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genocídio indígena, indígena, indígenas, Mobilização Indígena, políticas indígenas, povos indígenas, questão indígena
Fonte: Radio Yande
31 segunda-feira ago 2015
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genocídio indígena, indígena, indígenas, Mobilização Indígena, políticas indígenas, povos indígenas, questão indígena
Fonte: Radio Yande
29 sábado ago 2015
Postado em Heresia Lésbica, em 12/08/2015
Vamos pensar sobre “representatividade” x “visibilidade”? O que se entende por isso? Que visibilidade queremos?
Beijo lésbico na novela da Globo favorece as lésbicas ou não passa de mais uma forma de assimilar nossa potência revolucionária e nos tranformar em mais um nicho de mercado pacificado e dado por satisfeito?
O que significa lésbicas numa emissora como a rede Globo, que um dia antes da famosa cena do beijo lésbico na novela, estava cobrindo e propagandeando uma manifestação de direita pedindo, dentre outras coisas, o retorno da ditadura militar? Manifestação esta, por ela e por outros setores da mídia burguesa incentivada?
Sabemos que a direita e conservadores querem ver lésbicas mortas e são portanto, nosso Inimigo. Nosso país se encontra em uma facistização crescente e isso se deve muito ao papel desempenhado pela mídia reacionária, criando um clima conservador no país refletido também nas últimas eleições.
Eu pergunto, é possível fazer um movimento e políticas lésbicas desconectadas das demais realidades? Desconectada de questões como raça e classe? Lutar o heterossexismo sem sermos também anti-capitalistas, anti-racistas, anti-ecocídio, anti-imperialismo, anti-mídia, anti-Estado, é uma luta em vão, pois esses sistemas atacam também as lésbicas. Devemos empreender uma luta radical e consciente.
A mídia burguesa e os governos utilizam da luta LGBT e dão concessões token (figurativas, apenas para dizer que incluem ‘minorias’) de forma oportunista, de maneira a distrair as populações dos massacres que os poucos Machos com poder economico e militar estão promovendo no planeta. A mídia, assim como as religiões, mantêm a dominação mental das populações, garantindo sua obediência e promovendo a internalização da visão do opressor, a ponto de pessoas extremamente precarizadas defenderem o sistema que as explora e oprime. A mídia burguesa, então, promove Falsa Consciência nos oprimidos, destrói sua memória de resistência, faz aceitar a dominação e priva de informação sobre ser dominado. Anestesia a revolta e adequa ao Capital por meio do consumismo e mata a possibilidade de sublevação, de ira coletiva para derrubar tudo isso.
A Globo mostra casal de lésbicas ricas na novela das oito, mas ao mesmo tempo tá atrapalhando revolução e consciência de classe da população por meio de emitir a visão do Capital e do Estado e alienar as mentes. A mídia é também um aparato do Racismo e eu diria que é um aparato policial em si: gera intencionalmente como pede os poderosos, pânico classista na população, principalmente na pequena burguesia de classe média que vai querer proteger seus privilégios e evitar a Guerra de classes, legitimando assim a intervenção militar nas favelas e o genocídio da população negra e pobre e o sistema/tortura prisional pra tentar conter a revolução. Difama a resistência política por meio de chamar os protestos, os ataques a opressores e o ódio de classe de “Vandalismo” e “Terrorismo” para criar pânico na população para com isso, legitimar e aumentar a Repressão Política e instalar em latinoamerica coisas como a lei anti-terrorista, que limita nossas possibilidades de manifestação e organização política, aumentando a vigilância e controle. Se não fosse a Mídia Burguesa não teríamos os panelaços, a facistização crescente, e toda essa reivindicação de retorno da ditadura militar e essa perda de memória histórica.
Além disso, a mídia vai representar quem sempre representa: ricos, brancos. Lésbicas brancas, privilegiadas, magras, femininas, ricas. Não nos interessa!
A lesbiandade representada na TV é produzida pelas mãos dos machos e para os interesses da Supremacia Masculina. Logo, o interesse que subjaz essa suposta presença de lésbicas na mídia é representar a lesbiandade como diversidade sexual pacífica e acomodada na sociedade, uma mera orientação sexual tolerada, um desvio invisível, não-ameaçador aos patriarcas. Vão representar lésbicas brancas, com filhos, casadas, aceitáveis. Vão apresentar imagens de nós como devidamente assimiladas às lógicas do sistema, domesticadas e nós, na nossa carência de pertencimento, por estarmos apartadas de nossa comunidade, raízes e ancestralidade amazônica, vamos comprar essa proposta acreditamos que vamos nos encaixar na normalidade e nesse mundo heterossexual! Mas não. Queremos destruir esse mundo e construir outro!
A lesbiandade é temida porque somos uma afronta à Ordem dos Pais. Nós Lesbicas Radicais estamos orgulhosas de sermos inimigas dos Patriarcas e queremos ser uma ameaça.
A mesma mídia burguesa patriarcal comercializa os corpos das mulheres, por meio de propagandas sexistas que explora e expôe os corpos das mulheres. É uma mídia proxeneta.
Construamos uma Visibilidade que seja a Visibilidade e a Memória da nossa Resistência, que recupere e crie consciência sapatão. Consciência de sermos um projeto radical anti-patriarcado, de que não somos só sexualidade diferente, que somos uma comunidade que resiste ancestralmente.
Podemos nós mesmas criar nossas próprias representações, produzir nossa Mídia Livre autônoma. Criar, propagar nossa revolução e ideias, arte, recuperar e defender nossa Cultura.
er lésbica é ser uma rebelde. Façamos jus, pois, à nossa Rebeldia. Sejamos realmente sérias sobre Radicalidade e recusemos qualquer oferta, apropriação ou chantagem do Sistema que nos oprime e à outras espécies e saqueia a Planeta Mãe.
A revolução não será televisionada!
28 sexta-feira ago 2015
<<A escritora e ativista curda Naila Bozo entrevista Firat Jacob Tas, que fala sobre com é ser gurdo e gay, e sobre os avanços dos direitos LGBT na luta Curda por liberdade.>>
Postado em KurdishRights.org em 8 de agosto de 2014
Por Naila Bozo. Tradução do inglês por Talita Rauber.
Eu estou sentada em um sofá num pequeno dormitório, passando pelas últimas páginas da revista Vogue. Um amigo está me servindo um chá curdo que ele acabou de fazer na cozinha e que ele compartilha com outros estudantes universitários. Preocupado sobre meu chá estar amargo, ele o diluiu com um pouco mais de água. Ele é um perfeito anfitrião, um típico curdo conhecido por sua hospitalidade. Seu nome é Firat Jacob Tas, e ele concordou em conversar comigo sobre ser um curdo e gay.
“Eu sempre soube que eu era homossexual, eu sempre soube… Eu prefiro dizer que eu sempre soube que eu era diferente, eu só não sabia porque eu era diferente.”
“Enquanto eu crescia, eu fui entendendo que eu era diferente em relação à minha sexualidade”.
“Isso foi na sétima série, eu devia ter uns 13 anos. Eu estava numa viagem de escola e eu escutei alguns meninos falando sobre filmes de adulto. Ele mencionaram “gay porn”, você sabe pornô homossexual, e eu pensei, oh, isso me interessa.”
“Foi então quando isso bateu em mim. Eu ouvi a palavra ‘gay’ combinada com a parte ‘sexual’ e isso de repente fez sentido para mim. E então quando eu fui atrás do que aquela palavra significava, eu li qualquer coisa que passasse pelas minhas mãos e aquilo me golpeou: aquilo era o que eu era. Foi quando eu entendi que eu era homossexual.”
“Meu pensamento inicial foi que eu não queria ser gay. Naquele momento, eu não queria ser. Eu não queria ser ainda mais diferente do que eu já era e agora poderia-me ser adicionado “homossexual” o que era sujo, imundo e simplesmente bruto.”
“Eu rezei para todos os deuses, eu só queria que essa maldição fosse quebrada. Eu senti aquilo como uma maldição ou um teste vindo de um grande poder.”
“Eu comecei a aceitar isso com o tempo. Foi um longo processo. Toda vez em que eu me olhava no espelho e eu olhava para dentro, eu não gostava do que eu via. Eu achava grosseiro e eu me sentia mal comigo mesmo. Eu estava escondendo esse lado de mim e eu não contava a ninguém. Eu tinha medo que eles descobrissem que eu era homossexual, ou “feminino” associado a ser homossexual. Eu tinha medo da reação das pessoas. E então, eu mantive isso escondido.”
“Anos depois, eu tomei essa luta para mim. Eu tinha 19 anos e eu decidi que era tempo de eu me aceitar.”
“Eu contei a um amigo(a) próximo(a) do último ano do ensino médio. Então contei para meus amigos, minha irmã, meus tios. Meio ano atrás, eu contei aos meus pais.”
Naila: E como eles reagiram?
“Eu contei para o meu pai primeiro. O tempo que levou para isso foi o mais difícil de todos pelos quais já tinha passado. Mas eu queria contar. Eu não me senti pressionado. Eu contei a ele e coloquei para fora todos os meus argumentos e ele também. No final da conversa, eu perguntei a ele em curdo: Pai, você me aceita? E ele respondeu: Como eu posso não aceitá-lo? Você é meu filho.”
Naila: Qual papel você acha que a comunidade curda LGBT pode ter na luta curda por liberdade e identidade?
“Eu acredito que a comunidade LGBT pode dar uma base à luta curda para derrubar as paredes dos assuntos tratados como tabu na nossa comunidade curda. Ela pode dar um entendimento das diferenças, não só pelas diferenças religiosas e políticas, mas também da orientação sexual.”
Naila: Por que não há o mesmo apoio pelos direitos LGBT dentro da luta Curda por liberdade assim como há pelos direitos das mulheres?
“Assim eu tenho que citar Abdullah Öcalan. Ele disse que um movimento sem mulheres não é um movimento. Quando você vê as mulheres no front, quando elas estão incluídas, então você tem um movimento que será bem sucedido.”
“PKK(Partido dos Trabalhadores do Curdistão) teve Sakine Cansiz. Nós não podemos esquecer de que as mulheres pavimentaram o caminho [para o direito das mulheres]. A estrutura social da comunidade Curda tem sido revolucionada com atenção para os sexos mas a orientação sexual ou apenas a sexualidade não é mencionada em lugar algum.”
Naila: Por que não?
“Existe essa necessidade. Mas foi só recentemente que o assunto veio à tona. Sebahat Tuncel [Membra do Parlamento Curdo na Turquia, do partido pró-curdo HDP(Partido Popular Democrático)] é uma advogada dos direitos LGBT, não só para curdos mas também no geral. Ela fala abertamente sobre isso, mas quando ela vai às regiões curdas, ela não aborda esse assunto. Isso acontece porque ainda é considerado vergonhoso, ainda é um tabu.”
“Foi como nos anos 80, quando o PKK, de ideologia com a qual eu concordo, teve encontros: as mulheres locais não atenderam a esses encontros, pois os membros masculinos das famílias não as permitiram, pois não havia um quarto para elas.”
“Acontece o mesmo [com o que diz respeito a colocar os direitos LGBT na mesma agenda]. Nós precisamos criar um quarto. Vimos durante as eleições locais que existem prefeitos de partidos pró-curdos que dão mensagens para pessoas da comunidade LGBT.”
Naila: “Por que no movimento curdo não tem um porta-voz sincero para os direitos LGBT que também seja LGBT?
“Seria bom ter um modelo para o qual alguém poderia olhar para cima e dizer: ‘aqui estou eu, isso é o que precisamos’. No movimento Curdo falta quem possa colocar os direitos LGBT na agenda. Nos falta um porta-voz porque ainda é um tabu.”
Naila: O que você acha isso vai mudar?
“Enquanto a situação estiver como agora, não, mas no aspecto social, sim. Nós vemos mais e mais pessoas curdas LGBT que avançam em vez de viverem uma vida dupla.”
“Isso não é uma doença; não é algo que elas escolhem ser. Pessoas não escolhem ser lésbicas; elas não escolhem ser homossexuais. Você nasce assim.”
“Assim que as pessoas Curdas perceberem e aceitarem que assim é como você nasce, assim como eles nascem heterossexuais, e aceitarem que a pessoa é igualmente um ser humano, então nós não teremos um problema.”
“Eu não acho que existe a necessidade de um movimento separado dentro do movimento Curdo, mas deve-se dar mais espaço à causa LGBT.”
Naila: O que você pensa sobre os argumentos colocados por alguns Curdos de que agora não é hora de lidar com os direitos dos direitos dos Curdos LGBT? Que existem assuntos mais importantes na agenda das pessoas curdas?
“E anos atrás não era hora de lidar com o direito das mullheres. Essa é a minha resposta.”
“Por que você odeia algo que você não conhece? Se seu irmão não é homossexual então seu amigo é. Se sua irmã não é, então seu vizinho é.”
“Nós temos que discutir essa questão agora. O problema é as pessoas não verem que é importante discutir isso. Mas nós precisamos quebrar com essa atitude. Nós podemos fazer isso ao conversa sobre, ao compartilhar informações sobre. Falar com a sua família sobre, quem sabe alguém dela é. Não estou dizendo falar sobre sexo, mas estou dizendo para falar sobre identidade.”
“Homossexualidade faz parte da identidade. Minha mensagem é que nós fiquemos firmes em quem nós somos. O jeito com que nós curdos estamos firmes quanto à independência e democracia é o jeito com que devemos ficar firmes na identidade e direitos LGBT.”
27 quinta-feira ago 2015
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anticapi, constituição, demarcação, demarcação de terras, ecologia, indígena, mobilização, povos indígenas, questão indígena, Sustentabilidade, unesco
26 quarta-feira ago 2015
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amor, amor livre, Bakunin, Carta a seu irmão Pavel, Casamento e amor, Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos, o que é amar por bakunin
Primeira edição: Carta a seu irmão Pavel (Paris, 29 de março de 1845. A.A. Kornilov, Gody Stranstvij Michaila Bakunina, Leingrado etc. 1925, pp.284-285
Fonte: Coletivo de Estudos Anarquistas Domingos Passos
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Eu amo, Pavel, eu amo imensamente; eu não sei se posso ser amado como gostaria de sê- lo, mas não desespero; eu sei pelo menos que se tem muita simpatia por mim; eu devo e quero merecer o amor daquela que amo, amando-a religiosamente, quer dizer, ativamente; — ela está submetida à mais terrível e à mais infame escravidão; — e devo libertá-la combatendo seus opressores e acendendo em seu coração o sentimento de sua própria dignidade, suscitando nela o amor e a necessidade da liberdade, os instintos da revolta e da independência, lembrando a ela o sentimento de sua força e de seus direitos. Amar é querer a liberdade, a completa independência do outro, o primeiro ato do verdadeiro amor; é a emancipação completa do objeto que se ama; não se pode verdadeiramente amar senão um ser perfeitamente livre, independente não somente de todos os outros, mas mesmo e sobretudo daquele pelo qual é amado e que ele próprio ama. Eis minha profissão de fé política, social e religiosa, eis o sentido íntimo, não somente de minhas ações e de minhas tendências políticas, mas também, tanto quanto eu possa, o de minha existência particular e individual, pois o tempo em que estes dois tipos de ação podiam ser separados já está bem longe de nós; agora o homem quer a liberdade em todas as acepções e aplicações desta palavra, ou então ele não a quer absolutamente. Querer, amando, a dependência daquele a quem se ama, é amar uma coisa e não um ser humano, pois este só se distingue da coisa pela liberdade; e também se o amor implicasse a dependência, ele seria a coisa mais perigosa e mais infame do mundo porque criaria uma fonte inesgotável de escravidão e de degradação para a humanidade. Tudo emancipa os homens, tudo que, fazendo-os entrar neles mesmos, suscita o princípio de suas próprias vidas, de uma atividade original e realmente independente, tudo que lhes dá a força de serem eles próprios, – é verdadeiro; todo o resto é falso, liberticida, absurdo. Emancipar o homem, eis a única influência legítima e benfeitora. Abaixo todos os dogmas religiosos e filosóficos, eles nada mais são do que mentiras; a verdade não é uma teoria, mas um fato; a vida é a comunidade de homens livres e independentes – é a santa unidade do amor brotando das profundezas misteriosas e infinitas da liberdade individual.
Por favor, não se esqueçam de mim e , se for possível, escrevam-me, mas sendo prudentes e evitando também vos comprometer pelo que quer que seja, escrevam-me pelo menos uma palavra a fim de que eu possa estar seguro de que estais ainda vivos. Meus pobres, vós não podeis saber quão freqüente meu coração se aperta em relação a vós e por vós; nossos pais nossos pais desperdiçaram toda vossa vida; eles vos mataram. O que é feito de meu pai? Eu lamento por ele: ele também era capaz de uma outra existência. Ele ainda está vivo? Eu lhe escreverei em breve uma última carta de adeus, sem o menor objetivo prático ou interessado, mas simplesmente para me despedir dele e lhe dizer algumas palavras de afeição e de adeus. Quanto à minha mãe, eu a amaldiçôo; para ela, em minha alma, não há lugar para outros sentimentos além do ódio e do mais profundo e radical desprezo, não por minha causa, mas pela vossa, a quem ela causou muitos males. Não me trateis por cruel; e é tempo de que nós nos libertemos de um sentimentalismo impotente e irreal; é tempo de sermos homens, homens tão fortes e tão constantes no ódio quanto no amor. Sem perdão, mas guerra implacável a meus inimigos, pois esses são os inimigos de tudo o que há de humano em nós, os inimigos de nossa dignidade, de nossa liberdade.
Nós por muito tempo amamos,
Queremos finalmente odiar.
Sim, a capacidade de odiar é inseparável da capacidade de amar.
25 terça-feira ago 2015
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anarcofemin, anarcofeminismo, anarquia e feminismo, ecofeminismo, emancipação feminina, feminismo, feminismo curdo, feminismo interseccional, feminismo intersecional, filosofia, Margareth Rago
Por Margareth Rago.*
Fonte: Territórios da Filosofia
Introduzindo o debate.
Nos anos oitenta, Michelle Perrot se perguntava se era possível uma história das mulheres, num trabalho que se tornou bastante conhecido, no qual expunha os inúmeros problemas decorrentes do privilegiamento de um outro sujeito universal: a mulher. [1] Argumentava que muito se perdia nessa historiografia que, afinal, não dava conta de pensar dinamicamente as relações sexuais e sociais, já que as mulheres não vivem isoladas em ilhas, mas interagem continuamente com os homens, quer os consideremos na figura de maridos, pais ou irmãos, quer enquanto profissionais com os quais convivemos no cotidiano, como os colegas de trabalho, os médicos, dentistas, padeiros ou carteiros. Concluía pela necessidade de uma forma de produção acadêmica que problematizasse as relações entre os sexos, mais do que produzisse análises a partir do privilegamento do sujeito. Ao mesmo tempo, levantava polêmicas questões: existiria uma maneira feminina de fazer/escrever a história, radicalmente diferente da masculina? E, ainda, existiria uma memória especificamente feminina?
Em relação à primeira questão, Perrot respondia simultaneamente sim e não. Sim, porque entendia que há um modo de interrogação próprio do olhar feminino, um ponto de vista específico das mulheres ao abordar o passado, uma proposta de releitura da História no feminino. Não, em se considerando que o método, a forma de trabalhar e procurar as fontes não se diferenciavam do que ela própria havia feito antes enquanto pesquisadora do movimento operário francês. Entendia, assim, que o fato de ser uma historiadora do sexo feminino não alterava em nada a maneira como estudara e recortara o objeto. Na verdade, sua argumentação deslocava a discussão, deixando de considerar o modo de produzir e narrar a História para focalizar o objeto de estudo, sem pensar, por exemplo, por que ela não poderia ter trabalhado femininamente um objeto ou um tema masculino?[2] Ao mesmo tempo, Perrot destacava as diferenças de registro da memória feminina, mais atenta aos detalhes do que a masculina, mais voltada para as pequenas manifestações do dia-a-dia, geralmente pouco notadas pelos homens.[3]
Mais recentemente, outro prestigiado historiador francês advertiu contra os perigos de se investir a diferença entre os sexos de uma força explicativa universal; de se observar os usos sexualmente diferenciados dos modelos culturais comuns aos dois sexos; de se definir a natureza da diferença que marca a prática feminina; e da incorporação feminina da dominação masculina.[4] Muito preocupado em reconhecer a importância da diferenciação sexual das experiências sociais, Chartier revelava certo constrangimento em relação à incorporação da categoria do gênero, numa atitude bastante comum entre muitos historiadores, principalmente do sexo masculino.
Procuro, neste texto, levantar alguns pontos de reflexão sobre a epistemologia feminista e sua ressonância na historiografia. É da maior importância discutir questões tão candentes e atuais, especialmente num encontro acadêmico que procura perceber as possibilidades abertas para a produção do conhecimento pelas discussões que giram em torno da incorporação da categoria do gênero e que apontam para a sexualização da experiência humana no discurso.
Epistemologia feminista: ensaiando alternativas.
Ao menos no Brasil, é visível que não há nem clarezas, nem certezas em relação a uma teoria feminista do conhecimento. Não apenas a questão é pouco debatida mesmo nas rodas feministas, como, em geral, o próprio debate nos vem pronto, traduzido pelas publicações de autoras do Hemisfério Norte. Há quem diga, aliás, que a questão interessa pouco ao “feminismo dos trópicos”, onde a urgência dos problemas e a necessidade de rápida interferência no social não deixariam tempo para maiores reflexões filosóficas.[5]
Contrariando posições e tentando aproximar-me da questão, gostaria de esboçar algumas idéias. Afinal, se considerarmos que a epistemologia define um campo e uma forma de produção do conhecimento, o campo conceitual a partir do qual operamos ao produzir o conhecimento científico, a maneira pela qual estabelecemos a relação sujeito-objeto do conhecimento e a própria representação de conhecimento como verdade com que operamos, deveríamos prestar atenção ao movimento de constituição de uma (ou seriam várias?) epistemologia feminista, ou de um projeto feminista de ciência.[6] O feminismo não apenas tem produzido uma crítica contundente ao modo dominante de produção do conhecimento científico, como também propõe um modo alternativo de operação e articulação nesta esfera. Além disso, se consideramos que as mulheres trazem uma experiência histórica e cultural diferenciada da masculina, ao menos até o presente, uma experiência que várias já classificaram como das margens, da construção miúda, da gestão do detalhe, que se expressa na busca de uma nova linguagem, ou na produção de um contradiscurso, é inegável que uma profunda mutação vem-se processando também na produção do conhecimento científico.
Certamente, a questão é muito mais complexa do que estou formulando aqui, já que, de um lado, há outras correntes vanguardistas do pensamento contemporâneo, atuando no sentido das profundas desestabilizações e rupturas teóricas e práticas em curso. Além do mais, seria ingênuo considerar que a teoria feminista rompe absolutamente com os modelos de conhecimento dominantes nas Ciências Humanas, sem reconhecer que se há rupturas, há também muitas permanências em relação à tradição científica. No entanto, quero chamar a atenção especificamente para o aporte feminista às transformações em curso no campo da produção do conhecimento.
Na consideração da existência de uma/várias epistemologia/s feminista/s, valeria então destacarmos, de início, dois pontos: o primeiro aponta para a participação do feminismo na ampla crítica cultural, teórica, epistemológica em curso, ao lado da Psicanálise, da Hermenêutica, da Teoria Crítica Marxista, do Desconstrutivismo e do Pós-modernismo. Esta crítica revela o caráter particular de categorias dominantes, que se apresentam como universais; propõe a crítica da racionalidade burguesa, ocidental, marxista incluso, que não se pensa em sua dimensão sexualizada, enquanto criação masculina, logo excludente. Portanto, denuncia uma racionalidade que opera num campo ensimesmado, isto é, a partir da lógica da identidade e que não dá conta de pensar a diferença. É neste ponto que o feminismo se encontra especialmente com o pensamento pós-moderno, com a crítica do sujeito, com as formulações de Derrida e Foucault, entre outras.[7]O segundo, embutido no primeiro, traz as pro- postas desta nova forma de conceber a produção do conhecimento, do projeto feminista de ciência alternativa, que se quer potencialmente emancipador.
1 – A crítica feminista.
Não é demais reafirmar que os principais pontos da crítica feminista à ciência incidem na denúncia de seu caráter particularista, ideológico, racista e sexista: o saber ocidental opera no interior da lógica da identidade, valendo-se de categorias reflexivas, incapazes de pensar a diferença. Em outras palavras, atacam as feministas, os conceitos com que trabalham as Ciências Humanas são identitários e, portanto, excludentes. Pensa-se a partir de um conceito universal de homem, que remete ao branco heterossexual civilizado do Primeiro Mundo, deixando-se de lado todos aqueles que escapam deste modelo de referência. Da mesma forma, as práticas masculinas são mais valorizadas e hierarquizadas em relação às femininas, o mundo privado sendo considerado de menor importância frente à esfera pública, no imaginário ocidental.
Portanto, as noções de objetividade e de neutralidade que garantiam a veracidade do conhecimento caem por terra, no mesmo movimento em que se denuncia o quanto os padrões de normatividade científica são impregnados por valores masculinos, raramente filóginos. Mais do que nunca, a crítica feminista evidencia as relações de poder constitutivas da produção dos saberes, como aponta, de outro lado, Michel Foucault. Este questionara radicalmente as representações que orientavam a produção do conhecimento científico, tida como o ato de revelação da essência inerente à coisa, a partir do desvendamento do que se considerava a aparência enganosa e ideológica do fenômeno. Especialmente nas Ciências Humanas, chegar à verdade do acontecimento, “compreendê-lo objetivamente” significava retirar a máscara que o envolvia na superfície e chegar às suas profundezas. Foucault criticava, assim, a concepção dominante na cultura ocidental de que o conhecimento, a produção da verdade se daria pela coincidência entre o conceito e a coisa, no movimento de superação da distância entre a palavra e a coisa, entre a aparência e a essência.
A convergência entre a crítica feminista e as formulações dos “filósofos da diferença”, como Foucault, Deleuze, Lyotard, Derrida, entre outros, já foi observada por várias intelectuais.[8] A filosofia pós-moderna propõe, a partir de um solo epistemológico que se constitui fora do marxismo, novas relações e novos modos de operar no processo da produção do conhecimento: a “descrição das dispersões” (Foucault) e não a “síntese das múltiplas determinações” (Marx); revelar o processo artificial de construção das unidades conceituais, temáticas suposta- mente “naturais”: a desconstrução das sínteses, das unidades e das identidades ditas naturais, ao contrário da busca de totalização das multiplicidades. E, fundamentalmente, postula a noção de que o discurso não é reflexo de uma suposta base material das relações sociais de produção, mas produtor e instituinte de “reais”. A produção do conhecimento se daria, assim, por outras vias. Como disse Foucault:
“Mas não se trata aqui de neutralizar o discurso, transformá-lo em signo de outra coisa e atravessar-lhe a espessura para encontrar o que permanece silenciosamente aquém dele, e sim, pelo contrário, mantê-lo em sua consistência, fazê-lo surgir na complexidade que lhe é própria. Em uma palavra, quer-se, na verdade, renunciar às “coisas”, “despresentificá-las”; (…) substituir o tesouro enigmático das “coisas” anteriores ao discurso pela formação regular dos objetos que só nele se delineiam; definir esses objetos sem referência ao fundo das coisas, mas relacionando-os ao conjunto de regras que permitem formá-los como objetos de um discurso e que constituem, assim, suas condições de aparecimento histórico;”.[9]
Do mesmo modo, as teóricas feministas propuseram não apenas que o sujeito deixasse de ser tomado como ponto de partida, mas que fosse considerado dinamicamente como efeito das determinações culturais, inserido em um campo de complexas relações sociais, sexuais e étnicas. Portanto, em se considerando os “estudos da mulher”, esta não deveria ser pensada como uma essência biológica pré-determinada, anterior à História, mas como uma identidade construída social e culturalmente no jogo das relações sociais e sexuais, pelas práticas disciplinadoras e pelos discursos/saberes instituintes. Como se vê, a categoria do gênero encontrou aqui um terreno absolutamente favorável para ser abrigada, já que desnaturaliza as identidades sexuais e postula a dimensão relacional do movimento constitutivo das diferenças sexuais.
Vale ainda notar a aproximação entre as formulações da teoria feminista e a valorização da cultura pelo pós-modernismo, ao contrário da sociedade para o marxismo. Nesse contexto, a História Cultural ganha terreno entre os historiadores, enfatisando a importância da linguagem, das representações sociais culturalmente constituídas, esclarecendo que não há anterioridade das relações econômicas e sociais em relação às culturais. O discurso, visto como prática, passa a ser percebido como a principal matéria prima do historiador, entendendo-se que se ele não cria o mundo, apropria-se deste e lhe proporciona múltiplos significados.[10]
É nesta perspectiva que Joan Scott, conhecida anteriormente por seus trabalhos na área da História Social, ao procurar explicar alternativamente o “problema” da trabalhadora, a divisão sexual do trabalho, a oposição entre o lar e o trabalho, inverte radicalmente o caminho tradicional da interpretação histórica, enfatisando a importância do discurso na constituição de uma questão socio-econômica. A divisão sexual do trabalho é, então, percebida como efeito do discurso. Segundo ela,
“Ao invés de procurar causas técnicas e estruturais específicas, devemos estudar o discurso a partir do qual as divisões do trabalho foram estabeleci- das segundo o sexo. O que deve produzir uma análise crítica mais aprofundada das interpretações históricas correntes.”[11]
Explica que a diferença sexual inscrita nas práticas e nos fatos é sempre construída pelos discursos que a fundam e a legitimam, e não como um reflexo das relações econômicas. Considera insustentável a difundida tese de que a industrialização provocou uma separação entre o trabalho e o lar, obrigando as mulheres a escolher entre o trabalho doméstico e o assalariado. Para ela, o discurso masculino, que estabeleceu a inferioridade física e mental das mulheres, que definiu a partilha “aos homens, a madeira e os metais” e “às mulheres, a família e o tecido” provocou “uma divisão sexual da mão-de-obra no mercado de trabalho, reunindo as mulheres em certos empregos, substituindo-as sempre por baixo de uma hierarquia profissional, e estabelecendo seus salários em níveis insuficientes para sua subsistência.” (idem)
2 – O projeto de ciência feminista ou um modo feminista de pensar?
É dificil falar de uma epistemologia feminista, sem tocar na discussão sobre os perigos da reafirmação do sujeito “mulher” e de todas as cargas constitutivas dessa identidade no imaginário social. Afinal, como já se observou exaustivamente, a questão das relações sexuais e da mulher especificamente nasce a partir das lutas pela emancipação deste sujeito antes definido como “sexo fragil”. É na luta pela visibilidade da “questão feminina”, pela conquista e ampliação dos seus direitos específicos, pelo fortalecimento da identidade da mulher, que nasce um contradiscurso feminista e que se constitui um campo feminista do conhecimento. É a partir de uma luta política que nasce uma linguagem feminista. E, no entanto, o campo teórico que se constitui transforma-se a tal ponto que, assim como a História Cultural, deixa de lado a preocupação com a centralidade do sujeito. Como se de repente os efeitos se desviassem dos objetivos visados no ponto de partida: a categoria relacional do gênero desinveste a preocupação de fortalecimento da identidade mulher, ao contrário do que se visava inicialmente com um projeto alternativo de uma ciência feminista.
Esta é uma das principais dificuldades que emergem, ao se tentar conceitualizar o campo epistemológico em que se funda um conhecimento sobre as mulheres e, agora, sobre as relações de gênero. A categoria do gênero, já observou Joan Scott, não nasce no interior de um sistema de pensamento definido como o conceito de classes em relação ao marxismo. Embora seja apropriada como instrumento analítico extremamente útil, pro- cede de um campo profundamente diverso daquele que tinha como horizonte a emancipação social de determinados setores sociais. Helen Longino observa, ainda, que foi depois do desenvolvimento do pensamento feminista nas áreas da história, antropologia, teoria literária, psicologia e sociologia que se passou a pensar nos conceitos através dos quais se operava. A reflexão filosófica foi posterior à prática teórica.[12]
Isto significa: 1) que houve uma incorporação das questões feministas em diferentes campos da produção do conhecimento científico, de fora para dentro, como por exemplo, na psicanálise ou no campo marxista. Os temas da mulher e do gênero foram incorporados às questões colocadas pela historiografia marxista, sem ter nascido a partir dela, enfrentando, aliás, sérias dificuldades em seu interior. Sabemos como a questão das relações entre os sexos, a história da sexualidade e do corpo, as lutas políticas das mulheres foram secundarizadas no marxismo, tidas como secundárias em relação às questões da luta das classes. Do mesmo modo, a questão étnica e racial. É impossível deixar de pensar na reação que o livro História da Sexualidade, de Foucault teve por parte dos historiadores ligados à História Social, por exemplo. De certo modo, não se pensava nas relações sexuais como dimensão constitutiva da vida em sociedade e como uma das definidoras de nossa forma de operar conceitualmente. A sexualidade era identificado à força instintiva, biológica e, assim, não merecia ser historicizada. Este era o lugar que tinha não apenas no marxismo, mas no imaginário ocidental.
2) Esta incorporação, portanto, não se deu sem maiores complicações. Porque a entrada dos temas feministas em campos epistemológicos masculinos provocou muitas desestabilizações e, mesmo, rupturas, a despeito das muitas permanências. Os conceitos se mostravam estreitos demais para pensar a diferença, aliás, masculinos, muitas vezes misóginos, precisavam ser transformados, abandonados, questionados, refeitos. Como lembra Elizabeth Grosz, não se tratava afinal de um simples esquecimento das mulheres de um campo neutro e objetivo de conhecimentos: “Sua amnésia é estratégica e serve para assegurar as bases patriarcais do conhecimento.”[13] Além disso, esta entrada, por exemplo, no campo do marxismo só foi possível porque este, ao dar sinais de esgotamento, estava sendo amplamente critica – do, vários conceitos se mostravam insuficientes, e os marxistas partiam em busca de renovações conceituais, temáticas, de atualização.[14]
3) Esta incorporação remete, ainda, a uma outra questão: a que vem uma epistemologia feminista? Para que necessitamos de uma nova ordem explicativa do mundo? Para melhor controlar o pensamento e o mundo? Uma nova ordem das regras para trazer poder político a um setor que se sente excluído? Sandra Harding pergunta, então, ao lado de muitas outras feministas, se não estaríamos correndo o risco de repor o tipo de relação poder-saber que tanto criticamos:
“Como é que o feminismo pode redefinir totalmente a relação entre saber e poder, se ele está criando uma nova epistemologia, mais um conjunto de regras para controlar o pensamento?”[15]
É possível contra-argumentar lembrando que não há como fugir ao fato de que todas as minorias relativamente organiza- das, e não apenas as mulheres, estão reivindicando uma fatia do bolo da ciência e que nenhum dos grupos excluídos, – negros, africanos, orientais, homossexuais, mulheres, com suas pro- postas de epistemologias alternativas – feminista, terceiro mundista, homossexual, operária – pode hoje reivindicar um lugar de hegemonia absoluta na interpretação do mundo. Além disso, há que se reconhecer as dimensões positivas da quebra das concepções absolutizadoras, totalizadoras, que até recentemente poucos percebiam como autoritárias, impositivas e hierarquizantes. Não há dúvidas de que o modo feminista de pensar rompe com os modelos hierárquicos de funcionamento da ciência e com vários dos pressupostos da pesquisa científica. Se a crítica feminista deve “encontrar seu próprio assunto, seu próprio sistema, sua própria teoria e sua própria voz,” como diz Showalter, é possível dizer que as mulheres estão construindo uma linguagem nova, criando seus argumentos a partir de suas próprias premissas.[16]
Vamos dizer que podemos pensar numa epistemologia feminista, para além do marxismo e da fenomenologia, como uma forma específica de produção do conhecimento que traz a marca especificamente feminina, tendencialmente libertária, emancipadora. Há uma construção cultural da identidade feminina, da subjetividade feminina, da cultura feminina, que está evidenciada no momento em que as mulheres entram em massa no mercado, em que ocupam profissões masculinas e em que a cultura e a linguagem se feminizam. As mulheres entram no espaço público e nos espaços do saber transformando inevitavelmente estes campos, recolocando as questões, questionando, colocando novas questões, transformando radicalmente. Sem dúvida alguma, há um aporte feminino/ista específico, diferenciador, energizante, libertário, que rompe com um enquadramento conceitual normativo. Talvez daí mesmo a dificuldade de nomear o campo da epistemologia feminista.
Vejamos alguns aspectos desse aporte: o questionamento da produção do conhecimento entendida como processo racional e objetivo para se atingir a verdade pura e universal, e a busca de novos parâmetros da produção do conhecimento. Aponta, então, para a superação do conhecimento como um processo meramente racional: as mulheres incorporam a dimensão subjetiva, emotiva, intuitiva no processo do conhecimento, questio nando a divisão corpo/mente, sentimento/razão. Simmel já fizera esta observação, em 1902, ao indagar sobre as possíveis contribuições da “Cultura Feminina” num mundo masculino, e Helen Longino complementa:
“Em busca de parâmetros (groundings) conceituais e filosóficos alternativos, muitos pensadores abraçaram modos de análise que rejeitam a dicotomização entre razão e paixão, entre saber e sentimento.”[17]
Para ela, o pensamento feminista trouxe a subjetividade como forma de conhecimento. “We all see feelingly”, afirma, o que se opõe radicalmente ao ideal de conhecimento objetivo trazido das Ciências Naturais para as Ciências Humanas. Entrando num mundo masculino, possuído por outros, a mulher percebe que não detém a linguagem e luta por criar uma, ou ampliar a existente: aqui se encontra a principal fonte do aporte feminista à produção do conhecimento, à construção de novos significados na interpretação do mundo.
Portanto, o feminismo propõe uma nova relação entre teoria e prática. Delineia-se um novo agente epistêmico, não isolado do mundo, mas inserido no coração dele, não isento e imparcial, mas subjetivo e afirmando sua particularidade. Ao contrário do desligamento do cientista em relação ao seu objeto de conhecimento, o que permitiria produzir um conhecimento neutro, livre de interferências subjetivas, clama-se pelo envolvimento do sujeito com seu objeto. Uma nova idéia da produção do conhecimento: não o cientista isolado em seu gabinete, testando seu método acabado na realidade empírica, livre das emoções desviantes do contato social, mas um processo de conheci- mento construído por indivíduos em interação, em diálogo crítico, contrastando seus diferentes pontos de vista, alterando suas observações, teorias e hipóteses, sem um método pronto. Reafirma-se a idéia de que o caminho se constrói caminhando e interagindo.
Defendendo o relativismo cultural, questiona também a noção de que este conhecimento visa atingir a verdade pura, essencial. Reconhece a particularidade deste modo de pensa- mento e abandona a pretensão de ser a única possibilidade de interpretação. Concordando com Sandra Harding: “Uma forma de resolver o dilema seria dizer que a ciência e a epistemologia feministas terão um valor próprio ao lado, e fazendo parte integrante, de outras ciências e epistemologias – jamais como superiores às outras.”(p.23)
Enfatiza a historicidade dos conceitos e a coexistência de temporalidades múltiplas. Nesta direção, a historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias mostra a confluência das te dências historiográficas contemporâneas com as inquietações feministas; defendendo a “instabilidade das categorias feministas” (Sandra Harding), fala em hermenêutica crítica e no historismo:
“a historiografia feminista segue os mesmos parâmetros (que a desconstrução de Derrida, a arqueologia da Foucault, a teoria crítica marxista, a história social e conceitual dos historistas alemães, a historiografia das mentalidades), pois tem seu caminho metodológico aberto para a possibilidade de construir as diferenças e de explorar a diversidade dos papéis informais femininos.”[18]
Os estudos feministas inovam, então, na maneira como trabalham com as multiplicidades temporais, descartando a idéia de linha evolutiva inerente aos processos históricos.
Feminismo e História
Seria interessante, por fim, pensar como os deslocamentos teóricos produzidos pelo feminismo têm repercutido na produção historiográfica. A emergência de novos temas, de novos objetos e questões, especialmente ao longo da década de setenta deu maior visibilidade às mulheres enquanto agentes históricos, incialmente a partir do padrão masculino da História Social, extremamente preocupada com as questões da resistência social e das formas de dominação política.[19] Este quadro ampliou-se, posteriormente, com a explosão dos temas femininos daNouvelle Histoire, como bruxaria, prostituição, loucura, aborto, parto, maternidade, saúde, sexualidade, a história das emoções e dos sentimentos, entre outros.
É claro que muitos discordarão da divisão sexual dos temas históricos acima proposta, já que há muitas outras dimensões implicadas na ampliação do leque temático, principalmente a crise da “historiografia da Revolução” e a redescoberta da Escola dos Annales. Entretanto, poucos poderão negar que a entrada desses novos temas se fêz em grande parte pela pressão crescente das mulheres, que invadiram as universidades e criaram seus próprios núcleos de estudo e pesquisa, a partir dos anos setenta. Feministas assumidas ou não, as mulheres forçam a inclusão dos temas que falam de si, que contam sua própria história e de suas antepassadas e que permitem entender as origens de muitas crenças e valores, de muitas práticas sociais frequentemente opressivas e de inúmeras formas de desclassificação e estigmatização. De certo modo, o passado já não nos dizia e precisava ser reinterrogado a partir de novos olhares e problematizações, através de outras categorias interpretativas, criadas fora da estrutura falocêntrica especular.
A descoberta da origem da “mãe moderna” a partir do modelo rousseauísta, proposta por Elisabeth Badinter, por exemplo, foi fundamental para se reforçar o questionamento do padrão de maternidade que havia vigorado inquestionável até os anos 60 e reforçar a luta feminista pela conquista de novos direitos; a genealogia dos conceitos da prostituição, da homossexualidade e da perversão sexual, entre outros, foi extremamente importante enquanto reforçava a desconstrução prática das inúmeras formas de normatização.[20] A história do corpo feminino trouxe à luz as inúmeras construções estigmatizadoras e misóginas do poder médico, para o qual a constituição física da mulher por si só inviabilizaria sua entrada no mundo dos negócios e da política. O questionamento das mitologias científicas sobre sua suposta natureza, sobre a questão da maternidade, do corpo e da sexualidade foi fundamental em termos da legitimação das transformações libertadoras em curso.
O campo das experiências históricas consideradas dignas de serem narradas ampliou-se consideravelmente e juntamente com a emergência dos novos temas de estudo, isto é, com a visibilidade e dizibilidade que ganharam inúmeras práticas sociais, culturais, religiosas, antes silenciadas, novos sujeitos femininos foram incluídos no discurso histórico, partindo-se inicialmente das trabalhadoras e militantes, para incluir-se, em seguida, as bruxas, as prostitutas, as freiras, as parteiras, as loucas, as domésticas, as professoras, entre outras. A ampliação do conceito de cidadania, o direito à história e à memória não se processavam apenas no campo dos movimentos sociais, passando a ser incorporados no discurso, ou melhor, no próprio âmbito do processo da produção do conhecimento.
Para tanto, novos conceitos e categorias tiveram de ser introduzidos a partir das perguntas levantadas pelo feminismo e dos deslocamentos teóricos e práticos provocados. Por que se privilegiavam os acontecimentos da esfera pública e não os constitutivos de uma história da vida privada? Por que se desprezava a cozinha, em relação à sala, e a casa em relação à rua? Onde uma história dos segredos, das formas de circulação e comunicação femininas, das fofocas, das redes interativas construídas nas margens, igualmente fundamentais para a construção da vida em sociedade? Quais as possibilidades de uma História no feminino? Não apenas a história das mulheres, mas a história contada no registro feminino?[21]
Neste contexto, ficou evidente a precariedade e estreiteza do instrumental conceitual disponível para registrar as práticas sociais que passavam a ser percebidas, embora existentes desde sempre. Para o historiador formado na tradição marxista, especialista na recuperação histórica das lutas sociais e da dominação de classes, como falar das práticas desejantes, com que conceitos poderia construir uma história do amor, da sexualidade, do corpo ou do medo? Como trabalhar a questão da religiosidade e das reações diante da vida e da morte?
No casos dos estudos feministas, o sucesso da categoria do gênero se explica, em grande parte, por ter dado uma resposta interessante ao impasse teórico existente, quando se questionava a lógica da identidade e se decretava o eclipse do sujeito. Categoria relacional, como observa Joan Scott, encontrou campo extremamente favorável num momento de grande mudança das referências teóricas vigentes nas Ciências Humanas, e em que a dimensão da Cultura passava a ser privilegiada sobre as de- terminações da Sociedade. Assim como outras correntes de pensamento, a teoria feminista propunha que se pensasse a construção cultural das diferenças sexuais, negando radicalmente o determinismo natural e biológico. Portanto, a dimensão simbólica, o imaginário social, a construção dos múltiplos senti- dos e interpretações no interior de uma dada cultura passavam a ser priorizados em relação às explicações econômicas ou políticas.
Em termos da historiografia, estas concepções se aproximam das formuladas pela História Cultural. Esta põe em evidência a necessidade de se pensar o campo das interpretações culturais, a construção dos inúmeros significados sociais e culturais pelos agentes históricos, as práticas da representação, deixando muito claro que o predomínio prolongado da História Social, de tradição marxista, secundarizou demais o campo da subjetividade e da dimensão simbólica. Exceção feita a E.P. Thompson, que aliás se tornou extremamente famoso apenas na década de oitenta, grande parte dos estudos históricos de tendência marxista mantinham-se presos ao campo da política e da economia, este sendo considerado o “lugar do real” e da inteligibilidade da história. Apenas nas últimas décadas, passou-se a falar incisivamente em imaginário social, nas representações sociais, em subjetividade e, para tanto, a História precisou buscar aproximações com a Antropologia, a Psicanálise e a Literatura. Além disso, na medida em que o discurso passou a ser dotado de positividade, os historiadores também perceberam que era inevitável interrogar o próprio discurso e dimensionar suas formas narrativas e interpretativas.
Em relação aos estudos feministas, e a despeito das inúmeras polêmicas em curso, vale notar que a categoria do gênero abre, ainda, a possibilidade da constituição dos estudos sobre os homens, num campo teórico e temático bastante renovado e radicalmente redimensionado. Após a “revolução feminista” e a conquista da visibilidade feminina, após a constituição da área de pesquisa e estudos feministas, consagrada academicamente em todo o mundo, os homens são chamados a entrar, desta vez, em um novo solo epistêmico. É assim que emergem os estudos históricos, antropológicos, sociológicos – interdisciplinares – sobre a masculinidade, com enorme aceitação. Cada vez mais, portanto, crescem os estudos sobre as relações de gênero, sobre as mulheres, em particular, ao mesmo tempo em que se constitui uma nova área de estudos sobre os homens, não mais percebidos enquanto sujeitos universais.
Sem dúvida alguma, os resultados das inúmeras perspectivas abertas têm sido dos mais criativos e instigantes. O olhar feminista permite reler a história da Colonização no Brasil, no século 16, a exemplo do que realiza a historiadora Tânia Navarro Swain, desconstruindo as imagens e representações construídas pelos viajantes sobre as formas de organização dos indígenas, sobre a sexualidade das mulheres, supostamente fogosas e promíscuas, instituindo sua amoralidade. Num excelente trabalho genealógico, a historiadora revela como os documentos foram apropriados e reinterpretados pela historiografia masculina, através de conceitos extremamente misóginos, cristalizando-se imagens profundamente negativas a respeito dos primeiros habitantes da terra, considerados para sempre incivilizados e inca- pazes de cidadania.
Já Maria Izilda Matos e Fernando A. Faria, estudando as composições musicais de Lupicínio Rodrigues, a partir da categoria do gênero, descortinam as formas de construção cultural das referências identitárias da feminilidade e da masculinidade, nas décadas de quarenta e cinquenta, dominantes até recente- mente. A partir da análise das letras de músicas produzidas pelo famoso compositor gaúcho, podem visualizar não apenas as experiências femininas, mas “seu universo de relações com o mundo masculino”, numa proposta bastante enriquecedora e inovadora.
Finalizando…
As possibilidades abertas para os estudos históricos pelas teorias feministas são inúmeras e profundamente instigantes: da descontrução dos temas e interpretações masculinos às novas propostas de se falar femininamente das experiências do cotidiano, da micro-história, dos detalhes, do mundo privado, rom- pendo com as antigas oposições binárias e de dentro, buscando respaldo na Antropologia e na Psicanálise, incorporando a dimensão subjetiva do narrador.
Na historiografia feminista, vale notar, a teoria segue a experiência: esta não é buscada para comprovar aquela, aprioristicamente proposta. Opera-se uma deshierarquização dos acontecimentos: todos se tornam passíveis de serem historicizados, e não apenas as ações de determinados sujeitos sociais, sexuais e étnicos das elites econômicas e políticas, ou de outros setores sociais, como o proletariado-masculino-branco, tido como sujeito privilegiado por longo tempo, na produção acadêmica. Aliás, as práticas passam a ser privilegiadas em relação aos sujeitos sociais, num movimento que me parece bastante democratizador. Assim, e como diria Paul Veyne, o que deve ser privilegiado pelo historiador passa a ser dado pela temática que ele recorta e constrói, e não por um consenso teórico exterior à problemática, como acontecia antes quando se trabalhava com o conceito de modo de produção, por exemplo, ou ainda, quando a preocupação maior com o passado advinha de suas possibilidades em dar respostas à busca da Revolução. A realidade já não cede à teoria.
Enfim, parece que já não há mais dúvidas de que as mulheres sabem inovar na reorganização dos espaços físicos, sociais, culturais e aqui, pode-se complementar, nos intelectuais e científicos. E o que me parece mais importante, sabem inovar libertariamente, abrindo o campo das possibilidades interpretativas, propondo múltiplos temas de investigação, formulando novas problematizações, incorporando inúmeros sujeitos sociais, construindo novas formas de pensar e viver.
Notas.
*A presente narrativa foi originalmente publicada em: RAGO, Margareth. Epistemologia Feminista, Gênero e História. In: Pedro, Joana; Grossi, Miriam (orgs.)- MASCULINO, FEMININO, PLURAL. Florianópolis: Ed.Mulheres,1998
24 segunda-feira ago 2015
Posted Anti Capitalismo, Anti Fascismo, Revolução
inPor ithanarquista, em 30 de julho de 2015
Emilio Crisi. “Revolução Anarquista na Coreia: a Comuna de Shimin (1929-1932)”
Neste artigo, Crisi estabelece algumas das grandes linhas de sua investigação sobre a revolução anarquista na Manchuria (1929 e 1932) e que foram posteriormente aprofundadas. Tal aprofundamento deu-se num estudo publicado no ITHA intitulado “Revolución Anarquista Coreana en Manchuria” [https://ithanarquista.wordpress.com/2014/10/30/emilio-crisi-revolucion-anarquista-coreana-en-manchuria-1929-1932/], que em seguida foi publicado em livro pela editora Anarres com o título Revolución Anarquista en Manchuria. Enquanto aguardamos a tradução deste livro, disponibilizamos esta versão em português, que contribui com o conhecimento deste episódio ao mesmo tempo relevante e pouco conhecido do anarquismo asiático.
* Baixe o artigo completo aqui: Emilio Crisi – Revolução Anarquista na Coreia
21 sexta-feira ago 2015
Posted Grécia, Internacional anarquista
inTags
Em 15 de julho de 2015 no Parlamento grego os 3.358.450 “não” à proposta europeia do referendo de 5 de julho se converteram em 229 “sim” a um acordo muito parecido à proposta rechaçada no referendo. A vitória do “não” no referendo, sob umas condições de terrorismo midiático sem precedentes e com os bancos fechados, demostrou que uma boa parte da sociedade não está disposta a sacrificar-se no interesse da eurozona e da União Europeia no altar que montaram o Capital local e transnacional. Segundo nossa opinião, a porcentagem dos que não aceitam a submissão como opção política é ainda mais alto que o 61,3% do referendo, dado que a alta porcentagem de abstenção (38%) não procede de potenciais votantes do “sim”.
Apesar do terrorismo e das chantagens das elites econômicas e políticas, seja diretamente ou através de suas marionetes, os meios de desinformação e lavagem cerebral, os estratos sociais inferiores tornaram claro que depois de (pelo menos) cinco anos de austeridade econômica, já não tem nada que perder e estão dispostos a acabar com os memorandos, a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional, a Banca Internacional e seus títeres locais.
Em troca, o governo da coalizão esquerdista-nacionalista nas “negociações” com os mafiosos da Troika atuou como se no referendo houvesse ganhado o “sim”. Com sua atitude demostrou que os que nas eleições de 25 de janeiro acreditaram que seus problemas se resolveriam delegando a gestão dos assuntos da sociedade a “uns políticos não corruptos, melhores que os anteriores”, se equivocaram. Se equivocaram por uma simples razão que não passa pela cabeça a todos os que seguem acreditando na delegação e na representação dos muitos por poucos: Em última instância os representantes são os mesmos, sejam direitistas ou esquerdistas, conservadores ou progressistas. O voto, a delegação e a outorga do Poder a uns quantos especialistas, e a crença na doutrina da democracia parlamentar, tem sempre o mesmo resultado: A submissão dos de baixo à vontade dos de cima, dos poderosos, dos soberanos e de seus lacaios.
“Nos traíram, nos enganaram”, gritaram outra vez os pequeno burgueses e os demais partidários do sistema político da representação. O mesmo haviam gritado chorando faz uns anos, pondo a culpa dos memorandos aos “políticos corruptos” dos governos anteriores, e não ao próprio sistema da representação e ao sistema sócio político por ser tradicionalmente corrupto. Claro, não admitirão que se enganaram a eles mesmos, delegando a gestão de sua vida a uns partidos, a uns representantes, submergindo na inércia e na passividade.
Não obstante, o governo socialdemocrata-nacionalista e os que o elegeram, nunca sonharam com algo mais que uma leve melhora da situação atual, sempre dentro do marco do sistema capitalista. Portanto, o que foi derrotado na recente capitulação do governo é a falácia esquerdista sobre a ruptura com as formações neoliberais e imperialistas mediante umas supostas negociações com elas, e a falsa ilusão sobre um “capitalismo com rosto humano”. É ilustrativo o comentário do primeiro ministro que antes de sentar-se à mesma mesa com os depredadores neoliberais europeus não lhe ocorria que não retrocederiam ante “as reivindicações justas dos povos”… E quando se inteirou que os mafiosos e seus patrões políticos não iriam retroceder, assinou o terceiro memorando e regressou a casa para trazer-nos as novas notícias que não eram nada novas: Teríamos que aceitar as condições impostas pela Troika para permanecer nesta família feliz que se chama União Europeia e evitar o pior…
O terceiro memorando foi ratificado em uma votação acidentada no Parlamento grego em 15 de julho. Nesta votação os 39 dos 139 deputados do partido esquerdista Syriza votaram contra o acordo, mas o governo contou com umas reservas procedentes dos partidos neoliberais que haviam apoiado o “sim” no último referendo. Esta atitude dos partidos da Oposição demonstra que a burguesia não tem o menor escrúpulo em apoiar aos que em teoria são rivais políticos seus, sempre e quando se ponham em perigo seus interesses.
O terceiro memorando é uma continuação das políticas neoliberais que conduziram a cortes de salários e pensões, à eliminação dos direitos laborais dos trabalhadores, o aumento excessivo da taxa de desemprego, à dissolução da Saúde pública, à “desaparição” de 14,5 mil milhões de euros dos fundos de pensão, à privatização de quase o país inteiro e à escravização da classe trabalhadora.
O novo memorando imporá o aumento do IVA em várias categorias de produtos e serviços, inclusive nos alimentos mais indispensáveis para a alimentação da população (é o que os meios de desinformação chamam otimização), a venda ao Capital local e transnacional das poucas corporações estatais que não haviam sido privatizadas totalmente com os dois primeiros memorandos, um aumento mais na idade de aposentadoria (é o que a mídia chama reforma de pensões), a eliminação total dos convênios coletivos (já muito debilitado pelos memorandos anteriores) e dos limites no número dos trabalhadores despedidos (é o que os depredadores chamam descaradamente modernização: “uma revisão rigorosa e uma modernização da negociação coletiva e das demissões”), a eliminação do domingo como dia festivo, o aumento dos preços dos bilhetes nos meios de transporte público, a abolição da subvenção do petróleo para os agricultores, e a supervisão ainda mais direta da economia grega pela Troika e sobretudo pelo FMI desde Atenas (“contínuo apoio ao FMI, supervisão e financiamento, desde março de 2016”), entre outras medidas duras para o povo mas benéfica para o Capital e os Bancos. Por certo, uma boa parte do dinheiro obtido com as privatizações, mediante a criação de um Fundo com 50.000 milhões de euros, se destinará à recapitalização bancária.
E a todo este duro pacote de medidas que esmagará ainda mais a sociedade grega no pântano da pobreza e da miséria, os chantagistas europeus e os meios de desinformação tem a desfaçatez de chamar “modernização”, “reformas” e “ajustes”. A mensagem dos depredadores neoliberais ao povo grego, mas sobretudo aos povos europeus, é clara e explícita: “Já veis o que pode acontecer com os que se atrevem a propor o tema de vossa saída do euro e da União Europeia”. No entanto, ante os olhos dos progressistas, socialdemocratas, esquerdistas e muitos apolíticos, que pensavam ingenuamente que a União Europeia é uma união de seus povos, sua atitude desde janeiro passado pôs de manifesto que é algo totalmente diferente. É agora que na Grécia e em outros lugares do planeta começaram a pensar que a eurozona é uma prisão, e nos porquês de sua criação, e se propôs pela primeira vez tão clara e abertamente o tema da existência de outro caminho, longe dos que nos propõem seguir o neoliberalismo e a socialdemocracia. Deste caminho há muitos anos vem falando os anarquistas, os comunistas libertários, os antiautoritários, os zapatistas e os demais povos indígenas rebelados contra qualquer forma de autoridade, os de baixo deste mundo. Já chegou o momento de que se juntem as vozes e as forças de todos estes contra a voragem do capitalismo neoliberal.
O texto em castelhano:
Tradução > Sol de Abril
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20 quinta-feira ago 2015
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CAB, Coletivo Anarquista Luta de Classe, COPEL, Luta Periférica, Luta Popular, MOB - Movimento de Organização de Base, Periferias
Fonte: Coletivo Anarquista Luta de Classe
Ontem, no dia 13 de agosto de 2015, dezenas de moradores e moradoras da Portelinha e militantes do MOB de outros bairros fizeram uma manifestação em frente à COPEL – Santa Quitéria, reivindicando a regularização da energia elétrica na comunidade.
Após anos de luta pela regularização do terreno, água e luz, o Ministério Público do Paraná deu o aval para que a COPEL regularizasse a energia elétrica nas residências da Portelinha. Mas, mesmo com a autorização em duas publicações, a COPEL se negou a regularizar a luz.
Sabemos que só com o povo se organizando pela base, se manifestando por seus direitos, que conseguiremos conquistar nossos objetivos. Trancamos as entradas da COPEL durante algumas horas até sermos atendidos pelos representantes da companhia. Com as palavras de ordem “A nossa luta é todo dia, queremos água, luz e moradia!” e “COPEL, ouça meu grito, rede elétrica não é só para os ricos!” fizemos com que nossas exigências fossem atendidas e agora só nos resta acertar alguns detalhes com a Prefeitura Municipal de Curitiba e a COHAB para que a energia elétrica seja regularizada!
Ao final do protesto, a Polícia Militar mais uma vez tentou desmobilizar a manifestação, porém continuamos firmes! Protestar não é Crime!
E a luta continua! A regularização da água e do terreno ainda não saíram e este ano ainda vai ter muita luta para garantirmos nossos direitos!
20 quinta-feira ago 2015
Posted Anarco-Comunismo, Anarcosindicalismo, Anarquia, Anti Capitalismo, Coletivo Anarquista Luta de Classe, Coletivo Quebrando Muros, Coordenação Anarquista Brasileira, Greve, Jornadas de Junho, Manifestos, Movimento Estudantil, Movimento Estudantil, Movimento Sindical, Notícias, Entrevistas, Atos, Manifestos, Organizações Anarquistas, Prática
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Fonte: Coletivo Anarquista Luta de Classe
Não é de hoje que presenciamos inúmeros ataques dos de cima a nossos direitos básicos, conquistados pela luta dos movimentos sociais ao longo dos anos. Para piorar, em tempos de crise, são esses mesmos direitos que tentam nos tirar, demonstrando que o papel do Estado é o de legitimar e garantir os interesses da burguesia. Assim, em Agosto de 2015, os cortes de verbas sobre a educação já superam os 10 bilhões de reais, ameaçando concretamente a vida nas universidades, as condições de trabalho dos técnicos, docentes e a permanência de milhares de estudantes que necessitam de assistência para continuar seus estudos.
A resposta dos e das trabalhadores/as e estudantes a esse cenário não poderia ser diferente: é tempo de se mobilizar e resistir! Por isso, desde maio, servidores e docentes das instituições públicas federais de todo o país entraram em greve. Na UFPR, os servidores técnico-administrativos aderiram à greve desde o seu início; os professores, aderiram no último dia 6 à greve nacional da categoria.
Mas não são somente essas categorias que sentem na pele a necessidade da luta! No HC, as trabalhadoras terceirizadas da cozinha e limpeza paralisaram pela terceira vez esse ano. Sabemos das péssimas condições de trabalho a que estão submetidos os e as trabalhadoras terceirizadas e do risco de intensificação desse modelo de contratação com a aprovação da PL 4330. Por isso, nos colocamos lado a lado, em solidariedade de classe a todos os tercerizados que desempenham serviços tão necessários para a manutenção da universidade!
Entendemos que esses movimentos de luta são uma resposta dos trabalhadores e estudantes à precarização das condições de trabalho e estudo e ao sucateamento da educação. Com a história aprendemos que só a mobilização combativa traz conquistas e muda a vida! Aprendemos também que os estudantes muitas vezes tiveram papel fundamental em processos de luta por direitos e mudanças.
Foi com a força da greve dos estudantes, unidos aos professores e servidores, que garantimos a gratuidade da universidade, barrando a cobrança de taxas como matrículas e protocolos, como no movimento de 2001. as políticas de permanência também são resultado da luta estudantil, que garantiu o aumento das bolsas, RU 7 dias por semana e três vezes ao dia, wi-fi, ampliação na frota do intercampi, incluindo o transporte para o litoral, auxílio-creche, ampliação na casa 3, entre tantas outras conquistas.
Nesse sentido, é que os estudantes da UFPR – reunidos na Frente de Mobilização Estudantil do Paraná – também já estão organizados e em luta desde o semestre passado, elencando pautas desde a base dos cursos até as reuniões gerais da FMEP . Hoje, diversos cursos já deflagraram greve estudantil, indicando que nossa luta vai se intensificar ainda mais.
Precisamos muito da união dos estudantes, servidores e professores para defender a educação pública. Para isso, o movimento precisa ser coletivo e construído desde a base dos cursos, através de assembleias de cursos e gerais. Precisamos demonstrar nossa força pela ação direta do movimento, ser criativo e ir para além dos atos e manifestações. a greve precisa ser forte e pressionar a Reitoria e o Governo Federal para conseguirmos conquistas reais!
TODO APOIO À GREVE DOS TÉCNICOS, TERCEIRIZADOS E DOCENTES!
TODA APOIO À GREVE ESTUDANTIL!
PELA UNIFICAÇÃO DAS LUTAS!
20 quinta-feira ago 2015
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Ajuste Fiscal, análise de classe, Análise de conjuntura, CAB, conjuntura, Dilma, esquerda, esquerda partidária, FAG, FARJ, golpe, golpe na classe trabalhadora, PT, sistema
Fonte: Coletivo Anarquista Luta de Classe
Retirado de: https://www.facebook.com/FederacaoAnarquistaGaucha/posts/1057692934242264:0
Passe o que passe no andar de cima, a faca do ajuste nunca deixa de cortar na carne dos trabalhadores e setores populares. A recessão do país castiga, como sempre, as classes oprimidas. Corta direitos, salários e empregos e levam os serviços públicos à falência. Autoriza o saque do capitalismo de mercado sobre os bens púbicos e comuns, sobre a riqueza criada pelas sucessivas gerações de trabalhadores. “Administra” a pobreza pelos mecanismos criminais da justiça-polícia-prisão. Cria o sujeito indesejável, que perturba a segurança da ordem, o discurso punitivo que encarna o sentido comum do dia-a-dia e acomoda a banalização de uma guerra repressiva e genocida sobre negros e pobres, especialmente a juventude. Qualifica o bom e o mau protesto.
A briga desatada no palco do poder político passa longe do ajuste econômico e o Estado Penal. Em todos os cenários que podemos imaginar o sistema dominante trata de defender as medidas e as práticas de governo que empurram mais austeridade. Os trabalhadores brasileiros já estão pagando com o sacrifício dos sonhos e esperanças de dias melhores a farra financeira e criminal do capitalismo global. O fantasma das políticas miseráveis que castigam o povo grego, com desemprego em massa, arrocho salarial, perda de aposentadorias e demais direitos é um exemplo bem fresco.
Recessão e ajuste. O pacto social foi pro ralo.
O modelo que fez os ricos mais ricos e deu uma beirada de consumo, crédito e programas sociais para integrar os setores populares ao mercado já não tem mais vez. Só a indústria automotiva já demitiu 39 mil operários no primeiro semestre. A construção civil prevê 480 mil cortes de postos de trabalho durante o ano. O endividamento popular cresce e aperta o orçamento das famílias. A inflação criada pela subida dos preços administrados pelo Estado amplia a carestia de vida e corrói os salários. Não para por ai. O governo de Dilma e do PT condenou a juventude trabalhadora ao mexer nas regras do seguro-desemprego, esticando o tempo de trabalho para 18 meses. As burocracias sindicais arriaram uma bandeira histórica do movimento operário concertando com a indústria e o governo o programa de redução de jornada com redução salarial, o Pograma de Proteção ao Emprego (PPE), um plano de socorro dos patrões. Por sua vez, o lucro dos banqueiros tem recordes históricos às custas de uma dívida pública infame que arrocha investimentos na saúde, educação, moradia, etc.
No nível dos Estados e municípios a situação também é calamitosa. O achaque feroz da dívida pública, a sonegação e as insenções fiscais da patronal amordaçam o orçamento e os governos como no RS e em GO atacam o funcionalismo com congelamento e parcelamento de salários, corte de verbas sociais e planos de privatizações, concessões e extinção de órgãos e serviços públicos.
O pacto social que prometeu pela mão do desenvolvimento capitalista uma margem de melhorias sociais que chegassem na vida dos mais pobres fracassou. Com ele toda a narrativa triunfalista do crescimento que fez imaginário de uma pretensa prosperidade social fundada no sonho do consumo, no indivíduo flexível e “competitivo” ao gosto do mercado, na moral compensativa do trabalho precário e estafante, na privação dos espaços públicos e dos bens comuns em benefício de interesses especulativos. Quando as estruturas do poder e a riqueza ajustam o jogo todos sabemos onde é que a corda arrebenta.
A política como gestão dos controles do sistema.
De todos os lados a pressão ajoelha o governo do PT e o andar de cima cobra caro pela sobrevida. A rejeição cresce de pesquisa em pesquisa. A direita opositora se reagrupa pelo alinhamento de Eduardo Cunha com o PSDB, o DEM e os partidos que pulam do barco furado do governismo. Aparecem manobras judiciais pelo TCU e o TSE para criar uma situação política favorável ao impeachment ou empurrar a renúncia da presidente Dilma. Buscando jogar água nesse moinho, no último dia 16 de agosto mais uma vez o “antipetismo” foi às ruas por convocação de grupos liberais, conservadores e ultra-reacionários, ao que o governismo pretende contestar com a convocatória do dia 20 de agosto.
A operação Lava Jato, entre outros sentidos, tem reforçado a noção de uma solução judicial-repressiva para a crise. Juízes, promotores e agentes federais caídos nas graças da imprensa burguesa e das ruas. Políticos e altos burocratas do Estado e dos partidos na parede. Em menor medida, empresários graúdos figurando nos processos. Sem dúvidas ganha certa evidência um modus operanti que faz conexões entre as instituições políticas e o mundo corporativo empresarial. Mas há em tudo isso uma idéia sedutora, que faz vetor pro conservadorismo, de que a faxina deve ser feita pelos mesmos aparelhos de poder que punem implacavelmente a pobreza com as grades e o extermínio.
Em todos os casos, o sistema sempre reserva para si, bem longe dos mecanismos de participação popular, o direito de cortar cabeças seletivamente para não entregar o ouro. As redes de corrupção, sonegação e impunidade dos poderes políticos, econômicos e midiáticos são parte da estrutura, moeda corrente da representação burguesa. O que interessa ao andar de cima é deixar a política sempre no domínio privilegiado do parlamento, da justiça burguesa e/ou órgãos auxiliares. Normatizar os de baixo, quando muito, como eleitores.
Agenda de Renan e Levy. A ordem é arrumar uma saída pelo andar de cima.
A mão avarenta e fisiologista do PMDB, por conchavo das velhas raposas, segura, sabe-se lá por quanto tempo, o governismo na beira do precipício. Tudo tem seu preço. A arte de governar o país antes de tudo é a gestão estável dos interesses dos poderosos. As organizações patronais FIESP e FIRJAN além do Bradesco passaram o recado que querem, dentre todas as tramas para sair da crise política, um cenário que não toque no ajuste fiscal e na sua ofensiva sobre os direitos dos trabalhadores. Os editoriais de O Globo e Zero Hora assinam embaixo. Sangrar o governo Dilma e ajoelhar o PT até beijar os pés de quem pode mais agrada os senhores que não pretendem deixar o problema para a imprevisibilidade das ruas.
Nessa perspectiva, a Agenda Brasil anunciada na última semana é um pacote ao gosto das classes dominantes. Obra de um arranjo conservador do governo, tribunais e o senado, onde brilham Renan Calheiros, o PMDB e a política da tesoura do ministro Joaquim Levy. Consumação de uma virada governista ainda mais à direita, que reza missa pra aquelas imagens e lembranças da infame década de 1990 evocadas na campanha eleitoral de 2014. Chantagem barata que recrutava “voto crítico” no “menos pior”.
A saída que vem de cima faz agenda pelo ajuste e corta mais fundo. Com terceirizações e precarização do trabalho, ataque ao sistema gratuito e universal da saúde pública, desvio de receitas para o sistema da dívida. O atropelo de territórios indígenas, quilombolas, bens naturais e normas ambientais para a exploração brutal das mineradoras, construtoras e o agronegócio.
Para consagrar, tramita no congresso por ação do governo o projeto da Lei Antiterrorista. Endurecimento jurídico-represssivo sobre as rebeldias que não são canalizadas pela ordem. Punição dos militantes e das lutas que criam resistência e escapam dos controles burocráticos do Estado.
Luta sem governo, patrões e pelegos. Organizar a resistência dos de baixo
Dos últimos 05 anos emerge uma nova onda de lutas que marcam o caminho por onde é preciso avançar para que os oprimidos construam, por sua própria força, uma saída do cenário de ataques que se agravam. Ocupações por direito a moradia, greves radicalizadas pela base que se voltam contra as direções burocráticas, governistas e patronais dos sindicatos, lutas da juventude por educação e transporte coletivo de qualidade, resistência combativa de indígenas e quilombolas.
A violenta ofensiva da patronal e dos governos contra os de baixo exige a construção de uma alternativa que se gesta nos locais de trabalho, estudo e moradia, que crie resistência e acumule forças para derrubar o andar de cima. Urge a necessidade de superar definitivamente a derrota trágica e inapelável de uma formação política nascida diretamente das organizações operárias e populares que dirigiu uma estratégia obstinada a chegar à presidência, custe o que custar; que afirmou premissas teórico-ideológicas que formaram o credo de toda uma geração da esquerda brasileira e que ainda hoje forma paisagem, inclusive, para setores da burocracia radicalizada que se opõe aos governos do PT por esquerda. Chegar ao “poder” pela via eleitoral, simplificar esse problema pela direção dos aparelhos estatais e atribuir ao Estado o caráter de uma máquina que funciona ao gosto de seus pilotos de turno, que não está penetrado por relações sociais de poder e dominação, mecanismos internos de reprodução de dinâmicas burocráticas e oligárquicas. Uma concepção viciada que se manifesta nos mais diversos conflitos em curso, em métodos que fazem das lutas uma mera força de pressão que visa “persuadir” um possível eleitorado por via de discursos, palavras de ordem e da promoção de lideranças carismáticas ao passo que marginaliza o protagonismo e a organização de base.
A saída para a situação que vem se colocando aos trabalhadores não é uma saída pela eleição de novas direções mas, fundamentalmente, pela organização de base e ação direta popular. Processo que não é uniforme, requer paciência, firmeza, ação metódica, trabalho de base, por vezes silencioso. Distante do barulho que grita uma “alternativa” política que se relaciona com a promoção de lideranças “caudilhistas” que pretendem se alçar como intermediários, fiadores do protesto popular. O lastro ideológico bastardo do petismo é vasto e faz com que ainda se tenha preferência, por exemplo, em atos com carros de som ou os reiterados “encontros” formais onde futuros presidenciáveis possam se manifestar, onde correntes se “cheiram”, procuram “enquadrar” aquelas que julgam “centristas”, fazem chamados e exigências umas as outras, tiram fotos e retornam às suas casas a um piquete ou bloqueio que tranque os serviços, a produção ou a circulação em áreas estratégicas, que ocupe espaços públicos ou privados. O protagonismo do partido na promoção da figura de seu dirigente ainda se sobrepõem ao protagonismo coletivo da classe, na avaliação, nos riscos assumidos, nas vitórias e derrotas.
A superação do legado reformista, social-democrata, que deixou o PT na esquerda ainda requer muito empenho, inserção social e luta política e ideológica a ser travada, fundamentalmente desde as mobilizações em curso. Um período de ofensiva dos de cima e resistência dos baixo requer, antes de mais nada, fortalecer a organização e o protagonismo de base em cada local de trabalho, estudo e moradia que estamos vinculados, acionando a mais ampla solidariedade de classe às lutas em curso, para que os de baixo se afirmem enquanto os verdadeiros protagonistas da construção de uma saída que barre o ajuste e acumule forças para a construção de uma nova sociedade, socialista e libertária.
Porto Alegre, 19 de Agosto de 2015
Federação Anarquista Gaúcha (FAG), Organização integrada à Coordenação Anarquista Brasileira (CAB).
20 quinta-feira ago 2015
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Fonte: Bocada Forte
SOFIA ASHRAF, rapper indiana, lançou “Kodaikanal Won’t“, canção em que ela acusa a empresa Unilever de não indenizar os antigos trabalhadores que foram contaminados por mercúrio. As rimas de Sofia são feitas em cima de um beat de Nicki Minaj.
Ex-funcionários atribuem 45 mortes ao envenenamento por mercúrio e cerca de vinte mil pessoas assinaram uma petição lançada pela ONG Jhatkaa, que também postou rap de Ashraf em seu canal do YouTube, pedindo que a Unilever assuma a responsabilidade. A multinacional questiona o relatório da Community Environmental Monitoring, ONG que alegou ter encontrado “níveis elevados de mercúrio tóxico na vegetação e sedimentos recolhidos na vizinhança” da fábrica Kodaikanal.
Via: Wander Filho Pavão e The Independent
19 quarta-feira ago 2015
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análise de classe, Curdistão, Curdistão livre, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Socialismo Libertário
Fonte: IHU- Instituto Humanitas Unisinos
“O que, em geral e fora do território, é conhecido como a Revolução de Rojava, é uma mudança importante na filosofia política e programática que aconteceu no Curdistão. No entanto, esta mudança não se limita à região de Rojava… É um movimento em expansão que se define por ‘uma sociedade ecológica, democrática e de igualdade de gênero’ – um conjunto de ideias, instituições e práticas que compõem o panorama político, econômico e social da chamada ‘Autonomia Democrática’ e ‘Confederalismo Democrático’”.
A análise é de Alexander Kolokotronis e publicada no sítioComité de Solidaridad con Rojava e el Pueblo Kurdo, 15-03-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
O que, em geral e fora do território, é conhecido como a Revolução de Rojava, é uma mudança importante na filosofia política e programática que aconteceu no Curdistão. No entanto, esta mudança não se limita à região de Rojava, ou o que muitos chamam de Curdistão sírio ouCurdistão ocidental – uma região em que o Partido da União Democrática participou ativamente desta mudança. Na parte “turca”, ou o norte do Curdistão, o Partido dos Trabalhadores do Curdistãotem sido o líder mais importante. NoCurdistão Oriental (nas fronteiras iranianas), o Partido da Vida Livre no Curdistão também levou a uma mudança na orientação ideológica. É um movimento em expansão que se define por “uma sociedade ecológica, democrática e de igualdade de gênero” – um conjunto de ideias, instituições e práticas que compõem o panorama político, econômico e social da chamada “Autonomia Democrática” e “Confederalismo Democrático”.
Como indicado em Autonomia Democrática no Curdistão do Norte – livro escrito por um grupo da Tatort Curdistão(uma organização de defesa dos direitos humanos com sede na Alemanha, Tatort se traduz por “Na cena do crime”) que, para sua pesquisa, se deslocou da Alemanha para o Curdistão, a mudança de paradigma para Autonomia Democrática e Confederalismo Democrático significou renunciar, em vez disso, à criação ‘de um Estado-nação socialista’, buscando criar “uma sociedade na qual as pessoas possam viver juntas sem instrumentalismo, patriarcalismo, racismo, ‘uma sociedade ética e política’ com uma estrutura democrática baseada na autogestão institucional” (Tatort Kurdistão, Autonomia Democrática no Curdistão do Norte).
Em suma, a “democracia sem Estado”
Ao contrário do que muitos poderiam crer, a mudança ideológica não aconteceu nos últimos meses, nem sequer no ano passado. Em vez disso, a luta por essa vitória dura mais de uma década. Começou quando Abdullah Öcalan, líder histórico do antes marxista-leninista Partido dos Trabalhadores do Curdistão, proclamou a Declaração do Confederalismo Democrático. Nela, Öcalan desconstruiu o Estado-nação, considerando a entidade organizacional é um obstáculo à autodeterminação, em vez de uma expressão dela. Öcalan afirma: “Dentro do Curdistão, o confederalismo democrático se estabelecerá nas aldeias, povoados e assembleias da cidade, e aos seus delegados será confiada a real tomada de decisões”. Para Öcalan isto significa que “o confederalismo democrático do Curdistão não é um sistema estatal, mas um sistema democrático de um povo sem um Estado”.
Este sistema de Autonomia Democrática e Confederalismo Democrático inclui as redes de empresas autogestionadas de trabalhadores, entidades de autogoverno comunal, assim como as federações e associações operacionais de grupos que se sobrepõem de acordo com os princípios da auto-organização. Mais ainda, esta nucleação opera em base à democracia participativa direta, assim como também as estruturas de bairro através de um sistema de conselhos.
O ano de 2005 foi um período de mudanças não apenas teóricas ou ideológicas. Ele também marcou o início da construção dos conselhos. No meio urbano, isto aconteceu nos níveis centrais de bairro, distrito e cidade. Em 2008 e 2009, esses conselhos foram reorganizados com a finalidade de incluir a entrada e o poder de várias “organizações da sociedade civil, associações de mulheres e de meio ambiente, partidos políticos e grupos profissionais, como jornalistas e advogados” (Tatort…).
No entanto, antes de continuar é importante discutir as raízes ideológicas do Confederalismo Democrático.
As raízes teóricas do Confederalismo Democrático
Muito se falou sobre a influência do eco-anarquista americano Murray Bookchin sobre Abdullah Öcalan, preso desde a sua detenção em 1999. Na verdade, através de seus advogados, Öcalan fez contato com Bookchin. Infelizmente,Bookchin estava muito doente para encetar um diálogo sério com Öcalan, mas Bookchin enviou sua esperança de que os curdos seriam capazes de avançar com sucesso rumo a uma sociedade livre. No entanto, a influência mais ampla deBookchin no movimento Confederalista Democrático não pode ser negada.
Fonte: http://bit.ly/1FHEWF4 |
Bookchin é um desconhecido para muitos fora – e inclusive dentro – dos círculos anarquistas. No entanto, a dimensão da sua atividade política e de seus escritos é imensa. ComoJanet Biehl diz em seu artigo “Bookchin, Öcalan e a Dialética da Democracia”, após a morte deBookchin em 2006 o Partido dos Trabalhadores do Curdistão foi mais longe ao chamar Bookchin de “um dos maiores cientistas sociais do século XX”.
Bookchin definiu o que ele chamou de Ecologia Social em seu livroRefazendo a sociedade, dizendo que “os problemas básicos que colocam a sociedade contra a natureza surgem de dentro do próprio desenvolvimento social” e que ter posto sociedade e natureza em uma oposição binária foi ao mesmo tempo descritiva e prescritivamente errado. Mais elaborada e sucintamente, “a dominação do homem pelo homem precedeu a noção de dominar a natureza. De fato, a dominação humana do ser humano deu lugar à própria ideia de dominar a natureza”.
Com a ecologia social, Bookchin buscou ampliar em alcance, matizes e profundidade a forma como vemos os sistemas de opressão e as formas como se entrelaçam e frequentemente servem à produção da hierarquia social. Bookchin olha tanto as raízes da hierarquia como as suas diversas manifestações e institucionalizações se apóiam mutuamente, assim como as condições da sua abolição e a fundação de instituições sobre a base das relações não hierárquicas.
Assim como muitos anarquistas, Bookchin vê o Estado como a mais alta manifestação da organização hierárquica. Por que a oposição ao Estado? Nas próprias palavras de Bookchin, em seu livro Refazendo a sociedade:
“No mínimo, o Estado é um sistema profissional de coerção social, não apenas um sistema de administração social, como ainda é ingenuamente considerado pelos teóricos políticos públicos e a maioria dos pensadores burgueses e ‘profissionais’. A palavra ‘profissional’ deve ser destacada, assim como a palavra ‘coerção’. Existe coerção na natureza, nas relações pessoais, nas comunidades não estatais e não hierárquicas. Se só utilizamos a coerção para definir o Estado, nós o estaríamos reduzindo a um fenômeno natural, o que sem dúvida não é. Somente quando a coerção se institucionaliza em uma forma profissional, sistemática e organizada de controle social, ou seja, quando as pessoas são arrancadas de sua vida cotidiana da comunidade e se chega não apenas a ‘administrar’, mas a fazê-lo com o apoio do monopólio da violência, podemos falar com propriedade de Estado”.
Em termos de identidade, a coerção é utilizada pelo Estado com a finalidade de moldar um caldeirão de culturas e etnias que Joost Jongerden e Ahmet Hamdi Akkaya assinalam em seu artigo “O Confederalismo Democrático como Primavera Curda: O Partido dos Trabalhadores do Curdistão e a busca de Democracia Radical”, no livro A Primavera Curda, na tentativa de forjar “uma população de única identidade”. As mais das vezes, este tipo de projeto é violento. O Estado turco não foi uma exceção.
A Turquia não permite que se fale outro idioma em seu território, além do turco, nem que outro idioma seja ensinado nas instituições do Estado, incluindo as escolas públicas, e muitas vezes realizara invasões em uma faixa de municípios e organizações da sociedade civil. O caso de Abdullah Demirbas é um exemplo do tratamento recebido por toda a população curda da Turquia. Ele foi eleito, em 2004, prefeito de Sur, um distrito de Amed. Uma de suas promessas foi conduzir sua administração em curdo. No entanto, de acordo com Tatort Curdistão “três anos mais tarde o Conselho de Estado o destituiu por usar o curdo na administração e o assírio e o inglês na prestação dos serviços municipais”. Foi reeleito em março de 2009 por uma ainda maior margem de votos, mas em maio foi preso novamente por supostos vínculos com a União de Comunidades do Curdistão, assim como por “crimes de linguagem”, pelo que foi condenado a dois anos de prisão.
Embora haja diferenças entre Bookchin e o povo curdo, a quem Bookchin influenciou, o que foi mais forte neste ascendente são as metas da construção do “duplo poder” e da implementação de um sistema de governo composto de diferentes formas não estatais, a construção de uma democracia igualitária.
Com uma estratégia de construção do duplo poder busca-se o objetivo de construir, de acordo com Janet Biehl em seu artigo mencionado, “uma luta contra o poder e a destruição do Estado-nação”. Isso significa a construção de uma estrutura social paralela. Ou melhor, a construção de uma rede complexa de instituições alternativas decididamente diferente e que agem em contradição e oposição ao sistema dominante, ou seja, o Estado-nação e o capitalismo. Esta ideia não é original de Bookchin, já que podemos encontrá-la de forma explícita em Vladimir Lênin e León Trotsky, e, ainda antes, nos escritos de Pierre-Joseph Proudhon. Também o próprio Öcalan abarca esta perspectiva de construção do duplo poder com as chamadas “associações regionais de administração municipal que formariam uma rede” e, como tais, “uma administração política não-estatal”.
Como disse um membro do Conselho da Sociedade Democrática “não se trata só de autonomia, trata-se de autonomia democrática”. Como tal, isto significou a organização de instituições fora do Estado que se baseiam e funcionam segundo a auto-organização e a autogestão. Tecer juntos uma rede de solidariedade é, em parte, um produto macro-político da relação entre estas instituições. Estas instituições estão sendo construídas em numerosos níveis locais concêntricos.
Em seu artigo, Jongerden e Akkaya citam um membro de uma junta de bairro em uma das zonas mais pobres da cidade de Amed, que diz: “Nosso objetivo é resolver os problemas de nossas vidas, de nosso bairro, e resolvê-los por nós mesmos sem ser dependentes ou necessitar do Estado”. É o que melhor expressa o significado das comunidades curdas que buscam estabelecer a Autonomia Democrática. Desta forma, Jongerden e Akkaya definem a Autonomia Democrática como as “práticas em que as pessoas produzem e reproduzem as condições necessárias e o desejo de viver através da participação direta e a colaboração de uns com os outros”.
Fonte: http://bit.ly/1FHEWF4 |
No entanto, é a combinação deAutonomia Democrática eConfederalismo Democrático que possibilita “ir além do Estado-nação”. Isto se manifesta “como um modelo de rede de auto-organização de pequena escala localizada e auto-administração”. Com o Congresso da Sociedade Democrática, uma rede deste tipo se dá a si mesma sua forma institucional e seu perfil. Em 2005, oCongresso da Sociedade Democrática foi fundado com a intenção de reunir uma diversidade de grupos.
O Congresso da Sociedade Democrática inclui uma cota de gênero: para o seu funcionamento, pelo menos 40% de seus membros e postos de direção devem ser ocupados por mulheres. A estrutura organizativa do Congresso da Sociedade Democrática consiste na Assembleia Geral, que se reúne ao menos duas vezes ao ano, e no Comitê Permanente. A Assembleia Geral é formada com ao menos 1.000 delegados, 60% dos quais provêm de organizações de base, e 40% são funcionários, como os representantes eleitos ou prefeitos. A Assembleia Geral elege um Comitê Permanente de 101 pessoas. Também há um Conselho de Coordenação, formado por 15 pessoas, e que trabalha nas áreas ideológicas.
A Cidade de Amed – Norte do Curdistão
Amed, uma das cidades maiores da região e que pelas estimativas oficiais tem mais de 1,5 milhão de habitantes, faz parte do Congresso da Sociedade Democrática. Assim como em outras cidades do Curdistão, Amed é composta de conselhos e assembleias em todos os níveis. Isto inclui os conselhos de rua, conselhos de bairro, 13 conselhos de distrito, e um ajuntamento. O conselho da cidade é composto por 500 pessoas, que inclui o prefeito, funcionários eleitos, delegados de organizações de mulheres e de jovens, organizações não governamentais, partidos políticos e outros.
O conselho da cidade organiza-se em torno de cinco áreas: social, política, ideológica, econômica e ecológica. Dentro destas cinco áreas, comitês são formados, todos eles com 40% de cota de gênero, como foi mencionado acima. A área de política tem um Comitê Coordenador, que inclui conselhos de mulheres (não são estritamente conselhos de mulheres, que estão auto-organizados, e conselhos mistos de gênero), conselhos de juventude, partidos políticos entre outros. A área econômica centra-se na formação de cooperativas. A área social concentra-se em temas como educação e saúde.
Quanto aos assuntos jurídicos, os comitês administram os conflitos e controvérsias. Seu objetivo é participar da resolução de conflitos a fim de que as partes possam chegar a um consenso. Isto se aplica a questões transversais a toda uma gama de problemas. Em outras zonas do norte do Curdistão, como nas Gewer [comunas libertárias], comissões legais não são integradas apenas por advogados, mas também por ativistas feministas e políticos.
A Cidade de Heseke – Curdistão Ocidental
Heseke, em Rojava, possui um desenho institucional similar a Amed. Como em Amed, o Congresso da Sociedade Democrática tem uma cota de gênero de 40%. Seu conselho é composto por 101 pessoas, assim como cinco representantes de outras cinco organizações, incluindo o Partido da União Democrática e a Juventude Revolucionária. Também há um conselho de coordenação, composto por 21 pessoas. Heseke conta com 16 conselhos de distrito.
Os conselhos distritais têm entre 15 e 30 pessoas, que se reúnem a cada dois meses. Entre 10-30 comunas compreendem um determinado distrito, com 20 municípios que compõem aproximadamente mil pessoas. Isto significa que há, pelo menos, um delgado para cada 100 pessoas em um distrito, que é uma representação muito mais direta que muitas outras estruturas institucionais de todo o mundo. Devemos ter presente também a frequência de convocação das assembleias dos povos, um fenômeno que também se estende através do Curdistão e serve como base para aAutonomia Democrática; muitas áreas no Curdistão têm assembleias populares semanais.
Em Heseke, “as comunas têm comissões que abordam todas as questões sociais, como a organização da defesa, justiça, infraestrutura, jovens, economia e formação de cooperativas”. As comissões para a ecologia ocupam-se também do saneamento e de problemas ecológicos específicos. Também há “comitês para a economia das mulheres, para ajudar as mulheres a desenvolver a independência econômica” (Tatort…).
Esta estrutura também envia delegados ao conselho geral de Rojava. Assim como em muitas outras áreas, no Curdistãoprefere-se as resoluções e decisões tomadas por consenso em vez do voto majoritário simples.
O abraço de heterogeneidade
A ‘Carta do Contrato Social’, uma constituição proclamada pelos cantões de Rojava, começa seu documento com um abraço do pluralismo:
Fonte: http://bit.ly/1FHEWF4 |
“Nós, os povos das áreas de autodeterminação democrática – curdos, árabes, assírios, sírios, turcomanos, armênios e chechenos – pelo livre arbítrio, nos comprometemos a garantir a justiça, a liberdade, a democracia e os direitos das mulheres e das crianças, em conformidade com os princípios do equilíbrio ecológico, da liberdade das religiões e crenças e da igualdade, sem discriminação por motivos de raça, religião, credo, doutrina ou de gênero, para formar o tecido político e moral de uma sociedade democrática, para funcionar com o entendimento mútuo e a convivência com a diversidade e o respeito pelo princípio da autodeterminação e a autodefesa dos povos”.
Isto por si só, no prefácio da Carta, contradiz as representações muitas vezes simplificadas do Oriente Médio, feitas pelos meios de comunicação ocidentais. De acordo com a tradução de Zaher Baher do Fórum Anarquista Curdistão de seu testemunho intitulado “A experiência do Curdistão Ocidental demonstrou que os povos podem fazer mudanças”, a Carta indica em sua primeira página que “as áreas de democracia e autogestão não aceitam os conceitos de Estado nacional, militar ou de religião, nem de administração ou poder centralizados, mas estão abertos a formas compatíveis com a tradição da democracia e do pluralismo, a todos os grupos sociais e as identidades culturais e a democracia de tipo ateniense e expressão nacional através da sua organização”.
No entanto, caso se queira falar verdadeiramente de um abraço de heterogeneidade, este deve envolver o não-humano tanto quanto o humano. Isto significa ir além do multilinguismo e da diversidade cultural que muitos no norte e noCurdistão ocidental abraçaram – inclusive institucionalmente – e olhar a forma como é abordada a questão ecológica.
Ecologia
Para Aysel Dogan, um ativista ecologista e presidente da Academia Alevi para Crenças e Culturas de Dersim (Alevi, ramo do islamismo xiita; Derism ou Tunceli, cidade da Turquia, foi o centro da rebelião curda de 1921 massacrada peloMustafá Kemal), “a melhor maneira de criar o sistema ecológico é construir cooperativas” (Tatort…). Outras atividades com mentalidade ecológica incluem o desenvolvimento de bancos de sementes, o protesto contra qualquer plano de energia nuclear, e impedir a entrada de empresas de mineração.
Todas elas são vistas como um meio para fomentar uma consciência social de orientação ecológica. Grande parte também inclui a educação, e, como tal, a educação ecológica faz parte do surgimento de escolas e outras instituições de ensino na região, e da cooperação interconectada com outros esforços de emancipação.
Educação
Várias escolas foram abertas no Curdistão. Uma delas é a Academia de Ciências Sociais, na Mesopotâmia, fundada no final de agosto em Qamislo no cantão Cizîrê de Rojava, que opera de acordo com “um modelo alternativo de educação”. De acordo com Notícias de Rojava, somente em Cizîrê há 670 escolas com 3.000 professores dando cursos de língua curda para 49 mil estudantes.
As academias de línguas, culturas e de estudos históricos orientadas para a preservação e a construção de identidades não se limitam a Rojava. Elas também estão em franco crescimento no Curdistão do Norte. Em julho de 2012, já havia “13, com vários focos, incluindo nove academias gerais, duas da mulher e duas religiosas, uma para alevitas e outra para outras crenças islâmicas” (Tatort…). Informa-se sobre uma semana de greve de estudantes curdos nas escolas públicas em resposta às limitações impostas à sua língua dentro desses espaços e outras políticas de assimilação.
Comentando sobre uma série de escolas que escapam à órbita do Estado turco e seus representantes na Academia Geral na cidade de Amed, dizem: “Estas escolas querem trabalhar fora da escola do Islã oficial e conectar-se aos movimentos islâmicos de oposição, que rejeitam a ideia de um estado islâmico, embora continuem ligadas ao Islã” (Tatort…).
Segundo indicou a Academia Política de Amed, grande parte da população curda tem uma orientação política anti-capitalista, e uma perspectiva sem Estado, especialmente em nível de base. O Tatort Curdistão informa sobre um curso nessa escola: “Todos os participantes refletem sobre o que aprenderam e formulam uma crítica ao Estado e à classe dominante”. Estas escolas políticas também ensinam coisas fora da análise de classe, como a história da mulher e o desenvolvimento do patriarcado.
Em Amed, também se encontra um centro para mulheres que lhes proporciona apoio que vai das habilidades técnicas e práticas ao ensino da língua curda e a alfabetização e cursos de direito e os direitos das mulheres. Outros centros oferecem cursos de saúde e sexualidade. Também há seminários sobre autonomia democrática.
O poder das mulheres
De múltiplas maneiras, as mulheres estão tomando o poder para si no Curdistão, como resultado dos objetivos principais do movimento. Algo disto já indicamos ao falar da cota de gênero que se institucionalizou em quase todos os níveis da sociedade, e através dos sítios e das academias de aprendizagem. Outro exemplo é a Academia de Mulheres de Amed.
Fonte: http://bit.ly/1FHEWF4 |
O Tatort Curdistão cita líderes desta escola: “a libertação da mulher e de gênero é tão importante quanto a libertação da sociedade”. Elas trabalham em projetos como a transcrição de histórias orais e participam da “escrita feminina da história”. Oferecem cursos através de um modelo de intervenção participativa.
Em muitas destas academias e noMovimento Livre Democrático de Mulheres também participam mulheres que procuram capacitar outras para saírem de suas casas. Algumas mulheres, a partir deste movimento, assumem uma perspectiva particularmente radical em relação ao Estado e seu papel na produção de uma lógica hierárquica para dentro da unidade familiar.
Junto com conselhos, escolas e centros de mulheres, existem cooperativas de mulheres nas quais o objetivo é “ajudar as mulheres a criar suas próprias relações de produção, na qual podem trabalhar e participar”, como indica Tatort Curdistão, citando pessoas envolvidas no desenvolvimento cooperativo das mulheres. Através destas alterações de desenvolvimento nas relações de gênero, outras desenvolvem a relação das mulheres com o local de trabalho (inclusive antes havia muito poucos postos de trabalho), com seus esposos e parentes varões (rompendo tabus culturais e papéis de gênero), e com o conjunto da sociedade (inserção cada vez maior no programa Autonomia Democrática). Através destas cooperativas muitas mulheres tornaram-se economicamente independentes e participaram do desenvolvimento de suas capacidades individuais. Assim, através de ambas as coisas estão rompendo com a internalização feminina do patriarcado.
Como assinala Baher, em toda a região norte e oeste do Curdistão há “um sistema chamado Liderança e Organização em Conjunto”, que significa “a direção de qualquer instituição, administração ou militar, deve incluir as mulheres”. Tais critérios organizacionais se manifestam nos conselhos e comitês mencionados neste artigo.
Além disso, as mulheres têm suas próprias forças de segurança. “Portanto, dentro das Unidades de Proteção Popular, houve a formação de Unidades de Proteção da Mulher. A Unidade de Proteção da Mulher, um forte grupo militar formado por 7.000 combatentes esteve à frente da luta contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS). Como era de se esperar, o surgimento da Unidade de Proteção da Mulher afetou significativamente muitas concepções sobre os papéis de gênero condenados de antemão, incluindo as noções dos sistemas de filtragem e os sistemas de dominação masculina”.
O poder da juventude, dos trabalhadores e a autogestão
Com Autonomia Democrática surgiram comitês de juventude, inclusive de menores de 18 anos. Assim como em outros casos, os comitês de juventude têm voz e voto na realização de iniciativas e projetos, por exemplo, na construção e modificação dos espaços de recreação. Além disso, no entanto, algumas das perspectivas mais radicais vieram com uma visão clara da juventude curda.
Tatort Curdistão cita um jovem curdo: “Nós não nos consideramos nacionalistas. Somos internacionalistas socialistas”. Também cita uma declaração: “Neste momento estamos entrando em uma nova fase da revolução através da construção de comunas, coletivos e cooperativas. A auto-organização popular da economia tem o objetivo de assentar as bases para uma mudança global nas relações sociais dominantes… o movimento é a construção da aldeia, das cooperativas de jovens e mulheres… Os diferentes níveis de autogestão nos permitem entrar mais facilmente no processo organizativo”.
Há vários resultados na federação de cooperativas e comunas. De acordo com um membro de uma cooperativa de mulheres em Baglar, as 22 comunas libertárias Gewer foram tão longe a ponto de abolir o dinheiro como meio de troca.
A luta contra o Estado Islâmico
O apoio pela metade dos Estados Unidos para a defesa curda do Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS) não deveria surpreender, especialmente considerando os estreitos laços entre os Estados Unidos e a Turquia. Dada a extensa história de repressão da Turquia sobre os mais de 20 milhões de curdos que residem dentro de suas fronteiras, e dado que atualmente os curdos estão na primeira linha na luta contra o ISIS, a deficiente resposta da Turquia ao ISIStambém não deveria surpreender.
Entre 2009 e julho de 2012, mais de 8.000 pessoas foram presas “por sua suposta pertença à União das Sociedades do Curdistão, em virtude da Lei Antiterrotista” (Tatort…). Relatórios e mais relatórios, segundo a mesma fonte, afirmam que ao menos 10.000 pessoas foram presas em operações contra a União das Sociedades do Curdistão. A prisão dos curdos é tamanha que há exemplos em que 35 pessoas estão presas em uma única cela, e são obrigadas a dormir uma encima da outra. A superlotação nas prisões chegou a tal ponto que as celas de tipo F, originalmente destinadas à reclusão solitária, muitas vezes abrigam quatro pessoas.
A política da Turquia de ampliar sua base de energia hidroelétrica através da construção de represas serviu duplamente como meio para destruir a cultura curda. Como disse Aysel Dogan, chefe da Academia Alevi para Crença e Cultura: “Os lugares santos estão em perigo devido às barragens. O Estado enviou um suposto cientista aqui para dar um parecer. Ele disse que aqui só há pedras. Mas estas pedras são sagradas para nós”.
Muitas questionam o baixo nível de resposta ao ISIS, até agora, da Turquia e dos Estados Unidos. No dia 22 de setembro, a BBC informou que a Turquia fechou a fronteira para dezenas de milhares de refugiados curdos. Isto não surpreende se verificarmos a relação entre a Turquia e os curdos, e mesmo a cautela do governo dos Estados Unidosdiante de uma política que reforce a defesa curda. Só ultimamente o governo dos Estados Unidos forneceu armas às forças curdas em Kobane. Relatórios recentes do Movimento de Solidariedade de Trabalhadores mostram vitórias dos curdos sobre o ISIS. No entanto, é de se perguntar até que ponto o governo dos Estados Unidos está disposto a apoiar as forças curdas que têm fortes tendências contra o Estado e o capitalismo.
Simultaneamente a tudo isso, a Turquia permitiu a passagem das peshmerga curda iraquiana para que pudessem chegar a Kobane, em Rojava, e assim, participar da luta contra o ISIS. A princípio isso pode parecer uma mudança de política por parte da Turquia para com os curdos, mas não é bem assim se tivermos em conta que entre as quatro regiões do Curdistão, foi de longe melhor a sua relação com o Governo Regional do Curdistão Iraque, Curdistão Sul. O Governo Regional do Curdistão, dirigido por Massoud Barzani, sempre esteve em violenta tensão com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, e, naturalmente, a Turquia comemora esses episódios de violência entre os dois lados curdos. O Governo Regional do Curdistão também guarda desconfiança em relação às atividades em Rojava doPartido da União Democrática, que mantém uma relação cordial com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão.
Conclusões
Para qualquer socialista libertário os processos no Curdistão, na última década, são fortemente encorajadores. Muitos curdos pensam que o Confederalismo Democrático pode ser um órgão com potencial capacidade transnacional. Muitos dentro do Curdistão, incluindo o próprio Öcalan, acreditam que o Confederalismo Democrático será um meio para obter a paz e a emancipação no Oriente Médio.
Os defensores do Confederalismo Democrático, como indica sua aparente abertura à diversidade cultural, não consideram isto simplesmente como uma solução para a população curda, mas também apontam para a multiplicidade de grupos e etnias que formam uma região mais ampla. Öcalan chegou a afirmar que a dualidade de poderes deve ser construída em uma escala global, no sentido de formar um corpo transnacional capaz de competir com as Nações Unidas.
A Autonomia Democrática e o Confederalismo Democrático constituem não somente um impulso ideológico e institucional para livrar-se do Estado e do capitalismo, mas também constituem um sistema capaz de substituir as estruturas políticas e representativas por práticas autônomas e participativas. No entanto, as instituições e práticas que constituem a Autonomia Democrática e o Confederalismo Democrático devem se aprofundar para o interior e para o exterior e avançar na crítica de todos os marcos sociais hierárquicos, e na realização de uma perspectiva social não hierárquica e anti-hierárquica, uma visão que deve ser seguida para a implementação e a atualização.
[Um esclarecimento que não deveria ser necessário. Traduzir e divulgar um material não significa compartilhar o mesmo, é compartilhar algo que consideramos que é suficientemente importante para ser conhecido por todos, independentemente de como pensamos. As nossas opiniões surgem a partir do nosso conhecimento; caso contrário, seria um desastre. (Fernando Moyano, tradutor para o espanhol)]
Fontes:
http://opencuny.org/theadvocate/2014/10/30/the-no-state-solution-institutionalizing-libertarian-socialism-in-kurdistan/
https://redlatinasinfronteras.wordpress.com/2015/02/23/el-socialismo-libertario-en-kurdistan/
http://libcom.org/news/experiment-west-kurdistan-syrian-kurdistan-has-proved-people-can-make-changes-zaher-baher-2
19 quarta-feira ago 2015
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cut, Dilma, direita, esquerda partidária, extrema-direita, golpistas, Manifesto, Manifestos, Notas, pelegos, PSOL, PSTU, PT, União Popular Anarquista - UNIPA
Fonte: União Popular Anarquista – UNIPA
Ocorreu no último dia 16/08 atos pelo impeachment da presidente Dilma e acontecerá na próxima quinta, dia 20/08, outros atos em defesa do governo. As bases sociais são realmente muito distintas, sendo o primeiro convocado por grupos de direita como MBL (Movimento Brasil Livre), alguns grupelhos abertamente fascistas que defendem a intervenção militar e também partidos burgueses como o PSDB, e com uma adesão maior de servidores públicos e da pequena burguesia.
O ato do dia 20 por sua vez é construído por centrais sindicais como a CUT e por movimentos sociais e estudantis (MST, MTST, UNE) além de partidos governistas (PT, PCdoB) e outros partidos menores como PSOL e PCO. Porém, longe da adesão de amplas parcelas da classe trabalhadora, tudo indica que os atos governistas mobilizarão, com algumas exceções, apenas a burocracia sindical e partidária.
Uma característica comum entre estes atos é o discurso idealista. Ambos os atos se colocam como defensores da “democracia”, elevando-a um princípio universal e a-histórico, e por fim, ambos tentam se demonstrar mais zelosos pelo futuro da república burguesa. PT e PSDB disputam a capacidade de defender a ordem. Ambos os atos estão sendo utilizados para estas disputas partidárias por um Estado desacreditado pelo povo.
O fato é que, enquanto passam o dia 16 e 20 com suas encenações e mentiras, a ampla massa do povo está vivendo uma dura repressão nas favelas e bairros periféricos, com chacinas e assassinatos por grupos de extermínio e policiais em serviço. Nos locais de trabalho o que se amplia é o trabalho precarizado, terceirizado, é o assédio moral, o desemprego e o calote nos salários e direitos.
O ajuste fiscal, que nesse momento é o maior ataque ao povo, representa o foco estratégico da luta de classes. Porém, ambos os lados (do dia 16 e do dia 20) “sambam” e “rodeiam” para não falar seriamente sobre o ajuste fiscal pois tem seus rabos muito bem presos nos jogos políticos das classes dominantes. Apesar de uma fraseologia “contra o ajuste” a CUT chegou inclusive a propor junto aos empresários o PPP (Plano de Proteção ao Emprego), parte do ajuste. Por essas e outras ela é uma colaboradora na exploração dos trabalhadores. Aliás, quando os governistas dizem que o ajuste fiscal não significará perda de direitos eles mentem e irritam ainda mais os trabalhadores.
PT, PMDB e PSDB: as disputas burguesas no interior do aparelho estatal
No Jornal Causa do Povo nº 70, de Julho de 2014, afirmamos: “o bloco governista (PT/PCdoB) vem implementando todas as medidas neoliberais e anti-povo da direita ruralista e das frações da burguesia brasileira que FHC/PSDB não conseguiu.” O levante de junho de 2013 levou a unidade da defesa da ordem tanto pelo PT-PCdoB, como por todos os outros partidos burgueses e reformistas. Desde então o Estado em todas as suas esferas de poder se lançou em reação contra o levante dos marginalizados. Processos contra militantes e ativistas, como no caso dos 23 do Rio de Janeiro, aumento da repressão e manutenção da política genocida contra os jovens negros das periferias e favelas do país.
Desde o final das eleições, o PT vem sofrendo um desgaste devido fundamentalmente aos desdobramentos políticos, jurídicos e midiáticos da operação Lava Jato combinado com as políticas de austeridade anti-povo adotadas pelo governo Dilma (PT-PMDB-PCdoB).
A mídia corporativa, a oposição parlamentar do PSDB, DEM, PPS e demais partidos burgueses, e pequenos grupos financiados por institutos norte americanos, como MBL, tem se dividido em relação aos rumos a serem tomados. Representam sobretudo uma pequena-burguesia decadente fruto do processo de concentração do capital na última década. No entanto, não tem base de apoio entre a burguesia e os militares. O mito do golpe alimentado pelos petistas fica cada vez mais claro quando as duas principais federações industriais, FIESP e FIRJAN, além dos latifundiários da CNA, lançaram cartas defendendo a manutenção da estabilidade e da ordem.
Portanto, não causa estranheza nenhuma o recuo de setores do PSDB e da mídia aos gritos de impeachment e algo semelhante. O PSDB não irá romper a institucionalidade burguesa pelo simples fato de que o Estado, as eleições, a corrupção, são unificadores da política parlamentar. O impeachment, na atual conjuntura de ofensiva anti- povo, é uma retórica que tem como efeito não propriamente a queda do governo, mas aumentar o poder de barganha e pressão dos neoliberais sobre os rumos da política econômica. Além de humilhar o governo e o PT preparando o terreno eleitoral de 2016 e 2018.
Do ponto de vista militar, os militares senão plenamente satisfeitos, avaliam o governo petista melhor do que o do tucanato. O governo está modernizando as Forças blindadas do Exército, renovando a frota da Marinha, inclusive com a construção de novos submarinos de tecnologia francesa, e se chegou a compra dos caças para a FAB. Além de toda a reestruturação institucional e logística ainda em curso. Grande ala do setor militar, senão sua maioria, não aceita uma submissão as políticas americana e seu interesse, declarado, nos recursos naturais, particularmente na Amazônia e no Pré-Sal. O que entra em conflito com as ações dos neoliberais nacionais.
Como afirmamos em junho de 2015 o PT aplicou um programa neoliberal de cortes de gastos na educação e de parceria estreita com agronegócio. O PT e seus aliados, assim como os partidos burgueses são contra os trabalhadores, a juventude negra, os camponeses, indígenas e quilombolas. O partido está afogado em uma disputa inter-burguesa (nacionalmente) que por sua vez se relaciona a um conflito inter-imperialista e sua posição nas disputas que se avizinham entre o eixo EUA-UE e China-Rússia.
Agenda Brasil e Lei antiterrorista: pontos de unidade para a ofensiva burguesa
A crise econômica internacional agora afeta ainda mais a economia nacional, principalmente pela queda dos preços das commodities, da política do preço de petróleo internacional e dos efeitos das políticas anticíclicas petistas em decorrência do menor crescimento e das sucessivas desonerações dada aos capitalistas. A política adotada desde o inicio de 2015 só tem agravado esse quadro recessivo.
No Comunicado nº 43 de março deste ano havíamos concluído: “(…) todos os fatores internacionais e nacionais, econômicos e políticos, apontam para que a partir de 2015 será iniciada uma ofensiva burguesa, por meio de uma política de austeridade fiscal (ou seja, corte de gastos com saúde, educação, redução de salários, redução de gastos com funcionalismo público, e incentivo a reformas trabalhistas que promovam a terceirização). Num segundo momento, essa política tende a alcançar mesmo o núcleo supostamente diferencial do PT, as políticas de bolsas e auxílios de renda aos mais pobres.” Toda a primeira ofensiva já foi iniciada.
Nas últimas semanas o governo apresentou dois importantes ataques aos trabalhadores. O primeiro se expressa na aprovação no dia 12/08 pela Câmara, em regime de urgência, do projeto de lei, o PL 2016/15 (Lei Antiterrorismo), encaminhado pelo poder executivo, Ministério da Justiça (Eduardo Cardozo – PT/Forças Armadas) e Ministério da Fazenda (Levy – Bradesco) que alterou a lei 12.850/2013, que dispõe sobre organizações criminosas, acrescentando dispositivos tão abertos que qualquer tipo de manifestação pode (ou não) ser considerada uma “organização terrorista”. Vale ressaltar que foi aprovada por 50 deputados do PT (dos 54), em conluio com a oposição burguesa.
A lei antiterrorismo não é nada mais que ação do Estado e da classe dominante contra os trabalhadores, avançando na reação contra o povo. É preciso lembrar que logo depois do Levante popular de junho de 2013 o ministério da defesa elaborou o manual “Garantia da Lei e da Ordem”. Não temos uma “democracia a defender”, muito pelo contrário. O genocídio contra a população negra nas favelas e periferias, a repressão e morte contra os camponeses, quilombolas e indígenas são cotidianos.
O segundo é o documento Agenda Brasil, ou melhor anti-brasil, apresentada pelos senadores do PMDB liderados pelo Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e elogiado pela presidente Dilma e por Lula na sua reunião com os oligarcas do PMDB. Essa Agenda Brasil se resume a uma séria de medidas anti-populares que aumentam o processo de privatização dos serviços públicos, de precarização das relações de trabalho, ataque às Terras Indígenas e degradação ambiental.
A Agenda Brasil tem sido apresentada pela mídia corporativa, por políticos e empresários como um grande avanço para o “diálogo” e para a unidade e desenvolvimento nacional. No final das contas, passando os atos do dia 16 e do dia 20, tudo indica um “grande pacto” pelo ajuste fiscal, tendo a governabilidade como barganha.
Política revolucionária para a luta popular em tempos de ofensiva burguesa
Nesse momento de crise do capitalismo e de ofensiva da burguesia sobre os direitos dos trabalhadores os revolucionários precisam saber atuar e ter uma política clara. Essa política não passa nem pelo impeachment, nem pela defesa do governo. Como pudemos analisar, esse conflito é parte das disputas entre a burguesia pelo controle do aparelho estatal. O impeachment é uma política que nessa conjuntura de defensiva dos trabalhadores só poderia deixar as massas populares a reboque da política burguesa e suas manipulações. Além disso, ela funciona sob a lógica legalista e personalista da moralização do Estado, trocando as pessoas que o estão gerindo, para assim salvá-lo.
Os processos insurrecionais e as lutas populares na história recente da América Latina demostram que a queda de governos pela ação dos trabalhadores é um processo natural no avanço da luta de classes. No entanto, nesses casos foram fruto da ofensiva da classe trabalhadora. A queda de um governo durante as jornadas de junho de 2013 teriam um efeito completamente distinto para o Brasil do que esse “impeachment dos coxinhas”.
Porém, longe de ser monopólio da direta, a concepção idealista de moralização do Estado também é defendido pelos partidos reformistas. Desde o levante em 2013 que PSOL, PSTU, correntes do PT, dentre outros, se uniram na preservação da ordem republicana, na criminalização dos black bloc’s e ações anti-sistêmicas e de autodefesa. Naquele momento os partidos reformistas saíram em defesa de uma Assembléia Constituinte, que depois do jogo parlamentar se tornou a proposta ainda mais inofensiva de uma Reforma Política que, como não poderia deixar de ser, é agora uma proposta que torna o Estado ainda mais restritivo e reacionário. Estas não são alternativas para a classe trabalhadora. O apego pela democracia (burguesa) e sua racionalidade é um desvio da esquerda eleitoreira, e é um atraso para a luta dos trabalhadores em todos os âmbitos.
Na atual conjuntura a principal tarefa dos trabalhadores é opor uma resistência ativa à retirada de direitos, ao ajuste fiscal do governo, ao aumento da repressão militar. Nos últimos anos houve uma série de protestos e resistências contra o avanço do capital no campo e na cidade (Jirau, Pecem, Santo Antonio, Retomadas Indígenas, Ocupações Urbanas, Aldeia Maracanã, Greve dos Garis, Professores, etc). Todas elas expressaram a ação direta e a grande maioria o combate às direções sindicais pelegas. Entretanto, o governismo e o paragovernismo (através de sua burocracia sindical) fizeram seu papel de defensores da acumulação capitalista.
Afirmamos em março: “Na última década o potencial revolucionário do proletariado, destrutivo-negativo, se manifestou nas lutas, nas ruas e no boicote às eleições burguesas. O grande desafio dos revolucionários é levar esse potencial às últimas consequências, à ruptura com institucionalidade burguesa, com o corporativismo, com às burocracias sindicais, com a exploração do Capital e com a dominação do Estado. É necessário romper com o parlamentarismo, com a negociação empresarial ou a conquista do Estado como estratégia de luta, como fazem os reformistas, e impulsionar e adotar o método da ação direta . A ação direta significa que a prática de resistência em todos os seus domínios (organizativo, educacional, sindical, econômico, cooperativo) são diretamente geridos pelas bases populares. Logo, a ação direta é ação e organização, é luta por meio de piquetes, greves parciais, gerais, sabotagens, mas também por meio da discussão, planejamento e decisão coletiva. Enfim, ação direta exige a autonomia organizativa.” (UNIPA, Comunicado nº 43)
Um grande aprendizado é: as lutas isoladas, por mais combativas que elas sejam, serão mais facilmente derrotas pela ofensiva geral contra o povo. A unidade se torna necessária. Mas a unidade por cima, com o controle das burocracias sindicais, será um meio de boicote da luta ao invés de uma impulsionadora dela. A unidade tem que ser pela base, fora do controle das burocracias.
Neste sentido, é preciso conectar a resistência cotidiana e auto-organização das trabalhadoras e trabalhadores a um projeto de sociedade com base na ação direta. Não apoiar a conquista do Estado ou reformas parciais, por meios de medidas como Assembléia Constituinte ou Frentes, mas estimular e construir as organizações autônomas que devem ser elas próprias o embrião da nova sociedade e da revolução socialista. No curto prazo a construção de uma organização de massas de tipo sindicalista revolucionário, que tenha no poder popular seu foco é o único projeto sério para unificar as bases sindicais rebeladas contra as direções, as novas formas de organização surgidas do levante de junho de 2013 e os setores revolucionários.
Mais do que nunca é preciso defender a construção de organizações populares autônomas em relação às políticas dominantes (sejam desenvolvimentistas ou neoliberais) e também da política paragovernista. Lutar é levar para as bases a palavra de ordem de combater às diferentes políticas de austeridade fiscal e reformas neoliberais; é realizar ações concretas (greves, manifestações de rua, piquetes) contra os ataques que estão se desenhando; organizar é descentralizar o poder entre as bases, instituir os organismos colegiados e assembleias federativas de delegados de base. Luta e organizar com base na Ação Direta!
18 terça-feira ago 2015
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comunas e conselhos de rojava, Curda, Curdistão, Curdistão livre, curdos, feminismo curdo, Kobane, Kobani, milícia curda, mulheres curdas, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Revolução de Rojava, Rojava
Fonte: Comitê de Solidariedade à Resistência Popular Curda
21 de julho de 2015.
NOSSA TRISTEZA SERÁ NOSSA RAIVA, KOBANÊ SERÁ RECONSTRUÍDA
No dia de ontem, cerca de 300 pessoas procedentes de diferentes cidades, se reuniram no âmbito do chamado da Federação de Associações de Jovens Socialistas para reconstruir Kobanê, cidade que o Estado Islâmico tentou saquear. Hoje, ao chegar a Suruç (Pîrsus em curdo), pouco antes de sair rumo a Kobanê, estas jovens pessoas fizeram um comunicado à imprensa em frente ao Centro Cultural Amara de Suruç (Pîrsus). Ao final do comunicado de imprensa, uma bomba explodiu no meio da multidão, silenciando muitos corações que estavam batendo com a esperança da reconstrução.
Segundo informações coletadas até o dia de hoje, 31 pessoas morreram e centenas foram feridas na explosão.
Após a explosão de hoje, desde os hospitais de Suruç (Pîrsus) ouvimos os nomes dos mortos. Aqueles que saíram procedentes de diferentes cidades, aqueles com grandes esperanças em seus corações, agora estão caídos, como queriam os assassinos. As pessoas que sairam às ruas com o fim de reclamar a morte dos caídos, aqueles que esperam em frente aos hospitais, são ameaçados pelos TOMA (veículos com canhão de água) e pela polícia, que chegou ao Centro Cultural Amara antes das ambulâncias. Em Mersin, em Siirt, em Istambul… as pessoas que saem às ruas são ameaçadas com o massacre do Estado assassino, por meio da colaboração de assassinos.
Aqueles que massacraram muitas vidas, começando desde o primeiro dia da Resistência de Kobanê, estão agora tratando de nos desmoralizar mediante o assassinato de nossos irmãos.
Estamos tratando de reconstruir uma nova vida contra o ISIS (Estado Islâmico), contra o Estado que colabora com o ISIS, contra a política de guerra do Estado que nunca termina. Não importa o que custe, ainda que com nossa dor, assim como nossa raiva, vamos reconstruir Kobanê e recriar a vida nessa geografia saqueada.
(Hoje Alper Sapan da Iniciativa Anarquista de Eskişehir foi assassinado no ataque. E um amigo chamado Evrim Deniz Erol foi gravamente ferido.)
Bijî Berxwedana Kobanê! / Longa vida à resistência em Kobanê!
Bıjî Şoreşa Rojava! / Longa vida à Revolução de Rojava!
Ação Anarquista Revolucionária (DAF)
Tradução: Iruatã
18 terça-feira ago 2015
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AIT, anarcossindicalismo, anarquia, anarquismo, Chomsky, CNT-FAI, Entrevista
Fonte: Contra Informação
Apresentamos a seguir a versão adaptada da entrevista que apareceu na revista Modern Success. [4]
Como tantas coisas já foram escritas e ditas pelo Prof. Chomsky, foi um desafio pensar em algo novo a perguntar a ele: como o avô para o qual você não sabe o que dar de Natal porque ele já possui tudo.
Portanto eu escolhi ser um pouco egoísta e perguntar lhe algo que sempre quis perguntar. Como um anarquista declarado, verdadeiro, vivo e respirando, eu queria saber como ele conseguia se alinhar a uma posição tão controversa e marginal.
Michael S. Wilson: Você é, entre outras coisas, um auto intitulado anarquista — mais especificamente um anarcossindicalista. A maioria das pessoas pensam em anarquistas como punks marginais que atiram pedras em lojas de departamento, ou homens mascarados atirando bombas redondas em industriais gordos. Essa visão corresponde à realidade? O que anarquia significa para você?
Noam Chomsky: O anarquismo é basicamente, em meu ponto de vista, um tipo de tendência no pensamento humano que se apresenta de diferentes formas em diferentes circunstâncias, e que possui algumas características principais. Primeiramente é uma tendência que é cética a respeito da dominação, da autoridade e da hierarquia. Ele procura por estruturas de hierarquia e dominação na vida humana em todo o seu espectro, se estendendo desde, digamos, famílias patriarcais até sistemas imperiais, e se pergunta se esses sistemas se justificam. Ele assume que o ônus da prova para qualquer pessoa em uma posição hierárquica cabe a ela. Sua autoridade não se auto-justifica. Eles têm que dar uma razão para isso, uma justificativa. E se eles não podem justificar essa autoridade, esse poder e esse controle, o que geralmente é o caso, então a autoridade deve ser desfeita e substituída por uma organização mais livre e mais justa. E, como eu entendo, o anarquismo é apenas essa tendência. Ele assume formas diferentes em épocas diferentes..
O Anarcossindicalismo é uma forma particular de anarquismo que se preocupa primeiramente, não exclusivamente, mas primeiramente com o controle sobre o trabalho, sobre o local de trabalho, sobre a produção. Ele assume que os trabalhadores deveriam ter o direito de controlar o seu trabalho, suas condições, [que] eles deveriam controlar as empresas em que trabalham, assim como as comunidades, de forma que eles deveriam se associar uns aos outros em associações livres, e a … democracia dessas instituições deveria ser o elemento fundante de uma sociedade mais livre em geral. E então, você sabe, foram desenvolvidas ideias sobre como isso deveria se realizar, mas acredito que este seja o essencial do pensamento anarcossindicalista. Quero dizer, de forma alguma é aquele quadro geral que você pintou — de pessoas correndo pelas ruas, você sabe, quebrando janelas de lojas — mas o anarcossindicalismo é a concepção de uma sociedade bem organizada, mas organizada desde baixo com participação direta em todos os níveis, com tampoucos controle e dominação quanto praticáveis, de preferência nenhum.
Wilson: Com o aparente desaparecimento do Estado capitalista, muitas pessoas estão procurando por outras formas de alcançarem sucesso, de viverem suas vidas, e eu estou imaginando o que você diria que a anarquia e o sindicalismo têm a oferecer, coisas que outras ideias — digamos, por exemplo, o Estado socialista — falharam em oferecer? Por que deveríamos escolher a anarquia ao invés de, digamos, o libertarianismo?
Chomsky: Bem aquilo que é chamado de libertário nos Estados Unidos, o que é um fenômeno especialmente restrito, não existe em nenhum outro lugar — em pequena parte na Inglaterra — permite um alto nível de autoridade e de dominação nas mãos do poder privado: portanto o poder privado deve ser permitido a fazer aquilo que quiser. O ponto de vista assumido é o de que, por algum tipo de mágica, o poder privado irá nos levar a uma sociedade mais livre e mais justa. Na verdade já se acreditou nisso no passado. Em Adam Smith, por exemplo, um de seus principais argumentos em favor dos mercados foi a de que sob condições de liberdade perfeita, os mercados levariam à igualdade perfeita. Bem, nós não precisamos falar sobre isso! Este tipo de —
Wilson: Que é uma controvérsia recorrente hoje em dia …
Chomsky: Sim, tanto é assim que este tipo de libertarianismo, a meu ver, no mundo atual, é apenas uma chamada para um dos piores tipos de tirania, a saber a tirania privada sem restrições. O anarquismo é bastante diferente disto. Ele é um chamado pela eliminação da tirania, de todos os tipos de tirania. Incluindo o tipo de tirania que acontece na concentração do poder privado. Portanto por que deveríamos preferi-lo? Bem eu acho que é porque liberdade é melhor que subordinação. É melhor ser livre do que ser escravo. É melhor ser capaz de tomar suas próprias decisões do que ter outra pessoa para tomá-las e obrigá-lo a observá-las. Quero dizer, eu realmente acho que você não precisa de justificativa para isso. Parece uma coisa … transparente.
A questão que precisa de uma explicação, e deve dar uma, é “Como melhor podemos caminhar nesta direção?” E existem muitos caminhos para isso na sociedade atual. Uma forma, incidentalmente, é através do uso do Estado, ao ponto em que seja democraticamente controlado. Quero dizer que, a longo prazo, os anarquistas gostariam de ver o Estado extinto. Mas ele existe, lado a lado com o poder privado, e o Estado está, pelo menos até certo ponto, sob o controle e influência públicos — entretanto poderia ser muito mais. E ele possui dispositivos para restringir as forças muito mais poderosas do poder privado. Regras para a segurança e para a preservação da saúde no ambiente de trabalho, por exemplo. Ou garantindo que as pessoas possam dispor de cuidados de atenção à saúde, por exemplo. Muitas outras coisas como estas. Elas não existiriam se dependêssemos apenas do poder privado. Muito pelo contrário. Mas elas podem vir a existir através do uso do Estado sob mínimo controle democrático … para levar adiante medidas reformistas. Eu acho que essas são coisas boas de se fazer. eles deveriam estar lutando por algo muito maior, muito além disso, — na verdade por uma democratização verdadeira de escala muito maior. E isso não é possível apenas de se pensar, mas de se trabalhar a favor. Portanto um dos principais pensadores anarquistas, Bakunin, no século XIX, afirmou que era possível construir as instituições da sociedade futura dentro da sociedade atual. E ele estava falando de uma sociedade bem mais autocrática que a nossa. E isso está sendo feito. Então, por exemplo empresas controladas pelos trabalhadores e pelas comunidades, são germes de uma sociedade futura dentro da atual sociedade. E estas não apenas podem, como estão sendo desenvolvidas. Há um trabalho importante a esse respeito sendo realizado por Gar Alperovitz que está envolvido nos sistemas de empresas ao redor de Cleveland que são controladas pelos próprios trabalhadores ou suas comunidades. Há muita discussão teórica acerca de como fazer a coisa funcionar, escrita por várias fontes. Uma das ideias mais elaboradas estão naquilo que é chamado de “parecon” — economia participativa — em sua literatura e discussões. E existem outras. Estas estão no plano de abstração e planejamento. E no nível da implementação prática, existem passos que podem ser tomados, ao mesmo tempo em que devemos fazer pressão para superar os piores … os maiores danos … causados pela … concentração do poder privado através do uso do sistema de Estado, enquanto o sistema atual ainda exista. Portanto não existe escassez de objetivos a perseguir.
Quanto ao socialismo de estado, depende do que a pessoa quer dizer com o termo. Se for uma tirania do gênero bolchevique (e dos seus descendentes), não precisamos perder tempo com isso. Se for um Estado social democrata mais expandido, então se aplicam os comentários acima. Se for qualquer outra coisa, então o quê? Estará ele colocando o processo decisório nas mãos dos trabalhadores e das comunidades, ou nas mãos de alguma autoridade? Se for a última opção, então — mais uma vez — a liberdade é melhor do que a subordinação, e a última alternativa carrega um fardo pesado para justificar.
Wilson: Muitas pessoas o conhecem por causa do desenvolvimento do Modelo de Propaganda de sua autoria em parceria com Edward Herman. Você poderia descrever sucintamente este modelo e por que ele pode ser importante para os estudantes [universitários]?
Chomsky: Vamos fazer uma pequena retrospectiva — uma pequena contextualização histórica — no final do século XIX,. começo do século XX, uma larga parcela de liberdade havia sido conquistada em algumas sociedades. No topo de tudo isso estavam os Estados Unidos e a Grã Bretanha. De forma alguma poderiam ser consideradas sociedades livres, mas em termos comparativos eram bastante avançadas a esse respeito. De fato eram tão avançadas, que os sistemas de poder — estatal e privado — começaram a reconhecer que as coisas haviam chegado a um ponto onde eles não podiam controlar a sociedade tão facilmente quanto antes e então tiveram que recorrer a outros meios de controle. E o outro meio de controle se constituía no controle das crenças e atitudes. A partir disso nasceu a indústria de Relações Públicas, que naqueles dias se descrevia honestamente como uma indústria de propaganda.
O guru da indústria de RP, Edward Bernays — incidentalmente, ele não era um reacionário, mas um liberal do gênero Wilson-Roosevelt-Kennedy — o livro de estreia da indústria de RP que ele escreveu nos anos 1920 se chamava Propaganda. E neste livro ele descrevia, corretamente, o objetivo da indústria. Ele dizia que seu objetivo era garantir que a “minoria inteligente” — e é claro, qualquer pessoa que escreva esse tipo de coisa faz parte dessa minoria inteligente por definição, por estipulação, então nós, a minoria inteligente, somos as únicas pessoas capazes de realizar coisas, e existe aquela grande população lá fora, a “massa fedida”, que, se forem deixados por conta irão apenas se meter em problemas: então nós temos que, da forma que ele colocou, “trabalhar o seu consentimento”, buscar formas de garantir o seu consentimento ao nosso jugo e dominação. E este é o objetivo da indústria de RP. E ele funciona de várias formas. Seu primeiro compromisso é com a propaganda comercial. De fato, Bernays se tornou famoso justamente nesta época — no final dos anos 20 — ao realizar uma campanha de propaganda para convencer mulheres a fumarem cigarros: as mulheres não estavam fumando cigarros, este grupo enorme de pessoas que a indústria do tabaco não é capaz de matar, então precisamos fazer algo a respeito. Ele então realizou campanhas muito bem sucedidas que convenceram as mulheres a fumarem cigarros: que aquilo seria, em termos modernos, a coisa maneira a se fazer, você sabe, esta é a forma de você se tornar uma mulher moderna e liberal. Ela fez enorme sucesso —
Wilson: Existe alguma relação entre essa campanha e o que está acontecendo hoje com a grande indústria petrolífera e as mudanças climáticas?
Chomsky: Estes são apenas alguns exemplos. Essa foi a origem daquilo que se tornou uma grande indústria de controle de comportamentos e de opiniões. Hoje a indústria petrolífera e, de fato, o comércio mundial de modo geral, estão engajados em campanhas comparáveis que tentam minar esforços para lidar com um problema que é ainda maior que o assassinato em massa causado pela indústria do cigarro; o que se tratou mesmo de um assassinato em massa. Nós estamos enfrentando uma ameaça, uma ameaça séria, de mudanças climáticas catastróficas. Isso não é brincadeira. E [a indústria petrolífera está] tentando impedir medidas para lidar com isso por conta de seus interesses de curto prazo. E isso não inclui apenas a indústria petrolífera, mas a Câmara Americana do Comércio — o principal lobby comercial — entre outros, que declararam bastante abertamente que estão conduzindo … eles não chamam isso de propaganda … mas o que correspondem a campanhas de propaganda para convencer as pessoas de que não existe perigo real e que não deveríamos fazer muito a esse respeito, e de que deveríamos nos concentrar em coisas realmente importantes como o déficit e o crescimento econômico — ou aquilo que eles definem como “crescimento” — e não nos preocuparmos com o fato de que a espécie humana está caminhando em direção a um abismo que pode se constituir em algo como a destruição da espécie [humana]; ou pelo menos a destruição da possibilidade de uma vida decente para uma grande parte das pessoas. E existem muitas outras correlações.
De fato, geralmente a propaganda comercial é fundamentalmente um esforço para sabotar mercados. Nós devemos reconhecer isto. Se você teve aulas de economia, você sabe que um mercado é representado por consumidores devidamente informados fazendo escolhas racionais. Você dá uma olhada na primeira propaganda e se pergunta … é esse o seu objetivo? Não, não é. Seu objetivo é criar consumidores desinformados fazendo escolhas irracionais. E estas mesmas instituições realizam campanhas políticas. É basicamente a mesma coisa: você tem que minar a democracia tentando fazer as pessoas mal informadas realizarem escolhas irracionais. E este é apenas um aspecto da indústria de RP. O que Herman e eu estávamos discutindo era outro aspecto de todo o sistema de propaganda que se desenvolveu embrionariamente naquele período, e que é a “fabricação de consenso”, conforme era chamado, [consenso] em relação às decisões dos líderes políticos, ou líderes da economia privada, tentar garantir que as pessoas tenham as crenças certas e não tentem compreender a forma como são tomadas as decisões que não apenas possam prejudicá-las, mas prejudicar muitas outras pessoas. Isto é propaganda em seu sentido normal. E então estávamos falando dos meios de comunicação em massa, e da comunidade intelectual do mundo em geral, que está em grande medida dedicada a isso. Não que as pessoas vejam a si mesmas como propagandistas, mas … que estão elas mesmas profundamente doutrinadas pelas crenças do sistema, o que as impede de perceber muitas coisas que estão ali na superfície, [coisas] que seriam subversivas ao poder se fossem entendidas. Nós demos muitos exemplos e existem muitos mais que você pode mencionar até o presente momento, exemplos cruciais de fato. Esta é uma grande parte de um sistema geral de doutrinação e controle que funciona paralelamente ao controle de atitudes e … compromissos consumistas, e outros dispositivos para controlar as pessoas.
Você mencionou os estudantes. Bem um dos maiores problemas para os estudantes hoje — um problema enorme — são os custos astronômicos dos financiamentos estudantis. Por que nós possuímos financiamentos que são muito maiores que os de outros países, inclusive que os de nossa própria história? Nos anos 50 os Estados Unidos era um país muito mais pobre do que é hoje, e ainda assim a educação superior era … basicamente gratuita, ou possuía taxas irrisórias ou eram gratuitas para um grande número de pessoas. Não houve uma mudança econômica que tornou isso necessário, agora, para haver custos tão altos de financiamento, bem maiores do que quando éramos um país pobre. E para esclarecer ainda melhor o ponto, se dermos uma olhadinha através das fronteiras, o México é um país pobre mas possui um bom sistema educacional com financiamento gratuito. Houve um esforço por parte do governo mexicano para aumentar os custos de financiamentos, há talvez uns 15 anos atrás, o que levou a uma greve nacional de estudantes com grande apoio popular, e o governo voltou atrás. Agora isto acabou de acontecer no Quebec, do outro lado da fronteira. Atravesse o oceano: A Alemanha é um país rico. Financiamento gratuito. A Finlândia possui o sistema educacional mais bem colocado do mundo. Gratuito … praticamente gratuito. Então eu não acho que você pode usar a justificativa de que existem necessidades econômicas por trás do aumento econômico dos financiamentos. Eu acredito que são decisões sociais e políticas tomadas pelas pessoas que definem estas políticas. E [estes aumentos] são parte, a meu ver, da reação que se criou nos anos 70 contra as tendências liberalizantes dos anos 60. Os estudantes se tornaram muito livres, mais abertos, eles estavam protestando contra a guerra, a favor dos direitos civis, direitos das mulheres … e o país simplesmente se tornou livre demais. De fato, os intelectuais liberais condenaram isso, chamaram-na de uma “crise de democracia”: temos que moderar a democracia de alguma forma. Eles pediram por, literalmente, mais comprometimento com a doutrinação dos jovens, sua frase era … temos que garantir que as instituições responsáveis pela doutrinação dos jovens façam o seu trabalho, para que assim não tenhamos mais toda essa liberdade e independência. E muitas coisas se desenvolveram a partir disso. Não acredito que tenhamos documentação suficiente em primeira mão para provar relações causais, mas você pode ver o que aconteceu. Uma das coisas que aconteceu foi o controle dos estudantes — na verdade, o controle dos estudantes pelo resto de suas vidas, simplesmente prendendo-os à armadilha da dívida. Esta é uma técnica bastante eficiente de controle e doutrinação. E eu suspeito — não posso provar — mas suspeito que este é um grande motivo por detrás [do aumento dos financiamentos]. Muitas outras coisas aconteceram ao mesmo tempo. A economia como um todo mudou de formas significativas para concentrar poder, para acabar com os direitos e liberdades trabalhistas. De fato o economista que presidiu o Federal Reserve durante os anos Clinton, Alan Greenspan — St. Alan conforme era conhecido na época, o grande gênio da profissão econômica que estava administrando a economia, possuía altas honrarias — testemunhou orgulhosamente diante do congresso que o fundamento da grande economia que estava administrando era aquilo que ele chamava de “crescimento da insegurança do trabalhador”. Se os trabalhadores forem mais inseguros, eles não irão fazer coisas como exigir melhores salários e mais benefícios. E isso é saudável para a economia a partir de um certo ponto de vista, um ponto de vista que diz que os trabalhadores devem ser oprimidos e controlados, e de que a riqueza deveria ser concentrada nos bolsos de poucos. Então sim, isso é uma economia saudável, e precisamos aumentar a insegurança do trabalhador, e precisamos aumentar a insegurança dos estudantes por razões parecidas. Eu acredito que todas essas coisas se encaixam como parte de uma reação geral — uma reação bipartidária, incidentalmente — contra tendências liberatórias que se manifestou nos anos 60 e tem continuado desde então.
Wilson: [Para finalizar, estou considerando se você poderia [terminar com algum conselho para os estudantes universitários da atualidade].
Chomsky: Existe um sem número de problemas no mundo hoje, e os estudantes enfrentam um bom número deles, incluindo aqueles que mencionei — a falta de empregos, a insegurança e daí em diante. Por outro lado, tem havido progresso. A muitos respeitos as coisas são hoje muito mais livres e avançadas do que já foram … há não muitos anos atrás. Muitas coisas que se tratavam de verdadeiras lutas, de fato algumas inclusive mal eram mencionadas, digamos, nos anos 60, hoje são … parcialmente resolvidas. Coisas como os direitos das mulheres. Direitos dos gays. Oposição à agressão. Preocupação pelo meio ambiente — que não está nem um pouco perto de onde deveria estar, mas bem além dos anos 60. Estas vitórias da liberdade não surgiram como presentes do céu. Elas surgiram de pessoas que batalharam em condições piores às que existem hoje. Hoje há repressão de Estado. Mas isso não é nada comparado a, digamos, o Cointelpro nos anos 60. Pessoas que não sabem sobre isso devem ler e refletir para entenderem isso. E isso cria muitas oportunidades. Estudantes, você sabe, são relativamente privilegiados se comparados ao resto da população. Eles também estão em um período de suas vidas em que são relativamente livres. Isso provê condições para uma série de oportunidades. No passado, tais oportunidades foram aproveitadas por estudantes que estiveram na linha de frente das mudanças, e hoje eles possuem muito mais oportunidades. Nunca será fácil. Haverá repressão. Haverá reação. Mas é dessa forma que a sociedade avança.
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18 terça-feira ago 2015
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anarquia, anarquismo, CAB, coordenação anarquista, Coordenação Anarquista Brasileira, Dilma, Notas, PSOL, PT
Fonte: Coletico Anarquista Luta de Classes
Nos dias 4 e 5 de julho, reunimos em Curitiba delegações do Coletivo Anarquista Luta de Classe (Paraná), Coletivo Anarquista Bandeira Negra (Santa Catarina) e Federação Anarquista Gaúcha (Rio Grande do Sul) para tratar da conjuntura atual, a coordenação de nossas frentes de atuação sindical, estudantil e comunitária, e também as campanhas da CAB para o próximo período.
Conforme indicado na análise do último jornal Socialismo Libertário, o momento é de crescente retirada de direitos sociais, com ajuste fiscal e aumento do custo de vida para os de baixo, que vem junto ao projeto de expandir as terceirizações que implicam mais precarização e insegurança à classe trabalhadora. O neodesenvolvimentismo do PT chegou a um limite e as tímidas políticas sociais dão lugar a novas políticas de desmonte e corte de verbas nos serviços públicos. Pautas conservadoras ganham força no debate nacional, acarretando em mais criminalização da pobreza e também fomentando o preconceito racial, de classe e a desigualdade de gênero, como são o caso da proposta de redução da maioridade penal e as terceirizações.
Neste contexto, é fundamental resgatar princípios e práticas que são patrimônio da esquerda e muito caros para nossa corrente libertária, como as formas combativas de luta através de greves, piquetes e ação direta, sempre com o protagonismo e mobilização das bases. Apesar da conjuntura de ataques, há importantes lutas de resistência em curso, que precisam de força e apoio. O momento exige a superação das direções pelegas e burocratas que tomam sindicatos e movimentos propondo soluções de gabinete e o fortalecimento de suas candidaturas ao invés da ação direta popular. Resgatar as práticas e princípios de luta da esquerda é também romper com o afastamento da política, vista como mercado de negócios e cartas marcadas que abrem espaço para o conservadorismo.
É momento de seguir com a organização e mobilização em nossos locais de trabalho, estudo e moradia, acumulando forças e fomentando a luta e a solidariedade no seio de nossa classe, além de promover o intercâmbio de experiências e acúmulos de nossas frentes de trabalho. O anarquismo especifista no sul do Brasil, através da Coordenação Anarquista Brasileira, não exige nem mais nem menos que seu posto na luta, sempre junto aos setores oprimidos, construindo um povo forte.
Não tá morto quem peleia!
Lutar, Criar Poder Popular!
12 quarta-feira ago 2015
Posted Análise de Conjuntura, Mártires da Luta, Militarização das periferias, Mobilização Indígena, Mobilização Quilombola, Moradia, Organização de base, Perseguição política, Perseguição política a anarquistas, Presos Políticos, Presos políticos, Questão indígena, Quilombolas, Rafael Braga, Reforma agrária, Remoções, Repressão, Teoria, Todo Apoio aos 23
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Aparelhamento, Cooptação, Dilma, Governo, MST, PSOL, PT, Reforma Agrária, repressão
Por Gilson Moura Henrique Junior
Enquanto são orquestrados os mais variados tipos de ataque aos trabalhadores, ao meio ambiente, indígenas, quilombolas, pescadores, negros, mulheres e LGBT, o mais recente sendo a famigerada Agenda Brasil, parte dos movimentos sociais e partidos seguem na síndrome de Estocolmo que permeia a esquerda partidária e movimentos ligados a ela em relação aos governos do PT.
Seja na Marcha das Margaridas, que em tese era uma marcha de luta por direitos da trabalhadora rural e virou movimento de apoio à Dilma, seja na fala de parlamentares outrora de oposição de esquerda, a síndrome de Estocolmo se manifesta como se fosse uma sanha, uma necessidade atávica de salvar o último mico leão dourado vivo da política da esquerda,e não como um tipo de ação que manifesta apenas aprisionamento à luta institucional na sua pior forma.
E tudo isso ocorre com agravamento atrás de agravamento das condições sociais, com a população puta dentro da roupa com aumento constante de custo de vida, degeneração das condições sociais, péssimos serviços públicos, perda de direitos, com indígenas e quilombolas tomando na cabeça com a omissão do governo,quando não rola apoio da FUNAI e da polícia federal à retirada de direitos destes.
Ou seja, enquanto o mundo explode a esquerda partidária e movimentos ligados a ela vendem ilusões e ligam o foda-se pro bom senso. Chamam você, eu e todos os trabalhadores e atingidos pelo governo, cuja ministra da agricultura é Katia Abreu, de completos imbecis; Esquerda e Movimentos como o MST chamam todos nós de cegos que não vêem que este governo, cujo ministro da fazenda é o Senhor Levy, é o governo “Popular” que “nos salvará da direita!”.
Deixe-me ver, então nós que não adulamos quem nos aprisiona, processa, persegue e planeja organizar legalmente a perseguição a todos os movimentos sociais por não ladearmos na defesa de nosso algoz com quem foi cooptado, aparelhado, domesticado é que somos míopes e cegos?
Será que faz sentido sem terras, pescadores, movimentos feministas apoiarem um governo que abraça flexibilização das leis ambientais, da CLT, dos marcos legais sobre direito indígena? Não, não faz, menos ainda em contraponto a um PSDB cujo programa foi posto em prática, pasmem, pelo governo Dilma.
Há diversas razões para lutarmos não a favor, mas contra o governo Dilma, pouquissima razão para defendê-lo, nenhuma na verdade, que não passe pela suspensão da descrença ou desejo feroz de ver no PT de hoje um PT morto há décadas e que antes de apodrecer abandonou bandeira a bandeira de luta cara a libertários, socialistas, anarquistas, autonomistas, lutadores enfim.
O PT de hoje é um partido da ordem, de centro-direita, seu governo é um governo da burguesia,do agronegócio, é governo de um partido cúmplice de remoções,assassinatos de indígenas,favelados, sócio do avanço do fundamentalismo evangélico alimentador de homo-lesbo-transfobia e misoginia. Defendê-lo como condição sinequanon da luta contra a direita é problema psiquiátrico ou ético grave.
Como bem escreve a Coordenação Anarquista Brasileira em seu Jornal Socialismo Libertário #30 – Julho/2015:
“O governo segue a receita da austeridade. Já sofremos nos estados e municípios com as políticas de ajuste fiscal e graves cortes sociais, como na saúde e na educação. Fazendo o povo pagar uma conta cara para o lucro dos investidores internacionais. Dentro desse pacote, a ampliação das terceirizações (PL 4330) e o ataque a direitos como o seguro-desemprego e a aposentadoria (MPs 664 e 665) fazem a classe trabalhadora virar carne barata no capitalismo de mercado. O Programa de Proteção ao Emprego criado pelo governo Dilma em medida provisória é um plano de socorro aos patrões que autoriza redução salarial de até 30%. É um retrocesso brutal feito com a chancela das burocracias da CUT e da Força Sindical. O acordo coletivo específico entre empresa e trabalhador, previsto na MP, abre precedente pra flexibilização dos direitos trabalhistas. Para as mulheres a situação é ainda pior. Em nossa sociedade patriarcal e opressora a terceirização e a precarização no mundo do trabalho sempre foram uma realidade, com salários mais baixos e desigualdade de direitos em relação aos homens.”
Tem de ter algum problema ou rabo preso pra defender esse governo como se fosse defesa da democracia, porque não é, é defesa da oligarquia agro-empreiteira contra os trabalhadores.
E se o MST, ou o movimento que for, usa lutador pra defendê-lo só demonstra com malignidade a putaria que é a cooptação de movimentos por estes governos e como isso é triste, abjeto e daninho para os lutadores em si.
Ah,tem milhões que apoiam? Triste docê e dos seus que permanecem mentindo ou criando clima de terror para essas pessoas defenderem quem os sacaneia.
MST e Marcha das Magaridas apoiam uma presidenta que assentou menos sem terra que Collor, Lula e FHC, que centra mais recursos nos agronegócio do que em relação a agricultura familiar e reforma agrária, faz sentido?
Não, não faz.
Mas há quem tenha a cara de pau, o cinismo, de usar os números das marchas para apoiar este governo assassino.
E isso é abjeto.
07 sexta-feira ago 2015
Posted Sem categoria
inDe repente o seu amigo te chama a atenção e você dá uma olhada. Oh-oh. Um gangue de homens com cara de poucos amigos está vindo na sua direcção. Eles têm armas de fogo. Eles vão dar problemas, mas você fica firme no seu lugar. O líder do gangue chega até você e diz:
“Você tem umas batatas boas aí”.
“É”, você responde. “Elas são umas batatas boas”.
“Nós vamos levá-las” diz o líder do gangue.
“Até parece!” você responde. “Nós trabalhamos duro durante um longo Verão cultivando estas batatas…”.
O líder do gangue aponta a arma à sua cara e diz, “Foda-se, otário”. E ele diz aos seus homens, “Dick, Ziggy, dêem uma olhada na cabana e vejam que tipo de comida eles têm. Talvez possamos até nos mudarmos para cá e passar o inverno aqui. Mick, pegue aquela vadia ali antes que ela fuja. Ela tem um cu bom. Nós todos vamos foder com ela hoje à noite”.
Você fica furioso e começa a gritar, “Seu canalha! Você não pode…”
E arma faz BANG. Você está morto.
* * * * * * * * * *
* * *
A não-violência funciona apenas quando você tem a polícia para te proteger. Na ausência de protecção policial, a não-violência é praticamente o mesmo que suicídio.
É claro que isso não é sempre verdade em todas as épocas e lugares. Entre os Pigmeus Africanos, como descrito por Colin Turnbull, a violência mortal contra humanos era praticamente desconhecida. Em outras sociedades nómadas caçadoras e colectoras as pessoas algumas vezes matam-se umas as outras em lutas, mas elas nunca conquistam o território do outro ou tribos sistematicamente. Sob estas condições, a não-violência não é inconsistente com a sobrevivência.
Mas, realisticamente falando, estas não são as condições que irão prevalecer se e quando o sistema tecno-industrial entrar em colapso. Existem muitas pessoas más por aí: Nazis, Hell’s Angels (gangue de motoqueiros), membros do Ku Klux Klan, a máfia…muitos outros que não pertencem a grupos reconhecidos. Eles não vão desaparecer no ar quando o sistema se desintegrar. Eles ainda estarão por aí. Provavelmente não vão ser bem-sucedidos ao tentarem cultivar os seus próprios alimentos mesmo que tentem e eles não vão tentar porque pessoas desse tipo vão achar muito mais apropriado pegar a comida dos outros invés de cultivar a sua própria. E já que eles são maus, eles podem te matar ou te estuprar apenas pelo prazer disso, mesmo quando eles não precisarem da sua comida.
Também, muitas pessoas comuns, que sob as condições actuais são pacíficas e dóceis, podem tornar-se más quando ficam desesperadas por comida ou por boas terras agrícolas para plantar. A escassez de alimento pode não ser crítica nas chamadas áreas “atrasadas” do mundo onde os camponeses ainda são relativamente auto-suficientes, mas nos países industrializados, onde a agricultura é completamente dependente em pesticidas, fertilizantes químicos e combustível para tractores (entre outras coisas), e nos quais poucas pessoas possuem a habilidade de cultivar o seu próprio alimento com eficiência, a escassez de alimento com certeza será grave quando o sistema entrar em colapso.
Vamos até mesmo assumir, apenas para argumento, que os países industrializados possuam terra arável o suficiente para que todas as pessoas, em teoria, sejam capazes de cultivar o seu próprio alimento por métodos primitivos. Na ausência de um governo em funcionamento, não haverá meios de distribuir os habitantes das cidades pelas áreas rurais e designar sistematicamente cada pedaço de terra para uma família. Em consequência disso, haverá caos e confusão. Algumas pessoas irão tentar apropriar-se do maior número ou das melhores terras para elas mesmas, outras irão opor-se a elas e lutas mortais irão acontecer. Grupos armados irão se organizar para sua própria protecção ou para propósitos agressivos. Se você quer sobreviver ao colapso deste sistema, é melhor que você esteja armado e preparado para usar a sua arma com eficácia. Isso significa estar preparado psicologicamente como também fisicamente.
Estar armado e preparado para lutar em autodefesa será não somente a condição necessária para a sua própria sobrevivência, mas será também o seu dever. Os Nazis, Hell’s Angels e os membros do Klu Klux Klan não serão os inimigos mais perigosos da liberdade. Pelo facto destas pessoas serem ingovernáveis, turbulentas e foras-da-lei, é improvável que eles criem organizações grandes e eficientes. Muito mais perigosas serão aquelas pessoas que vêm da espinha dorsal do sistema actual, as pessoas que estão adaptadas à vida em organizações disciplinadas: os tipos burgueses – os engenheiros, executivos, burocratas, oficiais militares, algumas polícias e assim por diante. Estas pessoas estarão ansiosas para restabelecer a ordem, a organização e o sistema tecnológico o mais rápido possível. Os seus métodos serão menos rudimentares do que os dos Nazis e os dos gangues de motoqueiros mas eles não hesitarão em usar a força e violência quando for necessário para atingirem os seus objectivos. Você DEVE estar preparado para se defender fisicamente contra estas pessoas.
06 quinta-feira ago 2015
Posted Filosofia
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Fonte: Literatura Anarquista, março 2010
Em 1841 Stirner se junta aos Die Freien (Os Livres), um grupo de hegelianos de “esquerda”, ou “jovens” hegelianos que se encontravam no Hippel’s Weinstube em Berlim nos turbulentos anos de 1840 à 1845. As figuras centrais, Stirner à parte, eram Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer, David Strauss e Arnold Ruge. Membros mais jovens August von Cieszkowski, Karl Schmidt, Edgar Bauer, Friedrich Engels e Karl Marx.
Os Jovens Hegelianos formavam um grupo de intelectuais cujo tema comum era a aplicação contínua do método dialético de Hegel, antes mesmo de uma aceitação das conclusões filosóficas de Hegel. Isso se materializou em críticas radicais à religião, sendo as mais conhecidas delas Das Leben Jesu (A Vida de Jesus) de David Strauss e Das Wesen des Christentums (A Essência do Cristianismo) de Ludwig Feuerbach.
De primeira ordem na visão de mundo Jovem Hegeliana era a crença de que o método dialético de Hegel implicava que a história mundial havia atravessado dois estágios antitéticos; o do sentimento ou do materialismo da antiguidade, e depois com a época moderna da Cristandade, o estágio do pensamento, e agora cumpria ao filósofo passar à práxis sintética. Isso tudo, talvez, ficou mais claramente desenvolvido no Prolegomena a Historiosofia de Cieszkowski. Tendo isso como seus pontos focais, os Jovens Hegelianos, se tornaram politicamente radicais. Da identificação de Hegel do Real e do Racional, os Jovens Hegelianos passaram ao programa de racionalizar o real.
UMA BREVE HISTÓRIA DAS IDÉIAS DOS JOVENS HEGELIANOS
Espinosa diz, basicamente, que Deus é Pan, i.e. que poderia ser visto tanto como a Natureza, tanto como “nós”. Assim, Eu e Você somos, nesse sentido profundo, idênticos. Este tema é retomado depois por Schelling, um dos antepassados filosóficos de Hegel. Outro antepassado foi Fichte. Fichte admitiu a divisão de Kant entre Mente e Mundo, e tentou unir os dois. Para Fichte, tudo era o “Eu”. Não o meu ou o seu eu, note-se, mas um eu geral e todo-permeante, o Eu Absoluto. Quando observamos o mundo, estamos na verdade observando a nós mesmos.
Então ambos Fichte e Schelling tentaram chegar a uma unidade, um não-dualismo entre Mente e Matéria. O que Hegel veio fazer foi declarar ambas as abordagens como sendo ainda “unilaterais” demais, tentando reduzir a Mente à Matéria (como no caso de Schelling) ou a Matéria à Mente (como no caso de Fichte). Para Hegel, ambos Matéria e Mente são lados do Absoluto. Em sua síntese, Hegel uniu pensamentos religiosos bem como científicos. O desenvolvimento filosófico é o processo dialético de desenvolvimento do Espírito.
Pelo menos, assim era que se pensava. Seus discípulos, entretanto, dividiram-se em duas classes: Os Velhos Hegelianos, aqueles que com Hegel diziam que o desenvolvimento filosófico tinha chegado ao fim, e os Jovens Hegelianos que insistiam que, de alguma maneira, se devia “aplicar Hegel à Hegel”, i.e. usar a metodologia de Hegel para ir além de Hegel. São estes últimos que nos interessam.
David Strauss foi o primeiro a ser notado. Ele usou o método de Hegel para analisar o Novo Testamento e chegou à conclusão que se Deus fosse como os teólogos o dizem, então era absurdo patente Ele ser um único Cristo. O Jesus Cristo do Novo Testamento, sustentava Strauss, não passava de uma metáfora do verdadeiro Cristo, que era a própria Humanidade. A Humanidade era sua própria redentora, pois no decurso de seu progresso moral, a melhor moral teria que receber – de boa vontade! – o castigo pelos pecados da velha humanidade, moralmente inferior.
Ludwig Feuerbach o acompanha, declara que a Humanidade não apenas era o Cristo – mas também Deus. Isto foi argumentado – e muito bem, penso eu – em “A Essência do Cristianismo”, que Deus é conhecido pelo sentimento [i.e. intuição]. Mas se o sentimento é de Deus, não deveria ser Divino o próprio sentimento? Através de uma série de hábeis argumentos, Feuerbach nos leva a admitir que aquilo que significamos por “Deus” e “Divino” é exatamente o sentimento que temos dele. Parte do argumento vai no sentido de que um Deus sem predicados é um sujeito vazio, que não demanda nossa atenção. Somente através de Seus predicados é que ele possui tal demanda. E estes eram exatamente aqueles do sentimento da Divindade, aquilo que nós tomamos por “Deus”. Um argumento ulterior nos leva a que este sentimento é o verdadeiro sentimento de nós mesmos – diz Feuerbach – e da nossa essência no Homem. A reverência que temos por Deus, na verdade é uma reverência que temos pelo Homem, à espécie e à nossa própria essência.
Num ensaio sobre a reforma da filosofia hegeliana, outro importante desafio foi feito por Feuerbach, era o de que Hegel, de algum modo, não teria escapado ao unilateralismo. Hegel não levou em consideração a sensibilidade e o intelecto. Esqueceu-se de descer a Mente da “Fenomenologia do Espírito” à pessoa corporal, pensante.
É nesta última crítica que Stirner o acompanha. Em “Stirner como Hegeliano”, Lawrence Stepelevich argumenta que muito de Stirner pode ser compreendido como se lêssemos a Fenomenologia, a partir de um ponto de vista novo e aperfeiçoado, como se o “nós” presente alhures fosse na verdade o “eu” único e concreto.
Para Hegel, o Absoluto é “o poder do negativo”, i.e. aquilo que não está em determinação, mas observa e critica todo pensamento determinado – i.e. o Sujeito. Para Stirner, esta crítica, este “poder do negativo” é a consciência singular – ele mesmo, o indivíduo. Este é o significado de Der Einzige.
Mas da Mente como sendo algo diferente de nós mesmos, é que partem os Jovens Hegelianos. August Cieszkowski reforma a história mundial de Hegel para que melhor se encaixe na forma hegeliana de filosofia e a divide em Passado, Presente e Futuro. Cieszkowski argumenta que nós passamos pela Arte (o Passado), que foi um estágio de contemplação do Real, à Filosofia (o Presente), que é uma contemplação do Ideal, e desde a filosofia de Hegel, que foi a sumidade e a perfeição da Filosofia, a era da Filosofia terminou e chegou a vez de despontar uma nova era – a era da Ação.
Mas Cieszkowski faz este apelo à ação enxergando a Mente como um Outro. Em que outra coisa poderia resultar, senão num “dever”, se Ação e Vontade são um Outro? Não o “eu quero”, mas o “eu devo”. E os Jovens Hegelianos posteriores o acompanharam. Mesmo para Feuerbach, o self estava na espécie, não no homem singular. Daí é que vem o apelo para realizar a natureza da espécie. A crença de que nossa “essência” reside num coletivo levou – como não poderia deixar de levar – à ascensão de um “dever”, o qual não se pode dispor por vontade própria.
LEITURA SUGERIDA:
Lawrence Stepelevich: the young hegelians
the philosophical forum, vol. viii, nos. 2-4
Fonte:
http://i-studies.com/stirner/the_free.shtml
Acesso: Mar/2010
05 quarta-feira ago 2015
Assista ao vídeo “Porque as sociedades entram em colapso?”, de Jared Diamond
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[DOCUMENTÁRIO] “Colapso”, Chris Smith
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Indicadores de colapso ecológico
As Premissas da Civilização
Segundo Richard Heinberg, lucros decrescentes do petróleo aparecem nos dados financeiros das companhias petrolífera. Entre 1998 e 2005, a indústria investiu US$ 1,5 trilhão em exploração e produção, e esse investimento rendeu 8,6 milhões de barris por dia (mb/d) na produção de petróleo adicional no mundo. Mas entre 2005 e 2013, os investimentos da indústria passaram de US$ 3,5 trilhões em exploração e produção, mas este investimento (mais do que o dobro) produziu apenas 4 mb/d. A Energia Retornada por Enegia Investida(EROEI) era de 100 para 1 e caiu para 10 para 1 nos EUA, mostrando que a sociedade complexa dos combustíveis fósseis entrou na fase dos rendimentos decrescentes, caminho que, no passado, levou outras sociedades complexas ao colapso.
Como mostrou Chris Martenson (2014) os próximos 20 anos serão muito diferentes dos 20 anos passados. O ritmo de crescimento econômico deve diminuir muito e os problemas sociais e ambientais devem se agravar de forma crítica. Há vários indícios de que o modelo de sociedade consumista de alta complexidade pode entrar em colapso por redução dos ganhos de produtividade econômica, por agravamento da luta entre pobres (excluídos) e ricos e por uma rápida depleção dos recursos naturais e agravamento das mudanças climáticas. Pensando as dificuldades do futuro, William Rees (2014), diz que para evitar oColapso, é preciso seguir uma agenda de decrescimento sustentável e de relocalização da economia.
Mas o mundo está obnubilado pela noção de progresso. Porém, embora o mito do desenvolvimento ainda seja hegemônico, há cada vez mais pessoas pensando em uma vida mais simples, substituindo a competitividade e o consumismo por um ideal de prodigalidade, como propõe o modelo de simplicidade voluntária.
Como diz Chomsky: “É a primeira vez na história humana em que temos a capacidade para destruir as condições mínimas para sobrevivência decente. Já está acontecendo. Há espécies que estão sendo destruídas. Estima-se que vivemos destruição equivalente à de há 65 milhões de anos, quando um asteroide colidiu com a Terra, extinguiu os dinossauros e grande número de outras espécies. A destruição, hoje, é de nível equivalente àquele. De diferente, que o asteroide somos nós. Se alguém nos está vendo do espaço, deve estar atônito. Há setores da população global tentando impedir a catástrofe global. Outros setores tentam apressá-la. Veja bem quem são uns e outros: os que tentam impedir a catástrofe total são os que nós chamamos de primitivos, atrasados, populações indígenas – as Nações Originais no Canadá, os aborígenes australianos, pessoas que ainda vivem em tribos na Índia. E quem acelera a destruição? Os mais privilegiados, os chamados ‘avançados’, os letrados, as pessoas cultas e educadas do mundo” (Chris Hedges, 2014).
Ou seja, o progresso e o desenvolvimento humano tornaram-se as maiores ameaças à da natureza e à biodiversidade. O rumo atual da civilização é insustentável e a complexidade do atual modelo está aumentando os custos e reduzindo os benefícios, jogando a economia em uma grande armadilha, sem bases ambientais de sustentação.
Referências:
Joseph Tainter, The Collapse of Complex Societies, Cambridge University Press, 1988http://monoskop.org/images/a/ab/Tainter_Joseph_The_Collapse_of_Complex_Societies.pdf
Ugo Bardi. The Age of Diminishing Returns, Resilience, 18/04/2014http://www.resilience.org/stories/2014-04-18/the-age-of-diminishing-returns
John Michael Greer, Como caem as civilizações: uma teoria do colapso catabólico, 2005http://www.picodopetroleo.com.br/images/stories/COLAPSO/portugues/calapsocatabolico.pdf Richard Heinberg. The Gross Society: We’re Entering an Age of Energy Impoverishment, April 18, 2014 http://www.psmag.com/navigation/nature-and-technology/gross-society-entering-age-energy-impoverishment-79381/
Chris Martenson. The Next 20 Years Will Not Be Like the Last 20 Years, 22/06/2014 http://peakoil.com/generalideas/the-next-20-years-will-not-be-like-the-last-20-years
William Rees. Avoiding Collapse: An agenda for sustainable degrowth and relocalizing the economy, CCPA, 06/2014https://www.policyalternatives.ca/sites/default/files/uploads/publications/BC%20Office/2014/06/ccpa-bc_AvoidingCollapse_Rees.pdf
Gail Tverberg. Why Standard Economic Models Don’t Work–Our Economy is a Network, 23/06/2014 http://ourfiniteworld.com/2014/06/23/wy-standard-economic-models-dont-work-our-economy-is-a-network/#more-39066
Chris Hedges. Noam Chomsky, Sócrates dos EUA, 20/06/2014http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=12624
ALVES, JED. Ascensão e queda da civilização dos combustíveis fósseis, APARTE, IE/UFRJ, 28/03/2014http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/art_115_ascensao_e_queda_da_civilizacao_dos_combustiveis_fossei s_abr14.pdf
04 terça-feira ago 2015
Posted Anarcosindicalismo, Anarquia
inFonte: LSOC (Liga Sindical Operária Camponesa), em novembro de 2014
[TRECHO DO] PREFÁCIO DA IHS (INSTITUT D’HISTOIRE SOCIALE)
Em 13 de outubro de 1906, ao termo de um longo debate consagrado às “relações que devem existir entre as organizações econômicas e políticas do proletariado” (dito de outra maneira, entre os “sindicatos” e os “partidos”), o IXº Congresso da CGT adota uma “ordem do dia”, cuja importância política só iria crescer ao longo do tempo.
No mês de fevereiro de 1912, o diretor da revista Le MouvementSocialiste, Hubert Lagardelle, então muito próximo dos sindicalistas revolucionários, qualifica o texto de Amiens como a “Carta constitutiva do sindicalismo”, e o Congresso da CGT, reunido em Havre em setembro, o considera como expressão da “constituição moral da classe operária organizada”.
A seguir apresenta-se o texto da Carta de Amiens com a lista de delegados que a propuseram à votação do Congresso.
Informamos que a IHS-CGT publicou uma edição crítica do relatório integral do Congresso de 1906.
A Carta de Amiens
IXº Congresso da CGT
Amiens (8-13 de outubro de 1906)
O Congresso confederal de Amiens confirma o artigo 2, constitutivo da CGT;
A CGT agrupa, fora de toda escola política, todos os trabalhadores conscientes da luta dirigida pela desaparição do assalariado e do patronato…;
O Congresso considera que esta declaração é um reconhecimento da luta de classes que opõe, no terreno econômico, os trabalhadores em revolta contra todas as formas de exploração e de opressão, tanto materiais quanto morais, colocadas em prática pela classe capitalista contra a classe operária;
O Congresso reforça, através dos seguintes pontos, tal afirmação teórica:
Por obra da reivindicação cotidiana, o sindicalismo procura a coordenação dos esforços obreiros, o aumento do bem-estar dos trabalhadores através da realização de melhorias imediatas, tais como a diminuição das horas de trabalho, o aumento dos salários, etc.;
Mas esta tarefa não é senão um flanco da prática do sindicalismo; ele prepara a emancipação integral; que não pode realizar-se senão através da expropriação capitalista; preconiza como meio de ação a greve geral e considera que o sindicato, hoje agrupamento de resistência, será no porvir o agrupamento de produção e de repartição, base da organização social;
O Congresso declara que esta dupla tarefa, a cotidiana e a do porvir, decorre da situação de assalariado que pesa sobre a classe operária e que faz com que todos os trabalhadores, sejam quais forem suas opiniões ou tendências políticas e filosóficas, tenham o dever de pertencera este agrupamento essencial, que é o sindicato.
Como consequência, no que concerne aos indivíduos, o Congresso afirma a total liberdade do afiliado participar, fora do agrupamento corporativo, das formas de luta que bem corresponderem à sua concepção filosófica ou política, reservando-se à solicitar-lhe, em reciprocidade, que não introduza nos sindicatos as opiniões que professa fora deste;
No que concerne às organizações, o Congresso decide que a fim de que o sindicalismo atinja seu máximo efeito, a ação econômica deve-se exercer diretamente contra o patronato, as organizações confederadas não devem, enquanto agrupamentos sindicais, lidar com partidos e seitas que, fora dele e ao lado dele, podem perseguir com total liberdade a transformação social.
SIGNATÁRIOS:
Damos o nome tal e qual escrito na ata seguido entre colchetes do nome verdadeiro e localidade.
Marie [Marie François, trabalhador tipógrafo de la Seine] ;
Cousteau [Cousteau M., trabalhador jardineiro] ;
Menard [MénardLudovic, operário ardoseiro deTrélazé] ;
Chazeaud [Chazeaud Jules, caldeireiro, Lyon] ;
Bruon [Bruon C., construção] ;
Ferrier [Ferrier Louis, serralheiro, Grenoble] ;
Latapie [Latapie Jean, metalúrgico, Paris] ;
Médard [Médard Jean-Baptiste] ;
Merrheim [Merrheim Alphonse, metalúrgico] ;
Delesalle [Delesalle Paul, metalúrgico de instrumentos de precisão, Paris] ;
Bled [Bled Jules, jardineiro, Seine] ;
Pouget [Pouget Emile] ;
Tabard E. [Tabard Etienne, cocheiro entregador, Paris] ;
Bousquet A. [Bousquet Amédée, padeiro, Paris] ;
Monclard [padeiro, Marseille] ;
Mazau [Mazaud Jacques, cocheiro de trem de praça, Seine] ;
Braun [Braun Joseph, operário mecânico] ;
Garnery [GarneryAuguste, ourives, Seine] ;
Luquet [Luquet Alexandre, barbeiro, Paris] ;
Dret [Dret Henri, sapateiro, Paris] ;
Merzet [Merzet Etienne, mineiro, Saône-et-Loire] ;
Lévy [Lévy Albert, empregado] ;
Ader [Ader Paul, operário agrícola, Aude] ;
Yvetot [Yvetot Georges, tipógrafo, Seine] ;
Delzant [Delzant Charles, vidreiro, Nord] ;
H.Turpin [Turpin H., viaturas] ;
Robert [Robert Charles, curtidor de peles, Grenoble] ;
Bornet [Bornet Jules, lenhador, Cher] ;
Dhooghe, Têxtilde Reims [Dhooghe Charles, tecelão] ;
Roullier, Bolsa do Trabalho de Brest [Roullier Jules, eletricista, Finistère] ;
Richer, Bolsa do Trabalho de Mans [RicherNarcisse, trabalhador em sapatos] ;
Laurent L., Bolsa do Trabalho de Cherbourg [Laurent Léon] ;
Devilar, corretor de Paris [Devilar C.,] ;
Bastien, Têxtil de Amiens ;
Henriot, Allumettier, [Henriot H.] ;
Sauvage [moldador de metal] ;
Gauthier [Gautier Henri, caldeireiro, Saint-Nazaire].
Resultado da votação: Pró: 830 – Contra: 8 – Branco: 1
Tradução:
JxPx
P/L.S.O.C.
03 segunda-feira ago 2015
Posted Agroecologia, Anarco Ecologia, Anarquia Verde, Ecologia
inTecnologia Verde e Energia Renovável – O Mito da Sustentabilidade
A Sustentabilidade Está Destruindo a Terra – Kim Hill
01 sábado ago 2015
Posted Abolição do trabalho, Anarquia, Anti Capitalismo
inPor Bob Black
NINGUÉM JAMAIS DEVERIA TRABALHAR
O trabalho é a fonte de quase todos os sofrimentos do mundo.
Praticamente qualquer mal que se possa mencionar vem do trabalho
ou de se viver num mundo projetado para o trabalho.
Isso não significa que precisamos parar de fazer coisas. Significa criar um novo estilo de vida baseado na brincadeira; em outras palavras, uma revolução lúdica. Com “brincadeira”, quero dizer também festividade, criatividade, convívio, comensalidade e talvez até arte. Brincar é mais do que brincar como crianças, por mais que isso tenha seu valor. Eu clamo por uma aventura coletiva de alegria generalizada e exuberância livremente interdependente. Brincar não é algo passivo. Sem dúvida, precisamos de muito mais tempo do que temos agora para o ócio e a folga totais, independentemente de renda ou ocupação; mas, uma vez recuperados da exaustão causada pelo emprego, todos nós queremos agir.
A vida lúdica é totalmente incompatível com a realidade existente. Pior para a “realidade”, o buraco gravitacional que suga a vitalidade daquele pouco na vida que ainda a distingue da mera sobrevivência. Curiosamente – ou talvez não -, todas as velhas ideologias são conservadoras porque acreditam no trabalho. Algumas delas, como o marxismo e a maioria dos tipos de anarquismo, acreditam no trabalho ainda mais ferozmente porque acreditam em bem pouca coisa além dele.
Os liberais dizem que devemos acabar com a discriminação nos empregos. Eu digo que temos que acabar com os empregos. Os conservadores apóiam leis de direito ao trabalho. Seguindo o genro rebelde de Karl Marx, Paul Lafargue, eu apóio o direito à preguiça. Os esquerdistas são a favor de pleno emprego. Como os surrealistas – só que eu não estou brincando -, sou a favor do pleno desemprego. Os trotskistas fazem agitação em nome da revolução permanente. Eu faço agitação em nome do deleite permanente. Mas se todos os ideólogos (como de fato eles fazem) defendem o trabalho – e não apenas porque planejam fazer com que outros trabalhem por eles -, estranhamente eles relutam em dizer isso. Falam sem parar de salários, jornadas, condições de trabalho, exploração, produtividade, rentabilidade. Falam de tudo, menos do próprio trabalho. Esses especialistas, que se oferecem para pensar por nós, raramente divulgam suas conclusões sobre o trabalho, por mais que ele tenha relevância na vida de todos nós. Entre eles, esmiuçam os detalhes. Sindicatos e patrões concordam que devemos vender o auge de nossa vida em troca de sobrevivência, embora discordem quanto ao preço. Os marxistas acham que devemos ser comandados por burocratas. Os liberais acham que devemos ser comandados por homens de negócios. Às feministas não importa qual a forma de comando, contanto que as comandantes sejam mulheres. Está claro que esses traficantes de ideologias têm diferenças sérias sobre como dividir o espólio do poder. Também está claro que nenhum deles tem objeções ao poder em si, e todos querem nos manter trabalhando.
Você deve estar se perguntando se estou brincando ou falando sério. Estou brincando e falando sério. Ser lúdico não é ser ridículo. Brincadeiras não precisam ser frívolas, embora frivolidade não signifique trivialidade; muitas vezes, deveríamos levar frivolidade a sério. Eu gostaria que a vida fosse um jogo – mas um jogo de apostas elevadas. Eu quero jogar a sério.
A alternativa ao trabalho não é apenas inatividade. Ser lúdico não é estar quaalúdico(1). Por mais que eu valorize o prazer do torpor, ele nunca é mais recompensador do que quando pontua outros prazeres e passatempos. Tampouco estou promovendo a válvula de escape gerenciada e cronometrada chamada “lazer”, longe disso. O lazer é o não-trabalho em nome do trabalho. O lazer é o tempo gasto se recuperando do trabalho e na frenética, porém vã, tentativa de esquecer o trabalho. Muitas pessoas voltam tão esgotadas das férias que ficam ansiosas para voltar ao trabalho e poder descansar. A principal diferença entre o trabalho e o lazer é que trabalhando pelo menos você é pago por sua alienação e exasperação.
Não estou fazendo nenhum jogo retórico. Quando digo que abolir o trabalho, quero dizer exatamente isso – mas quero dar meu recado definindo termos de forma não-idiossincrátivas. Minha definição resumida de trabalho é o trabalho forçado, ou seja, a produção compulsória. Ambos os elementos são essenciais. O trabalho é a produção garantida por meios econômicos ou políticos, pela recompensa ou pela punição (um tipo de recompensa que é apenas a punição por outros meios). Mas nem toda criação é trabalho. O trabalho jamais é um fim em si mesmo, ele é feito em prol de algum produto ou resultado que o trabalhador (ou, mais freqüentemente, outra pessoa) obtém dele. É isso que o trabalho é, necessariamente. Defini-lo é despreza-lo. Mas o trabalho, em geral, é até pior do que sua definição determina. A dinâmica da dominação intrínseca ao trabalho tende, com o tempo, a se tornar mais elaborada. Em sociedades avançadas, empesteadas pelo trabalho, aí incluídas todas as sociedades industriais, tanto as capitalistas como as “comunistas”, o trabalho invariavelmente adquire outros atributos que acentuam a sua perversão.
De maneira geral – e isso é até mais verdadeiro nos países “comunistas” do que nos capitalistas, já que naqueles o Estado é quase o único empregador e todos são empregados -, trabalho é emprego, isto é, mão-de-obra assalariada, o que significa que você se vende a prestações. Portanto, 95% dos trabalhadores norte-americanos trabalham para alguém (ou algo). Em Cuba, na China ou em qualquer outro modelo alternativo que se possa citar, a cifra correspondente beira os 100%. Somente os bastiões camponeses do Terceiro Mundo – México, Índia, Brasil, Turquia -, que vivem um clima constante de guerra iminente, abrigam temporariamente concentrações significativas de agricultores que perpetuam o acordo tradicional da maioria dos trabalhadores nos últimos milênios, o pagamentos de impostos (= extorsão) ao Estado, ou de aluguel a latifundiários parasitas, para que eles os deixem em paz em outras questões. Até esse acordo perverso está começando a parecer mais interessante que aqueles que temos hoje no Primeiro Mundo. Todos os trabalhadores industriais e de escritório são empregados e submetidos a um tipo de vigilância que assegura a servilidade.
Mas o trabalho moderno tem implicações piores. As pessoas não só apenas trabalham, elas têm “empregos”. Uma pessoa desempenha uma única tarefa produtiva o tempo todo sob a ameaça de um “ou senão…” Mesmo quando a tarefa tem algo de intrinsecamente interessante (caso cada vez mais raros nos empregos) a monotonia de sua exclusividade obrigatória drena todo o potencial lúdico. Um “emprego” que poderia mobilizar a energia de algumas pessoas, por um tempo razoavelmente limitado e apenas por prazer, torna-se um fardo para aqueles que têm que faze-lo 40 horas por semana, sem voz ativa sobre como ele deve ser feito, para enriquecer proprietários que não contribuem em nada para o projeto, e sem oportunidade de compartilhar tarefas ou dividir o trabalho entre aqueles que realmente precisam fazê-lo. Esse é o verdadeiro mundo do trabalho: um mundo de incompetência burocrática, de assédio sexual e discriminação, de chefes cabeças-de-bagre explorando e fazendo de bodes expiatórios seus subordinados, os quais – por qualquer critério racional ou técnico – deveriam estar dando ordens. Mas o capitalismo, na realidade, subordina a maximização racional da produtividade e do lucro às exigências do controle organizacional.
A degradação que a maioria dos trabalhadores sofrem no emprego é a soma de indignidades variadas, que pode ser denominada “disciplina”. Foucault faz parecer complexo esse fenômeno, mas ele é bastante simples. A disciplina consiste na totalidade dos controles totalitários no local de trabalho – vigilância, tarefas repetitivas, ritmo de trabalho imposto, cotas de produção, horário para entrar e para sair e por aí vai. A disciplina é o que a fábrica, o escritório e a loja têm em comum com a prisão, a escola e o hospital psiquiátrico. É algo historicamente original e horripilante.
Estava além da capacidade de ditadores demoníacos de antigamente como Nero, Gêngis Khan e Ivã o Terrível. Mesmo com todas as suas más intenções, eles não dispunham de mecanismos para controlar seus súditos tão completamente quanto os déspotas modernos. A disciplina é o modo de controle moderno, distintamente diabólico – é uma intrusão inovadora que precisa ser contida na primeira oportunidade.
Assim é o “trabalho”. A brincadeira é exatamente o oposto. A brincadeira é sempre voluntária. O que poderia ser uma brincadeira se torna trabalho quando é forçado. Isso é um axioma. Bernie de Koven definiu brincadeira como a “suspensão de consequências”. Isso é inaceitável se implica que a brincadeira é inconseqüente. A questão não é que a brincadeira não têm consequências. isso é desvalorizar a brincadeira. A questão é que as consequências, quando existem, são gratuitas. Brincar e dar são ações bem próximas. São duas facetas – comportamental e transacional – do mesmo impulso: o instinto lúdico. Elas têm o mesmo desprezo aristocrático por resultados. Aquele que brinca obtém algo da brincadeira, e é por isso que brinca. Mas a recompensa central é a experiência da atividade em si (seja ela qual for). Alguns estudiosos das brincadeiras, até atentos para outros aspectos como Johan Huizinga (Homo Ludens), definem-nas como jogar, ou seguir regras. Eu respeito a erudição de Huizinga, mas rejeito enfaticamente essa limitação. Existem muitos bons jogos (xadrez, beisebol, Banco Imobiliário, bridge) que são regidos por regras, mas brincar é muito mais do que se divertir com jogos. A conversa, o sexo, a dança, as viagens – essas praticas não t6em regras, mas definitivamente são brincadeiras. E pode-se brincar com as regras tão facilmente quanto qualquer outra coisa.
O trabalho ridiculariza a liberdade. A versão oficial é que todos temos direitos e vivemos numa democracia. Outros desafortunados que não são livres como nós têm que viver em Estados policiais. Tais vítimas obedecem a ordens, por mais arbitrárias que sejam, ou sofrem as consequências. As autoridades as mantêm sob vigilância regular. Burocratas do Estado controlam até os menores detalhes do dia-a-dia. Os funcionários que as oprimem respondem apenas a seus superiores públicos ou particulares. De qualquer forma, a discordância e a desobediência são punidas. Informantes relatam tudo regularmente às autoridades. Tudo isso deve ser muito ruim.
E é mesmo, embora não seja nada mais do que uma descrição do local de trabalho contemporâneo. Os liberais, conservadores e libertários que se lamentam pelo totalitarismo são fingidos e hipócritas. Há mais liberdade em qualquer ditadura moderadamente “desestalinizada” do que num local de trabalho americano normal. Num escritório ou numa fábrica, encontra-se o mesmo tipo de hierarquia e disciplina que existe numa prisão ou num mosteiro. De fato, como Foulcault e outros demonstraram, prisões e fábricas forma criadas maios ou menos ao mesmo tempo, e seus operadores conscientemente emprestaram as técnicas de controle uns dos outros. Um trabalhador é um escravo em meio período. O chefe diz quando ele deve chegar, quando deve ir embora e o que deve fazer durante a jornada. Ele diz quanto trabalho alguém deve fazer, e com que rapidez. Tem liberdade para levar seu controle a extremos humilhantes, regulamentando, se assim desejar, o que alguém deve vestir ou com que frequência deve ir ao banheiro. Com poucas exceções, pode demitir alguém por qualquer motivo, ou sem motivo. Põe dedos-duros e supervisores para espionar as pessoas e acumula um dossiê para cada empregado. Retrucar é chamado de “insubordinação”, como se o trabalhador fosse uma criança malcriada, e não só leva à demissão da pessoa, como também impede que ela obtenha um seguro-desemprego. Sem necessariamente endossar a prática, vale ressaltar que crianças, em casa e na escola, recebem praticamente o mesmo tratamento, justificado, no caso delas, por sua suposta imaturidade. Que argumento usar no caso de seus pais e professores que trabalham?
O sistema de dominação humilhante que descrevi rege mais da metade das horas de vigília da maioria das mulheres e da grande maioria dos homens há décadas, durante a maior parte de sua vida. Para certos fins, não é muito enganador chamar nosso sistema de democracia, capitalismo ou -melhor ainda – industrialismo, mas seus verdadeiros nomes são fascismo de fábrica e oligarquia de escritório. Quem disser que essas pessoas são “livres” está mentindo ou é burro.
Você é o que você faz. Se você faz um trabalho chato, idiota ou monótono. O trabalho é uma explicação muito melhor para a crescente cretinização que nos cerca do que até mesmo mecanismos claramente imbecilizadores como a televisão e a educação. Pessoas que são arregimentadas por toda a vida, entregues ao trabalho pela escola e delimitadas pela família no início e pelo asilo no fim, estão acostumadas à hierarquia e escravizadas psicologicamente. Sua aptidão para a autonomia está tão atrofiada que o medo da liberdade está entre suas poucas fobias embasadas racionalmente O treinamento para a obediência no trabalho contamina as famílias que elas criam, gerando assim outras formas de reprodução do sistema, e contamina igualmente a política, a cultura e tudo o mais. quando se drena a vitalidade das pessoas no trabalho, elas ficam predispostas a se submeter à hierarquia e à especialização em tudo. Estão acostumadas a isso.
Estamos tão próximos ao mundo do trabalho que não conseguimos ver o que ele faz conosco. Temos que confiar em quem o vê de fora, de outras épocas e de outras culturas, para entender quão extrema e patológica é a nossa situação atual. Houve uma época, em nosso próprio passado em que a “ética do trabalho” teria sido incompreensível, e talvez Weber estivesse no rumo certo quando associou o aparecimento dessa ética em uma religião, o calvinismo, que, se tivesse surgido hoje e não há quatro séculos, teria sido imediatamente e adequadamente rotulada como seita. Seja como for, só precisamos usar a sabedoria da Antigüidade para pôr o trabalho em perspectiva. Os antigos viam o trabalho como o que ele é, e a visão deles prevaleceu, apesar dos fanáticos calvinistas, até ser deposta pelo industrialismo – mas não antes de receber a aprovação de seus profetas.
Vamos fingir por um momento que o trabalho não transforma as pessoas em submissos estulficados. Vamos fingir, desafiando qualquer psicologia plausível e a ideologia de seus propagadores, que ele não tem efeito algum na formação do caráter. E vamos fingir que trabalho não é chato, cansativo e humilhante como todos de fato sabemos que é. Mesmo assim, o trabalho ainda seria um insulto a todas as aspirações humanistas e democráticas, penas porque usurpa tanto de nosso tempo.
Sócrates dizia que trabalhadores braçais são maus amigos e maus cidadãos porque não tem tempo de cumprir as responsabilidades da amizade e da cidadania. Ele tinha razão. Por causa do trabalho, não importa o que estejamos fazendo, estamos sempre olhando para o relógio. A única coisa “livre” no chamado tempo livre é que ele é livre de custos para o chefe. O tempo livre é dedicado principalmente a se preparar para o trabalho. Tempo livre é um eufemismo para o modo peculiar como a mão-de-obra, como fator de produção, não apenas de transporta sozinha, à sua própria custa, de casa para o trabalho e do trabalho para casa, mas também assume primariamente a responsabilidade pela sua própria manutenção e conserto. O carvão e o aço não fazem isso. Tornos e máquinas de não fazem isso. Não admira que Edward G. Robinson, num de seus filmes de gângster, tenha exclamado: “Trabalho é para otário!”
Tanto Platão como Xenofonte atribuem a Sócrates e, obviamente, compartilham com ele a consciência dos efeitos destrutivos do trabalho sobre o trabalhador, como cidadão e como ser humano. Heródoto identificou o desprezo pelo trabalho como um atributo dos gregos clássicos no auge de sua cultura. Para citar apenas um exemplo romano, Cícero disse que “quem troca sua força de trabalho por dinheiro se vende e se coloca na classe dos escravos”. Tal franqueza é rara hoje em dia, mas as sociedades primitivas contemporâneas que gostamos tanto de menosprezar forneceram porta-vozes que iluminaram antropólogos ocidentais. Os Kapauku de Irian Ocidental(2), de acordo com Pospoli, têm uma noção de equilíbrio na vida e a seguem trabalhando apenas dia sim, dia não, sendo o dia de descanso “para recobrar energia e saúde perdidas”. Nossos ancestrais do século XVIII, já a meio caminho andado em direção ao dilema atual, ao menos tinham consciência do que nós esquecemos: o lado negativo da industrialização. Sua devoção religiosa à “Santa Segunda” – que estabeleceu, na prática, a jornada de cinco dias entre 150 e 200 anos antes de sua consagração legal – era o desespero dos primeiros proprietários de fábricas. Eles demoraram para se submeter à tirania da campainha, a precursora do relógio de ponto. De fato, durante uma ou duas gerações, foi necessário substituir homens adultos por mulheres, acostumadas a obediência, e crianças, que podiam ser moldadas para se adequar às necessidades industriais. Até os camponeses explorados do ancien régime
Para entender a enormidade da nossa deterioração, todavia, considere a condição humana mais primitiva, sem governo nem propriedade, quando vagávamos como caçadores-coletores. Hobbes supunha que a vida era, naquela época, suja, brutal e curta. Outros presumem que a vida era uma luta desesperada e incessante pela subsistência, uma guerra declarada contra uma natureza impiedosa, em que a morte e a calamidade esperavam os desafortunados ou todos os que não estivessem à altura do desafio da luta pela existência. Na verdade, tudo isso era uma projeção do medo do colapso da autoridade governamental em comunidades desacostumadas a existir sem ela, como a Inglaterra de Hobbes durante a Guerra Civil. Os compatriotas de Hobbes já haviam encontrado formas alternativas de sociedade, que ilustravam outros estilos de vida – na América do Norte, em particular -, mas elas já estavam longe demais da experiência deles para serem compreensíveis. (As camadas mais baixas, mais próximas da condição dos índios, as entendiam melhor e muitas vezes achavam atraentes. Durante todo o século XVIII, colonizadores ingleses desertaram para viver em tribos indígenas ou, quando capturados em guerra, recusavam-se a voltar para as colônias. Já os índios desertavam para ir viver em assentamentos dos brancos com a mesma frequência com que alemães ocidentais escalavam o muro de Berlim vindos do lado ocidental.). A versão da “sobrevivência dos mais aptos” – a de Thomas Huxley – do darwinismo descrevia melhor as condições econômicas da Inglaterra vitoriana do que a seleção natural, como o anarquista Kropotkin demonstrou em seu livro Apoio Mútuo (Kropotikin era um cientista – geógrafo – que havia tido uma oportunidade grande e involuntária de fazer um trabalho de campo ao ser exilado na Sibéria; ele sabia o que estava dizendo). Como na maior parte da teoria social e política, a história que Hobbes e seus sucessores contavam era, na verdade, uma autobiografia não reconhecida.
O antropólogo Marshall Sahlins, pesquisando dados sobre caçadores-coletores contemporâneos, desbancou o mito hobbesiano em um artigo intitulado “The Original Affluent Society” (“Idade da Pedra, Sociedade da Abundância”). Eles trabalham muito menos do que nós, e o trabalho deles é difícil de distinguir do que nós consideramos brincadeira. Sahlins concluiu que “caçadores e extrativistas trabalham menos do que nós, e, em vez de ser uma atribulação contínua, a busca de alimento é intermitente, o lazer é abundante e há uma quantidade maior de sono diurno per capita por ano do que em qualquer outra condição de sociedade”. Eles trabalhavam em média quatro horas por dia, isso se estavam mesmo “trabalhando”. O “trabalho” deles, como nós o vemos, era especializado e exercitava suas capacidades físicas e intelectuais; o uso de mão-de-obra não-especializada em grande escala, como Sahlins diz, é impossível fora do industrialismo. Portanto, ele satisfazia a definição de brincadeira criada por Friedrich Schiller – como sendo a única ocasião em que o homem realiza sua completa humanidade pondo “em jogo” ambos os lados de sua natureza bilateral, pensar e sentir. Como ele disse: “O animal trabalha quando a privação é a motivação de sua atividade e brinca quando a plenitude de sua força é essa motivação, quando a vida superabundante é seu próprio estimulo à atividade”. (Uma versão moderna – e dubiamente desenvolvimentista – é a contraposição de Abraham Maslow entre motivação “para deficiência” e “para crescimento”.) A brincadeira e a liberdade são, em relação à produção, co-extensivas. Até Marx, que figura (por mais que tenha boas intenções) no panteão produtivo, observou que “o reino da liberdade começa apenas quando o ponto em que o trabalho, sob a compulsão da necessidade e da utilidade externa, for ultrapassado”. Ele não chegou a ser capaz de identificar esta feliz circunstância, a abolição do trabalho, como o que ela é – é um tanto anormal, afinal, ser a favor dos trabalhadores e contra o trabalho. Mas nós podemos fazê-lo.
A aspiração de regredir ou progredir para uma vida sem trabalho é evidente em qualquer história social ou cultural séria da Europa pré-industrial, entre elas England in Transition, de M. Dorothy George, e Cultura Popular na Idade Moderna, de Peter Burke. Pertinente, também, é o ensaio de Daniel Bell “O trabalho e Seus Descontentamentos”. Foi o primeiro texto, creio eu, a se referir à “revolta contra o trabalho” com todas as letras e que, se tivesse sido entendido, teria sido uma importante correção da complacência normalmente associada ao livro no qual se encontra, O Fim da Ideologia. Nem seus críticos nem seus entusiastas notaram que a tese de Bell para o fim da ideologia não sinalizava o fim da turbulência social, mas o início de uma fase nova e não mapeada, não limitada e não formada pela ideologia. Foi Seymour Lipset (em O Homem Político, não Bell, quem anunciou, na mesma época, que os “problemas fundamentais da Revolução Industrial forma resolvidos”, apenas alguns anos antes de que os descontamentos pós ou meta-industriais dos estudantes universitários o levassem a trocar a Universidade da Califórnia em Berkley pela relativa (e temporária) tranqüilidade em Havard.
Como Bell nota, mesmo com todo entusiasmo de Adam Smith pelo mercado e pela divisão de trabalho, ele mostra em A Riqueza das Nações que estava mais alerta para (e era mais honesto sobre) o lado espinhoso do trabalho do que Ayn Rand, os economistas de Chicago ou qualquer um dos imitadores baratos do próprio Smith na atualidade. Como ele observou: “O entendimento da maioria dos homens é formado necessariamente por seus empregos comuns. O homem que passa a vida desempenhando umas poucas operações simples […] não tem ocasião de exercer o seu entendimento. […] Em geral, ele se torna tão estúpido e ignorante quanto é possível para uma criatura humana”. Aí, em poucas palavras, está a minha crítica ao trabalho. Bell, escrevendo em 1956, na Era de Ouro da imbecilidade de Eisenhower e da auto-indulgência americana, identificou o desorganizado e inarticulável mal-estar da década de 70 e das seguintes, aquele que nenhuma tendência política é capaz de dominar, aquele identificado no relatório do Departamento Americano de Saúde, Educação e Bem-Estar Social, “Work In America”, aquele que não pode ser explorado e que, portanto, é ignorado. Esse problema é a revolta contra o trabalho. Ele não aparece nos textos de nenhum economista do Laissez-faire – Milton Friedman, Murray Rothbard, Richard Posner – porque, nos termos deles, como se dizia em Perdidos no Espaço, “não tem registro”.
Se tais objeções modeladas pelo amor à liberdade, não convencem humanistas de visão utilitária ou até mesmo paternalista, há outras que eles não podem ignorar. O trabalho faz mal à saúde, para tomar emprestado o título de um livro. De fato, trabalho é extermínio em massa ou genocídio. Direta ou indiretamente, o trabalho vai matar as maiorias das pessoas que lêem estas palavras. Entre 14 mil e 25 mil trabalhadores são mortos anualmente, neste país, no trabalho. Mais de 2 milhões ficam inválidos. Vinte a 25 milhões se ferem todo ano. E essas cifras se baseiam numa estimativa bastante conservadora do que constitui um acidente de trabalho. Portanto, ela não contabiliza o meio milhão de casos de doenças ocupacionais por ano. Eu consultei um texto médico sobre doenças ocupacionais que tinha 1.200 páginas. Ele mesmo mal arranhava a superfície. As estatísticas disponíveis contabilizam casos óbvios, como os 100 mil mineiros que contraem pneumoconiose, dos quais 4 mil morrem todo ano. O que as estatísticas não mostram é que dezenas de milhões de pessoas têm suas vidas encurtadas pelo trabalho – o que é a definição de homicídio, no fim das contas. Considere os médicos na casa dos 50 anos que se matam de trabalhar. Considere todos os outros workaholics.
Mesmo que você não morra ou fique aleijado enquanto trabalha, isso pode muito bem acontecer enquanto você vai para o trabalho, volta do trabalho, procura trabalhoou tenta esquecer o trabalho. A grande maioria das vítimas dos desastres de automóvel se acidenta enquanto cumpre uma das atividades impostas pelo trabalho, ou então é morta por alguém que desempenha uma delas. A essa contagem adicional de mortos devem ser somados as vítimas da poluição da industria automobilística e do alcoolismo e da dependência de drogas induzidos pelo trabalho. Tanto o câncer como as doenças cardíacas são males modernos normalmente causados pelo, direta ou indiretamente, pelo trabalho.
O trabalho, portanto, institucionaliza o homicídio como um meio de vida. Todos acham que os cambojanos eram loucos por se exterminarem, mas por acaso somos diferentes? O regime de Pol Pot pelo menos tinha uma visão, ainda que embaçada, de uma sociedade igualitária. Nós matávamos pessoas às centenas de milhares (no mínimo) para vender Big Macs e Cadillacs aos sobreviventes. Nossas 40 ou 50 mil fatalidades anuais nas estradas são vítimas, não mártires. Elas morreram a troco de nada – ou melhor, morreram pelo trabalho. Mas não vale a pena morrer pelo trabalho.
O controle da economia pelo Estado não é a solução. O trabalho, na melhor das hipóteses, é mais perigoso nos países socialistas do que aqui. Milhares de trabalhadores russos foram mortos ou feridos construindo o metrô de moscou. Chernobyl e outros desastres nucleares acobertados até recentemente fazem Times Beach(3) e Three mile island(4) – mas não Bhopal(5) – parecerem um treinamento antiaéreo numa escola primária. Por outro lado, a desregulamentação da economia, atualmente na moda, não vai ajudar e provavelmente vai atrapalhar. Do ponto de vista da saúde a da segurança, entre outros, o trabalho teve seu pior momento nos dias em que a economia se aproximava mais do laissez-faire. Historiadores como Eugene Genovese argumentavam de forma convincente que – como os defensores do escravagismo insistiam na Pré-Secessão – operários assalariados nos estados americanos do Norte e na Europa viviam pior do que os escravos nas fazendas do Sul. Nenhuma reconfiguração das relações com a entrada em cena de burocratas e homens de negócios parece fazer muita diferença no momento da produção. A implementação séria até padrões um tanto vagos, que a Administração Americana de Segurança e Saúde Ocupacionais teoricamente poderia pôr em vigor, provavelmente levaria a economia a um impasse. Os agentes da lei, aparentemente, têm consciência disso, já que nem tentam flagrar a maioria dos malfeitores.
O que eu disse até agora não deveria causar controvérsias. Muitos trabalhadores estão fartos do trabalho. Há índices altos e crescentes de faltas, rotatividade, furtos e sabotagens, greves anárquicas e corpo mole em geral no trabalho. Pode algum movimento rumo a uma consciente, e não apenas visceral, rejeição do trabalho. E, no entanto, a sensação que prevalece, universal entre chefes e seus agentes e também difundida entre os próprios trabalhadores, é que o trabalho é inevitável e necessário.
Eu discordo. Agora é possível abolir o trabalho e substituí-lo, nos casos em que ele tem finalidades úteis, por uma variedade de novos tipos de atividades livres. Abolir o trabalho requer atacá-lo em duas frentes, a quantitativa e a qualitativa. Por um lado, o lado quantitativo, precisamos cortar de forma maciça a quantidade de trabalho que está sendo feito. Atualmente, a maior parte do trabalho é inútil ou coisa pior, e deveríamos simplesmente acabar com ela. Por outro lado – e acho que essa é a parte crucial e a novidade revolucionária -, precisamos pegar o trabalho que permanece útil e transformá-lo em uma variedade de passatempos lúdicos e artesanais, indistiguiveis de outros passatempos prazerosos exceto pelo fato de que resultam em produtos finais úteis. Certamente isso não os deveria tornar menos atraentes. Aí, todas as barreiras artificiais do poder e da propriedade poderiam cair. A criação poderia tornar recreação. E todos poderíamos parar de sentir medo um dos outros.
Não estou sugerindo que a maior parte do trabalho possa ser salva dessa forma. Mas, também, a maior parte do trabalho nem vale o esforço. Somente uma pequena e cada vez menor fração do trabalho tem qualquer propósito útil, independentemente da defesa e da reprodução do sistema trabalhista e de seus apêndices políticos legais. Trinta anos atrás, Paul e Percival Goodman estimavam que apenas 5% do trabalho então realizado – presume-se que essa cifra, se estava certa, deva ser mais baixa agora – satisfaria nossas necessidades mínimas de alimentos, vestimenta e moradia. Era apenas uma estimativa ponderada, mas o argumento centra é bem claro: direta ou indiretamente, a maior parte do trabalho atende aos propósitos improdutivos do comércio e do controle social. De cara, já podemos libertar dezenas de milhões de vendedores, soldados, gerentes, policiais, corretores de ações, sacerdotes, advogados, professores, senhorios, seguranças, publicitários e todos que trabalham para eles. Há um efeito bola de neve, já que, toda vez que se põe algum figurão para descansar, seus lacaios e subalternos também são libertados. Assim, a economia implode.
Quarenta por cento da força de trabalho é formada por trabalhadores de colarinho branco, a maioria dos quais tem alguns dos empregos mais tediosos e idiotas que já foram criados. Ramos inteiros, como o securitário, o bancário e o imobiliário, por exemplo, consistem em nada mais do que o gerenciamento da papelada inútil. Não é por acaso que o “setor terciário”, o de serviços, está crescendo, enquanto o “setor secundário” (a indústria) está estagnado, e o “setor primário” (a agricultura) quase desaparece. Como o trabalho só é necessário àqueles cujo poder ele garante, trabalhadores são transferidos de ocupações relativamente úteis para outras relativamente inúteis, como medida para garantir a ordem pública. Qualquer coisa é melhor do que nada. Por isso você não pode ir para casa só porque terminou o serviço mais cedo. Eles querem o seu tempo em medida suficiente para se apoderar de você, mesmo quando não têm necessidade da maior parte dele. Senão, por que a jornada semanal média não diminuiu mais do que alguns minutos nos últimos 60 anos?
A seguir, podemos passar o facão na produção propriamente dita. Chega de indústria bélica, energia nuclear, junk food, desodorante íntimo feminino – e, sobretudo, chega de indústria automotiva. Um Stanley Steamer ou um modelo T(6) ocasionais são até aceitáveis, mas o auto-erotismo do qual dependem pocilgas como Detroit e Los Angeles está fora de cogitação. De cara, sem nenhum esforço, virtualmente resolvemos a crise de energia, a crise ambiental e outros variados problemas ambientais insolúveis.
Finalmente, precisamos acabar com aquela que é de longe a ocupação com mais funcionários, com a jornada mais longa, o salário mais baixo e algumas das tarefas mais tediosas que existem. Refiro-me às donas de casa que fazem o trabalho doméstico e criam filhos. Abolindo o trabalho assalariado e alcançando o pleno desemprego, sabotamos a divisão sexual do trabalho. O núcleo familiar que conhecemos é uma adaptação inevitável à divisão do trabalho imposta pelo trabalho assalariado moderno. Gostando ou não, do jeito que as coisas estiveram nos últimos 100 ou 200 anos era racional, do ponto de vista econômico, que o homem sustentasse a família, que a mulher de matasse no fogão e no tanque e proporcionasse ao marido um porto seguro num mundo desalmado. Também fazia sentido que as crianças marchassem para os campos de concentração juvenis chamados “escolas”, sobretudo para saírem da barra da saia da mamãe – mas de forma que ainda fossem mantidas sob controle – e, de forma secundária, também para que adquirissem os hábitos de obediência e pontualidade tão necessários aos trabalhadores. Se quiser se livrar do patriarcado, livre-se do núcleo familiar, cujo “trabalho invisível”(7) não-remunerado, como diz Ivan Illich, possibilita o sistema de trabalho que torna a família necessária. Ligadas a essa estratégia antinuclear estão a abolição da infância e o fechamento das escolas. Há mais estudantes em período integral do que trabalhadores em período integral neste país. Precisamos das crianças como professoras, não como alunas. Elas têm muito a contribuir para a revolução lúdica porque sabem brincar melhor do que os adultos. Adultos e crianças não são idênticos, mas vão se tornar iguais por meio da interdependência. Somente a brincadeira pode acabar com o conflito de gerações.
Eu ainda nem mencionei a possibilidade de diminuir bastante o pouco trabalho que resta automatizando-o e tornando-o cibernético. Todos os cientistas, engenheiros e técnicos libertados das preocupações com a pesquisa bélica e a obsolência progamada vão se divertir pensando em meios para eliminar a fadiga, o tédio e o perigo de atividades como mineração. Sem dúvida, eles encontraram outros projetos para ocupar seu tempo. Talvez montem um sistema mundial realmente inclusivo de comunicação multimídia ou fundem colônias espaciais. Talvez. Pessoalmente, não sou louco por bugigangas. Eu não gostaria de viver em um paraíso de botões. Não quero robôs escravos que façam tudo; quero eu mesmo fazer as coisas. Existe, penso eu, lugar para uma tecnologia que economize trabalho, mas um lugar modesto. Os antecedentes históricos e pré-históricos não são muito animadores. Quando a tecnologia produtiva passou da caça e do extrativismo para a agricultura e depois para a indústria, o trabalho aumentou, enquanto as habilidades e a autodeterminação diminuíram . A evolução ulterior do industrialismo acentuou o que Harry Braverman chamou de degradação do trabalho. Observadores inteligentes sempre tiveram consciência disso. John Stuart Mill escreveu que todas as invenções para poupar trabalho já criadas nunca pouparam um único momento de trabalho. Karl Marx escreveu que “seria possível escrever uma história das invenções, surgidas desde 1830, com a finalidade exclusiva de fornecer ao capital armas contra a revolta da classe trabalhadora”. Os técnofilos entusiastas – Saint-Simon, Comte, Lênin, B. F. Skinner – sempre foram também autoritários desavergonhados, ou seja, técnocratas. Deveríamos ser mais do que céticos em relação às promessas dos místicos do computador. Eles trabalham feitos burros de carga; provavelmente, se lhes dermos poder, trabalharemos como eles. Porém, se eles tivessem quaisquer contribuições particulares mais prontamente subordinadas aos propósitos humanos do que à corrida tecnológica, Vamos ouvi-los.
O que eu realmente quero ver é o trabalho virar brincadeira. Um primeiro passo é descartar as noções de “emprego” e “ocupação”. Até atividades que já têm algum conteúdo lúdico perdem a maior parte dele ao serem reduzidas a empregos que certas pessoas, e somente aquelas pessoas, são forçadas a fazer, excluindo todo o resto. Não é estranho que trabalhadores agrícolas labutem dolorosamente nos campos, enquanto seus patrões saem do ar-condicionados de seus escritórios todo fim de semana para fuçar nos jardins de suas casas? Num sistema de deleite permanente, vamos testemunhar uma Era de Ouro do diletantismo que vai pôr o Renascimento no chinelo. Não haverá mais empregos, apenas coisas a serem feitas e pessoas para fazê-las.
O segredo de transformar o trabalho em brincadeira, como Charles Fourier demonstrou, é agendar as atividades úteis para tirar vantagens das coisas que várias pessoas, em vários momentos, de fato gostam de fazer. Para que seja possível que algumas pessoas façam coisas de que poderiam gostar, será suficiente erradicar as irracionalidades e distorções que sobrecarregam tais atividades quando elas são reduzidas a trabalho. Eu, por exemplo, gostaria de dar algumas ( não muitas) aulas, mas não quer o estudantes forçados e não estou afim de bajular pedantes patéticos por uma cadeira.
Segundo, há coisas que as pessoas gostam de fazer de vez em quando, mas não por muito tempo, e certamente não tempo todo. Você pode até gostar de cuidar de crianças por algum tempo para curtir a companhia delas, mas não tanto tempo quanto os pais. Os pais, por sua vez, ficariam profundamente gratos pelo tempo livre que você lhes proporcionaria, embora possam ficar nervosos se passarem tempo demais longe de seus rebentos. Essas diferenças entre indivíduos são o que torna uma vida de brincadeiras livres. O mesmo princípio se aplica a muitas outras áreas de atividade, especialmente as mais primitivas. Assim, muita gente gosta de cozinhar quando pode fazer isso a sério e a seu bel-prazer, mas não quando está apenas abastecendo corpos humanos para o trabalho.
Terceiro – se tudo o mais estiver de acordo – certas coisas que são insatisfatórias se você as faz sozinho, em ambientes desagradáveis, ou sob o comando de um superior, são prazerosas, ao menos por algum tempo, quando tais circunstâncias mudam. Isso provavelmente se aplica, em alguma medida, a qualquer trabalho. As pessoas usam sua genialidade tão desperdiçada para transformar em jogo as tarefas menos convidativas da melhor forma que podem. Atividades que atraem alguns nem sempre atraem todos os outros, mas todos, ao menos potencialmente, têm uma variedade de interesses e um interesse pela variedade. Como diz o ditado, “tudo pelo menos uma vez”. Fourier era mestre em especular sobre como pendores aberrantes e perversos poderiam se tornar úteis em sociedades pós-civilizadas, no que ele chamava de Harmonia. Ele achava que o ditador Nero teria sido um bom sujeito se, quando criança, pudesse ter extravasado seu gosto pela carnificina trabalhando num abatedouro. Crianças que notoriamente adoram rolar na sujeira poderiam ser organizados em “pequenas hordas” para limpar banheiros e esvaziar o lixo, com medalhas para quem se destacasse. não estou defendendo exatamente esses exemplos, mas o princípio subjacente, que para mim faz todo o sentido como dimensão de uma transformação revolucionária geral. Tenha em mente que não precisamos pegar o trabalho que existe hoje, tal como é, e associá-lo às pessoas adequadas, algumas das quais teriam que ser de fato perversas.
Se a tecnologia tem um papel em tudo isso, é menos o de automatizar o trabalho até fazê-lo desaparecer e mais o de abrir novos campos para “recriação”. Até certo ponto, podemos querer retroceder ao artesanato, o que Willliam Morris considera um provável de desejável efeito da revolução comunista. A arte seria tirada das mão dos esnobes e colecionadores, abolida como departamento especializado que atende a um público de elite, e suas qualidades de beleza e criação seriam devolvidas à vida integral, da qual foram roubadas pelo trabalho. É esclarecedor pensar que as urnas gregas que inspiram odes e que exibimos em museus foram usadas, em sua época, para armazenar óleo de oliva. Duvido que nossos artefatos do dia-a-dia se saiam tão bem no futuro, se ele chegar a existir. A questão é que não existe progresso no mundo do trabalho; na verdade é o contrário. Não deveríamos hesitar em furtar o passado no que ele tem a oferecer: os antigos nada perdem, e nós enriquecemos.
A reinvenção do cotidiano significa marchar para além dos limites dos nossos mapas. Existe, é verdade, mais especulação sugestiva do que a maioria imagina. Além de Fourier e Morris – e até sugestões , aqui e ali, em Marx – há os textos de Kropotkin, dos sindicalistas Pataud e Pouget, dos velhos (berkman) e novos (Bookchin) anarco-comunistas. Communitas, dos irmãos Goodman, é exemplar para ilustrar as formas que decorrem de funções específicas (propósitos), e há algo a ser aproveitado nos arautos muitas vezes nebulosos da tecnologia alternativa/adequada/intermediária/de convívio, como Schumacher, e especialmente Illich, depois que desligamos suas maquinas de fazer fumaça. Os situacionistas – representados em A Arte de Viver Para as Novas Gerações de Vaneigem, e na Internacional Situacionista – Antologia – são tão impiedosamente lúcidos que chegam a entusiasmar, embora nunca tenham condicionado o apoio às regras dos conselhos de trabalhadores e à abolição do trabalho. Melhor a incongruência deles, entretanto, do que qualquer versão existente de esquerdismo, cujos devotos pretendem ser os últimos campeões do trabalho, ja que sem trabalho não haveria trabalhadores, e, sem trabalhadores, quem restaria para a esquerda se organizar?
Portanto, os abolicionistas estarão praticamente por conta própria. Ninguém pode dizer no que resultará liberar a energia criativa embotada pelo trabalho. Tudo pode acontecer. O cansativo problema do debate entre liberdade e necessidade, com suas nuances teológicas, se resolve na prática quando a produção de valores de uso é coextensiva à fruição de atividades lúdicas deliciosas.
A vida se tornará um jogo, ou melhor, muitos jogos, mas não um jogo sem resultados como é agora. Um encontro sexual bem-sucedido é o paradigma da atividade produtiva. Os participantes potencializam os prazeres um do outro, ninguém faz pontos e todos ganham. Quanto mais você dá, mais você recebe. Na vida lúdica, o melhor do sexo vai se diluir na melhor parte do cotidiano. A brincadeira generalizada leva à libidinização da vida . O sexo, por sua vez, poderá se tornar menos urgente e desesperado, e mais lúdico. Se jogarmos as cartas certas, todos poderemos obter mais da vida do que colocamos nela; mas só se jogarmos a sério.
Trabalhadores do mundo… relaxem!
Este ensaio surgiu como discurso em 1980. Uma versão revista e ampliada foi publicada
como panfleto em 1985, e na primeira edição de Abolition of Work and Other Essays (Loopanics
Unlimited, 1986). Ele também apareceu em muitos periódicos e antologias, entre eles traduções em
francês , alemão , italiano, holandês, e esloveno.
Notas: 1-Quaalude é um dos nomes comerciais da metaqualona, substância utilizada como tranqüilizante, de efeito sedativo e hipnótico. Seu uso como droga era bem difundido nos anos 60 e 70. (N.E.)
2- Parte ocidental da Nova Guiné, que esta sob controle da Indonésia. (N.E.)
3-Cidade nos EUA que foi contaminada por dioxina, uma substância tóxica, durante os anos 70, e teve que ser completamente evacuada em 1982 (N.E.)
4-Outra cidade norte-americana, sede de uma usina que sofreu um princípio de acidente nuclear em 1979. (N.E.)
5- Cidade da Índia, que em dezembro de 1984, foi contaminada por 40 toneladas de gazes tóxicos, devido a um vazamento na fábrica de agrotóxicos norte-americana Union Carbide Corporation. O episódio, que matou quase 30 mil pessoas e feriu meio milhão , é considerado o pior acidente industrial da história.(N.E.)
6-Automóveis do início do século XX. O Stanley Steamer foi um dos últimos modelos movidos a vapor e o Modelo T foi o primeiro automóvel produzido em série por John Ford. (N.E.)
7-“Shadow Work”, no original. Título de um livro de Ivan Illich, de 1981. (N.E.)
conseguiam arrancar uma quantidade considerável de tempo do controle dos senhores feudais. De acordo com Lafargue, um quarto do calendário dos camponeses franceses era devotado a domingos e dias santos e as cifras de Chayanov referentes a aldeias da Rússia Czarista – que não era nenhuma sociedade progressistas – mostram igualmente que entre um quarto e um quinto dos dias do camponeses eram devotados ao descanso. Controlando em nome da produtividade, obviamente, ficamos muito atrás dessas sociedades retrógradas. Os Mujiques explorados se perguntariam por que ainda trabalhamos. É uma pergunta que também deveríamos nos fazer.
01 sábado ago 2015
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Anarco ecologia, anarco primitivismo, anarquia verde, Anti Capitalismo, Anti Consumismo, ecologia, Sustentabilidade
Por Joshua Headley – Deep Green Resistance New York
“Sustentabilidade” é uma palavra de ordem que está presente em quase todos os círculos de justiça ambiental e social hoje em dia. Quanto mais frequentemente ela é usada, mais raramente aqueles que a usam articulam o que estão defendendo. E sendo o termo aplicado de forma compulsiva, e ao mesmo tempo de forma indefinida, ele torna impossível que nossos movimentos sejam capazes de definir e concretizar objetivos, muito menos avaliar as estratégias e táticas que empregamos para alcançá-los.
Sob a superfície, os movimentos pela sustentabilidade têm se tornado predominantemente espaços onde sensibilidades bem-intencionadas são transformadas em gestos vazios e regurgitações de ideais desarticulados por mera obrigação para com nossa identidade como “ambientalistas” e “ativistas”. Falamos de “sustentabilidade” porque se não falarmos disso, a nossa legitimidade e nosso trabalho seriam completamente desacreditados. Mas tão destrutivo quanto não falar sobre essa palavra, também é não defini-la corretamente.
Quando não articulamos nós mesmos os nossos ideais, não apenas permitimos que os outros nos definam, mas também damos espaço para que premissas destrutivas continuem incontestadas. O verniz da maioria dos movimentos de sustentabilidade ambiental começa a definhar quando reconhecemos que a maioria de suas premissas básicas essencialmente imita exatamente as forças as quais alegam se opor.
Substitutividade Infinita
Atualmente, a cultura dominante baseia-se em várias premissas – seja a crença no crescimento infinito e no progresso, o mito das proezas tecnológicas e da superioridade humana, ou até mesmo a noção de que esta cultura é a forma mais bem sucedida, avançada e igualitária de vida que já existiu.
Essas premissas muitas vezes se combinam para formar a base da crença ideológica na substitutividade infinita – a crença de que quando ocorre uma crise, nosso ingenuidade e criatividade humana sempre será capaz de nos salvar, substituindo nossos recursos e sistemas em desintegração por outros novos.
E, de modo geral, a maioria de nós aceita isso como verdade e nunca questiona ou se opõe à introdução de novas tecnologias/recursos em nossas vidas. Nós nunca questionamos a quem estas tecnologias/recursos beneficiam realmente ou quais podem ser seus efeitos materiais. Nós nunca nos perguntamos por que precisamos de novas tecnologias/recursos e nunca pensamos sobre quais são os problemas que elas pretendem resolver ou, mais precisamente, esconder por completo.
A grande barreira para chegar a estas perguntas é o fato de que a maioria de nós se identifica com este processo mesmo apesar do fato de que ele está causando a nossa própria expropriação. A cultura da alta-energia/alta-tecnologia produziu uma dependência multi-geracional pela capacidade desta cultura de “progredir” de uma tecnologia/recurso para outro, de uma crise para outra. Sem esse processo contínuo, a nossa cultura e todo o nosso modo de viver no mundo de hoje entraria em colapso e seria incapaz de existir.
Não seria a própria presença desta cultura um testemunho ideologia? O que é o progresso da civilização senão a substituição (forçada) de outras culturas pela dela? A substituição da diversidade biológica e cultural pela assimilação por meio da monocultura?
O caminho do progresso é o caminho da substituição infinita de culturas, tecnologias, recursos, espécies e ecossistemas inteiros para a manutenção de uma forma específica de vida, para uma determinada espécie – humanos. Em apenas algumas centenas de anos a civilização industrial deu a volta ao mundo e destruiu sistematicamente o próprio tecido da vida que torna possível sua existência.
Povos, línguas, culturas, histórias, histórias, artefatos, medicamentos, ferramentas, relacionamentos, espécies e ecossistemas foram inteiramente conquistados, destruídos e apagados para dar espaço e prioridade para a monocultura de violência, exploração, dominação e crescimento sem fim – tudo isso sob o pressuposto de que este é, progressivamente, o melhor que podemos fazer como seres humanos inteligentes.
Vamos entender como essa cultura e as suas classes dominantes perseguem o princípio da substitutividade infinita com propósitos de “sustentabilidade”. Para manter nosso padrão de vida, para sustentar o progresso e crescimento, e para sustentar a economia industrial. O princípio baseia-se na premissa de que se investirmos nossos recursos atuais em pesquisa e desenvolvimento de alternativas podemos resolver todos os problemas relacionados com a escassez de energia e de matérias-primas, infinitamente – não há limite para a criatividade e para a ingenuidade humana quando se trata de resolver problemas.
Um dos maiores problemas deste princípio, apesar do título, é que é, na verdade, difícil de aplicá-lo infinitamente. Como é discutido em O Colapso de Sociedades Complexas de Joseph Tainter, a margem de custos de pesquisa e desenvolvimento tem crescido tanto que é questionável se a inovação tecnológica será capaz de contribuir para a solução de problemas futuros tanto quanto foi capaz de solucionar os problemas passados.
“Considere, por exemplo, o que será necessário para resolver os problemas de alimentação e poluição. Meadows e seus colegas observaram que, para aumentar a produção de alimentos em 34 por cento de 1951 até 1966 foram necessários aumentos de 63 por cento em gastos com tratores, de 146 por cento em fertilizantes à base de nitrato e 300 por cento em pesticidas. O próximo 34 por cento de aumento na produção de alimentos exigiria ainda maiores quantidades de capital e recursos. O controle da poluição mostra um padrão similar. A remoção de todos os resíduos orgânicos de uma fábrica de processamento de açúcar custa 100 vezes mais do que a remoção de 30 por cento. A redução 9,6 vezes de dióxido de enxofre no ar de uma cidade dos Estados Unidos, ou de 3,1 vezes de particulados, eleva o custo do controle em 520 vezes”. [1]
E já vemos a maior parte disso dentro da indústria de combustíveis fósseis. Desde 2005 a produção mundial de petróleo e gás convencionais estagnou – e já começou até mesmo a diminuir em muitas partes do mundo. Isto forçou a indústria a substituir os métodos convencionais de produção de petróleo e gás por métodos “não convencionais” extremamente destrutivos, o que não só aumentou significativamente a quantidade de gastos necessários para a produção, mas também aumentou os seus riscos e impactos ambientais.
Com isso, temos que perfurar cada vez mais fundo em busca dos recursos mais difíceis de alcançar, e que também são mais sujos e menos desejáveis do que seus antecessores, que exigem cada vez mais processamento e desenvolvimento para que o produto final possa ser vendido no mercado e utilizado em nosso dia a dia. Os custos, econômicos e ecológicos, estão subindo rapidamente e os retornos sobre esses investimentos são marginalmente menores do que suas contrapartes convencionais. Eventualmente, a busca destes recursos não será mais economicamente viável, e assim, mais gastos serão dedicados à pesquisa e desenvolvimento de mais uma alternativa a um custo mais elevado e com retornos ainda menores.
Este é um ciclo vicioso que está transformando toda a vida no mundo em mercadorias mortas que, por basear-se em um princípio de substitutividade infinita, nunca vai acabar a não ser que nós a forçamos.
DEFINA SUSTENTABILIDADE
O princípio da substitutividade infinita permeia toda a nossa cultura, vai além de seu uso comum pelas classes dominantes e pela indústria de combustíveis fósseis. De fato, analisando as alternativas atualmente propostas e discutidas ao longo de todo o movimento por sustentabilidade, vemos que elas estão igualmente vinculadas à mesma lógica – seja inconscientemente ou conscientemente.
A típica conversa a respeito de um futuro sustentável é geralmente baseada em algumas premissas fundamentais: (1) a nossa sociedade atual é inerentemente insustentável; (2) nós temos os recursos e a tecnologia para pesquisar e desenvolver alternativas; e (3) as energias renováveis, como a energia solar e eólica, podem fornecer energia suficiente para sustentar os padrões atuais de vida. Muitas vezes, nenhuma dessas premissas são esclarecidas, muito menos umas avaliadas criticamente ou desafiadas.
Até mesmo para começar a discutir sustentabilidade de uma forma definida, concreta, precisamos deixar claro o que queremos dizer. Indústrias e governos geralmente afirmam que as ações que tomam são medidas concretas rumo à sustentabilidade. Mas será que nós realmente acreditamos neles? É óbvio que a única coisa que realmente desejam é manter o seu poder.
Então, o que “sustentabilidade” significa no contexto de um movimento ambientalista?
Nós rapidamente reconhecemos que nossa sociedade atual é inerentemente insustentável por meio da óbvia realidade de que nossa sociedade, em sua busca por crescimento infinito em um planeta finito, simplesmente não pode durar para sempre e está rapidamente esgotando a capacidade da Terra de sustentar a vida das futuras gerações.
Nesta definição, a meta da sustentabilidade não é descobrir como manter as estruturas e modos de vida atuais no futuro, mas sim, descobrir como manter a possibilidade de vida pelas várias gerações futuras que virão. Estas são duas definições distintas, com implicações e objetivos divergentes.
Quando o nosso movimento se baseia na premissa de que temos os recursos e tecnologia para pesquisar e desenvolver alternativas, estamos essencialmente nos desviando dos problemas reais. Esta premissa, que permanece inquestionada, apóia a idéia de que simplesmente substituindo recursos cada vez mais escassos, desatualizados e destrutivos por recursos mais equitativos, benéficos e progressivos (por exemplo, energia solar e eólica) podemos resolver, sem rodeios, a atual crise ecológica. Pelo seu valor superficial, é difícil ver como essa premissa diferente da indústria de combustíveis fósseis e do princípio da infinita substitutividade.
Neste momento, a energia retornada por energia investida (EROEI) de quase todas as energias “renováveis” é significativamente baixa em comparação com os combustíveis fósseis, ainda mais baixa do que a maioria dos processos de extração não convencionais, como a perfuração em águas profundas, o fraturamento hidráulico, a remoção do cume de montanhas e a produção de petróleo de areias betuminosas. A indústria espera poder continuar usando essas práticas até que se tornem economicamente inviáveis ou até que o EROEI dessas fontes caia abaixo do de energias “renováveis”, um processo que já podemos ver que está em desenvolvimento já algumas empresas multinacionais já estão incentivando esta transição.
Se reduzirmos as nossas metas de sustentabilidade a uma questão de substituição, e seguirmos com a premissa de que as energias renováveis podem fornecer energia suficiente para sustentar os padrões de vida atuais, estaremos aceitando acriticamente a idéia de que nossos padrões de vida atuais são aceitáveis e ideais para o futuro. Isso não só apaga completamente a história de violência que fornece o alicerce esse modo de vida, mas também, em última análise, sugere que essa violência deve continuar a fim de elevar o resto do mundo a estes padrões.
Devemos fundamentalmente nos perguntar: estamos tentando manter o nosso padrão de vida de alta-energia/alta-tecnologia (que está, sem dúvida, destruindo o planeta), ou estamos tentando sustentar a capacidade do planeta de ser propício a toda a vida?
O ponto aqui não é afirmar que não devemos procurar alternativas ou construí-las, mas que devemos ter cuidado para não cair na lógica da cultura dominante a qual alegamos nos opor. Quando nossas soluções começam a soar quase idênticas às soluções propostas pelas classes dominantes, devemos nos preocupar. Talvez a solução não esteja enraizada na substituição de tecnologias/recursos por outros novos, mas sim, no abandono completo dessas tecnologias/recursos.
Será que vamos entender, como fizeram algumas sociedades no passado, que o custo de superar nossos problemas é muito alto em relação aos benefícios conferidos? Será que vamos entender que não resolver o problema de tecnologia/recursos de nossos altos padrões de vida é a opção mais econômica e justa?
Referências:
[1] Tainter, Joseph. The Collapse of Complex Societies, pg. 212
[2] Catton Jr., William. Destructive Momentum: Could An Enlightened Environmental Movement Overcome it?