mulheres do povo ao comparecerem àquele evento religioso. A revista era dirigida pelo anarquista português Marques da Costa.

A história de mulheres como Elvira Boni nos reafirma que a luta de classes faz parte, integral, da luta das mulheres trabalhadoras, pois essas, sim, são as que mais afligem com a desigualdade causada pelo capitalismo e a sociedade hierárquica. Sejamos todos nós essas mulheres que durante todo o percurso da história do anarquismo, se comprometeram com a emancipação social das classes proletárias, com o apoio mútuo e igualdade de gêneros, com a luta ao acesso à cultura e à educação dos trabalhadores e trabalhadoras, etc. Que esse 8 de Março tentemos ser um pouco dessas mulheres aguerridas e que protagonizaram tantas conquistas no cenário operário e do anarquismo.

Phmagón e Julio Fontes, 8 de Março de 2014.


[i] RODRIGUES, Edgar. Mulheres e Anarquia. Achiamé. Rio de Janeiro, 2007.

[iii] Arquivo de História Social Edgar Rodrigues. Pensadores Anarquistas e Militantes Libertários. http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/pensadoresanarquistas.html – acessado em: 06/03/2014.

[iv] GOMES, Angela de Castro; FLAKSMAN, Dora Rocha; STOTZ, Eduardo. Velhos Militantes: Depoimentos de Elvira Boni, João Lopes, Eduardo Xavier, Hilcar Leita. Jorge Zahar Editora. Rio de Janeiro, 1988.

[v] RODRIGUES, Edgar. Mulheres e Anarquia. Achiamé. Rio de Janeiro, 2007.

Há muitas Anarquias! Leia sobre elas, pergunte menos nas redes sociais.

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Por Gilson Moura Henrique Junior

Perguntas genéricas como “anarquista pode comer carne de porco?” ou “anarquista trabalhar pra comer é incoerência?” não vão muito longe, não ajudam exatamente a dirimir dúvidas sobre anarquia ou a melhor forma de militância anarquista. Pior, no fundo é preguiça, porque não procura ler sobre anarquia, quer só a solução fácil.

 
Claro, há trocentas pessoas entre bem intencionadas ou carentes de serem messias dos novatos para responder as perguntas, e ambos ai se satisfazem com o papel de transformar o debate meio bobo em algo parecido com conscientização, só que no fim todos ganham apenas a satisfação momentânea do ego.
 
Anarquia é muita coisa, anarquistas são muitas coisas. Tem anarco sindicalismo, anaco primitivismo, anarco ecologia, anarco feminismo, anarcos queer, plataformistas, makhnovistas, municipalistas libertários, anarco new age e por ai vai.
 
Anarquia não é um sistema de crenças, nem um sistema politico centralizado em dogmas fáceis, em regras rígidas, a ordem na anarquia é a diversidade de saídas, percepções e construções.
 
Há anarco veganos, há quem não vincule anarquia à forma de alimentação.
 
Há federalistas, há isolacionistas, há milhares de formas de se organizar de forma anarquista.
 
Há ao anarco individualismo, há as zonas a Defender, dá pra ser anarquista sozinho ou em coletivos, e até em federações.
 
Há anarquistas autoritários, como há anarquistas libertários.
 
Dá até pra ser anarquista machista ou liberal se chamando anarquista ou anarquista de estilo de vida, que tem pouco ou nada de anarquista,mas fala que é pra ficar bem na fita da rebeldia.
 
Não deveriam haver anarquistas não anarquistas,mas os há também.
 
Confuso? Não, porque anarquia não contempla uma definição unitária e autoritária de si mesma e nem fica fiscalizando quem a pratica pra ver se seguiu Bakunin direito.
 
Dá até pra ser anarquista sem ler sobre anarquia, é o anarco preguiçoso, muito comum nas redes sociais. Ele também é anarquista, poderia ser um anarquista melhor se lesse as diversas tendências anarcas e se organizasse, sozinho ou coletivamente, pra produzir ações anarquistas.
 
Ah, não se esqueçam, esperar uma sociedade anarquista no futuro é que nem esperar papai Noel, anarquismo é aqui e agora. Essa busca de uma sociedade futura que um dia virá após um evento escatológico semi religioso chamado Revolução tem mais chance de dar certo em partidos socialistas.

Nina Simone, liberdade e violência

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Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Como a trajetória de uma das maiores musicistas do século XX incorporou as tragédias e conquistas de seu tempo

Por Nashla Dahás

“É um sentimento. Liberdade é apenas um sentimento. É como tentar explicar para alguém como é estar apaixonado. Como você vai explicar isso para alguém que nunca sentiu? Você não consegue. Mas você sabe quando acontece. Houve algumas vezes no palco em que eu realmente me senti livre. E isso é uma coisa incrível. É realmente incrível. Eu te digo o que liberdade significa para mim: nenhum medo! Realmente nenhum medo. Se eu pudesse ter isso por metade da minha vida… É algo que realmente se sente. Como um novo jeito de enxergar”.

Nina Simone, 1972.

 

What happened, Miss Simone?, dirigido por Liz Garbus, oferece vários modos de enxergar a trajetória da musicista negra que sonhou em ser a primeira pianista clássica dos Estados Unidos e cujo auge da fama se deu entre os anos de 1960 e 70.

Liberdade parecia mesmo ser questão imposta por aqueles tempos. Cerca de 15 anos depois da Segunda Guerra Mundial, experimentava-se como subjetividade o estado de tensão causado pela Guerra Fria com diferentes graus de impacto nos cenários nacionais. Bandas e cantores europeus e americanos como The Beatles e Bob Dylan tratavam de confundir dicotomias do tipo entretenimento/contra-cultura enquanto os movimentos norte-americanos e depois franceses reivindicavam pacífica ou violentamente mais liberdades. Na política, no Direito, no sexo e na arte. Nas palavras do filósofo Peter Sloterdjik ali, “as mil flores da radicalidade tiveram a sua última florescência plena”.

Foi em 1961, nos Estados Unidos, que Hannah Arendt publicou seu Entre o passado e o futuro, no qual dedica um capítulo à pergunta que é liberdade? Após reconstituir a história da aparição do termo na tradição filosófica ocidental, a autora afirma que o campo em que a liberdade sempre foi conhecida, não como um problema, mas como um fato da vida cotidiana, é o campo da política. A liberdade que admitimos como instaurada em toda teoria política, segundo Arendt, é o próprio oposto da “liberdade interior”, o espaço íntimo no qual os homens podem fugir à coerção externa e sentirem-se livres. Nem o coração nem a mente, mas a interioridade, como região de absoluta liberdade dentro do próprio eu, foi descoberta na Antiguidade tardia por aqueles que não possuíam lugar próprio no mundo e que careciam de uma condição mundana. Hannah Arendt explica como a ‘liberdade interior’ justificou a existência do escravo no mundo, livre e soberano no recolhimento de seu eu.

Atormentada pelas promessas não cumpridas de uma infância de segregação e de luta por liberdade, Nina Simone não a alcançará em esfera nenhuma, seja em sua interioridade ou em seu engajamento político. O documentário de Liz Garbus seleciona e tenta reconstruir as memórias de uma artista em conflito permanente com seu tempo, em dívida insanável com o passado e com o futuro.

Com exceção das 3 horas que sucederam o nascimento de sua única filha, não há uma só lembrança de Nina Simone que lhe permita uma memória feliz, apaziguada ao menos. “Nas três primeiras horas após o nascimento de Lisa, eu amei o mundo”. E é só. Gradualmente, todos os instrumentos que lhe acenaram em algum momento na direção da liberdade vão surgindo em sua narrativa como seus próprios algozes. O talento vira obrigação, o amor se converte rapidamente em guerra e a família se torna um fardo pesado. Nina os abandonará, a todos, em fins da década de 1970.

Ao impacto dos testemunhos se somam as próprias canções e interpretações. I Wish I Knew How It Would Feel To Be Free, Little Liza Jean, Little Girl Blue, My Baby Just Cares For Me, Ain’t Got No/I Got Life, Don’t Let Me Be Misunderstood, Mississippi Goddamn… Cada apresentação inspira uma verdadeira confusão mental. A erudição ao piano nas gravações em preto e branco fazem pensar em tempos mais remotos do que realmente são. A voz de Nina Simone não tem gênero definido, seus olhos grandes se erguem em glória, mas também com raiva, e suas emoções não são mapeáveis, não possuem roteiro ou destino. Ela sorri de vez em quando, sutil, para logo explodir em fúria, não há um afeto central pelo qual ela possa ser mais ou menos definida. Sua pele brilha de suor, irresistível. Ela provoca o público em seus sentidos, desperta empatia e reverência, quer atingi-lo, tirá-lo de sua frequência comum. Mas também é capaz de desprezar seus ouvintes rejeitando-os como se não merecessem estar ali. Um olhar mal interpretado ou um assobio inoportuno eram suficientes para que a pianista pudesse manifestar a violência de um silêncio tantas vezes auto-imposto.

Grosso modo, na versão de seu ex-marido o imenso talento e energia de Nina Simone foram desperdiçados quando ela se tornou parte do movimento pelos direitos civis dos negros americanos.

Na narrativa dos amigos que a encontraram abandonada nos anos 80, na França, destaca-se a doença que causava mudanças bruscas e violentas de humor e comportamento. Nina tornou-se maníaco-depressiva e se submeteu ao tratamento que foi gradativamente comprometendo seus reflexos e sua voz.

Quando a filha Lisa Simone Kelly fala, porém, todos os outros precisam se calar. “Ela era brilhante, mesmo na velhice ela era brilhante”, afirma Lisa após contar como era surrada pela mãe quando as duas viveram juntas na Libéria. “Ela me espancava, olhava nos meus olhos e dizia que era melhor eu chorar, que eu devia chorar. Eu não podia fazer isso. Eu não chorava”.

De grande impacto é a narrativa de Nina, cantando, em entrevistas ou quando se expressa em recortes e páginas de cadernos. “Não tive escolha”, ela afirma quando lembra sua infância isolada da comunidade negra na Carolina do Norte. Lá, nascera Eunice Waymon em 1933, a sexta dos oito filhos de um marceneiro com uma religiosa e empregada doméstica. Todos os dias ela atravessava as divisórias entre as partes branca e negra da cidade para estudar piano.

“Não tive escolha”, ela repete em entrevistas ao falar da música como um trabalho necessário para ajudar a sustentar a família.

“Não tive escolha”, eu me apaixonei e ele foi tomando conta de tudo, afirma ao narrar sua história com o ex-policial Andrew Stroud, que se tornou seu empresário e, depois, marido. “Eu gosto de apanhar. Ao menos é o que ele diz”, Nina Simone escreveu em seu diário após uma das surras cruéis que levou de Andrew, seguida de estupro.

“Não tive escolha”, ela repete quando inquirida sobre seu engajamento na questão racial norte-americana: “Não há como viver essa época, nesse país e simplesmente não se envolver”.

O título do longa se deve a Maya Angelou, escritora e poeta negra norte americana que entrevistou Miss Simone em novembro de 1970, ocasião na qual perguntou: “Mas o que aconteceu, senhorita Simone? Especificamente, o que aconteceu com seus olhos grandes que rapidamente se esconderam em grande solidão? Com a sua voz que ainda flui como um compromisso com a batalha da vida? O que aconteceu com você?”. Liz Garbos juntou os fragmentos de memórias, cartas, diários e entrevistas, gravações e fotografias para que a Nina que ela – a diretora – enxergou, pudesse então responder.

Talvez o momento mais livre de Nina Simone tenha sido mesmo o da revolução. Talvez a subjetividade revolucionária tenha lhe permitido instantes mágicos de uma liberdade perdida desde a infância. Ela circula entre Martin Luther King, James Baldwin e Stokely Carmichael, o futuro primeiro-ministro honorário do Black Panthers Party. Ainda na década de 1960, Miss Simone faz shows abertos para o público negro, inicia uma temporada em que só executa músicas políticas e convoca a multidão para a guerra, para a violência, caso seja necessário. Na luta antirracista, a violência tornou-se cívica: “Eu nunca fui a favor da não violência. Nunca fui não violenta. Achava que deveríamos conquistar nossos direitos por todos os meios necessários. […] Era arrebatador participar daquele movimento naquela época porque eu era necessária. Eu podia cantar para ajudar meu povo e isso se tornou o principal esteio de minha vida. Nem o piano clássico, nem a música clássica, nem mesmo a música popular, mas a música dos direitos civis”, Nina Simone afirma em trechos do documentário.

Em 1963, um incêndio criminoso promovido pela Ku Klux Klan em uma igreja na cidade de Birmingham, no Alabama, resultou na morte de quatro crianças. Em 1965 Malcolm X foi assassinado e em 1968 foi a vez de Martin Luther King ser baleado por um extremista branco e morrer. Enquanto tragédia social, Nina Simone acompanhou a ascensão e a queda do movimento dos direitos civis, a derrota do black power, a persistência do racismo e da opressão sobre as mulheres negras nos Estados Unidos das décadas de 1970 e 80. Muitos de seus amigos, como Langston Hughes e Lorraine Hansberry, expoentes da cultura negra norte-americana, haviam morrido. Pessoalmente, a radicalização política havia trazido represálias por parte das gravadoras, abandono de certos públicos, a ruína financeira e o isolamento.

Nina havia se apresentado nas maiores casas de shows dos Estados Unidos, mas recusou o papel de ‘estrela’ que a indústria cultural tentou impor, incluindo sua participação em festas como as da Playboy. Ela fazia música clássica negra. Ao lado dos principais líderes da luta contra a segregação racial, ela recusou o papel liberal moderado. Apesar de todo o respeito, não deixou de tecer críticas ao caminho pacifista dos discursos promovidos pelo “King do amor”. Também não foi a esposa nem a mãe que talvez tivesse imaginado ser. Segundo Maya Angelou, Nina tinha em si as eternas contradições de uma artista genial.

O filósofo e escritor Kwame Anthony Appiah afirma que a representação imaginária de formas diferentes de fazer as coisas nos filmes, nas pinturas, na poesia ou na música é uma das formas pelas quais aprendemos o que é possível em determinado tempo. Nesse campo, alguém resolve a coisa antes que ela ocorra, de fato. “A arte é crucial, porque a imaginação é crucial”, explica. Segundo Kwame, antes que possamos transformar o mundo, é preciso imaginá-lo diferente do que é, e essa capacidade de entender, por exemplo, a condição psíquica de alguém num determinado tempo, de alguém oprimido num determinado tempo, que pode ser ou não o meu próprio, jamais pode ser vista simplesmente olhando para os lados, ou porque ela nos é externa, ou porque estamos imersos nesta mesma condição. Mas é preciso pensar sobre ela.

What happened, Miss Simone? é pergunta e resposta sobre o estado de alma que nos atinge e mobiliza.

Nashla Dahás é pesquisadora da Revista de História da Biblioteca Nacional

Todos ao palco!

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117-52-01

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Grupos de teatro amador movimentaram o Rio de Janeiro na virada do século, divertindo, instruindo e politizando a sociedade

Por Luciana Penna Franca

No Rio de Janeiro o teatro foi sempre considerado “gênero de primeira necessidade, figurando no orçamento do rico e do pobre”, assegurava, em 1906, o escritor e crítico teatral Arthur Azevedo, em sua coluna “O Theatro”, que era publicada toda semana no jornal A Notícia. De fato, era enorme o número de apresentações teatrais na capital federal nas décadas da virada do século. Em apenas um ano, 1890, foram encenadas cerca de 2 mil peças, pelas contas do mesmo Arthur Azevedo. Considerando que ele assistia principalmente aos espetáculos das grandes companhias, com atores profissionais, pode-se imaginar um número ainda maior de encenações produzidas no circuito amador de teatro.
O gênero musicado, mais especificamente o teatro de revista, era o grande sucesso de público e de crítica, dominando o circuito comercial em número de apresentações e bilheteria. Mas a cena teatral carioca era plural e, para além do teatro considerado ligeiro, de variedades ou comercial, existiam outras formas de fazer e apreciar teatro que quase não apareciam nas críticas da época. Dramas, alta comédia, peças mais politizadas e também as revistas eram encenados por uma grande variedade de amadores. Subiam ao palco trabalhadores nacionais e imigrantes, dedicados a diferentes ofícios e com variadas orientações políticas, e também homens e mulheres abastados da capital. Espalhado por toda a cidade, o teatro amador organizava-se em grêmios, clubes, “palcos”, “teatrinhos” e sociedades dramáticas, numa forma de expressão e diversão que envolvia muito mais gente do que apenas seus sócios.
A partir de informações reunidas em memórias sobre o teatro, estatutos dos clubes dramáticos, pedidos de licença para funcionamento e inúmeros periódicos teatrais editados no Rio de Janeiro, foi possível identificar mais de 160 associações dramáticas de amadores entre 1865 e 1920. Além da diversidade social e dos tipos de peças que apresentavam, também surpreende sua abrangência geográfica. O teatro amador estava presente nos subúrbios distantes do centro – como Santa Cruz, Jacarepaguá, Realengo e Cascadura – e em alguns bairros mais nobres e com concentração de teatros – como São Cristóvão e Botafogo (com sete cada um) e Riachuelo (com cinco). Era significativa a concentração de grupos amadores na região do centro: mais de vinte deles disputavam plateias com variadas formas de teatro comercial. A julgar pelos comentários de intelectuais e críticos da época, a diversidade se estendia aos públicos, (des)qualificados como “negrada”, “almas simples”, “portugueses”, “elementos da classe média”, “pequena burguesia”, “elite social”.
O “teatrinho”, segundo vários jornalistas e críticos teatrais, reunia artistas de forma “espontânea” e “esporádica”, sem depender de salários ou da bilheteria. No entanto, não era o que acontecia: para se constituírem como grupos dramáticos, definiam em estatuto a composição social de seus sócios e as regras para seu funcionamento, ensaios e apresentações dos espetáculos. Alguns grupos regulamentavam inclusive as funções cênicas e os responsáveis por elas. Nos estatutos percebem-se diferentes motivações que levavam aqueles amadores a fazer teatro: havia os que visavam exclusivamente ao lazer dos sócios e outros que pretendiam “ensinar” ou difundir ideias, valores ou comportamentos.
Nos espaços teatrais frequentados pelos grupos abastados da cidade, como o Elite Club e o Cassino Fluminense, além de artistas profissionais, apresentavam-se principalmente os próprios amadores associados, em espetáculos de gêneros diversos que atraíam “damas e cavalheiros da nossa mais fina sociedade”. A Sociedade do Teatrinho da Rua dos Arcos, situada “no quintal de uma casa ao lado direito de quem vai da rua do Lavradio, próximo ao aqueduto, hoje viaduto da Carioca”, também oferecia espetáculos “concorridos pela melhor sociedade fluminense”, nas palavras de Arthur Azevedo, em 1901.
Outros grupos dramáticos eram constituídos exclusivamente por trabalhadores, e expressavam nos nomes suas filiações políticas e ideológicas: Os Libertários, Pensamento e Ação, Germinal, 1º de Maio, Cultura Social. Para eles, o teatro era um veículo de conscientização social, de propaganda de uma ideologia ou de formação da identidade operária. O regulamento do grupo dramático Teatro Social (1906), por exemplo, determinava que sua composição seria de “operários e operárias que pertençam às suas associações de classe e estejam quites com as mesmas”. Entre seus fins estava a propaganda “das modernas doutrinas sociais” por meio dos espetáculos teatrais. No Centro Galego, situado na rua da Constituição n. 38, encenavam-se várias peças anarquistas, tanto por seu próprio corpo cênico como por grupos independentes. O teatro procurava mobilizar a comunidade trabalhadora para incrementar sua participação nas entidades associativas de socorro mútuo, recreativas, desportivas e dramáticas. Havia comédias, mas eram principalmente dramas, tratando de temas diversos: das lutas proletárias e condições de trabalho a preceitos morais e valores familiares. Entre os títulos mais conhecidos apresentados no Centro Galego estão 1º de Maio, de Pietro Gori; Antônio, drama social de Guedes Coutinho; Avatar, de Marcelo Gama; e o Pecado da Simonia, de Neno Vasco. A opção pelo teatro era uma forma de educar o intelecto, a postura e a linguagem, capazes de propiciar o progresso e a ascensão individual.
Alguns grupos teatrais amadores só admitiam sócios do sexo masculino – como o Clube Dramático Souza Bastos e a Sociedade Estudantina Dramática Luso Brasileira – enquanto outros eram compostos somente por “senhoras” – caso do Grêmio das Amadoras Flor de São João. Em geral, o corpo cênico era formado pelos sócios dos clubes, que mantinham suas atividades por meio de uma mensalidade sempre em torno de 3 mil a 5 mil réis. Era um preço acessível, que possibilitava a participação em todos os grupos sociais. E, de fato, diversos profissionais dedicavam suas horas vagas ao teatro amador: do funcionário público Castro Vianna ao médico da polícia Dr. Bandeira de Gouveia, do professor da Escola de Medicina dr. Chagas Leite ao cônsul Ricardo de Albuquerque, do promotor público Silveira Serpa ao oficial da Marinha Paiva Junior, dos advogados Cunha Junior e Lupércio Garcia ao farmacêutico Ernesto de Sousa. Este último foi autor de peças, cançonetas, músicas e monólogos, fundou o Grêmio Dramático do Andaraí, na rua Barão de Mesquita, e chegou a erguer um palco em sua casa, ficando famoso por ser o inventor das afamadas “gotas virtuosas” – provavelmente um remédio “milagroso” criado no seu laboratório.
As encenações teatrais amadoras, ao contrário do que se imagina, não eram gratuitas. Os valores dos ingressos, na verdade, pouco se diferenciavam dos cobrados pelos teatros do circuito comercial, como o Carlos Gomes ou o São Pedro. Enquanto no Teatro São José o lugar mais barato podia ser encontrado por 1.000 réis ou até 500 réis, o ingresso para uma festa operária em 1909 podia custar 1.200 réis, incluindo mais de um espetáculo teatral. Encenações realizadas por trabalhadores imigrantes no Centro Galego cobravam até 2 mil réis pelas entradas. Considerando que um operário carioca recebia, em 1920, uma remuneração média de 5.500 réis diários se fosse homem, ou 3.500 mil réis diários se fosse mulher, um ingresso de teatro equivalia a cerca da metade de um dia de trabalho. Era possível, sim, “fosse rico ou pobre”, divertir-se ou se instruir com os artistas e os palcos espalhados pela cidade. Restava a cada um escolher o espetáculo que mais lhe agradava ou com o qual mais se identificava.
No Rio de Janeiro de fins do século XIX e início do XX, o teatro amador foi uma prática social disseminada por toda a capital, e suas diferentes formas de atuação faziam desses teatros agentes polemizadores e polissêmicos. Ao fim dos espetáculos, suas plateias heterogêneas levavam os debates dos repertórios teatrais para cafés, locais de trabalho, jornais e domicílios. Identidades de grupo e tensões sociais circulavam do palco à sociedade e de volta ao palco, abrindo horizontes de possibilidades de reflexão e transformação do cotidiano, em um momento especialmente fértil e democrático das artes cênicas no país.
Luciana Penna Franca é autora da dissertação “Teatro Amador: a cena carioca muito além dos arrabaldes” (UFF, 2011).
Saiba mais
AZEVEDO, Arthur. O Mambembe. In: Teatro de Artur Azevedo. Rio de Janeiro: Funarte, 2002.
MARZANO, Andrea. Cidade em Cena – o ator Vasques, o teatro e o Rio de Janeiro (1839-1892). Rio de Janeiro: Folha Seca/ Faperj, 2008.
PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. “E o Rio dançou. Identidades e tensões nos clubes recreativos cariocas (1912-1922)”. In: CUNHA, Maria Clementina Pereira (org.). Carnavais e outras f(r)estas. Campinas, SP: Editora Unicamp/ Cecult, 2002.
HIPÓLIDE, Eduardo Gramani. O teatro anarquista como prática social do movimento libertário (São Paulo e Rio de Janeiro – de 1901 a 1922). Dissertação de Mestrado em História, PUC-SP, 2012. Parte 1, p. 35-85. Disponível em: http://www.sapientia. pucsp.br/tde_arquivos/17/TDE-2012-08-07T09:17:29Z-12756/Publico/Eduardo% 20Gramani%20Hipolide.pdf.

Ilusões revolucionárias

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Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Embalados pelo sucesso da Revolução Russa, anarquistas tramaram uma insurreição fracassada no Rio de Janeiro, em 1918, mas com efeitos positivos para a classe operária

Por Carlos Augusto Addor

Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1918. No centro da cidade − profundamente modificada na década anterior pela Reforma Pereira Passos −, a população carioca improvisa uma festa na moderna e imponente Avenida Rio Branco. Comemora-se o armistício assinado na véspera em Rothonde, na França, dando fim à Primeira Guerra Mundial, que desde 1914 vitimara milhões de pessoas, inclusive brasileiros. Um outro forte motivo, mais próximo do cotidiano da população do Rio de Janeiro, também contribui para a formação desse clima festivo ou, pelo menos, para um clima de alívio e esperança por dias melhores: o constante declínio das ocorrências da gripe espanhola, terrível epidemia que nos últimos meses, sobretudo no anterior, ceifara milhares de vidas no Brasil e, principalmente, na sua capital federal. Fim da guerra, fim da peste… Novos tempos pareciam se anunciar.

O Brasil de então era ainda um país essencialmente agrário, um imenso “oceano rural” com algumas “ilhas urbanas” − Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife −, com a grande maioria da população vivendo no campo. Em algumas delas, ia se formando aos poucos um proletariado urbano, uma nova classe no cenário histórico brasileiro. Nas fábricas de tecidos, calçados, chapéus, cervejas, e também em outras atividades urbanas – no porto, nos bondes, em bares, hotéis e restaurantes, no comércio – trabalhavam, ombro a ombro, homens, mulheres e crianças, brancos, negros e mulatos, brasileiros e estrangeiros, entre estes, basicamente portugueses, italianos e espanhóis. Enfrentavam duras e extensas jornadas de trabalho (em média 12, no limite 16 horas por dia, seis dias por semana), muitas vezes em locais insalubres, recebendo salários ínfimos – mulheres e crianças com salários ainda menores que os dos homens adultos, agravando o quadro de superexploração.

Notícias sobre a Revolução Russa de outubro de 1917 − a primeira revolução socialista vitoriosa da história da humanidade − correm o mundo com a rapidez permitida pelos meios de comunicação e transporte da época. Os sistemas de radiodifusão e aviação ainda são precários, mas telégrafos, navios e trens já bastante eficientes transmitem as novidades, que são reproduzidas por uma imprensa vigorosa e diversificada. As notícias circulam pelo planeta, atravessam mares e continentes, e as esperanças crescem. Vai se criando um clima de euforia revolucionária. O capitalismo estaria com os dias contados, a humanidade caminhava rumo ao socialismo, o mundo seria livre e justo, as riquezas, abundantes, as pessoas, felizes e plenas.

As notícias sobre os bolcheviques − e, supunha-se, do proletariado − no poder logo chegam ao Brasil e começam a incendiar a imaginação dos militantes anarquistas e socialistas no ainda incipiente, mas combativo, movimento operário e sindical. No Rio de Janeiro, em São Paulo e em Santos, o “porto vermelho”, as folhas operárias, principalmente aquelas ligadas aos anarquistas, publicavam notícias, artigos e editoriais sobre a revolução russa. Exaltavam seu caráter supostamente libertário, que estaria relacionado ao projeto de se construir o socialismo sem abrir mão do valor fundamental da liberdade, inclusive da autonomia individual. Além disso, o ineditismo da Revolução Russa criou enormes expectativas em torno de sua internacionalização, cada vez mais vista como uma necessidade. Nesse primeiro momento – e até o início dos anos 1920 – a Revolução Russa agradava a “gregos e troianos” e contava com o apoio entusiasmado de diferentes correntes ideológicas. A chama revolucionária começava a se alastrar pelo hemisfério sul…

O Estado brasileiro na Primeira República – oligárquico, excludente, manipulando sistematicamente o processo eleitoral em todas as suas etapas, do coronelismo local ao arranjo de poderes no plano federal –, não abria espaço para o êxito da estratégia gradualista dos socialistas, que privilegiava o voto, os partidos, a participação no processo eleitoral e a obtenção de conquistas graduais. Assim, os vários partidos socialistas então fundados têm vida breve, e o socialismo reformista não chega a se constituir numa alternativa política que conquiste apoio significativo dos trabalhadores urbanos.

Ao contrário dos socialistas reformistas, os anarquistas não pretendem delegar poderes nem transferir responsabilidades. A militância é decorrente de uma opção de soberania individual, a luta operária transcende as fronteiras nacionais e “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. Situam a luta exclusivamente nos campos econômico e cultural-ideológico − daí a ênfase na criação de escolas e grupos de teatro, na tentativa de construir uma cultura alternativa à cultura burguesa dominante. E sua proposta é a “ação direta”: greves, comícios, manifestações públicas, boicotes, atos de sabotagem. Acreditam, não sem certa dose de ingenuidade, que uma greve geral revolucionária terá força suficiente para derrubar o capitalismo e que a Revolução Libertária abrirá então caminho – sem ditaduras proletárias transitórias – para a construção da sociedade sem classes e sem Estado. Defendem, numa palavra, a Anarquia, no sentido de “ausência de governo” e não no sentido de “caos e desordem” que a palavra ganharia mais tarde.

Mas o Estado brasileiro, além de excludente e manipulador, possuía duas outras características. Em relação à chamada “questão social”, sua postura era marcada pela não- intervenção sistemática no mercado de trabalho, regulamentando as relações entre capital e trabalho por meio de uma legislação trabalhista – patrões e operários que se entendessem no “livre mercado” para estabelecer as condições de trabalho, salários, jornadas etc. Ótimo para os empresários e péssimo para os trabalhadores. Por outro lado, nos momentos de conflito aberto – principalmente durante as greves –, o Estado não hesitava em usar seu braço policial para reprimir duramente os trabalhadores com cargas de cavalaria, prisões, espancamentos, deportações arbitrárias. Aos olhos dos anarquistas, o Estado brasileiro encarnava com perfeição sua visão teórica do Estado: necessariamente “corrupto e corruptor”. É a partir destas condições que a pregação anarquista pela greve geral e pelo caráter internacionalista da luta por eles proposta acaba se tornando muito mais sedutora e encontrando maior apoio entre os trabalhadores urbanos, parte de uma classe operária também internacional.

É nesse cenário que os trabalhadores urbanos começam a se organizar para lutar coletivamente por melhores condições de vida. Fundam não apenas associações profissionais, sindicatos e jornais operários, mas também − principalmente os anarquistas − grupos de teatro social, escolas “livres, modernas e racionais” e até mesmo uma efêmera Universidade Popular de Ensino Livre no Rio de Janeiro, em 1904. A flâmula de uma associação operária, com uma mão branca e outra negra entrelaçadas, simbolizava o ideal de coesão social, a formação de uma consciência de classe acima das origens e identidades nacionais, étnicas e culturais diversas. A classe operária começa a entrar em cena no Brasil.

Três correntes político-ideológicas procuram organizar os trabalhadores urbanos no Brasil entre 1890 e 1920. Os “amarelos” ou “trabalhistas” − principalmente no Rio de Janeiro, então Distrito Federal − não questionavam o capitalismo, lutando apenas por melhores condições de vida e trabalho para os operários. As duas outras correntes − socialistas reformistas (ou democráticos) e anarquistas (socialistas libertários) − procuram articular a luta imediata por melhores condições de vida a uma crítica filosófica e política ao capitalismo e à tentativa de construção de um projeto alternativo: o socialismo. Anarquistas e comunistas divergem em relação às estratégias de luta, em relação aos meios para chegar ao mesmo fim − construir sociedades sem classes, sem Estado, sem propriedade privada dos meios de produção (terras, máquinas, fábricas etc.), sem exploração ou dominação. Os meios para alcançar esse fim comum, isto é, as estratégias de transformação social, é que eram radicalmente diferentes.  Mas em 1918 as divergências entre eles ainda não estavam na ordem do dia. Essa diferença se explicitaria, se aprofundaria e se agravaria a partir dos anos 1920, e ao longo das décadas seguintes, no mundo inteiro.

Desde 1914, a Primeira Guerra Mundial vinha prejudicando a economia brasileira, aumentando o desemprego, provocando recessão e carestia e agravando a penúria da classe operária. Em julho de 1917 (antes, portanto, da Revolução Russa) eclode em São Paulo aquela que seria a primeira greve geral parcialmente vitoriosa da história do Brasil. Esse movimento será fundamental para a auto-estima da classe operária, na luta pelo reconhecimento da legitimidade de seus sindicatos, ou seja, para sua formação como classe. No mesmo mês, ocorre no Rio de Janeiro uma greve generalizada, também envolvendo dezenas de milhares de trabalhadores. A greve carioca, também decorrente de questões ligadas à carestia, é ao mesmo tempo uma greve em solidariedade aos companheiros paulistas. Ela terá como principais conseqüências a formação de novos sindicatos e o aumento da representatividade dos já existentes. Em janeiro de 1918 é fundada a Aliança Anarquista do Rio de Janeiro e em março, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) do Rio de Janeiro, sucessora da FORJ (Federação Operária do Rio de Janeiro), fechada pela polícia em agosto de 1917. Crescem a organização e a mobilização operárias. Em agosto de 1918, com as notícias da Rússia já correndo nos meios sindicais e políticos, eclode a greve dos trabalhadores da Cantareira, a empresa que operava as barcas de transporte de passageiros entre as cidades de Rio de Janeiro e Niterói. Durante a repressão policial, alguns soldados e cabos do Exército tomam o partido dos grevistas, sendo dois deles mortos por tiros da polícia. Este episódio alimenta, entre os anarquistas, expectativas ilusórias de uma aliança política entre conselhos de operários e de soldados, como na Rússia. Além dessas três greves, ao longo do ano inúmeros movimentos grevistas ocorrem na capital federal – greves de tecelões, de sapateiros, de leiteiros, de trapicheiros, de carvoeiros, de metalúrgicos, de trabalhadores da construção civil –, alguns parcialmente vitoriosos. Por vezes circulam boatos de que uma greve geral estaria sendo preparada.

É nesse ambiente que, no Rio de Janeiro, militantes anarquistas – entre eles José Oiticica, Astrojildo Pereira, Agripino Nazaré, Manuel Campos, Ricardo Perpétua, Carlos Dias, Álvaro Palmeira, José Elias da Silva, João da Costa Pimenta – começam a conspirar, reunindo-se geralmente no escritório de Oiticica, na Rua da Alfândega, visando reproduzir na capital federal da República brasileira a recente experiência russa: a Revolução Social pela via insurrecional. Se os bolcheviques tomaram o Palácio de Inverno, por que não poderiam os anarquistas tomar o Palácio do Catete? Num artigo publicado no jornal anarquista Crônica Subversiva em 29 de junho, criticando a Guerra Mundial, Astrojildo Pereira já propunha “subir as escadas do Catete e pegar pela gola o patife que lá estiver a presidir e arremessá-lo das janelas do segundo andar (…)”.

O plano era simples. A insurreição estaria articulada a uma greve operária, principalmente de trabalhadores têxteis e metalúrgicos. Nesse momento, a União dos Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT), o sindicato têxtil, era dirigida por anarquistas, entre eles, Manuel Castro e Joaquim Moraes. Militantes conquistariam a adesão dos “irmãos de farda”, dos soldados do Exército. Anarquistas e operários grevistas armados, apoiados por militares, tomariam não só o Palácio do Catete, mas também uma delegacia de polícia (que chega a ser invadida) e a Intendência da Guerra (onde se apossariam dos armamentos), em São Cristóvão. A greve realmente foi deflagrada, envolvendo dezenas de milhares de trabalhadores, na maioria têxteis. Mas,… e a insurreição?

Mal preparado, o levante anarquista acabou por ser traído. O tenente do Exército Jorge Elias Ajus, vizinho do militante Ricardo Perpétua e que fora por este chamado a participar do movimento como encarregado do planejamento militar da insurreição, era informante do chefe de polícia do Distrito Federal. Em seu gabinete, o Dr. Aurelino Leal recebia diariamente notícias dos planos dos anarquistas. Assim, não foi difícil para a polícia, na manhã de 18 de novembro, data marcada para a insurreição, prender seus principais líderes.

O movimento acabou se restringindo basicamente a um conflito no Campo de São Cristóvão entre operários precariamente armados e forças legalistas, que obtiveram rápida vitória. Tiros, bombas de dinamite, operários em fuga desabalada pelas ruas do bairro, delação, prisões − a insurreição foi rapidamente sufocada. A greve operária, com alguma autonomia, continuou por alguns dias, sendo depois também derrotada. O governo aproveitou a ocasião para desencadear violenta e mais sofisticada escalada repressiva, fechando sindicatos e jornais operários, prendendo e deportando líderes anarquistas. A legislação vigente permitia ao Estado deportar estrangeiros ou mesmo brasileiros para fora ou para outras partes do território nacional. Em geral, os estrangeiros eram deportados para seus países de origem. José Oiticica, por exemplo, depois de preso e julgado, foi “deportado” para Alagoas, onde vivia sua família. Os líderes do movimento foram presos e enquadrados por crime de atentado. As autoridades, a maior parte da classe patronal e alguns políticos começam a elaborar um discurso em que tentam “separar o joio do trigo”: O trigo – operários brasileiros, laboriosos, honrados e pacíficos e suas legítimas reivindicações. O joio – anarquistas estrangeiros, subversivos profissionais, baderneiros apátridas, sem Deus, sem honra, sem família.

Contudo, para além dos efeitos imediatos, realmente negativos para os trabalhadores, a Insurreição Anarquista de novembro de 1918 no Rio de Janeiro produziu, a médio prazo, efeitos positivos para a classe e o movimento operários. O movimento substituiu por algum tempo a gripe espanhola como principal notícia na primeira página dos órgãos da grande imprensa carioca. Com isso, e juntamente com as greves anteriormente comentadas de julho de 1917 e agosto de 1918, a Insurreição Anarquista contribuiu para tornar impossível a continuada manobra governista de “tapar o sol com a peneira” ao afirmar que no Brasil não existia a “questão social”, que aqui não havia motivos para greves, que os operários viviam bem e eram felizes etc. Mas as reivindicações e demandas manifestadas pela classe e pelo movimento operário não podiam mais ser ignoradas. Lenta mas irreversivelmente, a classe patronal começa a perceber a necessidade, e mesmo a urgência, de atender às reivindicações operárias. Melhor “entregar os anéis e ficar com os dedos”, pensavam, e isso significava reconhecer a legitimidade dos sindicatos como entidades para encaminhar negociações coletivas. O senador Lauro Muller, em discurso aos seus pares imediatamente após os acontecimentos de 18 de novembro, reconhece que “a função precípua do Senado é legislar, [sendo necessário] entrarmos no trabalho das reformas de caráter social (…) [e que] o trabalho seja regulado por leis que lhe dêem garantias necessárias, garantias à sociedade, garantias aos patrões, garantias aos operários” (124a. Sessão do Senado Federal, em 20 de novembro de 1918). Em 1926 é criada a Comissão de Legislação Social da Câmara dos Deputados, rompendo-se a ortodoxia liberal ainda vigente.

A Insurreição Anarquista de 1918 conta um pouco da história das leis sociais no Brasil, que, longe de poderem ser resumidas a uma concessão magnânima de Getúlio Vargas aos trabalhadores, são, ao contrário, fruto de uma longa e árdua luta operária.

Carlos Augusto Addor é professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense e autor de A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro (Achiamé, 2002).

Okupar é resistir

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casa okupa

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Squatters unem cultura punk e anarquismo

Por Adriano Belisário

Nas ruas de toda grande cidade, o abandono de imóveis contrasta com a grande massa de desalojados. Enquanto sem-tetos buscam abrigo pelas ruas, proprietários mantêm suas posses vazias com a esperança de vendê-las no futuro por um preço vantajoso. Geralmente ignorada pelo poder público, a especulação imobiliária não passa desapercebida pelos squatters. Nascido na contracultura européia dos anos 60, este movimento ocupa espaços urbanos ociosos para neles construir verdadeiros centros de resistência cultural.

Formado basicamente por anarquistas, punks, hippies e comunistas, o movimento squatter luta contra aquilo que os pesquisadores chamam de gentrificação. Trata-se de um processo de enobrecimento dos espaços urbanos, que ocorre principalmente em pontos centrais das cidades. A gentrificação ocasiona a remoção dos moradores de áreas consideradas degradadas em prol da recuperação econômica do local.

Por sua vez, os squatters promovem outro tipo de revitalização. Após limpar o prédio abandonado, eles instalam serviços básicos, através de “puxadinhos” de água, luz e gás. No entanto, a ocupação só é completa quando o local passa a ser sede de atividades culturais, como a instalação de bibliotecas, mostras de teatro e poesia e rádios clandestinas. Eis, então, um autêntico squat. A legalidade de seu funcionamento varia de acordo com a legislação do país. Enquanto em muitas regiões a prática é considerada ilegal, na Holanda, por exemplo, prédios abandonados por longos períodos podem ser ocupados sem problemas judiciais.

Os squatters também são conhecidos como okupas. Entre eles, o termo “ocupação” é grafado com K para diferenciar suas intervenções das outras, marcando o caráter políticos de seus atos. A letra remete ainda à cultura punk, que, ao lado do anarquismo, forneceu as diretrizes básicas do movimento squatter. As ocupações são feitas em regime de autogestão, sem chefes ou líderes. Para os squatters, a construção de um espaço alternativo baseado em princípios de solidariedade e respeito mútuo é uma forma de resistir ao pensamento capitalista, centrado nas noções de propriedade privada e na massificação cultural.

Para quem acredita que anarquia é sinônimo de bagunça, não faltam exemplos de organização squatter para provar o contrário. Em Londres, ficou famoso o caso do Squat 121 Center, que após 18 anos de existência foi desativado em 1999. Nele, entre outras atividades, os okupas realizavam ações de amparo à população pobre da cidade. Em relato à Revista Dynamite, Kuru, brasileiro ex-membro do squat inglês, afirma que o grupo era formado em grande maioria por revolucionários e pessoas ligadas à causa ecológica. “A gente ia aos lixos atrás dos supermercados e feiras. Pegávamos tudo o que eles não queriam mais. Era muita comida. Às vezes cozinhávamos para quase 100 pessoas”, conta.

Pesquisador da Universidade do Estado de Santa Catarina, Cleber Rudy estuda o movimento squatter e é autor de artigos sobre o tema. Em entrevista concedida ao site da Revista História da Biblioteca Nacional, Cleber comenta a atuação destes grupos no Brasil.

Revista História – Na década de 60, surgiu na Holanda o movimento Kraker, que possuía atuação bastante semelhante aos squatters. Qual a sua influência na construção dos squats?
Cleber Rudy: A política squatter é fundamentada no movimento punk-anarquista, compondo uma espécie de simbiose squatter-punk. A máxima holandesa dos anos 80, “um punk é um squatter e vice-versa”, ainda que de forma amena, é também seguida no Brasil. Neste sentido, apesar dos squatters brasileiro não agregarem os dispositivos de resistência (rádios clandestinas, revistas, livrarias, advogados especializados, etc) utilizados nas ocupações dos krakers, este movimento holandês tornou-se um forte referencial de luta para os ativistas nacionais. Por exemplo, em Curitiba, o squat Payoll mantinha uma distribuidora de livros e de outros produtos Kraakers, em homenagem ao movimento dos anarquistas sem-teto de Amsterdã.

RHBN – Os squatters surgiram no Brasil na década de 90. Antes disso, há registro de grupos que promoviam a ocupação sistemática de imóveis abandonados?
Cleber: Antes disso, o que se pode constatar são alternativas comunitárias que tinham como peculiaridade o perímetro rural, embasadas em princípios ecológicos ou esotéricos e envolvidas pela contracultura hippie. Todavia, os squatters voltaram-se para as áreas urbanas, optando por permanecer nas cidades e buscando soluções ali mesmo, já que eram compostos por punks (outro movimento urbano) motivados por perspectivas anarquistas. Eles buscavam saídas diante da especulação imobiliária, defendendo novas maneiras de pensar e agir como forma de resistência à organização capitalista da vida urbana, principalmente nos grandes centros.

RHBN – Quais os principais grupos ainda existentes no Brasil? Como suas atividades são vistas pela mídia e pelo poder público?
Cleber: Existem espaços que ainda resistem. Em Atibaia, interior de São Paulo, há a Casa Reciclada. Na periferia de Curitiba, temos a Kaazaa, um dos espaços mais antigos no Brasil, que já completou 13 anos de ocupação. Em Blumenau, há o Corcel Negro. Em Porto Alegre, a Kasa de Kultura. É muito raro a grande mídia dar cobertura a estes movimentos e à trajetória destas experiências. Isto praticamente só ocorre durante as ações de despejo. Todavia, os squatters possuem seus próprios dispositivos de comunicação e divulgação, como os zines, pequenos jornais feitos de forma artesanal e com uma tiragem reduzida. Eles intercambiam informações entre grupos nacionais e internacionais, relatando atividades e organizando encontros de confraternização entre okupas.

Como o movimento squatter se coloca na contra-mão do estabelecido ao desafiar interesses imobiliários e políticas urbanas, o poder público tende a se mostrar hostil a tais iniciativas, não vendo distinções entre espaços ocupados com finalidade de atuarem como centros culturais e lugares usados como refúgio para uso de drogas e depósito de furtos. Desta forma, o poder público acaba implementando uma legislação, como a efetivada em Curitiba em 1997, para sancionar o “lacramento completo de portas e janelas, proibindo a entrada de desconhecidos” em imóveis abandonados, visando, neste exemplo, coibir o squat Payoll.

RHBN – Além dos zines, a militância squatter utiliza também as novas tecnologias como forma de divulgar suas atividades?
Cleber: No caso do Movimento Squatter no Brasil, há ainda um certo receio na utilização de tais meios como um veículo de propaganda em favor da causa okupa. Aparentemente, tal desconfiança parece estar ligada a uma precaução face à represália policial, já que o ato de okupar implica em litígios jurídicos que revelam as dicotomias entre o direito à vida e o direito à propriedade, em situações em que se contempla um maior respeito ao direito de propriedade.

RHBN – Além dos embates com o poder público, os squatters enfrentam outros tipos de ataque?
Cleber: A causa squatter é abraçada grandemente por anarco-punks, ou seja, jovens que além de seguirem a cultura punk buscam na política anarquista um mote de embate social em defesa da liberdade, da igualdade e contra o capital, valendo-se da autogestão e da solidariedade. Do outro lado do cenário urbano há os skinheads, por exemplo. Trata-se de um grupo influenciado por ideologias nazi-fascistas. São grupos amparados em perspectivas de luta opostas.

Na defesa de um modelo social conservador, os skinheads praticam ações violentas contra segmentos questionadores destes princípios, entre os quais os squatters. Para se ter uma idéia dos embates entre squatters e skinheads, o squat Payoll de Curitiba foi alvo de duas bombas caseiras em 1998. Um de seus membros foi ainda esfaqueado nas redondezas da ocupação.

Saiba mais:
Advisory Service for Squatters – Serviço de apoio ao movimento squatter

Anarquismo no currículo

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Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Espalhado por sindicatos e organizações de trabalhadores, movimento contestador abriu suas próprias escolas no Brasil, com pedagogia inovadora

Por José Damiro Moraes

Criadores de sindicatos,instigadores de greves, contestadores do capitalismo. A partir do final do século XIX, os anarquistas marcaram presença na cena pública nacional, liderando as primeiras mobilizações operárias do Brasil. E para disseminar sua ideologia revolucionária, lançaram mão de uma arma especial: a educação.

Não poderia ser uma educação qualquer, é claro. Seus princípios contrariavam os valores burgueses e primavam pela solidariedade e pela radical liberdade do indivíduo na gestão de sua própria vida. É o que expressa a origem etimológica da palavra “anarquia” – do grego an (negação) e arquia (governo). “Aquele que botar as mãos sobre mim, para me governar, é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo”, resumiu o filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), um dos fundadores do anarquismo.

Os ideais do movimento político chegaram ao Brasil trazidos principalmente por imigrantes espanhóis e italianos. Organizando-se em sindicatos e federações, sua principal atuação se dava junto à nascente classe dos trabalhadores urbanos. Mas num país com 85% de analfabetos, era difícil fazer circular a propaganda anarquista nos meios populares e operários. Jornais e boletins tinham que ser lidos em voz alta para que os métodos de luta fossem apreendidos. Para ampliar a conscientização e a participação dos trabalhadores, era preciso criar espaços educativos próprios. Nas escolas anarquistas, os operários e suas proles teriam acesso ao conhecimento formal – devidamente temperado pela ideologia do movimento. Com o apoio financeiro de sindicatos e federações, elas se espalharam pelo país.

Entre 1885 e 1925, cerca de quarenta instituições de ensino anarquistas surgiram no Brasil. A primeira de que se tem notícia foi a Escola União Operária, em Porto Alegre (RS). Em Fortaleza (CE) funcionou a Escola Germinal (1906); em Campinas (SP), a Escola Livre (1908); no Rio de Janeiro, a Escola Operária 1° de Maio, e em São Paulo, as Escolas Modernas nº 1 e nº 2 (todas de 1912), entre muitas outras. Em 1904, tentou-se até uma experiência de ensino “superior” (complementar à formação dos trabalhadores), com a criação da Universidade Popular de Ensino (Livre), no Rio. Ela contava com a colaboração de vários militantes e de literatos simpatizantes do movimento, como Elísio de Carvalho, Fábio Luz, Rocha Pombo, Martins Fontes, Felisberto Freire e José Veríssimo. Mas, ao contrário das escolas, durou poucos meses.

Uma resolução do primeiro congresso da Confederação Operária Brasileira (COB), em 1906, determinava que toda associação operária deveria sustentar uma escola laica para os sócios e seus filhos. “Ninguém mais do que o próprio operário tem interesse em formar livremente a consciência dos seus filhos”, justificava o texto. O foco do ensino anarquista era a contestação do capitalismo e o fortalecimento da participação política do operariado. Tudo que, segundo eles, a educação formal impedia. A burguesia era acusada de monopolizar a instrução e o conhecimento científico por meio de “artificiosas concepções que enlouquecem os cérebros dos que freqüentam as suas escolas”, de acordo com nova resolução, no congresso seguinte, em 1913. Argumentavam que “as castas aristocráticas e a Igreja” mantinham o “povo na mais absoluta ignorância, próxima à bestialidade, para melhor explorarem-no e governarem-no”. As escolas estatais e religiosas impediam “a emancipação sentimental, intelectual, econômica e social do proletariado e da humanidade”.

Diante de um quadro educacional tão dramático, a pedagogia anarquista precisava realizar transformações profundas. O ensino científico e racional deveria atender às verdadeiras necessidades humanas e sociais: a razão natural, e não a razão artificial criada pela burguesia. No lugar da memorização que prevalecia nas escolas, propunha-se abrir espaço aos jogos e à iniciativa dos próprios alunos. Exames e concursos deveriam ser extintos, assim como qualquer tipo de prêmio ou castigo.

Eram ideias inspiradas no método racionalista, criado pelo espanhol Francisco Ferrer y Guardia (1859-1909), fundador da Escola Moderna de Barcelona. Para Ferrer, a criança deve ser o centro do processo educacional e o professor tem a tarefa de problematizar a realidade, conjugando teoria e prática – esta identificada com o trabalho manual. Meninos e meninas devem estudar na mesma sala (proposta ousada para a época), assim como ricos e pobres. A educação não pode se eximir de sua responsabilidade política, conscientizando os alunos para os valores humanitários e antiestatais do anarquismo.

Mais do que pôr em xeque a pedagogia tradicional, esses princípios soavam como uma afronta ao poder constituído. As teorias de Francisco Ferrer y Guardia despertaram a ira da Igreja e do governo espanhol. Ele foi preso, e de nada adiantaram os protestos pela sua libertação: acabou fuzilado em 1909.

Os currículos das escolas anarquistas brasileiras estavam em sintonia com a proposta racionalista de Ferrer. Privilegiavam a leitura, a caligrafia, a gramática, a aritmética, a geografia, a geometria, a botânica, a geologia, a mineralogia, a física, a química, a história e o desenho. Também incluíam sessões artísticas e conferências científicas. Para além da sala de aula, os alunos participavam de eventos operários, principalmente em datas consideradas importantes pelos anarquistas, como 18 de março – data da Comuna de Paris, insurreição popular que em 1871 gerou o primeiro governo operário da história –, 1º de maio – em memória da execução dos “mártires de Chicago” (1886), operários que pediam a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias – e 13 de outubro, data do fuzilamento de Ferrer. Assim a escola aproximava alunos, famílias e sindicatos, mantendo viva a memória e a necessidade das lutas proletárias. O esforço educativo desses grupos resultou também na fundação de bibliotecas, centros de estudos, centros de cultura e grande circulação de periódicos.

Mas as greves gerais ocorridas em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1917 e 1919, com marcante liderança anarquista, chamaram a atenção do Estado e da Igreja Católica para as ações do movimento. Os anarquistas passaram a ser vistos como ameaça e tornaram-se alvo de dura repressão: inúmeros militantes estrangeiros foram expulsos do país, suas escolas foram fechadas e os professores foram acusados de difundir a revolução social. Educadores vinculados àquelas escolas foram colocados em listas negras de industriários da época, e não conseguiram se empregar novamente. A classe dominante e os governantes criaram e divulgaram a tese segundo a qual o anarquismo era uma “planta exótica” – vinda da Europa, não teria clima favorável para se desenvolver por aqui. A estratégia era evidente: negar a luta de classes e ressaltar a suposta cordialidade e o apego à ordem do povo brasileiro.

O terceiro congresso do COB, em 1920, realizou-se sob esse clima de tensão. Mas, mesmo em um contexto complicado para o movimento operário brasileiro, a educação anarquista continuava em pauta. “O III Congresso Operário, tratando das escolas proletárias e tomando conhecimento da inominável violência do governo paulista que encerrou arbitrariamente as Escolas Modernas, quando esse mesmo governo tolera e até mesmo protege as escolas reacionárias, associa-se ao movimento de protesto do operariado contra essa opressão”, dizia a moção redigida por Edgard Leuenroth (1881-1968), um dos principais militantes anarquistas da República Velha.

A partir dali, a repressão só iria recrudescer. Expulsões, deportações e prisões no campo de concentração de Clevelândia, no município do Oiapoque (RS), durante o governo de Artur Bernardes (1922-1926), minaram a força do anarquismo. Mais à frente, com o Estado Novo e a implantação do sindicalismo oficial vinculado ao governo, a atuação do movimento acabou restrita a atividades culturais e educativas – como as da Universidade Popular Presidente Roosevelt, criada em 1945 por intelectuais não necessariamente anarquistas, que oferecia cursos gratuitos em várias áreas, como Psicologia, Sociologia, Política e Economia.

Mesmo ocultada das teorias pedagógicas e da história da educação, a influência das propostas libertárias anarquistas foi marcante no século XX. Muitos de seus princípios foram absorvidos pelas principais correntes pedagógicas e reformas educacionais, como as propostas de Celestin Freinet (1896-1966), a Escola Nova de John Dewey (1859-1952), a pedagogia de Paulo Freire (1921-1997) e, atualmente, o movimento das Escolas Democráticas.

E não deixaram de provocar inquietação. Até que ponto, nestes tempos individualistas e competitivos, é possível praticar um ensino baseado na solidariedade e na liberdade?

José Damiro de Moraes é professor na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e autor, com Silvio Gallo, de “Anarquismo e Educação – A educação libertária na Primeira República”. In: História e Memórias da Educação no Brasil, vol. III (org. Maria Sephanou e Maria Helena Câmara Bastos, Vozes, 2005).

Saiba Mais – Bibliografia:

CODELLO, Francesco. A Boa Educação: experiências libertárias e teorias anarquistas na Europa, de Godwin A. Neill. São Paulo: Imaginário/Ícone, 2007.

DEMINICIS, Rafael Borges; AARÃO REIS FILHO, Daniel (org.). História do Anarquismo no Brasil, vol. 1. Niterói/ Rio de Janeiro: EdUFF/MAUAD, 2006.

GALLO, Silvio. Pedagogia Libertária: anarquistas, anarquismos e educação. São Paulo/Manaus: Imaginário/Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2007.

SAFÓN, Ramón. O Racionalismo combatente: Francisco Ferrer y Guardia. São Paulo: Imaginário/ IEL/NU-SOL, 2003.

Balas agridoces

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Fonte: Revista de Historia da Biblioteca Nacional

Numa série de crônicas assinadas com pseudônimo, Machado de Assis fazia crítica social sem perder o humor.

Por Ana Flavia Cernic Ramos

“Há pessoas que não sabem, ou não se lembram de raspar a casca do riso para ver o que há dentro”. Foi com esta frase que Lélio, pseudônimo de Machado de Assis (1839-1908) na série “Balas de estalo”, começou sua crônica do dia 26 de janeiro de 1885. Acusado por um amigo de rir de tudo, ele se defendia dizendo que, assim como o “barbeiro da comédia”, personagem da peça “O barbeiro de Sevilha” (1773), preferia rir por temer ser obrigado a chorar. Entretanto, como já alertava o divertido narrador, as balas de estalo, aparentemente doces, depois de desembrulhadas podiam guardar outras surpresas.

As “Balas de estalo” foram publicadas entre 1883 e 1886 num dos jornais de maior circulação no Rio de Janeiro, a Gazeta de Notícias. Foi uma das séries mais duradouras de Machado de Assis, formando um conjunto de 125 crônicas que misturavam humor e crítica social em uma linguagem leve e acessível aos muitos leitores da Gazeta. Receita de sucesso, os textos de nomes como Lulu Sênior, Zig-Zag, Décio, Publicola, José do Egito e Mercutio eram muito queridos pelos leitores do jornal.  Além de Machado, célebres intelectuais estavam por trás desses pseudônimos, como Capistrano de Abreu (1853-1907), Ferreira de Araújo (1846-1900), dono do jornal, e Valentim Magalhães (1859-1903). Somados todos os colaboradores, a série teve 940 crônicas no total.

Curtos e engraçados, como flashes, os textos surgiam a partir de comentários rápidos sobre acontecimentos do cotidiano, fatos inusitados que eram transformados em crítica às tradicionais práticas políticas do Império. Essas crônicas representavam angústias e incertezas de um momento histórico repleto de ambiguidades ideológicas, quando a sociedade escravocrata convivia com instituições liberais. Discussões parlamentares, reuniões abolicionistas e revoltas urbanas fizeram dos anos 1880 um período de grande agitação social. A escravidão e o sistema monárquico eram questionados e ameaçados, e a Lei dos Sexagenários – promulgada em setembro de 1885 e que libertava os escravos com mais de 60 anos – acirrava o debate acerca da “questão servil” e assustava os proprietários. Os republicanos avançavam cada vez mais, assim como as discussões sobre o poder pessoal do imperador se intensificavam nos jornais. Os narradores da série tentavam dar sentido a todas essas mudanças. “Anteontem, no Senado, trocaram-se algumas palavras, incidentemente, sobre qual das formas de governo é mais barata ou mais cara, se a monarquia, se a república. (…) Considero-me obrigado a vir dizer perante o meu país e o meu século que a mais barata de todas as formas de governo seria a que Proudhon preconizava, a saber, a anarquia. Pode-se gastar mais ou menos com o galo ou o peru que está no quintal, não se gasta nada com o cisne, que se não possui”, refletia Lélio.

A marca registrada das balas era justamente a ambivalência de sentidos em cada texto. José do Egito, pseudônimo de Valentim Magalhães, afirmou que a série unia “a força e a graça, a artilharia e os confeiteiros” para descobrir um “projétil” que participasse “do amargo da guerra e da guerra aos amargos”. Era preciso criticar, interferir nos acontecimentos, mas também manter a leveza, o humor, a brevidade, o tom acessível. Essas eram características não só da Gazeta, que se dizia um jornal moderno, barato e popular, mas do próprio gênero cronístico.

Ao ler as “Balas de estalo”, nota-se que muitas vezes os cronistas ofereciam “pólvora” disfarçada de “açúcar”, ou seja, embora cobertas de humor e ironia, as crônicas estavam sempre recheadas de críticas contundentes à monarquia, à Igreja católica e à escravidão. Lulu Sênior atacava, por exemplo, a lei que obrigava o sepultamento em cemitérios católicos: “Que fique essa para os católicos, e os que não são possam ser enterrados ou cremados em qualquer parte, sem licença de uma autoridade com a qual eles nunca tiveram nem quiseram ter relações. (…) O que reclamamos é justamente o direito, que até aqui é privilégio dos católicos, de morrer como vivemos”.

Numa referência também aos estalinhos de meninos – bombinhas utilizadas em festas populares, que batiam no chão, faziam barulho, mas não machucavam –, a série foi bem mais que uma brincadeira jocosa. A própria opção de Machado de Assis pelo pseudônimo Lélio incorporava esse sentido. Ao entrar para o grupo, o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) estava diante de um projeto já estruturado: seis narradores, unidos pelo humor e pelo tema da política. Após anos sem participar de um projeto coletivo, Machado de Assis teve que inventar um narrador que se adequasse à coluna. Assim como Pantaleão, Colombina e Arlequim, Lélio – que inspirou o escritor – era originalmente um dos personagens fixos da Commedia dell’Arte, gênero teatral que surgiu no século XVI na Itália. Espetáculos populares com cantos, danças e acrobacias, a Commedia dell’Arte fez grande sucesso na Europa. Com histórias repletas de bufonarias, intrigas amorosas e sátiras sociais, trupes de dez ou 12 artistas mascarados faziam apresentações nas ruas e nos teatros das cidades, criando histórias que convertiam situações dramáticas em conteúdo humorístico. Críticas sociais viravam piadas e irônicas brincadeiras.

Dentre todos os personagens, Lélio era o único que não usava máscara. O ator que o representava deveria ser jovem e elegante, atributos que lhe davam destaque no espetáculo. A introdução do elemento “real” em meio às máscaras teve grande repercussão, garantindo o sucesso imediato desses personagens junto ao público. Esse sucesso foi ressuscitado posteriormente por autores como Marivaux (França, 1688-1763) e Carlo Goldoni (Itália, 1707-1793), que fizeram de Lélio o personagem principal de várias de suas peças. Mas foi com o francês Molière (1622-1673) que a Commedia dell’Arte foi consagrada. Considerado o mestre da sátira, suas obras passaram a criticar profundamente os costumes da época com peças que resgatavam antigos personagens e modelos da comédia italiana. Em 1660, como um tributo ao gênero, ele estreou a peça “Sganarelle ou O corno imaginário”, que tinha Lélio como um de seus personagens centrais.

Molière já era parceiro antigo de Machado de Assis. Nas crônicas publicadas no Diário do Rio de Janeiro, na década de 1860, encontramos o dramaturgo auxiliando o escritor em muitas de suas ironias em relação aos políticos. Para o caso de “Balas de estalo”, a citação parecia ainda mais apropriada, já que resgatar Molière e a Commedia dell’Arte sintetizava, entre outras coisas, o papel de contundente crítico social. Tal como nos espetáculos de bufonaria no século XVI, ou como as mordazes peças teatrais de Molière, a série “Balas de estalo” fazia muito mais que humor e graça.

Durante todo o tempo em que colaborou na série, Machado participou intensamente dos debates criados pelo grupo de escritores. Seu narrador não poupou comentários ácidos a respeito da retórica vazia dos parlamentares, do aspecto de farsa da política imperial e da ineficiência do modelo eleitoral do país.  Foram muitos os temas que passaram pelas suas crônicas, todas escritas com a “pena da galhofa”, mas sempre com o alvo muito bem delimitado.

Ana Flavia Cernic Ramos é autora da tese “As máscaras de Lélio: ficção e realidade nas ‘Balas de Estalo’ de Machado de Assis” (Unicamp, 2010).

Saiba Mais – Bibliografia

CANDIDO, Antonio (org.). A crônica: o gênero, sua fixação, e suas transformações no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.

CHALHOUB, S; NEVES, Margarida de Souza; PEREIRA, L. A. de M. (orgs.). Histórias em cousas miúdas: capítulos de história social da crônica no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.

DE LUCA, Heloisa H. P. (org.). ‘Balas de estalo’ de Machado de Assis. Crônicas Brasileiras I. São Paulo : Annablume, 1998.

O ovo da serpente

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Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional

Rodado em 1977, filme do sueco Ingmar Bergman retrata a Alemanha nos primeiros anos após a Primeira Guerra Mundial. Obra identifica a década de 1920 como o período em que o nazismo começou a ganhar forma

Por Alexandre Enrique Leitão

Berlim, 1923. Nas ruas miseráveis da cidade alemã, um homem esguio caminha silenciosamente durante a madrugada. Ao virar uma esquina, ele se depara com uma cena inquietante: mãe e filha, vestindo roupas esfarrapadas, devoram a carcaça de um cavalo. Mais adiante, a uma larga distância, o homem testemunha um grupo uniformizado agredindo um indivíduo desarmado. Sua única atitude é fugir. A sequência de acontecimentos faz parte de O ovo da serpente, de Ingmar Bergman – filme que talvez faça o retrato mais perfeito da República de Weimar e que capte com mais sutileza o surgimento do nazismo.

O homem em questão, o andarilho das noites berlinenses, é Abel Rosenberg, um acrobata de circo de origem judaica, que logo nos primeiros minutos da película fica estarrecido com a notícia do suicídio do irmão. Interpretado por David Carradine, o personagem decide resolver questões pendentes de seu ente querido, desvendando aquilo que pode ser o que realmente ocorreu com seu irmão.

Produzido em 1977, O Ovo da Serpente sempre foi considerado por Bergman o seu pior filme. Em parte pelas brigas que teve no set com Carradine; em parte por se tratar de uma obra com claro foco na narrativa – em detrimento do cinema mais contemplativo e intelectual que o diretor sueco vinha fazendo. Mesmo assim, a obra continua a chocar: retrata uma sociedade à beira do caos econômico e político e demonstra como, sob essas circunstâncias, é possível ver os contornos do nascente movimento fascista.

Bergman faz poucas menções diretas a Hitler e ao Partido Nazista, mas ainda assim conseguimos percebe-los. Seja quando uma turba uniformizada invade um cabaret para agredir seu mestre de cerimônias, ou quando surge a figura do Inspetor Bauer, responsável por investigar a morte do irmão de Abel. Bauer, interpretado pelo lendário ator alemão Gert Fröbe, é um policial, mas mais do que isso, é um burocrata inserido dentro da tradição de ordem prussiana. Em um de seus interrogatórios com Abel, o inspetor parece encarnar a melancolia do pós-Primeira Guerra Mundial. Sua maior frustração é ver seu país, que um dia foi Império, adentrar numa espiral de anarquia, resumida com perfeição na sentença: “Sexta-feira eu quis ir a Stettin ver minha mãe idosa, que completava oitenta anos, mas não havia horários para os trens. Havia um trem que ia para lá, mas sem horário. Imagine! Uma Alemanha sem horários!”.

Por meio do inspetor Bauer, ficamos sabendo que o país está com dificuldades para pagar as reparações de guerra exigidas pela França e pela Inglaterra; percebemos também que a taxa de câmbio é de 1 dólar para 5 bilhões de marcos, ou que comunistas estão infiltrados em todos os escritórios; e até mesmo que Herr Hitler planeja um golpe de Estado em Munique. Em verdade, todos os eventos do filme se circunscrevem ao momento do famoso Putsch da Cervejaria, ocorrido no dia 9 de novembro de 1923. Nessa data, aniversário de cinco anos da Declaração da República de Weimar, Hitler e as SA (as milícias nazistas) tentaram derrubar o governo da região da Bavária, a fim de iniciar uma marcha militar com objetivo final de ocupar Berlim e o estabelecer uma ditadura nacional-socialista.

Considerado um dos maiores fiascos da história política do século XX, o putsch foi rapidamente suprimido pela polícia de Munique e Hitler encarcerado na prisão de Landsberg. Em sua cela, o líder do movimento nazista escreveu o livro Minha Luta (Mein Kampf), repensando toda a estratégia de seu partido, e o preparando para conquistar o poder por vias eleitorais – projeto que acabaria se mostrando bem-sucedido em 1933, quando ele foi nomeado primeiro-ministro.

No filme, o papel de anunciador da nova e terrível era de totalitarismo, que se avizinhava da Alemanha, cabe ao personagem do Dr. Hans Vergerus, um enigmático cientista que, sem motivo aparente, oferece sua ajuda a Abel e a cunhada Manuela. Liv Ullman, esposa e musa de Bergman, dá vida à moça, mostrada como uma das últimas almas esperançosas em meio às ruínas de uma Berlim falida.

Dotado de uma fotografia que privilegia os tons cinzentos e pastéis, O Ovo da Serpente adere a uma narrativa convencional de mistério e é feito, sobretudo, como uma fábula de advertência. Dez anos antes da subida dos nazistas ao poder, já se podia ver um fantasma rondando as vielas da Alemanha e pressupor que em meio à desordem, à crise econômica e ao vácuo político, uma semente de radicalismo e violência estava para brotar. Como afirma um dos personagens, já no clímax da película, aquele não era o momento do sucesso de Hitler – a vitória só chegaria em alguns anos, quando os jovens do país se tornassem adultos e se vissem cansados de viver em uma terra amargurada.

Ao cabo da trama, sentencia-se que o fascismo era uma ameaça perceptível, como anunciou Dr. Vergerus em determinado momento do filme: “É como o ovo de uma serpente. Através das finas membranas, você pode claramente discernir o réptil já perfeito”.

Contra os inimigos da pátria

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Fonte : Revista de História da Biblioteca Nacional

Para vencer os “rebeldes paulistas” o governo Vargas contou com a participação decisiva das tropas enviadas do Norte

Por Raimundo Helio Lopes

“Não queremos ser e não seremos mais escravizados pelos mesmos senhores da politicalha que arruinou a moral republicana em quarenta anos de escândalos e crimes”. Assim o interventor paraense, Magalhães Barata (1888-1959), expôs sua visão sobre omovimento armado ocorrido no estado de São Paulo entre os meses de julho e outubro de 1932 para derrubar o Governo Provisório de Getulio Vargas e promulgar uma nova Constituição. O que estava em marcha era entendido como parte de uma luta maior, que envolvia a consolidação da moralidade pública e política à qual acreditavam ter dado início com a retirada de Washington Luís do Palácio do Catete em 1930. A vitória paulista no conflito significaria o retorno do “perrepismo” – referência ao Partido Republicano Paulista (PRP) – e dos “sombrios tempos” da Primeira República, que desalojara o Norte do palco da República brasileira.

O 9 de julho de 1932 não levou só à população paulista e às suas lideranças civis e militares as tensões, os medos e as incertezas típicas de tempos de guerra. Todo o Brasil passou a viver, a partir desse dia, ainda que de modo distinto do que ocorria em São Paulo, o clima de uma guerra civil. Além do forte papel da imprensa – que noticiou e mobilizou todos os estados da federação em torno dos combates que ocorriam principalmente dentro das fronteiras paulistas –, também os chefes militares nacionais e os governadores estaduais ou interventores estiveram à frente da defesa de Getulio e de seu Governo Provisório.

No caso do “Norte” – que corresponde às atuais regiões Norte e Nordeste, acrescido do estado do Espírito Santo –, o envolvimento com a guerra foi intenso e marcado por diversas estratégias de combate, algumas plenamente executadas, outras, nem tanto. Os interventores nortistas eram, então, nomeados por Vargas, sob forte influência do tenente Juarez Távora (1898-1975), principal líder civil e militar da região durante a tomada de poder por parte dos revolucionários de 1930 e durante os primeiros anos do Governo Provisório. Essas novas lideranças, tão logo souberam que a grave crise política entre São Paulo e o Governo Provisório tomara o caminho das armas, passaram a se mobilizar, mostrando ao presidente que ele não estava só, e que esperavam recolocar o “Norte” no mapa político do país. Afinal, a Primeira República significara um período de distanciamento da região do centro político do poder.

Para tanto, uma das principais armas de combate desses interventores foi o telégrafo, que permitia uma comunicação e uma articulação rápidas e eficientes. Diariamente enviavam ao Palácio do Catete notícias sobre como os estados do Norte se posicionavam frente à guerra civil: combatiam possíveis ameaças internas, desencadeadas por simpatizantes do movimento paulista, e ofereciam apoio, político e militar, ao Governo Provisório.

Os interventores do Norte deixam claro em seus telegramas que, se para os paulistas a “Revolução Constitucionalista” era justa e necessária, para o Norte a “Guerra Paulista” tinha outros significados. O conflito, nas palavras desses novos líderes estaduais, era uma “obra impatriótica”, uma “onda de anarquia que tenta aniquilar o país”, uma “masorca levantada pela ambição de politiqueiros”, articulada e liderada por “rebeldes de São Paulo, armados pelas mãos criminosas de políticos eivados de ambição”, que deveriam ser “execrados [na] opinião nacional”. Os rebeldes eram definidos como “aqueles que, criminosamente, sem ideais, (…) por mera ambição política, procuram lançar a desordem e a anarquia no país”. Eram pessoas com “criminosos intuitos reacionários de todos os matizes (…) que não hesitaram sequer ante o grande crime do desmembramento da pátria comum”. Eram, portanto, “inimigos da pátria”. Ao definirem os rebeldes nesses termos, os interventores nortistas se apresentam como o seu oposto: os aliados do Governo Provisório e verdadeiros defensores da pátria, que atuavam sem caráter político nocivo ou em benefício próprio, distantes dos “políticos profissionais” ou “politiqueiros”.

Mais do que palavras de apoio ao Governo Provisório, os interventores do Norte buscaram atuar de modo decisivo no conflito, pedindo, alguns deles, a ida para o front logo nos primeiros dias de guerra, o que significava abandonar seus prestigiosos postos. São bons exemplos os pedidos de Carneiro de Mendonça (1894-1946), interventor do Ceará, ou Seroa da Mota (1901-?), interventor do Maranhão, ou, ainda, Augusto Maynard (1886-1957), interventor sergipano, que chegou a participar a Vargas que, “caso eminente amigo considere de utilidade meus serviços próprio teatro luta, não sinta nenhum constrangimento chamar-me fileiras a que acorrerei maior prazer”.

Seria simplista entender a tentativa de participação dos interventores com armas nas mãos apenas considerando o fato de ocuparem as Interventorias por nomeação de Vargas. Na verdade, é preciso levar em conta que, no caso dos interventores citados, todos eram militares, com vivência nas lutas tenentistas da década de 1920.  Para eles, segundo palavras de Magalhães Barata, “o Norte principalmente que foi beneficiado mais direta e fundamente pelo influxo da revolução precisa [se] antepor à arremetida criminosa do perrepismo em armas”. Nada mais lógico do que se permitir “a todos os interventores do Norte marcharem à frente das forças regulares de que dispomos, com destino fronteiras paulistas”.

Todos os pedidos dos interventores para irem ao front foram negados por Vargas, sob a alegação de que os serviços prestados nos estados, naquele momento, não poderiam ser dispensados. O Governo Provisório entendia que o combate e a derrota dos revoltosos também se dariam em outros campos de batalha, evitando, por exemplo, o surgimento de focos de rebelados fora de São Paulo. Além disso, caberia a esses interventores mobilizar os soldados dispostos a lutar contra os paulistas. E foi o que se fez.

O envio de tropas do Norte aconteceu com uma frequência impressionante. As primeiras tropas que partiram para o Rio de Janeiro – onde eram incorporadas às forças organizadas pelo Quartel-General, para só depois serem enviadas aos campos de batalha – saíram da Bahia e de Pernambuco ainda no dia 12 de julho de 1932. A última, formada por soldados cearenses, partiu em 30 de setembro. Essas tropas eram de três tipos: os corpos regulares, vindos das unidades militares estaduais, notadamente dos Batalhões de Caçadores; os batalhões da Força Pública e Policial dos estados e os contingentes de voluntários, para os quais houve uma intensa campanha de mobilização para o alistamento. Neste último tipo de tropa, também havia reservistas, que, mesmo não convocados oficialmente, ingressaram como voluntários.

Os números desses embarques evidenciam o envolvimento do Norte na Guerra Paulista: ao todo, durante os 86 dias de conflito, partiram 58 tropas, o que correspondeu a um embarque de forças militares a cada um dia e meio! Tendo como base apenas os telegramas dos interventores que apresentam o número de soldados e oficiais enviados – já que nem todos têm essa informação –, encontram-se tropas compostas de apenas 100 soldados – sendo uma amazonense e outra sergipana – até 1.258 soldados pernambucanos, enviados no dia 6 de agosto. Numa avaliação preliminar, o Norte mandou para a guerra civil pelo menos 19.554 soldados, o que não é pouco.  Se as tropas governistas envolvidas no conflito contaram com 55.000 soldados, conforme alguns autores, quase metade desse contingente foi de soldados nortistas mobilizados pelos interventores.

Ainda há muito para se entender sobre a Guerra Paulista e seus múltiplos significados para os que se empenharam na defesa do Governo Provisório. Enquanto para os defensores da imediata constitucionalização o conflito se torna uma “Revolução” e é comumente exaltado como um feito heroico a ser lembrado, a complexidade dos que apoiaram Vargas parece ter ficado esquecida. A mais intensa guerra civil brasileira do século XX foi bem maior do que se pensa.

Raimundo Helio Lopes é autor da dissertação “Os Batalhões Provisórios: legitimação, mobilização e alistamento para uma guerra nacional – Ceará, 1932” (UFC, 2009).

Saiba Mais – Bibliografia

CAPELATO, Maria Helena. O Movimento de 1932 e a causa paulista. São Paulo: Brasiliense, 1981.

GOMES, Angela de Castro (org.).Regionalismo e Centralização política: partidos e Constituinte nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980.

HILTON, Stanley. A Guerra civil brasileira: história da Revolução Constitucionalista de 1932. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

[Portugal] O Binóculo e Louise Michel

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Fonte:

O Binóculo foi um jornal humorístico de periodicidade primeiro quinzenal e depois semanal que se publicou em Ponta Delgada, tendo a sua redação na rua de São Brás, 98 e 100. Foi um dos projetos dos dois irmãos editores de jornais João Cabral (1853-1916) e Augusto Cabral (1856-1924), que foram proprietários da Litografia Lusitana.

João Cabral, identificado em alguns jornais como professor de desenho, foi segundo Ana C. Moscatel Pereira, a alma do jornal e do seu filho “O Pist”, tendo sido “um artista de mérito que estuda e que progride a olhos vistos […]” e que ia “conquistando logar honroso não só pela firmeza do traço e correção do desenho, mas também pela graça que faz presidir aos seus trabalhos”.

No seu número 47 relativo ao dia 18 de agosto de 1883, o jornal “O Binóculo” tem como assunto principal a vida da revolucionária francesa Louise Michel (1830-1905) que foi professora, poetisa e escritora e uma das participantes da Comuna de Paris.

Como uma das principais militantes da Comuna de Paris, Louise Michel foi um pouco de tudo, desde enfermeira e condutora de ambulâncias até comandante de um batalhão feminino. A propósito da participação das mulheres nos combates escreveu: “Os nossos amigos homens são mais atreitos a desfalecimentos de coragem que nós, as mulheres. Durante a Semana Sangrenta, foram as mulheres que levantaram e defenderam a barricada da Place Blanche- e mantiveram-na até à morte”.

Tendo recebido uma educação inspirada pelos ideais da Revolução Francesa, estudou e tirou o curso de professora primária, mas como se recusou a prestar juramento a Napoleão III foi-lhe vedado o acesso ao ensino público.

Impedida de trabalhar no ensino público, Louise Michel usa a herança que recebeu do avô para abrir escolas na província. Mais tarde regressa a Paris e continua a ensinar durante quinze anos, ao mesmo tempo que publica livros de poesia e romances.

Na sequência da derrota da Comuna, ela que tinha conseguido fugir, acabou por se entregar para que a sua mãe presa em seu lugar fosse libertada.

Condenada a dez anos de deportação, foi enviada para a Nova Caledônia onde manteve atividade política e foi autorizada a trabalhar como professora. Mais tarde, depois de ter sido presa por diversas vezes, exilou-se em Londres, onde dirigiu, durante vários anos, uma escola libertária.

Desconhecemos se João Cabral simpatizava ou não com os ideais de Louise Michel e que fontes terá utilizado para dedicar a capa e um texto àquela revolucionária francesa.

No texto referido, depois de considerar que Louise Michel havia sido condenada a “uma pena severíssima imposta a uma mulher”, “seis anos de prisão, seguidos de 10 anos de vigilância policial” por ter participado numa manifestação em que foram saqueadas três padarias”, “O Binóculo” escreveu que ela não aceitou ser considerada criminosa comum, tendo afirmado “que o seu crime era político, e não devia ser tomada responsável pelo saque dado a algumas padarias, que não promoveu, e seria levado a efeito por alguns garotos, que, coitados, teriam fome”.

Sobre o espírito de sacrifício de Louise Michel, no texto referido podemos ler que ela era dotada de um temperamento capaz de suportar as mais rijas provações do infortúnio, sem murmurar uma queixa ou imprecação”.

Em relação à sua dedicação aos outros e à causa que abraçou, também se pode ler que “ela, no tempo de exílio, se despojava ali das meias que trazia nos pés para dar aos mais necessitados!“ e que “amava a revolução com entusiasmo, como fanatismo cego, não por amor de si, mas dos operários e da paz do universo”.

Teófilo Braga

Fonte: http://www.correiodosacores.info/index.php/opiniao/18682-o-binoculo-e-louise-michel

agência de notícias anarquistas-ana

lua n’água
entre pétalas
alumbra o abismo

Alberto Marsicano

[CAB] Violência de Gênero, Debater e Combater

Coletivo Anarquista Luta de Classe

Je suis Nigéria

CARTA PÚBLICA DA COORDENAÇÃO ANARQUISTA BRASILEIRA SOBRE AGRESSÕES DE GÊNERO EM ORGANIZAÇÕES ANARQUISTAS ESPECIFISTAS

 “A validade da luta é integral. Não somente de gênero, mas toda luta que vá de encontro ao sistema. Por isso mesmo a luta pela igualdade de gênero é um elemento fundamental. Reconhecer que não pode haver justiça, não pode haver democracia, não pode haver relações horizontais, se as mulheres não estão participando. Ela disse: já basta! Para haver liberdade, tem que ser livre todos e todas.” – Mulheres Zapatistas

Tendo em vista a importância do processo de crítica e autocrítica para a construção de coerência entre nossos meios e fins, a Coordenação Anarquista Brasileira (CAB) vem publicamente reconhecer que em algumas organizações que compõem a CAB ocorreram casos de agressões de gênero, envolvendo agressores e vítimas. Decorrente desses casos, as fragilidades de prática e conduta de nossas organizações relativas às opressões de…

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O Curdistão Iraquiano vendeu petróleo por mais de 3,5 bilhões de euros em 2015

Solidariedade à Resistência Popular Curda!

A região autônoma do Curdistão iraquiano anunciou ter vendido petróleo por mais de 3,5 milhões de euros em 2015, em exportações diretas que o governo do Iraque considera como ilegais.

O Curdistão “embolsou receitas de 3,949 bilhões de dólares” (3,548 bilhões de euros) na venda direta de petróleo entre 24 de junho e 31 de dezembro de 2015, indicaram as autoridades desta região do norte do Iraque em um comunicado. Esta soma “representa uma alta substancial em relação às receitas vindas de Bagdad (governo central) durante a primeira metade to último ano”, prosseguiu o executivo do Curdistão.

O governo federal iraquiano repassou 1,7 bilhão de euros ao Curdistão entre janeiro e junho de 2015, acrescentou a mesma fonte.

O Curdistão iraquiano, duramente atingido pela queda dos preços brutos, anunciou no inicio de fevereiro que seus funcionários, com exceção da equipe de segurança, receberão apenas uma parte de seu salário. Inúmeros…

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[Alternative Libertaire – França] Depois de 20 Anos, o anarquismo se enraíza com a FAG.

FARJ

Traduzimos nota da Alternative Libertaire, organização anarquista francesa, sobre os eventos acontecidos no Rio Grande do Sul em relação aos 20 anos da Federação Anarquista Gaúcha.

Original: http://www.alternativelibertaire.org/?Bresil-depuis-vingt-ans-l


Depois de 20 Anos, o anarquismo se enraíza com a FAG.

Nos dias 21 e 22 de novembro, foi realizado o aniversário da Federação Anarquista Gaúcha (FAG) em Porto Alegre. Dois dias de trocas e discussões sobre as práticas desta organização e do anarquismo no Brasil. Uma ocasião para voltar no assunto da corrente do Especisfimo na America do Sul.

No meio de uma pequena praça no centro de Porto Alegre, ergue-se uma bandeira rubro-negra onde podemos ler em letras brancas: “Feira Libertária, FAG-CAB, 20 anos”. É aqui que a Federação Anarquista Gaúcha instalou sua feira do livro e suas  oficinas, com a participação de vários militantes de Porto Alegre e de várias organizações brasileiras e de outros países. Livros, panfletos…

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Sonhar também muda o mundo

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Proudhon e seus filhos, retratados por Gustave Courbet (1865-67). (Reprodução)

Proudhon e seus filhos, retratados por Gustave Courbet (1865-67). (Reprodução)

Postado em Revista de História, por Edilene Toledo, em 1/8/2013

Embora difícil de implementar, a proposta anarquista contou com diversos pensadores e influenciou vários países

Quem já não sonhou com um mundo diferente, no qual fosse possível o máximo de liberdade com o máximo de solidariedade? Os anarquistas acreditavam, e acreditam ainda, que essa esperança não é uma utopia: ela pode se tornar realidade.

Eles gostam de dizer que o ideal existe desde a Antiguidade, ou seja, desde que há luta pela liberdade. Mas a doutrina só se tornaria movimento organizado no século XIX, na Europa. Na pauta, a crítica à sociedade industrial, aos males do capitalismo e à sua indiferença diante do sofrimento humano.

A palavra anarquia, usada frequentemente para designar desordem e confusão, vem do grego e significa “sem governo”, isto é, o estado de um povo sem autoridade constituída. Do mesmo horizonte de significado nasce o anarquismo, doutrina política que prega que o Estado é nocivo e desnecessário e que existem alternativas viáveis de organização voluntária. Para a verdadeira libertação da sociedade seria necessário, ainda, destruir o capitalismo e as igrejas. Os anarquistas opunham-se à participação nas eleições e aos parlamentos, pois consideravam a democracia liberal uma farsa, negando qualquer forma de organização hierarquizada.

A nova sociedade seria uma rede de relações voluntárias entre pessoas livres e iguais, em equilíbrio natural entre liberdade e ordem não imposta, mas garantida pela cooperação voluntária. Eliminados o Estado centralizado, o capitalismo e as instituições religiosas, afloraria a verdadeira natureza humana e as pessoas voltariam a assumir suas responsabilidades comunitárias. O futuro anarquista seria feito de um conjunto de pequenas comunidades descentralizadas, autogeridas e federadas, que a livre experimentação modificaria pouco a pouco.

O francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) foi o primeiro a organizar as ideias do anarquismo. Em seu texto O que é a propriedade? (1840), escreveu que a política era a ciência da liberdade, que o governo do homem sobre o homem, em qualquer forma, era opressão, e que a sociedade só atingiria a perfeição na união da ordem com a anarquia.

Ainda no século XIX, o anarquismo ganhou adeptos em todo o mundo, reconhecendo-se em um projeto internacional comum, embora em cada país os trabalhadores utilizassem a linguagem e a ação do anarquismo como resposta a seus problemas e preocupações específicos. O russo Mikhail Bakunin (1814-1876) defendia que a futura organização da sociedade deveria ser realizada de baixo para cima, pela livre associação. Bakunin e outros anarquistas rivalizaram com Karl Marx, sugerindo que o socialismo seria tão despótico quanto outras formas de Estado. Mais tarde, Emma Goldman (1869-1940), judia russa emigrada para os Estados Unidos, famosa por sua militância, fez duras críticas aos rumos dados pelos bolcheviques à Revolução Russa em função da centralização estatal e do autoritarismo, que teriam paralisado a iniciativa e o esforço individuais.

Alguns anarquistas investiram na educação, fundando escolas alternativas, como a Escola Moderna, criada no começo do século XX, em Barcelona, por Francisco Ferrer. (Reprodução)Alguns anarquistas investiram na educação, fundando escolas alternativas, como a Escola Moderna, criada no começo do século XX, em Barcelona, por Francisco Ferrer. (Reprodução)

Os anarquistas russos, em aberta oposição ao que consideravam uma ditadura distante dos ideais libertários, passaram a ser perseguidos e suas atividades foram proibidas já poucos meses após a Revolução de Outubro. Em 1920, grande parte dos membros do Exército Revolucionário Insurrecional, liderado pelo anarquista Nestor Makhno, foi fuzilada pela Cheka, a polícia responsável por reprimir atos considerados contrarrevolucionários. Em poucos anos, os anarquistas da Rússia foram quase todos mortos, aprisionados, banidos ou reduzidos ao silêncio.

Diversos outros pensadores influenciaram libertários de várias partes do mundo. A ideia da ajuda mútua como requisito central para a evolução ética da humanidade tornou-se referência através dos escritos do russo Piotr Kropotkin (1842-1921). Na resistência contra o golpe militar de Francisco Franco na Espanha da Guerra Civil, o operário Buenaventura Durruti (1896-1936) afirmava que os anarquistas traziam um novo mundo em seus corações. Victor Serge (1890-1947), nascido na Bélgica, de família russa e polonesa, escreveu em suas memórias que o anarquismo tomava os militantes inteiramente, transformava suas vidas, porque exigia uma coerência entre os atos e as palavras. Para muitos, tinha um caráter de conversão quase religiosa.

Os anarquistas incentivavam a luta dos trabalhadores contra a exploração capitalista através do apelo para diversas formas de ação, como greves, boicotes, comícios, passeatas, fundação de sindicatos, denunciando o que consideravam ações repressoras da burguesia e do Estado. Embora tenha conquistado corações e mentes em diferentes classes sociais, o anarquismo se difundiu, sobretudo entre os trabalhadores pobres urbanos, e foi um elemento importante em seu processo de auto-organização e agregação social, recreativa e cultural. A circulação das ideias anarquistas se dava por meio de campanhas, comícios, pela imprensa e em publicações, mas também com a organização do tempo livre em eventos como teatro, piqueniques e festas. Assim, os anarquistas transformavam, ou ao menos abalavam, uma mentalidade consolidada em vários países, segundo a qual trabalhadores pobres deviam ficar fora da política.

Um dos livrinhos mais famosos de propaganda anarquista foi Entre camponeses, diálogo sobre a anarquia, do italiano Errico Malatesta (1853-1932), publicado em Florença, em 1884. Nele se lia a conversa entre dois camponeses, Giorgio, um jovem anarquista, e Beppe, um velho amigo de seu pai. Beppe tenta dissuadir Giorgio, argumentando que a política era coisa para os senhores, e que o trabalhador tinha que pensar em trabalhar e fazer o bem, assim viveria tranquilo e na graça de Deus. No fim, é o velho Beppe quem sai convertido ao anarquismo. Malatesta nasceu no sul da Itália, em uma família rica. Coerente com suas ideias, distribuiu as terras que herdou aos camponeses. Foi um dos anarquistas mais influentes em todo o mundo, inspirando inúmeros militantes e trabalhadores. Por isso foi duramente perseguido pelo regime fascista de Benito Mussolini, desde sua ascensão ao poder em 1922.

Embora os anarquistas concordassem com os objetivos que queriam atingir, eles divergiram muito sobre os meios para alcançá-los. Na década de 1890 houve grandes atos de violência dos anarquistas no cenário mundial: foram mortos um rei da Itália, uma imperatriz da Áustria, um primeiro-ministro da Espanha, um presidente da França e um dos Estados Unidos.

Mas a maioria dos anarquistas recusou essas ações individuais e violentas. Alguns tentaram experimentar a organização libertária formando pequenas comunidades autogeridas que, em geral, tiveram vida curta e difícil. Outros organizaram insurreições. Muitos se dedicaram à formação e à participação nos sindicatos de trabalhadores, que consideravam um espaço privilegiado para a difusão da ideia anarquista e um exercício importante de autogestão. Houve os que investiram na educação, criando escolas alternativas que visavam formar crianças autônomas, e na arte engajada, como o teatro popular e a literatura com conteúdos políticos.

No Programa Anarquista, escrito por Malatesta em 1903, ele argumentava que os anarquistas queriam mudar radicalmente o mundo, substituindo o ódio pelo amor, a concorrência pela solidariedade, a busca exclusiva do próprio bem-estar pela cooperação, a opressão pela liberdade. “Queremos que a sociedade seja constituída com o objetivo de fornecer a todos os meios de alcançar igual bem-estar possível, o maior desenvolvimento possível, moral e material. Desejamos para todos pão, liberdade, amor e saber”, escreveu Malatesta na conclusão do programa.

Já nos anos 1920 e 1930, o movimento anarquista perdeu força, com o surgimento dos partidos comunistas e o aumento da presença do Estado nas sociedades ocidentais, fechando o ciclo do chamado anarquismo histórico. Na Espanha, em Aragão e na Catalunha, os anarquistas conseguiram realizar uma verdadeira revolução durante a guerra civil: operários e camponeses se apoderaram das terras e das indústrias, estabeleceram conselhos de trabalhadores e fizeram a autogestão da economia. Essa coletivização teve considerável sucesso por algum tempo e, embora derrotada, foi a experiência anarquista mais importante da história e ficou na memória dos libertários como a prova concreta de que a anarquia era possível.

A partir dos anos 1960, quando se confirmaram suas previsões sobre os perigos da centralização do poder nos países socialistas, houve uma retomada do anarquismo em todo o mundo. Suas ideias libertárias influenciaram movimentos sociais, como o estudantil, o feminista, o ecológico e o hippie, penetrando com força também nas universidades. Em tempos de contestação do capitalismo e da capacidade dos governos de representar suas sociedades, os ideais anarquistas parecem mais vivos do que nunca.

 

Edilene Toledo é professora da Universidade Federal de São Paulo e autora de Anarquismo e sindicalismo revolucionário: Trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República (Fundação Perseu Abramo, 2004).

 

Saiba mais

RAGO, Margareth. Entre a história e a liberdade: Luce Fabbri e o anarquismo contemporâneo. São Paulo: Unesp, 2001.

SAKAE, Osugi. Memórias de um anarquista japonês. São Paulo: Editora Conrad, 2002.

SERGE, Victor. Memórias de um revolucionário. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

WOODCOCK, George. História das ideias e movimentos anarquistas. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2007.

WOODCOCK, George. Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre: L&PM, 1998.
Filmes
A língua das mariposas (1999), de José Luis Cerda

Sacco e Vanzetti (1971), Giuliano Montaldo

Terra e Liberdade (1995),Ken Loach

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Imprensa anarquista noticiou a Revolução Mexicana como um exemplo a ser seguido pelos operários brasileiros

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Revolução Mexicana de 1910

Revolução Mexicana de 1910

Postado em Revista de História, por Fábio da Silva Sousa, em 01/8/2015

Distantes camaradas

Foi com armas em punho que camponeses sem terra deram fim a uma das mais longas ditaduras da América Latina. Quando a Revolução Mexicana derrubou o Porfiriato, em 1910, a notícia cruzou fronteiras e se espalhou por vários países.  Também alcançou o Brasil. Operários anarquistas acompanharam com interesse e apoiaram a inesperada e violenta reação dos mexicanos. Para aqueles brasileiros, que acreditavam na revolução como o caminho ideal para a igualdade social, o México era um exemplo a ser seguido.

O general Porfirio Díaz comandava o destino nacional mexicano com mão de ferro desde 1876. Enquanto modernizava o país, sufocava os direitos sociais dos trabalhadores do campo e das fábricas. Com o descontentamento de operários, camponeses e jovens intelectuais, as críticas ao longo governo de Díaz não paravam de aumentar. Em março de 1908, o presidente concedeu uma entrevista para a revista norte-americana Pearson’s Magazine afirmando que não disputaria as eleições de 1910, que poderiam levá-lo ao sétimo mandato consecutivo. Empolgado com esta declaração, Francisco Madero, um grande empresário e proprietário de terras da região Norte do México, anunciou sua candidatura à Presidência. Mas o general acabou mudando de ideia: com o argumento de que não havia nomes à altura para governar o país, lançou-se novamente candidato e ainda mandou prender Francisco Madero, acusando-o de conspiração contra a nação mexicana.
Foi nesse cenário tumultuado que Díaz venceu as eleições, claramente fraudulentas. Madero conseguiu fugir, atravessou a fronteira e chegou ao Texas, nos Estados Unidos. De lá, em outubro de 1910, lançou o Plano de San Luis Potosí, um chamado para que o povo mexicano iniciasse a revolução. “Cidadãos: não vacileis, pois, um momento: tomai as armas, arrojai do poder os usurpadores, recobrai os vossos direitos de homens livres e recordai que os nossos antepassados legaram-nos uma herança de glória que não podemos desonrar”, ele conclamava.
Mas Madero não era o único opositor à ditadura. Porfirio Díaz já enfrentava a resistência do Partido Liberal Mexicano (PLM), defensor dos operários e camponeses, e as críticas constantes do jornal Regeneración, comandado pelo intelectual anarquista Ricardo Flores Magón. No período da revolução, o Regeneración era publicado na Califórnia, próximo à fronteira. Enganando as autoridades, os editores mandavam exemplares do jornal via correio marítimo para países da Europa e da América Latina. Foi assim que os operários do Brasil ficaram sabendo do que ocorria e se empolgaram com a Revolução Mexicana.
Ao chegar aos portos de São Paulo e do Rio de Janeiro, o Regeneración rapidamente passou a circular entre operários anarquistas que defendiam uma revolução no Brasil. Eles ficaram ansiosos para entender os principais objetivos e as causas da revolta que tomava o território mexicano. Afinal, queriam acabar com a desigualdade social e não estavam satisfeitos com suas condições de trabalho. Sofriam com salários baixos, com uma inflação que não parava de crescer e com uma pesada jornada nas fábricas, de até 17 horas diárias. Manifestavam-se por meio de propagandas e greves, reivindicando uma jornada de oito horas e outros direitos trabalhistas. Para esses trabalhadores das fábricas brasileiras, o jornal de Ricardo Magón foi uma fonte de leitura perfeita.
Escritos em espanhol e traduzidos para o português, os textos do Regeneración foram impressos em oito jornais de orientação anarquista de 1911 a 1918: La Battaglia (este, em italiano), A Lanterna, A Vanguarda e Germinal, publicados em São Paulo, e A Guerra Social, A Voz do Trabalhador, Na Barricada e O Cosmopolita, publicados no Rio de Janeiro. Nas primeiras décadas do século XX, era nessas duas cidades que o movimento operário estava mais organizado. São Paulo era a cidade mais industrializada do país, e o Rio de Janeiro, a capital federal. Além disso, havia em ambas uma grande concentração de atividades portuárias. No caso de São Paulo, esta atividade estava concentrada na cidade de Santos, na qual o movimento anarquista era forte e a publicação de jornais libertários também era intensa. O Regeneración chegava em pequena quantidade aos navios que transportavam diversas correspondências.
Nas páginas desses periódicos, em matérias quase sempre anônimas, havia também textos de operários brasileiros sobre a Revolução Mexicana. Em sua primeira manifestação sobre o tema, publicada no dia 29 de junho de 1911, o jornal A Guerra Social registra: “O povo do México está neste momento em franca rebelião contra os seus opressores e, tomando parte na geral insurreição, se encontram defensores das ideias modernas”. “Ideias modernas”, naquele contexto, eram o anarquismo e suas concepções libertárias. Na segunda página do jornal, já o título anunciava, triunfal: “Em marcha para a Anarquia”.
A Revolução Mexicana não foi uma revolução anarquista. Apesar do caráter social, comandada pelas tropas sulistas de Emiliano Zapata, a concepção de uma revolução libertária não foi uma das bandeiras empunhadas pelos combatentes revolucionários. Contudo, dois motivos explicam as razões que levaram os militantes anarquistas a acreditar que o México estava em marcha para a anarquia. Em primeiro lugar, foi a primeira revolução que esses militantes acompanharam. A Revolução Russa (1917) ainda não havia acontecido e o único evento de referência para esses militantes era a Comuna de Paris, de 1871. Ou seja, eles ficaram empolgados com as notícias que vinham do México, e o Regeneración, que os anarquistas brasileiros julgavam como a única fonte confiável de informações, defendia que a Revolução Mexicana era uma revolução anarquista.
Cobertura semelhante ocorria nos outros jornais anarquistas. Em 4 de junho de 1911, o La Battaglia informa: “Os Revolucionários do México. Para os trabalhadores de todo o mundo. Companheiros: vai para quatro meses que a bandeira vermelha do proletariado flameja nos campos de batalha do México, sustentada por operários emancipados, cujas aspirações se compendiam neste sublime grito de guerra: Terra e Liberdade”.  O jornal A Lanterna foi mais longe: além de abrir espaço em suas páginas para a Revolução Mexicana, ainda realizou uma arrecadação financeira para os insurgentes daquele país. Em diversos artigos, os jornais anarquistas defendiam que os trabalhadores brasileiros deveriam se inspirar nos mexicanos e fazer sua própria revolução. “O proletário do Brasil deve seguir o exemplo do proletário do México. Devemos apoiá-los nessa batalha decisiva. Preparemo-nos, trabalhadores! É chegada a hora de libertação!”, publicou A Voz do Trabalhador, em 15 de março de 1913.
Apesar desses incentivos, os jornais da imprensa operária não explicavam como a revolução no Brasil deveria ser realizada. O entusiasmo limitava-se ao “devemos seguir”, sem chegar ao “como devemos seguir”. O México era um país praticamente desconhecido para os trabalhadores do Brasil. Eles tinham mais informações sobre a Europa, pois muitos imigrantes que fizeram parte da criação da mão de obra do operariado nacional vinham de lá. Por causa desse desconhecimento do México, os operários julgavam mais confiáveis as informações do Regeneración. Mas havia um problema: os exemplares camuflados desse jornal chegavam com dois meses de atraso ao Brasil. Muitas das informações e dos acontecimentos noticiados já estavam desatualizados quando aqui surgiam.
Com o passar dos anos, principalmente entre 1913 e 1914, as notícias sobre a Revolução Mexicana foram sumindo da imprensa operária. Enquanto no México o Partido Liberal Mexicano passava por uma crise financeira e a distribuição internacional do Regeneración era interrompida, no Brasil alguns periódicos deixavam de ser publicados por causa da repressão policial ou por escassez de recursos. De 1915 até 1918, foram publicadas pouquíssimas matérias sobre a Revolução Mexicana, e sem tanto entusiasmo. Àquela altura, já estava em marcha outro acontecimento que atraía o interesse e os sonhos de transformação social não só dos operários brasileiros, mas de todo o mundo: a Revolução Russa.
Fábio da Silva Sousa é autor de Operários e Camponeses: a repercussão da Revolução Mexicana na Imprensa Operária Brasileira (1911-1918), (Paco Editorial, 2012).
Saiba mais
AGUILAR CAMÍN, Héctor & MEYER, Lorenzo. À Sombra da Revolução Mexicana. História Mexicana Contemporânea, 1910-1989. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.
BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
BATALHA, Cláudio. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
LÖWY, Michel. Revoluções. São Paulo: Boitempo, 2009.

Preso no passado ou aberto ao futuro?

Insurretos prendendo e escoltando policiais à paisana em Petrogrado nos dias da revolução (Imagem: Reprodução)

Insurretos prendendo e escoltando policiais à paisana em Petrogrado nos dias da revolução (Imagem: Reprodução)

Após sua ascensão e queda, o socialismo enfrenta o desafio de continuar como alternativa real para a humanidade

Postado em Revista de História, por Daniel Aarão Reis, em 1/11/2015 .

Ao longo do século XX, propostas socialistas alcançaram o poder político, realizando transformações de alcance variado. Em certo momento, a alternativa socialista parecia invencível, destinada à vitória universal. Não foi o que aconteceu. Ao contrário: o socialismo, embora ainda vivo, está moribundo. Pode-se considerá-lo uma perspectiva, uma experiência aberta para o futuro da humanidade?
O socialismo contemporâneo surgiu na esteira das revoluções americana e  francesa, em fins do século XVIII. “Todos os homens nascem livres e iguais e têm o direito de lutar pela felicidade” – a frase revolucionária suscitou um tsunami político e social. Entretanto, permaneceram as desigualdades sociais, de gênero e a escravidão. Milhões de seres humanos continuaram sendo considerados inferiores, destinados a serem “civilizados” ou vítimas de genocídio, como aconteceu com os povos nativos da América, da África e da Ásia. À aristocracia do sangue, fundada na hereditariedade, sucedeu uma outra, burguesa, baseada na propriedade privada dos bens de produção. Foi da esperança de vencer a burguesia que nasceu o socialismo.
Mas nem todos os socialistas defendiam as mesmas propostas. Surgiram duas grandes vias, a da revolução e a da reforma, embora não houvesse muralhas intransponíveis entre elas. Na perspectiva revolucionária, os privilegiados haveriam de resistir pela força, e somente por ela seriam vencidos. A partir daí, bifurcavam-se novamente os caminhos. Para uns, como Mikhail Bakunin (1814-1876), tratava-se de incentivar a mudança social. Ela viria como uma  “destruição criadora”, suscitando a Anarquia, uma ordem baseada na inexistência do Estado. Em outro registro, defendido por nomes como Gracchus Babeuf (1760-1797) e Auguste Blanqui (1805-1881), propunha-se uma organização clandestina capaz de, num momento de convulsão social, tomar o Estado e transformar a sociedade através de uma ditadura revolucionária. Com o tempo, as liberdades seriam estendidas a todos.

A tomada do Reichstag, em Berlim, pelas tropas soviéticas em 1945. (Imagem: Reprodução)

A perspectiva reformista não acreditava na eficácia da violência: as ideias socialistas avançariam devagar, ganhando as consciências. As lutas sindicais e a universalização do voto ocupariam um lugar central. A primeira demonstração desta proposta foi o Movimento Cartista, na Inglaterra, nos anos 1840.

Em 1848, uma onda revolucionária percorreu a Europa, suscitando as questões da independência nacional, da democracia e do socialismo. Surgiu, então, uma nova tendência, liderada por Karl Marx (1818-1883). Compartilhava a ideia da violência e da tomada do poder do Estado para aplicar o programa revolucionário, mas apresentava uma novidade: considerava-se portadora de um novo tipo de socialismo, científico. A associação entre ciência e política tinha uma evidente lógica autoritária, mas isto só se tornaria claro mais tarde.
Naquele momento, explicitou-se o caráter internacional do capitalismo, da burguesia triunfante e de sua ideologia, o liberalismo. O socialismo também definia-se como internacional. Em 1864, formou-se a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), que durou pouco tempo, minada pelas querelas entre Marx e Bakunin, pela repressão desencadeada após a derrota da Comuna de Paris, em 1871, e pela força do nacionalismo, que empolgava as camadas populares.
Nas últimas décadas do século XIX, o capitalismo internacional mudaria de patamar, através de uma  grande revolução científica e tecnológica. Liderados pelos bancos (capitalismo financeiro), apareceram os grandes monopólios, concentrando imensos contingentes de trabalhadores. Surgiu o proletariado, que se tornaria a principal base social e política das propostas socialistas. Formaram-se partidos de massa, muitos referenciados nas ideias de Marx. Tratava-se de combinar, de forma original, reforma e revolução, lutas nacionais e articulação internacional, socialismo e democracia. Tomou corpo, então, a social-democracia, estabelecendo um sinal de igualdade entre as duas ideias: só haveria socialismo com democracia. À nova Internacional Socialista, fundada em 1889, caberia o papel de coordenar os diversos partidos nacionais.
Entretanto, a social-democracia foi capturada pelo nacionalismo e pelo reformismo. Sob sua liderança, os trabalhadores ganharam  proteção social, direito de voto e liberdades democráticas, integrando-se como cidadãos às instituições políticas e sociais. Daí veio a concepção reformista de que o socialismo se imporia através de uma transição pacífica, por efeito da força crescente das organizações sindicais, das políticas social-democratas e das sucessivas crises econômicas geradas pelo capitalismo. O socialismo triunfaria nos centros capitalistas importantes – a Europa e os Estados Unidos – e depois se estenderia para o resto do mundo, sob a liderança do proletariado internacional e de suas organizações. A eventual irrupção de uma  guerra apressaria o advento do socialismo, pois os partidos social-democratas se levantariam contra ela, realizando a esperada revolução.
A Primeira Grande Guerra, entre 1914 e 1918, dissolveria estas esperanças. Salvo exceções, os partidos proletários socialistas aderiram à defesa dos respectivos Estados nacionais. O internacionalismo e a revolução saíram do radar. No entanto, a partir de 1917, depois de milhões de mortos, começaram a eclodir revoltas entre trabalhadores e soldados, exigindo o fim do conflito. O processo tomou força na Rússia, que já era uma potência, ainda que essencialmente agrária. O desastre provocado pelo confronto alcançou ali proporções devastadoras, impulsionando a revolta social.
Em fevereiro de 1917, em Petrogrado, capital da Rússia, manifestações contra  a autocracia e pelo fim da guerra levaram à queda do tsar. Instaurou-se um governo provisório e abriu-se uma conjuntura de efervescência social. Trabalhadores e soldados organizaram-se em conselhos, os sovietes. Camponeses formaram comitês agrários. As nações não russas oprimidas revoltaram-se. A convergência destes múltiplos movimentos ensejou uma outra revolução, em outubro. Vitoriosa em Petrogrado, estendeu-se pelo país.
Várias tendências socialistas participaram do processo, mas destacou-se uma ala do partido social-democrata russo: os bolcheviques, discípulos de Marx e liderados por Lenin (1870-1924) e Trotsky (1879-1940). Mais bem organizados, ousados e determinados, apostando que uma revolução vitoriosa na Rússia empolgaria o continente europeu, estabeleceram um novo governo, apoiado nos sovietes urbanos e nos comitês agrários. Seguiu-se uma guerra civil, entre 1918 e 1921, ao fim da qual venceram os revolucionários. Mas o país ficou inteiramente destruído e, para piorar, a experiência não se estendeu à Europa.

Sob a liderança de Stalin, aqui retratado por Brodsky, a ditadura soviética se radicaliza, alcançando com prisões, deportações e execuções os que se opuseram aos desígnios do Estado. (Imagem: Reprodução)

 

A revolução não surgiu onde os socialistas a esperavam – nos principais centros capitalistas, com fortes classes operárias, sindicatos, partidos socialistas de massa e tradições de liberdade. Venceu num país que, embora relativamente forte do ponto de vista militar, era ainda agrário e atrasado em relação às grandes potências europeias, arrasado pela guerra, sem valores democráticos e governado por um pequeno partido, centralizado e militarizado que, para se manter no poder, recorreu à ditadura revolucionária.

A certeza de que eram os únicos a ter a compreensão científica da História, combinada com tradições místicas do messianismo russo, fez dos bolcheviques uma eficiente e temível máquina política. Sem contar com apoio internacional, empreenderam, a partir de 1929, uma nova revolução, através do Estado e sob liderança de Joseph Stalin (1878-1953): pela violência, coletivizaram a terra, que fora distribuída pelas famílias camponesas depois da revolução, e industrializaram o país de maneira planificada, universalizando os serviços de educação e saúde. A ditadura revolucionária radicalizou-se, alcançando com prisões, deportações e execuções todos os que se opuseram (ou foram acusados de se opor) aos desígnios do Estado.
Ao longo dos anos 1930, enquanto os países capitalistas afundavam na  crise econômica iniciada em 1929, a União Soviética conhecia um gigantesco desenvolvimento, tornando-se uma potência econômica e militar. A Segunda Guerra Mundial confirmaria esta mutação. O nazi-fascismo seria vencido por uma Grande Aliança, mas o papel da URSS foi decisivo, tendo ela suportado os maiores custos materiais e humanos provocados pelo conflito. Em 1945, no fim da guerra, era  imenso o prestígio da União Soviética. Sua economia planificada inspirava políticas em todo o mundo. Muitos criticavam o Estado ditatorial, até entre os socialistas, mas havia no ar expectativas de aberturas democráticas.
A URSS já não se encontrava isolada: o socialismo estendera-se por quase um terço do mundo. Na Europa central, foi implantado pela ocupação dos exércitos soviéticos. No Extremo Oriente, as guerras nacionais camponesas, dirigidas pelos comunistas contra os exércitos japoneses, impuseram o socialismo na China, no norte da Coreia e do Vietnã. Repetia-se, numa escala mais vasta, o que já se verificara com a revolução russa: o socialismo aparecia num contexto de guerras, em sociedades agrárias e empreendido por ditaduras revolucionárias.
Seguiu-se, entre 1946 e 1991, a bipolarização do mundo, na chamada Guerra Fria. Nos anos 1970, a URSS parecia um ator incontornável nas relações internacionais. Mas já então se avolumavam críticas à sua economia: ineficiência, excessivo centralismo e estatismo, despesas militares exageradas. Do ponto de vista político, a ditadura perdia legitimidade. O socialismo ainda era capaz de mobilizar tanques e aviões, mas já não inspirava a própria população, sobretudo os jovens. A tentativa de autorreforma, nos anos 80, conduziu, de modo fulminante e inesperado, ao fim do socialismo soviético e à desagregação do país.

Manifestação do Movimento Socialista Pan?helênico (Grécia, 2009). O fim da URSS provocou crises de identidade, mas o ideal socialista continua a inspirar grupos e partidos no mundo. (Imagem: WIKICOMMONS / FOTO PASOK)

 

Era o fim de um ciclo. A China se afastou radicalmente do socialismo: a combinação que ali se efetua, entre capitalismo e dirigismo estatal, com a manutenção de uma rigorosa ditadura política, causa perplexidade e é um desafio à imaginação. O mesmo se verifica, em menor escala, no Vietnã, unificado em 1975, depois de uma longa e devastadora guerra. A Coreia do Norte é uma sinistra caricatura. E Cuba conserva sua independência muito mais pelas reservas nacionalistas de sua revolução do que pelas aspirações e pelos valores socialistas. O nacionalismo radical na África, no mundo muçulmano e na Ásia, perdendo o grande aliado, desagregou-se ou se orientou em outras direções, distantes das concepções inspiradas na experiência soviética.

O  modelo socialista soviético está bem morto e é difícil imaginar sua ressurreição. Pela grandeza que chegou a assumir, sua derrocada provocou uma profunda crise de credibilidade nos valores socialistas, não apenas entre os adeptos, mas também entre os críticos.
Como aventura humana, porém, o socialismo não necessariamente se encerrou. Tem a seu favor as contradições agudas que o capitalismo continua a operar, evidenciando desigualdades gritantes e destrutivas. Elas são uma fonte recorrente de estímulo para que sejam pensadas alternativas que valorizem a igualdade e a liberdade.
Estão dadas as bases para pensar o socialismo como uma experiência aberta para o futuro da humanidade. Superadas as ilusões cientificistas, ela pode ser empreendida através da luta política, que é sempre imprevisível mas da qual os socialistas dependem para persuadir as gentes, democraticamente, a respeito da validade e da superioridade de suas propostas.
Neste sentido, continuam vigentes as referências das grandes revoluções de fins do século XVIII, quando esta aventura humana teve início. Se os homens não foram livres e iguais nos padrões do socialismo soviético, nunca poderão ser livres e iguais sob regimes capitalistas.
Daniel Aarão Reis é professor da Universidade Federal Fluminense e autor de Ditadura e democracia no Brasil (Zahar, 2014).
Saiba Mais
AARÃO REIS, Daniel. Uma revolução perdida – história do socialismo soviético. São Paulo: Perseu Abramo, 2007.
BABEL, Isaac. O exército de Cavalaria. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
BERLIN, I. Pensadores russos. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.
BROWN, Archie. Ascensão e queda do comunismo. Rio de Janeiro: Record, 2010.
LEWIN, Moshe. O fenômeno Gorbatchev. São Paulo: Paz e Terra, 1988.
LEWIN, Moshe. O século soviético. Rio de Janeiro: Record, 2007.
SEGRILLO, Angelo. O Declínio da URSS – Um estudo das causas. Rio de Janeiro: Record, 2000.

As lições de uma greve histórica: um ano da ocupação da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP).

Coletivo Anarquista Luta de Classe

Há um ano o funcionalismo público paranaense nos dava uma lição histórica: se nós, pessoas oprimidas, quisermos defender nossos direitos, só conseguiremos fazê-lo com nossas próprias mãos.

No dia 9 de fevereiro de 2015, iniciava uma das maiores greves da história das pessoas trabalhadoras em educação, com adesão praticamente total e com decisão unânime na assembleia de Guarapuava, que gritava em uníssono “Greve! Greve!”. A categoria se preparava para enfrentar o “pacotaço”, isto é, um conjunto de medidas de austeridade impostas pelo governador Beto Richa, representando a política do PSDB – que é a política dos banqueiros, latifundiários e grandes empresários. Esse “pacotaço” iria precarizar o plano de carreira da categoria, destruindo conquistas de dezenas de anos de luta, além de confiscar o fundo previdenciário do funcionalismo público, comprometendo a aposentadoria das trabalhadoras e trabalhadores.

No dia 10 de fevereiro, mais de vinte mil lutadoras e…

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85 anos do Fuzilamento de Severino Di Giovanni

FARJ

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Em homenagem aos 85 anos do fuzilamento do militante anarquista italino Severino Di Giovanni, publicamos aqui um texto escrito por Osvaldo Bayer sobre Severino. Di Giovanni passou parte de sua vida na Argentina, onde participou, por exemplo, nas greves retratadas no filme Patagonia Rebelde, baseado em um livro de Osvaldo Bayer, mais conhecido pelo livro Anarquistas Expropriadores.

Texto retirado de: http://www.pagina12.com.ar/diario/contratapa/13-291415-2016-01-30.html


Por Osvaldo Bayer

Este 1º de febrero se cumplen 85 años del fusilamiento de Severino Di Giovanni, anarquista expropiador. Fue fusilado por la dictadura de Uriburu.

La condena llegó a través de un juicio militar. Di Giovanni se encargaba de hacer asaltos para conseguir dinero e imprimir sus publicaciones, para la edición de libros anarquistas y para mantener a familias pobres de presos políticos de ideología libertaria. En una de sus salidas “expropiadoras” fue descubierto en el centro. Perseguido, herido y apresado, se le hizo un juicio…

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Anarquismo e movimentos operários no Brasil

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Publicado em 23 de março de 2014 por  em História Hoje

No Rio de Janeiro e em São Paulo, as ligas operárias começaram a se formar nos anos 1870-80, mas só se tornaram numerosas após o advento da República. Aos poucos, acompanhando a industrialização, esse tipo de instituição espalhou-se por outras regiões brasileiras. A arma de luta sindical tinha um nome: grève; palavra escrita em francês até mesmo em jornais populares, sugerindo tratar-se de uma experiência social nova no Brasil, o que, de fato, era. Antes da década de 1890, a não ser em casos isolados de gráĕcos e cocheiros, não tinham sido registrados movimentos grevistas importantes no Brasil. Durante os primeiros anos republicanos, o quadro tornou–se bem diferente: na capital federal ocorreram, entre 1891 e 1894, 17 paralisações em defesa de aumento salarial ou pela jornada de oito horas, e no estado de São Paulo, 24 movimentos similares sucederam-se até 1900. Apesar de combativos, os sindicatos surgidos nesse período não conquistaram melhorias substantivas para a classe trabalhadora. Talvez por isso, no início do século XX, outra tendência política, bem mais radical, ganhou terreno no movimento operário.Tratava-se dos anarquistas. Assim, paralelamente aos grupos moderados, que continuaram a formar partidos, aliás de curta duração e sem expressão eleitoral, havia agora aqueles que defendiam uma reorganização completa da sociedade, ou melhor, defendiam a revolução.

Ao contrário dos socialistas, os anarquistas não se organizavam em partidos, recusando-se a participar em parlamentos ou a aceitar cargos públicos. A teoria política que os orientava preconizava que o Estado, independentemente da classe social que estivesse no poder, era uma instituição repressiva, daí a defesa intransigente de sua substituição por associações espontâneas, tais como federações de comunas ou cooperativas de trabalhadores. As ligas operárias, obviamente, eram a forma de organização que mais se aproximava desse modelo de sociedade do futuro. Talvez por esse motivo, a época de difusão das ideias anarquistas coincida com a de expansão do movimento sindical brasileiro.

Entre 1900 e 1914, por exemplo, o número de sindicatos na capital paulista aumentou de 7 para 41, e a média anual de greves se multiplicou por três. No Rio de Janeiro, os anarquistas também dão sinal de força. Em 1906, organizam um congresso e, no ano seguinte, criam a Federação Operária, congregando vários sindicatos, e levando o mérito de manterem os jornais operários de mais longa duração – como A Terra Livre – e, em 1918, de liderarem na capital republicana uma insurreição da qual participaram trabalhadores e militares.

No entanto, após esse período de expansão, o movimento anarquista entra em declínio. A primeira razão, foram os estragos causados pela repressão. Paralelamente às correntes pacifistas, havia, entre os anarquistas, os defensores da ação direta, em outras palavras, do emprego da violência contra as classes dominantes, como ficou registrado, no início do século XX, em panfletos anexados aos processos contra militantes cariocas, nos quais consta a defesa do assassinato sistemático de burgueses através do envenenamento do leite com biclorato de mercúrio. Tratava-se de uma situação aterradora, embora também seja curioso observar, por meio desse exemplo, a existência de um darwinismo social de origem popular.

Embora minoritários entre os anarquistas, os partidários da ação direta deram margem para a organização de um eficiente sistema repressivo. Contribuía para isso o fato de muitos militantes terem nascido fora do Brasil, como nos casos registrados na capital paulista, onde, na década de 1910, entre 70% e 85% dos trabalhadores fabris, de transportes, do pequeno comércio e do artesanato eram estrangeiros. Embora a maioria dos italianos, portugueses e espanhóis fosse proveniente do meio rural, alguns deles tinham experiência sindical ou participação no movimento anarquista europeu, por isso se destacaram na fundação e liderança de sindicatos. Ora, a elite republicana levou isso em conta e, aproveitando-se de atos terroristas dos partidários da ação direta, aprovou leis favoráveis à expulsão de estrangeiros. Assim, de agentes civilizadores, como eram considerados no Império, os imigrantes europeus passaram a ser vistos como fonte de desordem e subversão política.

Todavia, a repressão não explica tudo. A forte presença de estrangeiros no movimento operário tinha ainda outras consequências negativas. Muitos homens e mulheres que aceitaram migrar para o Novo Mundo partiram na esperança de ascender socialmente. As fileiras do anarquismo, devastadas pela repressão policial, encontravam, dessa forma, dificuldades para se renovar; tanto pelo fato de os imigrantes afastarem-se do movimento assim que conseguiam melhores colocações, como pelo alto índice dos que retornavam ao país de origem, decepcionados com as condições de vida no Brasil.

As rivalidades étnicas, por outro lado, inviabilizaram a sobrevivência de muitas organizações sindicais. Um desses casos foi o da Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, sindicato que reunia trabalhadores portuários do Rio de Janeiro da República Velha. Tratava-se de um dos raros casos em que a liderança era composta por negros. No entanto, a presença crescente de estivadores portugueses levou ao surgimento de conflitos internos. Em 1908 chegaram a ser registradas mortes durante as reuniões sindicais. Nos quatro anos seguintes, os resultados dos conflitos foram desastrosos. O número de filiados diminuiu de 4 mil para apenas 50; o sindicato dos pintores cariocas, por essa mesma época, enfrentou problemas similares, enquanto outras agremiações sindicais se apresentavam claramente como guetos étnicos, delimitando de antemão a nacionalidade dos filiados e militantes.

Além do problema étnico, havia outros. A recusa do movimento anarquista à participação política parlamentar e de dar apoio político aos partidos existentes dificultava a cristalização das reivindicações dos trabalhadores em leis. Aliado a isso, os anarquistas condenavam o futebol, o carnaval, o catolicismo e a umbanda, vendo nessas manifestações artimanhas da burguesia para alienar as massas em relação a seus reais interesses; o que de fato contribuiu, entre os militantes, para a formação de preconceitos em relação à grande maioria dos trabalhadores e levando- os muitas vezes, paradoxalmente, a assumir posturas racistas ou elitistas.

Até 1920, os resultados das lutas sindicais brasileiras foram diminutos. Os ganhos salariais alcançados não acompanharam o aumento de preço dos alimentos e do aluguel de casas. A incipiente legislação trabalhista da época restringia-se, por sua vez, a indenizações por acidentes e à restrição ao trabalho feminino ou infantil; leis tímidas e alvos de reformas retrógradas, como o decreto estadual paulista de 1911, que proibiu o trabalho de menores de 10 anos em fábricas e oficinas, abreviando em dois anos o limite determinado na legislação de 1894.

Outras leis não saíram do papel, como aquela aprovada em 1917 que definia a jornada de trabalho infantil, limitando-a a cinco horas e estabelecendo a exigência de certificado médico e de atestado de frequência escolar na admissão dos pequenos operários. A exploração desenfreada de homens, mulheres e crianças que, por vezes, tinham de suportar jornadas de trabalho superiores a doze horas, multiplicava os casos de rebeldia individual e, principalmente, de comportamentos autodestrutivos entre os operários. Em São Paulo, durante as duas primeiras décadas republicanas, as prisões por desordens aumentaram em 40%, enquanto as por embriaguez cresceram quase 400%. Paralelamente a isso, a exclusão dos egressos do cativeiro no mercado de trabalho livre acentuava a prática de furtos. Em cidades como a Campinas do início do século XX, negros e pardos representavam apenas 20% da população total, mas respondiam por cerca de metade da população carcerária. Os dados cariocas mostram, por sua vez, que imigrantes europeus nem sempre desfrutaram de melhores condições. Em 1903, cerca de uma centena de portugueses residentes na capital federal foram expulsos do Brasil sob a acusação de vadiagem e roubo. Entre 1915- 18, esse segmento respondeu por 32% dos processos criminais, apesar de constituir apenas 15% da população masculina adulta do Rio de Janeiro. – (basado em “Uma Breve História do Brasil”, de Mary del Priore e Renato Venâncio).

anarquistas

Imigrantes italianos trouxeram ideias anarquistas e socialistas.

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Imprensa Curda reporta dezenas “massacrados” na Turquia

Solidariedade à Resistência Popular Curda!

A televisão estatal turca noticiou que 60 civis morreram em uma operação, mas mais tarde retratou a declaração.

Um número desconhecido de curdos foram mortos em Cizre pelas forças turcas, com a mídia estatal apenas reportando a declaração de que  “cerca de 60 terroristas (foram) neutralizados” no Domingo.

Outras fontes locais relatam que dezenas de civis morreram em um “massacre”.

Dezenas foram feridos por confrontos anteriores em Cizre, que está sitiada há 66 dias, ficaram presos em um porão por duas semanas. Os feridos estavam esperando no prédio por ajuda médica, mas as forças do Estado impediram o acesso. O último contato com eles foi há 10 dias atrás.

Médicos, políticos e jornalistas tem sido bloqueados da área onde se acreditava que a operação estava acontecendo, com a mídia Curda alegando que as forças do estado atiravam de maneira aleatória para aparentar um conflito com o PKK, um grupo de…

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Livreto “A Luta Social em Vila Isabel”

Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

Colocamos à disposição para todos e todas o livreto lançado pelo Núcleo de Pesquisa Marques da Costa em 2011 “A Luta Social em Vila Isabel“. Este livreto foi escrito por Milton Lopes, coordenador do NPMC, e lançado em 2011 em comemoração aos 10 anos da Biblioteca Social Fábio Luz que fica localizada no Centro de Cultura Social, em Vila Isabel.

Ele aborda o histórico das lutas sociais no bairro, dando destaque para a figura de Pedro Matera e a luta dos trabalhadores da Fábrica Confiança, que hoje dá lugar ao supermercado Extra. Para baixar o arquivo em .pdf, você pode clicar na imagem abaixo ou aqui.

A chaminé outrora fumegante, da antiga fábrica Confiança, hoje desativada, eleva-se de forma imponente sobre as casas e os prédios residenciais do bairro de Vila Isabel. A cada esquina, a cada rua, cujos horizontes permitem vislumbrar o conjunto arquitetônico da…

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emecê n.27 – Giovanni Rossi no Rio de Janeiro

Núcleo de Pesquisa Marques da Costa

Em razão do evento que estamos co-organizando com outras instituições, II Simpósio sobre a Colônia Cecília, o emecê de número 27, lançado esta semana, fala sobre as passagens de Giovanni Rossi no Rio de Janeiro. Giovanni Rossi foi um dos principais idealizadores da Colônia Cecília.

O emecê n.27 pode ser baixado em pdf aqui ou clicando na imagem abaixo.

emece27

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